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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

5 de julho de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.o, n.o 1, alínea c) — Emissão de “créditos” que permitem licitar nos leilões em linha — Prestação de serviços a título oneroso — Operação prévia — Artigo 73.o — Valor tributável»

No processo C-544/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo First-tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido], por decisão de 17 de outubro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de outubro de 2016, no processo

Marcandi Ltd, que atua com o nome comercial Madbid,

contra

Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet (relator), M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado-geral: E. Tanchev,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de dezembro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Marcandi Ltd, por J. Brinsmead-Stockham, barrister, C. Van Zyl, solicitor, e A. Brown, advocate,

em representação do Governo do Reino Unido, por D. Robertson e Z. Lavery, na qualidade de agentes, assistidos por P. Mantle, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 7 de março de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 1, dos artigos 14.°, 24.°, 62.°, 63.°, 65.° e 73.° e do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Marcandi Ltd, que atua com o nome comercial Madbid, aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração Tributária e Alfandegária, Reino Unido) (a seguir «Administração Tributária») relativamente ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à venda de «créditos» que permitem participar nos leilões em linha.

Quadro jurídico

3

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva IVA:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)

As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]

c)

As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]»

4

O artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva define a entrega de bens como «a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário».

5

Nos termos do artigo 24.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Entende-se por “prestação de serviços” qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.»

6

O artigo 62.o da mesma diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

1)

“Facto gerador do imposto”, o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

2)

“Exigibilidade do imposto”, o direito que o fisco pode fazer valer nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.»

7

O artigo 63.o da Diretiva IVA prevê:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

8

O artigo 65.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«Em caso de pagamentos por conta antes da entrega de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna-se exigível no momento da cobrança e incide sobre o montante recebido.»

9

O artigo 73.o da referida diretiva prevê:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

10

O artigo 79.o da mesma diretiva dispõe:

«O valor tributável não inclui os seguintes elementos:

[…]

b)

Os abatimentos e bónus concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

A Marcandi é uma sociedade que tem sede no Reino Unido e que desenvolve atividades de venda em linha com o nome comercial Madbid (a seguir «Madbid»). A maioria dos produtos vendidos pela Madbid são os chamados produtos «high tech», tais como telemóveis, tablets, computadores, televisores. Ocasionalmente, a Madbid vende bens de maior valor, como, designadamente, automóveis.

12

O sítio Internet da Madbid permite aos seus utilizadores adquirir bens vendidos, quer por um preço determinado, na loja em linha, quer através dos leilões em linha.

13

Durante o período em causa no litígio no processo principal, a Madbid estava registada como sujeito passivo de IVA no Reino Unido e em vários outros Estados-Membros, designadamente na Alemanha.

14

Nos termos da cláusula 1.2 das suas condições gerais, a Madbid «explora um sítio de leilões mediante pagamento para participação nos mesmos». Os utilizadores que desejam participar nos leilões organizados pela Madbid são obrigados a adquirir à mesma, mediante pagamento, «créditos», que são necessários para licitar e não podem servir para outros fins. Em especial, esses «créditos» não podem ser utilizados para adquirir os bens vendidos na loja em linha. Também não podem ser convertidos em dinheiro.

15

Cada uma das páginas do sítio Internet da Madbid inclui um botão que permite ao utilizador aceder a uma página na qual são vendidos os «créditos». Quando são adquiridos, estes são incluídos no crédito da conta do utilizador. Cada «crédito» é identificado por um código único e é-lhe atribuído um valor monetário correspondente ao montante pago pelo utilizador. Por vezes, são atribuídos «créditos gratuitos» aos utilizadores. Com o valor de 0,00 libras esterlinas (GBP), tais créditos permitem apenas aos utilizadores participar nos leilões organizados pela Madbid. Esses «créditos gratuitos» expiram ao fim de 30 dias, enquanto os «créditos» pagos são válidos durante 180 dias.

