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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de setembro de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial – Imposto sobre o valor acrescentado – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 9.°, n.° 1 – Artigo 13.°, n.° 1 – Sujeitos passivos – Interpretação da expressão ‘de modo independente’ – Organismo municipal – Atividades económicas desenvolvidas por uma entidade organizacional municipal numa qualidade diferente da de autoridade pública – Possibilidade de qualificar essa entidade de ‘sujeito passivo’ na aceção das disposições da Diretiva 2006/112 – Artigos 4.°, n.° 2, e 5.°, n.° 3, TUE»

No processo C-276/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por decisão de 10 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de junho de 2014, no processo

Gmina Wrocław

contra

Minister Finansów,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice-presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz, A. Ó Caoimh, J.-C. Bonichot, C. Vajda, presidentes de secção, E. Levits, A. Arabadjiev, M. Safjan, A. Prechal, E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund (relator) e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado-geral: N. Jääskinen,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de maio de 2015,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Gmina Wrocław, por L. Mazur, K. Sachs, A. Błędowski e A. Januszkiewicz, na qualidade de consultores fiscais,

–        em representação do Minister Finansów, por J. Kaute e T. Tratkiewicz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e A. Kramarczyk-Szaładzińska, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo grego, por K. Paraskevopoulou e I. Kotsoni, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany-Hornung e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 30 de junho de 2015,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre o Gmina Wrocław (município de Wrocław, Polónia) e o Minister Finansów (Ministro das Finanças, a seguir «ministro»), a respeito da possibilidade de qualificar de sujeito passivo de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») uma entidade sujeita ao orçamento municipal.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva IVA revogou e substituiu a partir de 1 de janeiro de 2007 a Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»). Em conformidade com os considerandos 1 e 3 da Diretiva IVA, a reformulação da Sexta Diretiva era necessária a fim de apresentar todas as disposições aplicáveis de forma clara e racional numa estrutura e redação adaptadas, sem introduzir, em princípio, alterações substanciais.

4        O considerando 65 da Diretiva IVA enuncia:

«Atendendo a que os objetivos da presente diretiva não podem ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros pelos motivos acima referidos e podem, pois, ser melhor alcançados ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.° do Tratado. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para atingir aqueles objetivos.»

5        O artigo 9.°, n.° 1, desta Diretiva, que reproduz, em substância, os termos do artigo 4.°, n.os 1 a 3, da Sexta Diretiva, dispõe:

«Entende-se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende-se por ‘atividade económica’ qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

6        O artigo 13.°, n.° 1, da mesma Diretiva, que corresponde, em substância, ao artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Diretiva, prevê:

«Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

Em qualquer caso, os organismos de direito público são considerados sujeitos passivos no que se refere às atividades referidas no [a]nexo I, na medida em que estas não sejam insignificantes.»

 Direito polaco

7        O artigo 15.°, n.os 1 e 6, da Lei de 11 de março de 2004, relativa ao imposto sobre bens e serviços (Dz.U. nr 54, poz. 535 ze zm.), conforme alterada (a seguir «lei do IVA »), dispõe:

«1.      São sujeitos passivos as pessoas coletivas, as entidades organizacionais sem personalidade jurídica e as pessoas singulares com uma atividade económica independente mencionada no n.° 2, quaisquer que sejam as finalidades e os resultados dessa atividade.

[...]

6.      Não são considerados sujeitos passivos os órgãos da administração pública e as autoridades que lhes estão subordinadas, na medida em que exerçam funções definidas em disposições legislativas especiais e para cujo exercício foram contratados, com exceção de operações realizadas em virtude de contratos de direito privado.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

8        O litígio que opõe o município de Wrocław ao ministro diz respeito ao estatuto fiscal perante o IVA das entidades sujeitas ao orçamento municipal que estão ligadas a esse município.

9        Resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que o município de Wrocław exerce as missões que lhe incumbem nos termos da Lei de 8 de março de 1990 sobre os municípios (Dz.U. z 2001 r. nr 142, poz. 1591 ze zm.), através de 284 entidades sujeitas ao orçamento municipal e estabelecimentos territoriais sujeitos ao orçamento, nomeadamente, escolas, casas de cultura, serviços do distrito de inspeção e polícia.

10      Desejando obter uma tomada de posição do ministro sobre a questão de saber quem deve ser considerado sujeito passivo de IVA, a entidade sujeita ao orçamento ou o município, quando aquela entidade realiza operações sujeitas a IVA, o município de Wrocław apresentou ao ministro um pedido de parecer vinculativo sobre a lei do IVA. Segundo o município, o facto de apenas o município preencher o critério previsto no artigo 15.°, n.os 1 e 2, da lei do IVA no tocante ao exercício independente de uma atividade económica deve levar a Administração Fiscal a considerar que só o município pode ser sujeito passivo de IVA relativamente às atividades económicas realizadas pela entidade sujeita ao orçamento.

