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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

26 de maio de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial – Artigos 21.° e 45.° TFUE – Liberdade de circulação e de residência das pessoas e dos trabalhadores – Imposto sobre o rendimento – Pensão de reforma – Crédito de imposto para pensionistas – Requisitos de atribuição – Posse de uma folha de retenção de imposto emitida pela administração nacional»

No processo C-300/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo tribunal administratif (tribunal administrativo) (Luxemburgo), por decisão de 16 de junho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2015, no processo

Charles Kohll,

Sylvie Kohll-Schlesser

contra

Directeur de l’administration des contributions directes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, A. Borg Barthet e E. Levits (relator), juízes,

advogado-geral: M. Campos Sánchez-Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo luxemburguês, por D. Holderer, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e C. Soulay, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral, apresentadas na audiência de 16 de fevereiro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Charles Kohll e Sylvie Kohll-Schlesser, reformados, residentes no Luxemburgo, ao directeur de l’administration des contributions directes (diretor da Administração dos Impostos Diretos) pela recusa deste último em conceder a C. Kohll um crédito de imposto relativamente aos anos fiscais de 2009 a 2011.

 Quadro jurídico

 Direito luxemburguês

3        Nos termos do artigo 96.°, n.° 1, da Lei alterada de 4 de dezembro de 1967 relativa ao imposto sobre o rendimento (Mémorial A 1967, n.° 1228, a seguir «LIR»), na redação em vigor à data dos factos do processo principal:

«São considerados rendimentos resultantes de pensões ou de rendas:

1.      as pensões de reforma e as pensões de sobrevivência recebidas em razão de uma anterior atividade remunerada e as outras prestações e benefícios, mesmo que não periódicos ou contributivos, recebidos sob o mesmo título;

2.      as rendas, pensões ou outras prestações periódicas vencidas e as prestações acessórias pagas por uma Caixa de pensões autónoma, alimentada, no todo ou em parte, pelas contribuições dos segurados, assim como o montante para fins de educação e as rendas previstas no artigo 96a;

[...] »

4        Segundo o artigo 139 ter da LIR, introduzido nesta lei pelo artigo 1.°, ponto 24, da lei de 19 de dezembro de 2008 (Mémorial A 2008, p. 2622):

«(1)      É concedido a qualquer contribuinte que realize um rendimento resultante de pensões ou de rendas na aceção do artigo 96.°, [n.° 1, pontos] 1 e 2, cujo direito de tributação cabe ao Luxemburgo, e seja possuidor de uma folha de retenção de imposto um crédito de imposto para pensionistas (CIP). O crédito de imposto entra apenas uma vez em linha de conta para todas as pensões e rendas concedidas ao contribuinte.

(2)      O crédito de imposto para pensionistas é de 300 euros por ano. O montante mensal eleva-se a 25 euros. O crédito de imposto para pensionistas é limitado ao período em que o contribuinte beneficie de um rendimento que resulte de pensões ou de rendas na aceção e nas condições [do n.° 1]. É pago pela Caixa de pensões ou por qualquer outro devedor da pensão no decurso do ano fiscal a que se refere, segundo as modalidades a determinar pelo regulamento grão-ducal referido [no n.°] 4. Não é concedido um crédito de imposto para pensionistas no caso de rendimentos que não atinjam, pelo menos, 300 euros por ano ou 25 euros por mês. O crédito de imposto para pensionistas pode ser imputado e restituído ao pensionista exclusivamente no quadro da retenção de imposto sobre vencimentos e salários, efetuada pela Caixa de pensões ou qualquer outro devedor da pensão, com base numa folha de retenção de imposto.

(3)      A Caixa de pensões ou o devedor da pensão que tenha pago o crédito de imposto para pensionistas e o crédito de imposto monoparental tem direito a compensar os créditos concedidos com as retenções de imposto positivas ou, se for o caso, a pedir o reembolso dos créditos de imposto avançados segundo modalidades a determinar pelo regulamento grão-ducal indicado [no n.°] 4.