16

Para cada leilão, é fixado um preço de base de 0,00 GBP, havendo uma a contagem decrescente correspondente ao tempo máximo estabelecido para licitar, que é geralmente de um minuto. A cada novo leilão, a contagem decrescente recomeça com a mesma duração da que foi inicialmente fixada. Para cada venda, é necessário um determinado número de «créditos» (entre 1 e 8) para licitar e o utilizador, ao carregar no botão «Licitar», utiliza os seus «créditos» até esse número. A licitação feita desta forma pelo utilizador aumenta 0,01 GBP à licitação anterior e torna-se na licitação mais alta para a venda em causa. O preço de venda afixado do bem também regista um aumento de 0,01 GBP.

17

O utilizador que vencer o leilão tem o direito de adquirir o bem pelo preço que licitou, acrescido de custos de envio e de gestão. O valor dos «créditos» utilizados para licitar durante esta venda esgota-se e, por conseguinte, não é deduzido ao preço do bem leiloado. Enquanto o bem não lhe tiver sido enviado, o utilizador dispõe do direito de anular a sua compra. Se for caso disso, será reembolsado no valor do preço com que ganhou a venda.

18

Por outro lado, existe uma função «Comprar Agora» que permite ao utilizador adquirir um bem igual ao que é objeto do leilão em que participa, por um preço que diminui em função do valor dos «créditos» que utilizou no decurso do mesmo para licitar nesta venda. Um utilizador que adquira um bem através da opção «Comprar Agora» durante um leilão não pode voltar a licitar nesse leilão.

19

Por último, a função «Desconto Ganho» permite ao utilizador que não venceu o leilão nem recorreu à função «Comprar Agora» obter um desconto que poderá usar posteriormente, na aquisição de um bem disponível na loja em linha da Madbid. Um «Desconto Ganho», cujo montante corresponde ao valor dos «créditos» que permitiram ao utilizador licitar no referido leilão, expira no prazo de 365 dias.

20

Se o utilizador que efetuou uma compra através das funções «Desconto Ganho» ou «Comprar Agora» anular a sua compra, tem direito ao reembolso no valor do montante que pagou pelos bens em causa, com exclusão do valor dos «créditos» que foram tidos em conta para chegar ao preço final a que os bens lhe foram vendidos.

21

Por decisão de 9 de dezembro de 2013, a Administração Tributária considerou que o montante pago pelos clientes da Madbid em troca de «créditos» representava a contrapartida de uma prestação de serviços efetuada no Reino Unido, a saber, a concessão do direito de participar nos leilões em linha organizados pela Madbid.

22

A Madbid interpôs recurso desta decisão no First-tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido] alegando que a emissão de «créditos» a favor dos seus clientes constitui, não uma prestação de serviços, mas uma simples «operação prévia», na aceção do Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts (C-270/09, EU:C:2010:780, n.o 24). A Madbid deduz desse facto que é devedora do IVA em razão, não da emissão de «créditos» a favor dos seus clientes, mas apenas das entregas de bens. A contraprestação dessas entregas incluía simultaneamente o preço pago pelo cliente pelo bem adquirido e o valor dos «créditos» gastos na aquisição desse bem. A título subsidiário, a Madbid alegou perante o órgão jurisdicional de reenvio que, se este último declarar que a emissão de «créditos» constitui uma prestação de serviços, há que considerar que essa prestação não é efetuada a título oneroso, para efeitos do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 73.o da Diretiva IVA.

23

A Administração Tributária alegou perante o referido órgão jurisdicional que, quando a Madbid concede «créditos» aos seus utilizadores, confere-lhes o direito, do qual o utilizador pode beneficiar imediatamente, de participar nos leilões em linha que organiza. Trata-se de uma prestação de serviços. Além disso, as funções «Comprar Agora» e «Desconto Ganho» são mecanismos promocionais no âmbito dos quais a Madbid concede um abatimento no preço de venda dos seus bens, na aceção do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva IVA.

