Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

15 de setembro de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 167.°, artigo 178.°, alínea a), artigo 179.° e artigo 226.°, ponto 3 – Dedução do imposto pago a montante – Emissão de faturas sem número de contribuinte ou sem número de identificação para efeitos do IVA – Legislação de um Estado-Membro que exclui a retificação ex tunc de uma fatura»

No processo C-518/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Niedersächsisches Finanzgericht (Tribunal das Finanças do Land da Baixa Saxónia, Alemanha), por decisão de 3 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de novembro de 2014, no processo

Senatex GmbH

contra

Finanzamt Hannover-Nord,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Lycourgos, E. Juhász, C. Vajda (relator) e K. Jürimäe, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de janeiro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Senatex GmbH, por D. Hippke, Prozessbevollmächtigter, e A. Hüttl, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier e M. Owsiany-Hornung, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 17 de fevereiro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Senatex GmbH ao Finanzamt Hannover-Nord (administração fiscal de Hanover-Norte, Alemanha, a seguir «administração fiscal»), a respeito da recusa desta última de admitir a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), pago a montante pela Senatex, relativamente aos anos em que as faturas que esta última detinha foram emitidas, com o fundamento de que essas faturas, na sua versão original, não satisfaziam as exigências impostas pela legislação fiscal nacional.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 63.° da Diretiva 2006/112:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

4        O artigo 167.° desta diretiva dispõe:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

5        Segundo o artigo 168.° da referida diretiva:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)       O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

6        O artigo 178.° da mesma diretiva prevê:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)      Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.°, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.° a 236.°, 238.°, 239.° e 240.°;

[...]»

7        O artigo 179.° da Diretiva 2006/112 tem a seguinte redação:

«O sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.°

Todavia, os Estados-Membros podem obrigar os sujeitos passivos que efetuem operações ocasionais referidas no artigo 12.° a exercerem o direito à dedução apenas no momento da entrega.»

8        O artigo 219.° desta diretiva dispõe:

«É assimilado a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.»

9        Nos termos do artigo 226.° da referida diretiva:

«Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes:

[...]

3)      O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.°, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;

[...]»

10      O artigo 273.° da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no Capítulo 3».

 Direito alemão

11      Em conformidade com o § 15, n.° 1, primeiro período, ponto 1, primeiro período, da Umsatzsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios, a seguir «UStG»), um empresário pode deduzir, a título de imposto pago a montante, o imposto legalmente devido relativo a entregas de bens e outras prestações que lhe tenham sido feitas por outro empresário no âmbito da atividade deste último (prestações a montante).

12      O § 15, n.° 1, primeiro período, ponto 1, segundo período, da UStG dispõe que o exercício do direito a dedução do IVA está sujeito à condição de o empresário possuir uma fatura emitida em conformidade com os §§ 14 e 14a da UStG. Tal fatura deve, nomeadamente, conter todos os elementos mencionados no § 14, n.° 4, pontos 1 a 9, da UStG.

13      Segundo jurisprudência constante do Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Federal das Finanças, Alemanha), os montantes do imposto pago a montante só podem ser deduzidos no decurso do período de tributação durante o qual estejam reunidos todos os pressupostos materiais do exercício do direito a dedução, na aceção do § 15, n.° 1, primeiro período, da UStG.

14      O § 31, n.° 5, do regulamento de execução do IVA (Umsatzsteuer-Durchführungsverordnung) dispõe, em geral, que uma fatura pode ser retificada quando não contenha todas as menções previstas no § 14, n.° 4, ou no § 14a da UStG ou quando as menções que nela figuram forem incorretas. Para o efeito, basta transmitir as menções em falta ou incorretas através de um documento que se refira especifica e claramente à fatura. Esta retificação está sujeita às mesmas exigências de forma e de conteúdo que as previstas no § 14 da UStG.

15      Nos casos particulares de menção incorreta ou injustificada do IVA, o § 14c, n.os 1 e 2, da UStG, prevê a aplicação por analogia do § 17, n.° 1, da UStG. Segundo esta disposição, a retificação de faturas produz efeitos não retroativamente mas em relação ao período durante o qual a fatura retificada é transmitida ao respetivo destinatário ou durante o qual é deferido o pedido de retificação após a eliminação do prejuízo que pode ser causado às receitas fiscais.

16      Caso a dedução seja recusada devido à falta ou à inexatidão de determinados elementos da fatura, o direito à dedução do IVA pode, no direito alemão, constituir-se, mediante correção da fatura, no momento da retificação. Nesse caso, embora as receitas obtidas pela administração fiscal do IVA continuem a ser as mesmas, a aplicação dos juros de mora previstos no § 233a do Código dos Impostos (Abgabenordnung) provoca encargos financeiros adicionais.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17      A Senatex explora uma empresa de comércio por grosso de têxteis. Em cada uma das suas declarações fiscais referentes aos anos de 2008 a 2011, indicou uma dedução do IVA pago a montante a título das notas das comissões que emitiu em relação aos seus agentes comerciais, assim como a título de faturas de um designer publicitário.