11      Nos seus pareceres, o ministro considerou, no entanto, que, uma vez que as entidades sujeitas ao orçamento municipal distintas da estrutura do município de Wrocław realizam, segundo critérios objetivos, atividades económicas de modo independente e executam nesse momento atividades sujeitas a IVA, devem ser consideradas elas próprias sujeitos passivos de IVA.

12      O município de Wrocław interpôs para o Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (tribunal administrativo de Wrocław) recursos de anulação daqueles pareceres, os quais não obtiveram provimento. O município interpôs das sentenças recurso de cassação para o Naczelny Sąd Administracyjny.

13      O Naczelny Sąd Administracyjny, em formação ordinária, considerando que o recurso coloca questões sérias, decidiu remeter o processo para uma formação alargada, para que esta se pronunciasse sobre a questão da sujeição a IVA de uma entidade sujeita ao orçamento municipal.

14      A formação alargada considerou que, para determinar se uma entidade sujeita ao orçamento municipal exerce uma atividade económica de modo independente, por um lado, é preciso tomar em consideração simultaneamente a regulamentação nacional do IVA e a Diretiva IVA. No que diz respeito ao artigo 9.°, n.° 1, desta diretiva, aquela formação salientou que existe alguma divergência entre as diferentes versões linguísticas daquela disposição, porquanto algumas utilizam a expressão «de modo independente» e outras a expressão «de modo autónomo». Devido a esta divergência, a doutrina coloca o acento na importância na importância de uma interpretação teleológica da referida disposição, considerando, em consonância com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que qualquer pessoa que exerça uma atividade económica de modo independente é sujeito passivo de IVA. Por outro lado, há que analisar o estatuto jurídico dessa entidade em face da constituição polaca.

15      No tocante ao estatuto jurídico, a formação alargada salientou, em substância, que um município, enquanto pessoa coletiva territorial de base, tem personalidade jurídica e goza do direito de propriedade e de outros direitos patrimoniais, ao passo que uma entidade sujeita ao orçamento municipal é uma entidade organizacional sem personalidade jurídica. Cabe ao município decidir sobre a criação, o domínio de competência, a dependência e a liquidação dessas entidades.

16      Uma entidade sujeita ao orçamento municipal não dispõe de bens próprios, mas, em contrapartida, gere bens do património do município que por este lhe foram confiados. Toda a atividade sujeita a IVA é realizada em nome e por conta do município até ao limite dos recursos que o município lhe atribui por decisão orçamental para um ano de referência.

17      Além disso, as despesas dessa entidade são cobertas diretamente pelo orçamento do município e as receitas são creditadas na conta deste último. Assim, no plano financeiro, não existiria qualquer ligação entre o resultado financeiro gerado pelas atividades económicas realizadas por uma entidade sujeita ao orçamento municipal e as despesas por elas geradas nem, por essa razão, risco financeiro decorrente das operações tributadas. O volume de despesas de uma entidade sujeita ao orçamento municipal não estaria assim ligado ao montante das receitas por ela realizadas, de que, aliás, não pode dispor. Da mesma forma, uma entidade sujeita ao orçamento municipal não responde pelos danos causados pelas suas atividades, sendo o município o único responsável.

18      Tendo em conta estas considerações, o Naczelny Sąd Administracyjny, na sua formação alargada, respondendo à questão colocada pela formação ordinária, decidiu que, segundo o direito nacional, as entidades sujeitas ao orçamento municipal, devido a não terem autonomia na sua atividade económica, não são sujeitos passivos de IVA.

19      O Naczelny Sąd Administracyjny, na sua formação ordinária, interroga-se todavia sobre a questão de saber se, perante o direito da União, as mesmas consequências em matéria de sujeição a IVA podem ser tiradas da falta de autonomia dos organismos de direito público que executam operações sujeitas a IVA.

20      A este respeito, o Naczelny Sąd Administracyjny indica que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao critério da independência diz respeito às pessoas singulares e que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a relação entre o critério de independência constante na definição geral de sujeito passivo que figura no artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA e as disposições específicas do artigo 13.° da mesma relativamente aos organismos de direito público e, mais especificamente, sobre a questão de saber se esse critério deve estar preenchido para que tal organismo possa ser qualificado de sujeito passivo de IVA quanto às atividades que não relevam do exercício da autoridade pública.