24

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, numa decisão de 9 de julho de 2014, o Finanzamt Hannover-Nord (Autoridade Tributária de Hanôver-Norte, Alemanha) considerou que a venda de «créditos» pela Madbid não era nem uma entrega de bens nem uma prestação de serviços para efeitos de IVA. Segundo essa autoridade, a Madbid é devedora do IVA na Alemanha por entregas de bens que efetua a utilizadores estabelecidos nesse Estado-Membro. A contraprestação dessas entregas de bens inclui não apenas o preço pago pelo cliente pelo bem adquirido, a saber, o preço vencedor do leilão, o preço resultante da utilização da função «Comprar Agora» ou o preço após a dedução do «Desconto Ganho», mas igualmente o valor dos «créditos» utilizados para a aquisição desse bem, ou seja, o valor dos «créditos» que permitiram vencer o leilão ou gerar uma redução do preço através da função «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho». No que se refere aos utilizadores que compraram «créditos» e participaram num leilão sem o vencer, a Autoridade Tributária de Hanôver-Norte considera que foi só realizada uma prestação de serviços a favor dos mesmos se não tiverem efetuado nenhuma aquisição através da utilização do valor dos «créditos» que lhes permitiram licitar. A contraprestação desta prestação de serviços, sujeita ao IVA no Reino Unido, corresponde ao valor dos referidos «créditos».

25

Nestas circunstâncias, o First-tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Com base na correta interpretação dos artigos 2.°, n.o 1, 24.°, 62.°, 63.°, 65.° e 73.° da [Diretiva IVA], e em circunstâncias como as do processo principal:

a)

deve considerar-se que a emissão de créditos pela Madbid destinada aos utilizadores em troca de um pagamento em dinheiro constitui:

i)

uma “operação prévia” não compreendida no âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, [da Diretiva IVA], como a identificada pelo Tribunal de Justiça no [seu Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts (C-270/09, EU:C:2010:780)], nos n.os 23 a 42; ou

ii)

uma prestação de serviços efetuada pela Madbid na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), [desta diretiva], ou seja, a concessão do direito de participar em leilões em linha;

b)

caso se considere que a concessão do direito de participar em leilões em linha constitui uma prestação de serviços efetuada pela Madbid, trata-se então de uma prestação efetuada “a título oneroso” na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), [da referida diretiva], concretamente, o pagamento pela mesma (ou seja, o dinheiro recebido pela Madbid pago por um utilizador em troca dos créditos);

c)

a resposta à [primeira questão, alínea b)] será diferente se o pagamento dos créditos também conferir ao utilizador o direito de adquirir bens pelo mesmo valor no caso de não ter sucesso no leilão;

d)

no caso de a Madbid não efetuar uma prestação de serviços a título oneroso quando emite créditos para os seus utilizadores em troca de um pagamento em dinheiro, efetua essa prestação em qualquer outro momento;

e que princípios devem ser aplicados para responder a estas questões?

2)

Com base na correta interpretação [do artigo 2.o, n.o 1, dos artigos 14.°, 24.°, 62.°, 63.°, 65.° e 73.° e do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva IVA], em circunstâncias como as do processo principal, o que se deve entender pela contraprestação obtida pela Madbid pelas entregas de bens que efetua aos utilizadores, para efeitos [do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 73.o desta diretiva]?

Em particular, e tendo em conta a resposta à primeira questão:

a)

deve entender-se que o dinheiro pago por um utilizador à Madbid em troca de créditos é um “[pagamento por conta]” de uma entrega de bens compreendido no âmbito de aplicação do artigo 65.o [da Diretiva IVA], de modo que o IVA é “exigível” no momento da cobrança e que o pagamento efetuado pelo utilizador à Madbid é a contraprestação pela entrega de bens;

b)

se um utilizador adquirir bens através das opções Buy Now (Comprar Agora) ou Earned Discount (Desconto Ganho), deve o valor dos créditos usados na licitação em leilões, no caso de a licitação não ter êxito, que tem o efeito de gerar um “Desconto Ganho” ou reduzir o preço do “Comprar Agora” ser considerado:

i)

um “abatimento” na aceção do artigo 79.o, alínea b), [da Diretiva IVA], de modo que a contraprestação que a Madbid recebe pela entrega de bens é o dinheiro efetivamente pago à Madbid pelo utilizador no momento da aquisição dos bens e nada mais; ou

ii)

parte da contraprestação pela entrega de bens, de modo que essa contraprestação pela entrega de bens da Madbid inclui tanto o dinheiro pago à Madbid pelo utilizador no momento da aquisição dos bens como o dinheiro que o utilizador pagou pelos créditos que usou nas licitações sem êxito;

c)

se um utilizador exercer o direito de adquirir bens depois de vencer um leilão em linha, deve entender-se que a contraprestação pela entrega desses bens inclui apenas o preço declarado vencedor no leilão (acrescido de custos de envio e de gestão), ou o valor dos créditos que o vencedor usou para licitar nesse leilão também faz parte da contraprestação pela entrega desses bens efetuada pela Madbid;

ou que princípios devem ser aplicados para responder a estas questões?