(4) As modalidades de aplicação do presente artigo podem ser precisadas através de regulamento grão-ducal.»

5        Nos termos do artigo 143.°, n.° 1, da LIR:

«Sem prejuízo das exceções a prever por regulamento grão-ducal, será elaborada para cada trabalhador uma folha de retenção de imposto contendo as indicações necessárias para a aplicação da taxa de retenção e destinada a que nela se inscrevam

a)      pela Administração dos Impostos Diretos, as regras especiais a observar na determinação da retenção;

b)      pela entidade empregadora, as remunerações pagas, as retenções efetuadas e os créditos de imposto concedidos.

[...]»

6        O artigo 144.° da LIR estabelece:

«As disposições dos artigos 136.° a 143.° são aplicáveis, por analogia, às pensões e às rendas vencidas previstas nos pontos  1 e 2 do artigo 96.°, [n.° 1]. As medidas de adaptação são fixadas por regulamento grão-ducal.»

7        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento grão-ducal de 19 de dezembro de 2008, que regula as modalidades de aplicação da concessão do crédito de imposto para pensionistas (Mémorial A 2008, p. 2645):

«O crédito de imposto para pensionistas (CIP) é atribuído pela Caixa de pensões ou por qualquer outro devedor da pensão aos seus pensionistas, que dispõem de uma folha de retenção de imposto em que se encontra a inscrição CIP. Se um crédito de imposto não estiver inscrito na folha de retenção ou se o pensionista não dispuser de uma folha de retenção, a Caixa de pensões ou qualquer outro devedor da pensão não pode conceder tal crédito de imposto.

[...]»

 Convenção entre o Grão-Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países Baixos destinada a evitar duplas tributações

8        A Convenção entre o Grão-Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países Baixos, destinada a evitar duplas tributações e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre a fortuna, assinada em Haia em 8 de maio de 1968, na versão em vigor à data dos factos do processo principal (a seguir «convenção preventiva da dupla tributação»), prevê, no seu artigo 19.°, que, sem prejuízo das disposições do artigo 20.°, n.° 1, dessa convenção, as pensões e outras remunerações semelhantes, pagas a um residente de um dos Estados a título de um trabalho dependente anterior, são tributáveis unicamente nesse Estado.

9        Nos termos do artigo 20.°, n.° 1, da referida convenção, as remunerações, incluindo as pensões pagas por um dos Estados partes na convenção, suas subdivisões políticas, coletividades locais ou outras pessoas coletivas de direito público, quer diretamente quer através de fundos que estes tenham constituído, a uma pessoa singular a título de serviços prestados a esse Estado, a essa subdivisão, coletividade ou outra pessoa coletiva de direito público no exercício de funções de caráter público, são tributáveis no referido Estado.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      C. Kohll e a esposa, S. Kohll-Schlesser, ambos de nacionalidade luxemburguesa, residem no Luxemburgo. C. Kohll recebe duas pensões de origem neerlandesa que provêm, respetivamente, da Shell International BV e da Sociale Verzekeringsbank (Caixa de Segurança Social). S. Kohll-Schlesser recebe também uma pensão desta última.

11      Em 20 de fevereiro de 2013, C. Kohll apresentou uma reclamação contra as notas de liquidação do imposto sobre o rendimento, emitidas relativamente aos anos de 2009 a 2011, dado que a administração fiscal luxemburguesa não lhe concedeu o crédito de imposto para pensionistas, previsto no artigo 139 ter da LIR (a seguir «crédito de imposto»).

12      Por decisão de 23 de setembro de 2013, o directeur de l’administration des contributions directes (direitor da Administração dos Impostos Diretos) indeferiu a reclamação de C. Kohll, por um lado, na parte que tinha por objeto os rendimentos auferidos no ano de 2009, por ser extemporânea e, consequentemente, inadmissível e, por outro, na parte que tinha por objeto os rendimentos auferidos nos anos de 2010 e 2011, confirmando que C. Kohll não tinha direito ao crédito por imposto e impondo-lhe liquidações complementares do imposto sobre o rendimento, a título daqueles anos.