18      Em 21 de janeiro de 2013, a administração fiscal decidiu proceder, entre 11 de fevereiro e 17 de maio de 2013, a uma inspeção in loco para verificar se as declarações fiscais que a Senatex tinha apresentado relativamente aos anos de 2008 a 2011 estavam corretas. No âmbito desse controlo, a administração fiscal considerou que uma dedução do IVA pago a montante a título das notas das comissões pagas pela Senatex aos seus agentes comerciais não era possível, uma vez que essas notas não constituem faturas regulares, na aceção das disposições conjugadas do § 15, n.° 1, e do § 14, n.° 4, da UStG. Com efeito, segundo esta administração, esses documentos não continham, fosse nas notas das comissões ou nos respetivos anexos, o número de contribuinte ou o número de identificação para efeitos do IVA do seu destinatário. Além disso, as referidas notas não se referiam a nenhum outro documento do qual essas indicações poderiam ter sido deduzidas. Pelas mesmas razões, a administração fiscal concluiu que a dedução efetuada a título das faturas emitidas pelo designer publicitário também não era permitida.

19      Em 2 de maio de 2013, durante o período em que a inspeção in loco ainda decorria, a Senatex retificou as notas das comissões referentes aos anos de 2009 a 2011 em relação aos seus agentes comerciais, de modo que a menção do número de contribuinte ou do número de identificação para efeitos do IVA de cada agente comercial foi acrescentado a esses documentos. As faturas do designer publicitário relativas aos anos de 2009 a 2011 também foram retificadas na mesma data, ou seja, durante a inspeção in loco.

20      Não obstante essas circunstâncias, a administração fiscal emitiu, em 2 de julho de 2013, avisos de liquidação retificativos relativos aos anos de 2008 a 2011, através dos quais reduziu, com base nas constatações feitas no âmbito da sua inspeção in loco, as quantias que a Senatex estava autorizada a deduzir a título do IVA, com o fundamento de que os requisitos dessa dedução não estavam reunidos em relação a esses anos, mas apenas se verificaram no momento da realização da retificação das faturas, ou seja, durante o ano de 2013.

21      Por carta de 19 de julho de 2013, a Senatex apresentou uma reclamação contra esses avisos de liquidação. Durante o processo de reclamação, verificou-se que a Senatex não tinha retificado as notas das comissões emitidas durante o ano de 2008 e objeto desses avisos de liquidação. Por conseguinte, só em 11 de fevereiro de 2014 essa sociedade retificou, em relação ao ano de 2008, as notas das comissões em relação aos seus agentes comerciais e as faturas do designer publicitário completando-as com a menção do respetivo número de contribuinte ou número de identificação para efeitos do IVA.

22      Por decisão de 3 de março de 2014, a administração fiscal indeferiu a reclamação da Senatex e manteve a sua posição segundo a qual, visto que os requisitos para uma dedução do IVA apenas ficaram reunidos no momento em que as retificações das faturas ocorreram, ou seja, durante os anos de 2013 e 2014, os efeitos da retificação de uma fatura não podiam retroagir à data do fornecimento da prestação que era objeto desse documento.

23      Foi contra esta decisão que a Senatex interpôs o seu recurso em 5 de março de 2014 no órgão jurisdicional de reenvio, o Niedersächsisches Finanzgericht (Tribunal das Finanças do Land da Baixa Saxónia, Alemanha). A Senatex considera que as retificações a que procedeu produzem efeito retroativo, uma vez que foram realizadas antes da última decisão administrativa, ou seja, a decisão da administração fiscal de 3 de março de 2014 que indeferiu a sua reclamação. Através do seu recurso, a Senatex pede, por conseguinte, ao órgão jurisdicional de reenvio que anule os avisos de liquidação retificativos emitidos pela administração fiscal no que respeita aos anos de 2008 a 2011.

24      Nestas circunstâncias, o Niedersächsisches Finanzgericht (Tribunal das Finanças do Land da Baixa Saxónia, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O efeito ex nunc de uma primeira faturação, declarado pelo TJUE no [seu acórdão de 29 de abril de 2004,] Terra Baubedarf Handel [(C-152/02, EU:C:2004:268)], é relativizado no caso de retificação de uma fatura incompleta – em causa neste processo – pelas decisões do Tribunal de Justiça nos [acórdãos de 15 de julho de 2010,] Pannon Gép [(C 368/09, EU:C:2010:441),] e [de 8 de maio de 2013,] Petroma Transport [(271/12, EU:C:2013:297), na medida em que o TJUE pretendeu para este tipo de casos […] admitir [em definitivo um] efeito retroativo?