3)

Quando dois Estados-Membros tratam uma operação de forma diferente para efeitos de IVA, em que medida devem os órgãos jurisdicionais de um desses Estados-Membros ter em conta, ao interpretar as disposições pertinentes do direito da União e do direito nacional, a necessidade de evitar:

a)

a dupla tributação da operação; e/ou

b)

a não tributação da operação;

e que relevância tem o princípio da neutralidade fiscal para responder a estas questões?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

26

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a emissão de «créditos» como os que estão em causa no processo principal, como contraprestação de um pagamento constitui uma «prestação de serviços efetuada a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, ou se deve ser considerada uma «operação prévia» à entrega de bens, na aceção do n.o 24 do Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts (C-270/09, EU:C:2010:780).

27

Importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou nesse acórdão que a aquisição de direitos contratuais, designados «direitos a pontos», que permitem receber pontos que podem ser convertidos, nomeadamente, num direito de ocupação temporária de um alojamento nos empreendimentos turísticos do prestador de serviços não era uma operação sujeita a IVA, mas uma operação prévia realizada para poder vir a exercer um direito de utilização periódica de uma residência, o direito de alojamento num hotel ou outro serviço. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que a compra de «direitos a pontos» não era, por isso, uma finalidade em si mesma para o cliente na medida em que este último celebrava o contrato inicial, não com a intenção de colecionar pontos, mas com vista a utilizar periodicamente uma residência ou de obter outros serviços que serão selecionados posteriormente (Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C-270/09, EU:C:2010:780, n.os 24 e 32).

28

O Tribunal de Justiça concluiu desse facto que a verdadeira prestação para cuja obtenção eram adquiridos os «direitos a pontos» era o serviço que consistia em colocar à disposição dos participantes neste programa diferentes contrapartidas possíveis, que podiam ser obtidas graças aos pontos que resultavam desses direitos (Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C-270/09, EU:C:2010:780, n.o 27).

29

No processo principal, é facto assente que os «créditos» permitem exclusivamente licitar no âmbito dos leilões organizados pela Madbid. Por conseguinte, o utilizador que adquire «créditos» fá-lo necessariamente com a intenção de poder participar nos referidos leilões.

30

Ora, este serviço apresenta, para os utilizadores, um interesse autónomo em relação à aquisição de bens na loja em linha da Madbid (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere, C-276/09, EU:C:2010:730, n.o 27). Com efeito, como salientou o advogado-geral no n.o 39 das suas conclusões, a participação nos leilões organizados pela Madbid dá aos utilizadores a possibilidade de adquirirem bens a um preço inferior ao seu valor de mercado.

31

No entanto, na medida em que os «créditos» emitidos pela Madbid não podem servir de pagamento para a compra de bens vendidos na sua loja em linha, que, como resulta do n.o 30 do presente acórdão, a partir da sua aquisição, estes «créditos» são identificados como representando a contraprestação da possibilidade concedida aos utilizadores de adquirir bens a preços inferiores ao seu valor de mercado e que os «créditos» utilizados para participar num leilão não são imputados ao preço de compra fixado na sequência de um leilão, a sua emissão não pode ser qualificada de «operação prévia» à entrega de um bem, na aceção do n.o 24 do Acórdão de 16 de dezembro de 2010, MacDonalds Resorts (C-270/09, EU:C:2010:780).

32

Por conseguinte, o direito reconhecido aos utilizadores que adquiriram esses «créditos» de participar nos leilões organizados pela Madbid constitui, em si mesmo, uma prestação de serviços de pleno direito que não pode ser confundida com a entrega de bens suscetível de ocorrer em resultado dos referidos leilões.