13      Em 10 de dezembro de 2013, C. Kohll e S. Kohll-Schlesser interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio, o tribunal administratif (tribunal administrativo) (Luxemburgo), um recurso de anulação daquela decisão do directeur de l’administration des contributions directes (diretor da Administração dos Impostos Diretos).

14      Este órgão jurisdicional considera que o recurso de S. Kohll-Schlesser, que não tinha apresentado, em nome próprio, uma reclamação prévia ao directeur de l’administration des contributions directes (diretor da Administração dos Impostos Diretos) é inadmissível, mas declara, no entanto, admissível o recurso de C. Kohll. Este último contesta, nomeadamente, a compatibilidade do artigo 139 ter da LIR com o princípio da livre circulação dos trabalhadores, previsto no artigo 45.° TFUE.

15      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que o crédito de imposto é concedido a qualquer contribuinte que tenha um rendimento com origem em pensões ou rendas, na aceção do artigo 96.°, n.° 1, pontos 1 e 2 da LIR, desde que o direito de tributação pertença ao Grão-Ducado do Luxemburgo e o contribuinte possua uma folha de retenção de imposto.

16      Segundo este órgão jurisdicional, embora as pensões em causa no processo sejam tributáveis no Luxemburgo, está, em contrapartida, assente que C. Kohll não recebeu uma folha de retenção de imposto no que respeita às pensões relativamente às quais alega ter um crédito de imposto.

17      Nesta medida, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o artigo 139 ter da LIR pode, em consequência, induzir uma discriminação indireta, na medida em que essa disposição sujeita a concessão do crédito de imposto ao requisito de o beneficiário potencial possuir uma folha de retenção de imposto. Ora, este crédito de imposto não é concedido a pessoas que recebam salários ou pensões não sujeitos a retenção na fonte, como as pensões com origem no estrangeiro.

18      Nestas condições, o tribunal administratif (tribunal administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O princípio da livre circulação dos trabalhadores, inscrito, designadamente, no artigo 45.° TFUE, opõe-se às disposições do artigo 139 ter, n.º 1, da LIR, na medida em que reservam às pessoas que possuem uma [folha] de retenção de imposto o benefício do crédito [de imposto] nelas referido?»

 Quanto à questão prejudicial

19      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, que reserva o benefício de um crédito de imposto para pensionistas aos contribuintes que possuam uma folha de retenção de imposto.

 Quanto à liberdade em causa

20      A título preliminar, importa analisar se o artigo 45.° TFUE, cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode ser invocado numa situação como a que está em causa no processo principal e que respeita ao tratamento fiscal dado por um Estado-Membro às pensões de reforma pagas a um residente desse Estado-Membro por um devedor estabelecido noutro Estado-Membro.

21      Com efeito, o governo luxemburguês tem dúvidas quanto à aplicabilidade desta disposição ao litígio do processo principal e a Comissão Europeia considera que a referida disposição só seria aplicável se C. Kohll se tivesse tornado residente no Luxemburgo antes da sua passagem à reforma, a fim de procurar ou prestar trabalho neste Estado-Membro. Com efeito, o artigo 45.° TFUE não é aplicável à situação de C. Kohll se este se tiver instalado no Luxemburgo já beneficiando do estatuto de reformado e sem intenção de aí exercer uma atividade profissional.

22      A este respeito, há que recordar que qualquer nacional da União Europeia, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha exercido o direito de livre circulação dos trabalhadores e tenha exercido uma atividade profissional num Estado-Membro diferente do de residência, é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 45.° TFUE (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Petersen, C-544/11, EU:C:2013:124, n.° 34 e jurisprudência referida).