21      Além disso, aquele tribunal coloca igualmente a questão de saber como se devem interpretar estas duas disposições à luz do princípio da autonomia institucional e da subsidiariedade previsto nos artigos 4.°, n.° 2, e 5.°, n.° 3 TUE.

22      Foi nestas condições que o Naczelny Sąd Administracyjny decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Pode, à luz do artigo 4.°, n.° 2, em conjugação com o artigo 5.°, n.° 3, do [TUE], uma entidade organizacional municipal (uma autarquia local na Polónia) ser considerada sujeito passivo para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado quando exerce atividades diferentes das exercidas na qualidade de autoridade pública, na aceção do artigo 13.° da Diretiva [IVA], apesar de não cumprir o pressuposto da autonomia (independência) previsto no artigo 9.°, n.° 1, dessa diretiva?»

23      O Governo polaco, ao abrigo do artigo 16.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requereu a formação do Tribunal de Justiça em Grande Secção.

 Quanto à questão prejudicial

24      Com a sua questão, o tribunal de reenvio procura, em substância, saber se o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que os organismos de direito público, como as entidades sujeitas ao orçamento municipal em causa no processo principal, podem ser qualificadas de sujeitos passivos de IVA quando não preenchem o critério de independência previsto naquela disposição.

25      Para determinar o alcance de uma disposição de direito da União, há que ter simultaneamente em conta os seus termos, o seu contexto e os seus objetivos. Além disso, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia (acórdão Comissão/Suécia, C-480/10, EU:C:2013:263, n.° 33 e jurisprudência referida).

26      A Diretiva IVA, que visa instituir um sistema comum de IVA, atribui um campo de aplicação muito amplo ao IVA. Para a aplicação uniforme desta diretiva, importa que as noções que definem esse campo de aplicação, tais como as de operação tributável, de sujeito passivo e de atividade económica, tenham uma interpretação autónoma e uniforme, independentemente dos objetivos e dos resultados das operações em causa (v., neste sentido, acórdão Halifax e o., C-255/02, EU:C:2006:121, n.os 48 a 56).

27      A Diretiva IVA inclui um título III consagrado à noção de «sujeito passivo». Nos termos da primeira disposição deste título, a saber, o artigo 9.°, n.° 1, da diretiva IVA, «[e]ntende-se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade».

28      Os termos utilizados nessa disposição, designadamente a expressão «qualquer pessoa», dão da noção de «sujeito passivo» uma definição muito ampla, centrada na independência no exercício de uma atividade económica, no sentido de que, como salientou o advogado-geral nos n.os 28 e 29 das suas conclusões, todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, mesmo as entidades destituídas de personalidade jurídica, que, objetivamente, preencham os critérios que figuram nessa disposição, devem ser consideradas sujeitos passivos de IVA.

29      No entanto, por derrogação desta regra geral de sujeição prevista no artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA, o artigo 13.°, n.° 1, da mesma exclui os organismos de direito público da qualidade de sujeito passivo relativamente às atividades ou operações económicas que exerçam na qualidade de autoridades públicas, a menos que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas (acórdão Comissão/Países Baixos, C-79/09, EU:C:2010:171, n.° 77).

30      Assim, para que um organismo de direito público possa ser qualificado de sujeito passivo na aceção da Diretiva IVA, deve, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 1, da mesma, exercer uma atividade económica de modo independente.

31      No que diz respeito ao processo principal, há que salientar que o caráter económico das atividades em causa está fora de discussão. Está igualmente assente que estão em causa atividades que não relevam da exceção prevista no artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva IVA.

32      A questão que se coloca é a de saber se as entidades sujeitas ao orçamento municipal, como as que estão em causa no processo principal, exercem de modo independente as atividades económicas em análise e devem, por esse facto, ficar sujeitas a IVA.

33      Para determinar se tal entidade exerce atividades económicas de modo independente, há que verificar, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, se, no exercício dessas atividades, se encontra numa relação de subordinação perante o município a que está ligada (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Países Baixos, 235/85, EU:C:1987:161, n.° 14; Ayuntamiento de Sevilla, C-202/90, EU:C:1991:332, n.° 10; FCE Bank, C-210/04, EU:C:2006:196, n.os 35 a 37; e Comissão/Espanha, C-154/08, EU:C:2009:695, n.os 103 a 107).