33

Essa conclusão impõe-se tanto mais quando o utilizador de «créditos» adquire um bem ao ativar as opções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho», uma vez que, se utilizou o serviço que os «créditos» adquiridos lhe permitem, a aquisição realizada pela ativação dessas opções representa uma operação independente desse serviço prestado como contraprestação da aquisição dos «créditos».

34

Contudo, a Madbid alega que, mesmo que a emissão de «créditos» deva ser considerada uma prestação de serviços, esta não é efetuada a título oneroso.

35

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva IVA, estão sujeitas ao IVA as prestações de serviços efetuadas «a título oneroso» no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo que atua nessa qualidade.

36

Segundo jurisprudência constante, uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção dessa disposição, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são trocadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço prestado ao beneficiário (Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, MacDonald Resorts, C-270/09, EU:C:2010:780, n.o 16 e jurisprudência referida, e de 20 de junho de 2013, Newey, C-653/11, EU:C:2013:409, n.o 40).

37

O Tribunal de Justiça declarou que esse é o caso se existir um nexo direto entre o serviço prestado e a contrapartida recebida, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efetiva de um serviço individualizável prestado no âmbito dessa relação jurídica (Acórdãos de 3 de março de 1994, Tolsma, C-16/93, EU:C:1994:80, n.os 13 e 14; de 16 de dezembro de 2010, Macdonald Resorts, C-270/09, EU:C:2010:780, n.os 16 e 26, e de 10 de novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 28).

38

No processo principal, resulta da cláusula 1.2 das condições gerais da Madbid que esta última «explora um sítio de leilões mediante pagamento para participação nos mesmos».

39

Com efeito, os utilizadores que pretendam participar nos leilões organizados pela Madbid são obrigados a adquirir «créditos» junto da mesma mediante pagamento. Esses «créditos» são necessários para licitar e não podem servir para outros fins. O número de «créditos» necessário para licitar varia em função da venda em leilão. Quando um utilizador faz uma licitação, os seus «créditos» são deduzidos nesse valor e o preço do bem leiloado aumenta em 0,01 GBP. O utilizador que vencer o leilão tem o direito de comprar o bem pelo preço que venceu, acrescido de custos de envio e de gestão. O valor dos «créditos» gastos para licitar no decurso deste leilão fica, contudo, esgotado. Por último, quando o utilizador que tenha vencido o referido leilão compra o bem leiloado e, em seguida, anula a sua compra, apenas lhe é reembolsado o montante do preço vencedor do leilão, com exclusão do valor dos «créditos» que utilizou para licitar.

40

Esses elementos indicam que o pagamento cobrado pela Madbid em troca dos «créditos» que emite constitui a contraprestação efetiva do serviço que presta aos seus utilizadores, que consiste na atribuição do direito de participar nos leilões que organiza.

41

Esta conclusão não é posta em causa pela circunstância de que, graças à função «Desconto Ganho», os utilizadores que não vencem o leilão veem o valor dos seus «créditos» convertido num desconto para uso posterior, quando adquiram um bem disponível na loja em linha da Madbid.

42

Da mesma forma, é irrelevante, a este respeito, o facto de um utilizador que carregou no botão «Comprar Agora» ter a possibilidade de adquirir um bem igual ao que é objeto do leilão por um preço reduzido, equivalente ao valor dos «créditos» utilizados para licitar neste leilão.

43

Por um lado, com efeito, apenas o valor dos «créditos» anteriormente utilizados para licitar pode ser deduzido ao preço dos bens adquiridos através das funções «Comprar Agora» e «Desconto Ganho».

44

Por outro lado, o utilizador que decide anular uma compra efetuada através das funções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho» é apenas reembolsado no valor do preço após o abatimento, acrescido dos custos de envio, com exclusão do valor dos «créditos» que foram tidos em conta no cálculo do preço que pagou pelos bens.

45

Assim, a argumentação da Madbid, segundo a qual a emissão de «créditos» representa o direito de o utilizador adquirir bens pelo valor desses «créditos», não corresponde à realidade económica e comercial, a qual constitui um critério fundamental para aplicação do sistema comum do IVA (Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey, C-653/11, EU:C:2013:409, n.o 42 e jurisprudência referida).