23      Em primeiro lugar, no que se refere à pensão paga pela Shell International a C. Kohll, está assente que esta tem origem no trabalho dependente anterior que o interessado prestou num Estado-Membro, neste caso nos Países Baixos, de que não é nacional e onde reside à data dos factos no processo principal.

24      Ora, tendo prestado trabalho dependente num outro Estado-Membro, C. Kohll exerceu o direito de livre circulação previsto no artigo 45.° TFUE.

25      O Tribunal de Justiça decidiu que o facto de uma pessoa já não estar vinculada por um contrato de trabalho não a priva da garantia de determinados direitos relacionados com a sua qualidade de trabalhador e que uma pensão de reforma, cuja concessão depende da existência prévia de um contrato de trabalho que chegou ao fim, integra essa categoria de direitos. Com efeito, o direito à pensão está intrinsecamente ligado à qualidade objetiva de trabalhador (v., neste sentido, acórdão de 15 de junho de 2000, Sehrer, C-302/98, EU:C:2000:322, n.° 30 e jurisprudência referida).

26      A situação de um contribuinte como C. Kohll, que beneficia de uma pensão paga em razão do trabalho dependente prestado num Estado-Membro de que não é nacional e em que reside à data dos factos do processo principal, é distinta da de uma pessoa que exerceu toda a sua atividade profissional no Estado-Membro de que é nacional e só fez uso do direito de residência noutro Estado-Membro depois da reforma, e que, consequentemente, não pode invocar a livre circulação garantida pelo artigo 45.° TFUE (v., neste sentido, acórdão de 9 de novembro de 2006, Turpeinen, C-520/04, EU:C:2006:703, n.° 16).

27      Por outro lado, esta consideração não é contrariada pelo acórdão de 19 de novembro de 2015 (Hirvonen, C-632/13, EU:C:2015:765), tendo o Tribunal de Justiça decidido, no n.° 21 desse acórdão, que uma pessoa reformada que deixa o Estado-Membro no qual passou a totalidade da sua vida profissional para se instalar noutro Estado-Membro pode invocar, quando a sua situação não se enquadre na livre circulação garantida pelo artigo 45.° TFUE, o direito à livre circulação enquanto cidadão da União, previsto no artigo 21.° TFUE.

28      Em consequência, um cidadão e residente de um Estado-Membro, como C. Kohll, pode invocar o artigo 45.° TFUE no que se refere à pensão de reforma paga em razão do trabalho dependente anteriormente prestado num Estado-Membro que não é nem aquele de que é nacional, nem aquele em que reside à data dos factos do processo principal, independentemente da questão de saber se, após ter trabalhado nesse outro Estado-Membro, se instalou no seu Estado-Membro de origem para procurar ou prestar trabalho.

29      Em segundo lugar, no que se refere à pensão paga pela Caixa da segurança social a C. Kohll, resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que as partes no processo principal não estão de acordo quanto ao fundamento jurídico para a concessão desta pensão ao interessado e quanto ao direito de tributação do Grão-Ducado do Luxemburgo, tendo em conta o artigo 20.°, n.° 1, da convenção preventiva da dupla tributação.

30      O órgão jurisdicional de reenvio, ao mesmo tempo que precisa que essa pensão é atribuída a qualquer pessoa que tenha residido nos Países Baixos independentemente da questão de saber se essa pessoa aí prestou trabalho dependente, considera, todavia, que está abrangida pelo artigo 19.° da Convenção preventiva de dupla tributação, ainda que essa disposição vise as pensões pagas pela prestação de trabalho dependente.

31      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o fundamento jurídico para o pagamento dessa pensão pela Caixa da segurança social a C. Kohll e, nomeadamente, verificar se essa pensão, ainda que seja a priori atribuída a qualquer residente neerlandês, tenha, todavia, sido atribuída neste caso a C. Kohll pelo trabalho dependente prestado nos Países Baixos, ou ainda se o montante da referida pensão é condicionado pela qualidade de trabalhador dependente do interessado. Em caso de resposta afirmativa, o artigo 45.° TFUE pode ser invocado no litígio do processo principal, pelas mesmas razões precisadas nos n.os 23 a 28 do presente acórdão.