34      A este respeito, como salientou o advogado-geral nos n.os 40 e 41 das suas conclusões, para apreciar a existência desta relação de subordinação, há que verificar se a pessoa em causa desenvolve as suas atividades em seu nome, por sua conta e sob a sua própria responsabilidade e ainda se é ela que suporta o risco económico decorrente do exercício dessas atividades. Para verificar a independência das atividades em questão, o Tribunal de Justiça teve, assim, em conta a ausência total de uma relação de subordinação hierárquica com a autoridade pública por parte dos operadores não integrados na administração pública, assim como o facto de agirem por sua própria conta e sob a sua própria responsabilidade, de organizarem livremente as modalidades de execução do seu trabalho e de arrecadarem eles próprios os emolumentos que constituem os seus rendimentos (v., neste sentido, acórdãos Comisão/Países Baixos, 235/85, EU:C:1987:161, n.° 14; Heerma, C-23/98, EU:C:2000:46, n.° 18; e van der Steen, C-355/06, EU:C:2007:615, n.os 21 a 25).

35      Neste contexto, há que precisar, como indicado no n.° 44 das conclusões do advogado-geral, que os mesmos critérios de apreciação da condição de independência no exercício das atividades económicas podem ser aplicáveis às pessoas de direito público e às pessoas de direito privado.

36      A este respeito, a utilização de expressões que não são exatamente as mesmas em todas as versões linguísticas do artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA não põe em causa esta conclusão. Com efeito, tanto a expressão «de modo independente» como a expressão «de maneira autónoma» exprimem a necessidade de apreciar a relação de subordinação no exercício de uma atividade económica.

37      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que as entidades sujeitas ao orçamento municipal em causa no processo principal desenvolvem as atividades económicas que lhes são confiadas em nome e por conta do município de Wrocław e que não respondem por danos causados por essas atividades, cabendo essa responsabilidade exclusivamente ao município.

38      Resulta igualmente desta decisão que estas entidades não correm o risco económico ligado ao exercício das referidas atividades, na medida em que não dispõem de património próprio, não geram receitas próprias e não suportam os custos relativos a essas atividades, uma vez que as receitas obtidas são creditadas no orçamento do município de Wrocław e as despesas são diretamente imputadas ao orçamento do mesmo município.

39      Por conseguinte, como também constatou o Naczelny Sąd Administracyjny, na formação alargada, um município, como o de Wrocław, e as entidades sujeitas ao seu orçamento devem ser consideradas, numa situação como a do processo principal, como um único e mesmo sujeito passivo na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA.

40      Finalmente, a fim de responder às interrogações do tribunal de reenvio, há que precisar, em primeiro lugar, que esta conclusão relativamente ao artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA, uma vez só tem que ver com a questão da sujeição a IVA das pessoas de direito público ou de direito privado, não afeta as garantias previstas no artigo 4.°, n.° 2, TUE.

41      Em segundo lugar, tal conclusão é igualmente conforme com o princípio da subsidiariedade, inscrito no artigo 5.°, n.° 3, TUE. Com efeito, como decorre do considerando 65 da Diretiva IVA, a finalidade desta, a saber, a harmonização das legislações dos Estados-Membros para estabelecer um sistema comum do IVA, pode ser melhor alcançada ao nível da União.

42      Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à questão prejudicial que o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que os organismos de direito público, como as entidades sujeitas ao orçamento municipal em causa no processo principal, não podem ser qualificadas de sujeitos passivos de IVA na medida em que não preenchem o critério de independência previsto naquela disposição.

 Quanto à limitação dos efeitos do presente acórdão no tempo

43      O Governo polaco, nas suas observações escritas, requereu ao Tribunal de Justiça que, caso considerasse que as entidades sujeitas ao orçamento municipal não podem ser consideradas sujeitos passivos de IVA, limitasse os efeitos do seu acórdão no tempo.

44      Importa recordar, a este respeito que, segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe é atribuída pelo artigo 267.° TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daqui se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se, por outro lado, se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos tribunais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v. acórdão Balazs, C-401/13 e C-432/13, EU:C:2015:26, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

45      Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois requisitos essenciais, a saber, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v. acórdão Balazs, C-401/13 e C-432/13, EU:C:2015:26, n.° 50 e jurisprudência referida).

46      A este respeito, é suficiente constatar que o Governo polaco não demonstrou a existência de um risco de perturbações graves. Com efeito, na audiência, este governo admitiu não estar em condições de avaliar as repercussões económicas em questão.

47      Tendo em conta o que precede, não há que limitar os efeitos do presente acórdão no tempo.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que os organismos de direito público, como as entidades sujeitas ao orçamento municipal em causa no processo principal, não podem ser qualificadas de sujeitos passivos de imposto sobre o valor acrescentado na medida em que não preenchem o critério de independência previsto naquela disposição.

Assinaturas


* Língua do processo: polaco.