46

Decorre das considerações expostas que o pagamento cobrado pela Madbid em troca dos «créditos» que emite representa a contraprestação efetiva da prestação que constitui a atribuição do direito de participar nos leilões que organiza, a qual se distingue da entrega de um bem adquirido no seu sítio Internet.

47

A este respeito, importa precisar que, no processo principal, os utilizadores podem adquirir os bens vendidos na loja em linha da Madbid pagando as suas aquisições com cartão de crédito ou de débito, ou seja, sem participar nos leilões que a mesma organiza. Além disso, qualquer participação num leilão organizado pela Madbid não resulta necessariamente numa entrega de bens, quer porque o utilizador que venceu esse leilão opta por não adquirir o bem que venceu, quer porque, não tendo vencido o mesmo nem feito uso da função «Comprar Agora», obtém um desconto que não utiliza imediatamente.

48

Daqui decorre, como salienta o advogado-geral no n.o 58 das suas conclusões, que a emissão de «créditos» e a entrega de bens, na medida em que não constituem uma única prestação económica indivisível, não podem ser qualificadas de prestação única. Pelas mesmas razões, e tendo em conta a regra de que cada operação deve ser considerada distinta e independente da outra, a emissão de «créditos» e a entrega de bens também não podem ser qualificadas de acessórias uma em relação à outra.

49

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a emissão de «créditos» como os que estão em causa no processo principal, que permitem aos clientes de um operador licitar nos leilões organizados por este último, é uma prestação de serviços a título oneroso, cuja contraprestação é o montante pago em troca dos referidos «créditos».

Quanto à segunda questão

50

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 73.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o valor dos «créditos» utilizados para licitar está incluído na contraprestação cobrada pelo sujeito passivo em troca das entregas de bens que efetua a favor dos utilizadores que venceram um leilão que organizou ou daqueles que adquiriram um bem através das opções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho».

51

Em conformidade com o artigo 73.o da Diretiva IVA, o valor tributável, no caso de entregas de bens e de prestações de serviços efetuadas a título oneroso, compreende «tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro».

52

A este respeito, importa começar por recordar que, tal como resulta da resposta à primeira questão, o pagamento efetuado por um utilizador em troca dos «créditos» emitidos pela Madbid representa a contraprestação da concessão do direito de participar nos leilões que organiza.

53

Ora, como sublinha o advogado-geral no n.o 79 das suas conclusões, o montante pago como contraprestação por uma operação não pode constituir a contraprestação de outra operação, nem tão-pouco um pagamento por conta do pagamento da contraprestação de outra operação.

54

Importa assim assinalar, em resposta a uma pergunta do órgão jurisdicional de reenvio, que o pagamento efetuado por um utilizador em troca dos «créditos» não pode ser qualificado de pagamento por conta recebido antes da entrega de bens, na aceção do artigo 65.o da Diretiva IVA.

55

Além disso, a contraprestação da entrega de um bem vencido num leilão não pode incluir o montante pago em troca da emissão de «créditos» utilizados no mesmo, mas inclui apenas o preço vencedor do leilão e os custos de envio e de gestão.

56

Por último, o referido montante também não pode ser incluído na contraprestação da entrega posterior de bens adquiridos através das funções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho».

57

Como salienta o advogado-geral no n.o 92 das suas conclusões, o valor dos «créditos» utilizados para licitar, que é deduzido ao preço inicial resultante da utilização da opção «Comprar Agora» ou ao preço fixado na loja em linha, deve ser considerado um abatimento ao preço dos bens adquiridos através da utilização das opções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho». Por conseguinte, em conformidade com o artigo 79.o, alínea b), da Diretiva IVA, o valor desses «créditos» não pode fazer parte do valor tributável relativo à entrega de bens.

58

É esse o caso inclusivamente quando, numa aquisição de bens através das opções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho», o valor dos «créditos» gastos para licitar cobre a totalidade do preço inicial resultante da utilização da opção «Comprar Agora» ou do preço fixado na loja em linha.