32      Em contrapartida, se se concluir que nem a obrigação a cargo da Caixa da segurança social de pagar uma pensão a C. Kohll nem o montante desta última dependem da qualidade de trabalhador dependente do interessado, mas do facto de residir nos Países Baixos, pode ser invocado o artigo 21.° TFUE, que prevê, de um modo geral, o direito de todo o cidadão da União circular e residir livremente no território dos Estados-Membros.

33      Em consequência, uma vez que tanto o artigo 21.° TFUE como o artigo 45.° TFUE podem ser aplicados no processo principal, há que interpretar estas duas disposições.

34      A este respeito, a circunstância de, na questão submetida a título prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio ter unicamente referido o artigo 45.° TFUE não impede que o Tribunal de Justiça proceda também à interpretação do artigo 21.° TFUE.

35      Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional que lhe submeteu uma questão prejudicial, aquele Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência nas suas questões (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Petersen, C-544/11, EU:C:2013:124, n.° 24, e jurisprudência referida).

 Quanto à existência de uma restrição

36      Em primeiro lugar, no que diz respeito ao artigo 45.° TFUE, há que recordar que, mesmo que, segundo a sua redação, as disposições relativas à livre circulação de trabalhadores visem designadamente assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, opõem-se igualmente a que esse Estado de origem entrave a livre aceitação e o exercício de um emprego por um dos seus nacionais noutro Estado-Membro (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Petersen, C-544/11, EU:C:2013:124, n.° 36, e jurisprudência referida).

37      No caso vertente, segundo o direito nacional, o crédito de imposto é concedido aos contribuintes que aufiram um rendimento resultante de uma pensão de reforma tributável no Luxemburgo, cujo montante seja de, pelo menos, 300 euros por ano ou 25 euros por mês, e possuam uma folha de retenção de imposto.

38      Ora, como precisa o órgão jurisdicional de reenvio, o beneficiário de uma pensão de reforma não recebe uma folha de retenção de imposto quando essa pensão, ainda que seja tributável no Luxemburgo, não seja objeto de retenção na fonte nesse Estado-Membro, devido ao facto de, nomeadamente, o devedor da referida pensão estar estabelecido num outro Estado-Membro.

39      Daqui resulta que o benefício fiscal que o crédito de imposto constitui não é concedido aos contribuintes residentes no Luxemburgo cujas pensões, tributáveis neste Estado-Membro, tenham origem noutro Estado-Membro.

40      Ao criar uma diferença de tratamento entre os contribuintes residentes no Luxemburgo, em função do Estado-Membro de origem das pensões de reforma de que beneficiam, tributáveis no Luxemburgo, e ao recusar o benefício do crédito de imposto aos contribuintes cujo devedor da pensão está estabelecido no território de outro Estado-Membro, a legislação nacional em causa no processo principal pode dissuadir os trabalhadores de procurar ou de aceitar um emprego noutro Estado-Membro que não o Grão-Ducado do Luxemburgo.

41      Uma legislação desta natureza gera, portanto, uma restrição à livre circulação dos trabalhadores proibida, em princípio, pelo artigo 45.° TFUE.

42      Em segundo lugar, no que diz respeito ao artigo 21.° TFUE, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma legislação nacional que coloca determinados cidadãos nacionais numa situação de desvantagem pelo simples facto de estes terem exercido a sua liberdade de circulação e permanecerem noutro Estado-Membro constitui uma restrição às liberdades reconhecidas pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE a qualquer cidadão da União (acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Martens, C-359/13, EU:C:2015:118, n.° 25 e jurisprudência referida).