2)      Quais os requisitos mínimos que uma fatura suscetível de retificação com efeito retroativo deve respeitar? Deve a fatura original conter já o número {de contribuinte] ou o número de identificação [para efeitos] do IVA ou estes dados podem ser acrescentados mais tarde, com a consequência de que a dedução do imposto pago a montante da fatura original se mantém?

3)      Deve a retificação da fatura ainda ser considerada tempestiva quando só é feita no quadro do processo de reclamação administrativa apresentada contra a decisão (aviso de liquidação retificativo) da autoridade tributária?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

25      Com as suas primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se os artigos 167.°, 178.°, alínea a), 179.° e 226.°, ponto 3, da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual a retificação de uma fatura que tem por objeto uma menção obrigatória, ou seja, o número de identificação para efeitos do IVA, não produz efeitos retroativos, pelo que o direito à dedução do IVA exercido em relação à fatura retificada não se refere ao ano durante o qual essa fatura foi inicialmente elaborada mas ao ano durante o qual a fatura foi retificada.

26      Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C-18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência referida).

27      O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, sejam quais forem os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência referida).

28      Nos termos do artigo 167.° da Diretiva 2006/112, o direito a dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Os requisitos materiais exigidos para a constituição deste direito são enumerados no artigo 168.°, alínea a), desta diretiva. Deste modo, para poder beneficiar do referido direito, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo na aceção da diretiva e, por outro, que os bens ou serviços invocados para justificar o direito a dedução sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens tenham sido entregues ou os serviços prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência referida).

29      No que respeita aos requisitos formais do direito a dedução, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o exercício desse direito está subordinado à posse de uma fatura emitida em conformidade com o disposto no artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 29). Nos termos do artigo 226.°, ponto 3, da referida diretiva, a fatura deve mencionar, nomeadamente, o número de identificação para efeitos do IVA ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços.

30      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o número de identificação para efeitos do IVA previsto no artigo 226.°, ponto 3, da Diretiva 2006/112 não constava inicialmente das faturas nem das notas controvertidas no processo principal, apenas tendo sido completado pela Senatex vários anos após a data de emissão desses documentos. Não é contestado que essas faturas e essas notas continham as outras informações obrigatoriamente previstas nesse artigo.

31      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Diretiva 2006/112 se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual o direito à dedução do IVA pode, nessas circunstâncias, ser exercido apenas para o ano em que a fatura inicial foi retificada e não para o ano em que essa fatura foi emitida.

32      Antes de mais, importa salientar que a Diretiva 2006/112 prevê a possibilidade de retificar uma fatura na qual certas menções obrigatórias tenham sido omitidas. Isto resulta do artigo 219.° desta diretiva, que estabelece que «[é] assimilado a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca».

33      É pacífico que as faturas controvertidas no processo principal foram devidamente retificadas.

34      Em seguida, é verdade que o Tribunal de Justiça confirmou no n.° 43 do acórdão de 15 de julho de 2010, Pannon Gép Centrum (C-368/09, EU:C:2010:441), e no n.° 34 do acórdão de 8 de maio de 2013, Petroma Transports e o. (C-271/12, EU:C:2013:297), que a Diretiva 2006/112 não proíbe que se proceda à retificação de faturas erradas. Todavia, como o advogado-geral salientou nos n.os 36 e 37 das suas conclusões, o Tribunal não abordou, nesses acórdãos, a questão do efeito no tempo dessa retificação sobre o exercício do direito à dedução do IVA.

35      A este respeito, importa recordar que, segundo o 179.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112, a dedução efetua-se subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA «em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.°». Daqui resulta que o direito à dedução do IVA deve, em princípio, ser exercido ao abrigo do período durante o qual, por um lado, esse direito surgiu e, por outro, o sujeito passivo está na posse de uma fatura (v., neste sentido, acórdão de 29 de abril de 2004, Terra Baubedarf-Handel, C-152/02, EU:C:2004:268, n.° 34).

36      Segundo o Governo alemão, ao proceder-se à retificação de uma fatura acrescentando um número de identificação para efeitos do IVA que não constava da fatura inicialmente emitida, a exigência de uma fatura que mencione o número de identificação para efeitos do IVA apenas fica satisfeita no momento dessa retificação, de modo que, por força dos artigos 178.° e 179.° da Diretiva 2006/112, o direito à dedução do IVA apenas pode ser exercido no momento da retificação.

37      A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que o Tribunal declarou reiteradamente que o direito à dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado e que esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C-18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência referida). O regime das deduções visa, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. Todavia, uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que aplica juros de mora aos montantes de IVA que considera serem devidos antes de uma retificação da fatura inicialmente emitida, impõe uma carga fiscal resultante do IVA a essas atividades económicas, às quais o sistema comum do IVA garante no entanto a neutralidade desse imposto.