59

Com efeito, como salientou o advogado-geral no n.o 102 das suas conclusões, não se pode considerar que os bens adquiridos nesse caso, contrariamente ao litígio em causa no Acórdão de 27 de abril de 1999, Kuwait Petroleum (C-48/97, EU:C:1999:203), tinham sido objeto de uma transmissão a título gratuito, uma vez que são entregues em troca de uma contraprestação identificável, a saber, respetivamente, o preço inicial resultante da utilização da opção «Comprar Agora» ou do preço fixado na loja em linha.

60

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 73.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o valor dos «créditos» utilizados para licitar não está incluído na contraprestação cobrada pelo sujeito passivo em troca das entregas de bens que efetua a favor dos utilizadores que venceram um leilão que organizou ou daqueles que efetuaram a sua aquisição através das opções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho».

Quanto à terceira questão

61

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, quando dois Estados-Membros tratam uma mesma operação de forma diferente para efeitos de IVA, devem os órgãos jurisdicionais de um desses Estados-Membros, quando interpretem as disposições pertinentes do direito da União e do direito nacional, ter em conta a necessidade de evitar a dupla tributação ou a dupla não tributação da operação à luz, nomeadamente, do princípio da neutralidade fiscal.

62

A este respeito, há que recordar que o artigo 267.o TFUE institui um mecanismo de reenvio prejudicial que se destina a evitar divergências na interpretação do direito da União, cuja aplicação cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de julho de 2011, Kelly, C-104/10, EU:C:2011:506, n.o 60 e jurisprudência referida).

63

Com efeito, o artigo 267.o TFUE atribui aos órgãos jurisdicionais nacionais a faculdade e, sendo caso disso, impõe-lhes a obrigação de reenvio a título prejudicial, consoante as suas decisões sejam ou não suscetíveis de ser objeto de um recurso judicial de direito interno, quando considerem que um processo neles pendente suscita questões relativas à interpretação de disposições do direito da União com base nas quais têm de decidir (v., neste sentido, Acórdão de 21 de julho de 2011, Kelly, C-104/10, EU:C:2011:506, n.o 61 e jurisprudência referida).

64

Por conseguinte, quando constatem que uma mesma operação é objeto de um tratamento fiscal diferente noutro Estado-Membro, os órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro chamados a pronunciar-se sobre um litígio que levanta questões sobre a interpretação das disposições do direito da União que necessitam de uma decisão da sua parte têm a faculdade, e mesmo a obrigação, de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

65

Quanto ao resto, importa precisar que a existência, num ou em vários Estados-Membros, de abordagens diferentes daquela que prevalece no Estado-Membro em causa não pode, em qualquer caso, levar os órgãos jurisdicionais deste último Estado a interpretar as disposições da Diretiva IVA de forma errada.

66

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que, quando interpretem as disposições pertinentes do direito da União e do direito nacional, os órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro que constatem que uma mesma operação é objeto de um tratamento diferente para efeitos de IVA noutro Estado-Membro, têm a faculdade, e mesmo a obrigação, consoante as suas decisões sejam ou não suscetíveis de ser objeto de um recurso judicial no direito interno, de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

Quanto às despesas

67

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que a emissão de «créditos» como os que estão em causa no processo principal, que permitem aos clientes de um operador licitar nos leilões organizados por este último, é uma prestação de serviços a título oneroso, cuja contraprestação é o montante pago em troca dos referidos «créditos».

 

2)

O artigo 73.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o valor dos «créditos» utilizados para licitar não está incluído na contraprestação cobrada pelo sujeito passivo em troca das entregas de bens que efetua a favor dos utilizadores que venceram um leilão que organizou ou daqueles que efetuaram a sua aquisição através das opções «Comprar Agora» ou «Desconto Ganho».

 

3)

Quando interpretem as disposições pertinentes do direito da União e do direito nacional, os órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro que constatem que uma mesma operação é objeto de um tratamento diferente para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado num outro Estado-Membro, têm a faculdade, e mesmo a obrigação, consoante as suas decisões sejam ou não suscetíveis de ser objeto de um recurso judicial no direito interno, de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.