43      Com efeito, as facilidades concedidas pelo Tratado em matéria de livre circulação dos cidadãos da União não poderiam produzir a plenitude dos seus efeitos se um nacional de um Estado-Membro pudesse ser dissuadido de as exercer em virtude de obstáculos colocados à sua permanência noutro Estado-Membro por uma legislação do seu Estado de origem que o penalizasse pelo simples facto de as ter exercido (acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Martens, C-359/13, EU:C:2015:118, n.° 26 e jurisprudência referida).

44      No caso vertente, uma vez que o benefício fiscal que o crédito de imposto constitui é recusado ao contribuinte luxemburguês que exerceu a sua liberdade de circular e permanecer num Estado-Membro de que não é nacional e que beneficia, por força da sua permanência nesse Estado-Membro, de uma pensão paga por um devedor estabelecido neste último, esse contribuinte luxemburguês encontra-se em desvantagem relativamente aos contribuintes que não exerceram a sua liberdade de circular e permanecer noutro Estado-Membro. A legislação em causa no processo principal, que induz essa diferença de tratamento, é suscetível de dissuadir o contribuinte de exercer essa liberdade e constitui, assim, uma restrição às liberdades reconhecidas pelo artigo 21.° TFUE.

 Quanto à existência de uma justificação

45      Tais restrições apenas podem ser admitidas se respeitarem a situações que não são objetivamente comparáveis ou se forem justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral (v., designadamente, acórdão de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C-388/14, EU:C:2015:829, n.° 26).

46      No que diz respeito à questão de saber se as situações em causa são objetivamente comparáveis, há que recordar que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa (v., neste sentido, acórdãos de 25 de fevereiro de 2010, X Holding, C-337/08, EU:C:2010:89, n.° 22, e de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics UK, C-18/11, EU:C:2012:532, n.° 17).

47      A este respeito, o governo luxemburguês alega que o crédito de imposto foi instituído tendo em vista prosseguir uma política fiscal seletiva a favor de pessoas pertencentes aos estratos sociais mais vulneráveis, ao permitir-lhes dispor, através de um benefício fiscal, de um rendimento disponível mais elevado.

48      Ora, à luz desse objetivo, um contribuinte residente que receba uma pensão de reforma com origem noutro Estado-Membro não se encontra forçosamente em situação diferente de um contribuinte residente que receba essa pensão de um devedor estabelecido no seu Estado de residência, podendo ambos os contribuintes pertencer a estratos sociais mais vulneráveis.

49      A justificação da restrição apenas pode, por conseguinte, prender-se a razões imperiosas de interesse geral. É ainda necessário, nesta hipótese, que a restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e não vá além do necessário para alcançar esse objetivo (acórdão de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C-388/14, EU:C:2015:829, n.° 29 e jurisprudência referida).

50      A este respeito, o governo luxemburguês alega que o sistema de crédito de imposto é justificado pela necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional ao prever a concessão de um crédito de imposto que seja imputável e restituível, de um modo eficaz, equitativo e realizável, sem gerar, nomeadamente, uma carga administrativa desproporcionada.

51      Segundo este governo, por um lado, este sistema de crédito de imposto é o único que é praticável sem gerar constrangimentos administrativos desmesurados para as administrações, os devedores dos rendimentos e os administrados. Com efeito, só os organismos nacionais encarregados do pagamento das pensões e da entrega ao Tesouro do imposto retido, por um lado, dispõem de informações atualizadas que permitam conceder o crédito de imposto de um modo efetivo, justo e adequado e, por outro, podem simultaneamente imputar ou restituir, de modo direto e efetivo, esse crédito de imposto aos contribuintes em causa.

52      Além disso, o referido sistema é necessário para preservar a coerência do regime fiscal nacional no seu conjunto e existe, na legislação luxemburguesa, um nexo entre o sistema de cobrança do imposto, neste caso a retenção de imposto sobre os rendimentos de pensões na aceção do artigo 96.°, n.° 1, pontos 1 e 2, da LIR, e o crédito de imposto.