38      Em segundo lugar, o Tribunal declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.° 42 e jurisprudência referida, e de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 43). Ora, como referido no n.° 29 do presente acórdão, a posse de uma fatura com as menções previstas no artigo 226.° da Diretiva 2006/112 constitui um requisito formal e não um requisito substancial do direito à dedução do IVA.

39      Em terceiro lugar, embora o Tribunal tenha declarado, no n.° 38 do acórdão de 29 de abril de 2004, Terra Baubedarf-Handel (C-152/02, EU:C:2004:268), que o direito a dedução deve ser exercido a título do período de declaração em que a entrega dos bens ou a prestação de serviços tenha sido efetuada e em que o sujeito passivo esteja na posse da fatura, há que salientar que o processo que deu origem a esse acórdão dizia respeito a uma empresa que não dispunha de fatura no momento em que exerceu o direito a dedução e que o Tribunal, por essa razão, não se pronunciou sobre os efeitos no tempo da retificação de uma fatura inicialmente emitida. Como o advogado-geral salientou no n.° 39 das suas conclusões, este processo distingue-se do processo principal na medida em que a Senatex dispunha das faturas no momento do exercício do seu direito à dedução do IVA e tinha pago o IVA a montante.

40      Em quarto lugar, o próprio Governo alemão reconheceu, na audiência, que, em certas circunstâncias, a retificação posterior de uma fatura, por exemplo com vista a corrigir um erro no número de identificação para efeitos do IVA que nela figura, não impede que o direito a dedução possa ser exercido em relação ao ano em que a fatura foi emitida. Em contrapartida, esse governo não apresentou razões convincentes para distinguir essas circunstâncias das circunstâncias do processo principal.

41      Por fim, importa precisar que os Estados-Membros são competentes para prever sanções em caso de inobservância dos requisitos formais relativos ao exercício do direito à dedução do IVA. Os Estados-Membros têm a faculdade de adotar, ao abrigo do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, não podendo essas medidas ir além do que é necessário para atingir tais objetivos nem pôr em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.° 62).

42      Na audiência, o Governo alemão indicou que o facto de diferir o direito à dedução do IVA até ao ano em que a fatura é corrigida constituía uma sanção. Todavia, a inobservância dos requisitos formais poderiam ser objeto de sanções diferentes da recusa do direito à dedução do imposto a título do ano da emissão da fatura, como a aplicação de uma multa ou de uma sanção pecuniária proporcionadas à gravidade da infração (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.° 63). Além disso, segundo a regulamentação em causa no processo principal, esse direito é diferido, com a consequente aplicação de juros de mora, sem tomar em conta as circunstâncias que exigiram a retificação da fatura inicialmente emitida, o que vai além do que é necessário para atingir os objetivos visados no número anterior do presente acórdão.

43      Tendo em conta o que precede, há que responder às primeira e segunda questões que os artigos 167.°, 178.°, alínea a), 179.° e 226.°, ponto 3, da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual a retificação de uma fatura que tem por objeto uma menção obrigatória, ou seja, o número de identificação para efeitos do IVA, não produz efeitos retroativos, pelo que o direito à dedução do IVA exercido em relação à fatura retificada não se refere ao ano durante o qual essa fatura foi inicialmente elaborada mas ao ano durante o qual a fatura foi retificada.

 Quanto à terceira questão

44      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questão de saber se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação ou a uma prática nacional nos termos da qual o direito à dedução do IVA é recusado a um sujeito passivo quando a retificação de uma fatura ocorre após a adoção pelas autoridades fiscais de uma decisão que recusa a dedução do IVA.

45      Esta questão visa, em substância, determinar se as autoridades fiscais podem considerar que uma retificação de uma fatura que tem por objeto uma menção obrigatória, nomeadamente o número de identificação para efeitos do IVA, ocorreu tardiamente quando ocorre apenas depois de essas autoridades terem adotado uma decisão que recusa a dedução do IVA.

46      Resulta claramente das observações do Governo alemão e da Senatex que, no processo principal, a administração fiscal declarou ter a intenção de admitir as faturas retificadas apresentadas pela Senatex e que não considera, portanto, que as retificações feitas pela Senatex tenham ocorrido tardiamente.

47      Nestas circunstâncias, não há que responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os artigos 167.°, 178.°, alínea a), 179.° e 226.°, ponto 3, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual a retificação de uma fatura que tem por objeto uma menção obrigatória, ou seja, o número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, não produz efeitos retroativos, pelo que o direito à dedução desse imposto exercido em relação à fatura retificada não se refere ao ano durante o qual essa fatura foi inicialmente elaborada mas ao ano durante o qual a fatura foi retificada.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.