53      No que se refere, em primeiro lugar, às considerações de ordem administrativa e prática a que o governo luxemburguês faz referência, importa recordar que, efetivamente, o Tribunal de Justiça já decidiu que não pode ser negada aos Estados-Membros a possibilidade de prosseguirem objetivos legítimos introduzindo normas facilmente geridas e controladas pelas autoridades competentes (acórdão de 24 de fevereiro de 2015, Sopora, C-512/13, EU:C:2015:108, n.° 33 e jurisprudência referida).

54      Todavia, há que salientar que o que é controvertido no processo principal não é nem o sistema fiscal baseado na retenção na fonte, nem o caráter adequado e prático da entrega de uma folha de retenção de imposto, mas a recusa absoluta de conceder um benefício fiscal quando o contribuinte em causa não possa apresentar essa folha, mesmo que preencha os demais requisitos para poder beneficiar do referido benefício.

55      Ora, não se pode excluir a priori que um contribuinte esteja em condições de fornecer provas pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado-Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, a realidade e a natureza dos rendimentos de pensão provenientes de outro Estado-Membro (v., por analogia, acórdão de 27 de janeiro de 2009, Persche, C-318/07, EU:C:2009:33, n.° 53).

56      Com efeito, nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem a esse contribuinte as provas que entenderem necessárias para apreciarem se os requisitos de atribuição desse benefício, previstos pela legislação em causa, estão reunidos e, consequentemente, se há ou não que conceder o benefício solicitado (v., por analogia, acórdão de 27 de janeiro de 2009, Persche, C-318/07, EU:C:2009:33, n.° 54).

57      A este respeito, o governo luxemburguês não forneceu indicações sobre as razões que impediriam que se tomassem por base as informações apresentadas por um contribuinte que pede para obter o benefício do crédito de imposto.

58      Além disso, como salientou o advogado-geral no n.° 68 das suas conclusões, o governo luxemburguês, ao invocar as alegadas vicissitudes administrativas e o seu caráter desproporcionado, continua a ser vago quanto à sua natureza exata.

59      Em qualquer dos casos, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de as dificuldades práticas não poderem justificar, por si só, a restrição de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (acórdão de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, n.° 60 e jurisprudência referida).

60      Em segundo lugar, embora a necessidade de preservar a coerência de um sistema fiscal possa justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, para que um argumento baseado nessa justificação possa ter sucesso, o Tribunal de Justiça exige um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem por um determinado imposto, devendo o caráter direto deste nexo ser apreciado à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nesse sentido, acórdão de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida).

61      Ora, no caso vertente, o governo luxemburguês não invoca a existência de um nexo direto entre o crédito de imposto e um determinado imposto, sendo tributáveis no Luxemburgo as pensões provenientes de outro Estado-Membro, à semelhança das pensões de origem luxemburguesa, mas baseia-se na existência de um nexo entre o crédito de imposto e uma técnica de tributação, ou seja, a retenção na fonte, aplicada apenas às pensões cujo devedor esteja estabelecido no Luxemburgo. Por conseguinte, o benefício fiscal em causa no processo principal não é compensado por um determinado imposto, na aceção da jurisprudência referida no número precedente do presente acórdão.

62      Em consequência, há que declarar que as restrições que decorrem da aplicação da legislação fiscal em causa no processo principal, em princípio proibidas pelos artigos 21.° e 45.° TFUE, não podem ser justificadas pelos motivos invocados pelo governo luxemburguês.

63      Vistas as considerações precedentes, há que responder à questão colocada que os artigos 21.° e 45.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, que reserva o benefício de um crédito de imposto para pensionistas aos contribuintes que possuam uma folha de retenção de imposto.

 Quanto às despesas

64      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

Os artigos 21.° e 45.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, que reserva o benefício de um crédito de imposto para pensionistas aos contribuintes que possuam uma folha de retenção de imposto.

Assinaturas


* * Língua do processo: francês.