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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

10 de janeiro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c) — Artigo 14.°, n.° 1 — Artigo 24.°, n.° 1 — Operações a título oneroso — Operações no caso de a contraprestação consistir parcialmente em bens e em serviços — Contrato de demolição — Contrato de compra para desmontagem»

No processo C-410/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), por decisão de 30 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2017, no processo instaurado por

A Oy,

sendo interveniente:

Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, E. Juhász C. Vajda (relator), juízes,

advogado-geral: N. Wahl,

secretário: Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de julho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da A Oy, por M. Kallio e H. Huhtala,

–        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e I. Koskinen, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), 14.°, n.° 1, e 24.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado pela A Oy em relação ao tratamento, para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), de operações efetuadas ao abrigo, por um lado, de um contrato de demolição, que estipula a obrigação de eliminação dos resíduos de demolição pelo prestador, resíduos que, na medida em que contêm sucata, podem, por força desse contrato, ser vendidos por este último, e, por outro, de um contrato de compra de bens para desmontagem, incluindo a obrigação de demolição ou desmontagem (a seguir, em conjunto, «desmontagem») e a remoção desses bens, assim como a remoção dos resíduos daí resultantes pelo adquirente.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)       As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

4        O artigo 14.°, n.° 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Entende-se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.»

5        O artigo 24.°, n.° 1, da referida diretiva enuncia:

«Entende-se por “prestação de serviços” qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.»

6        Nos termos do artigo 73.° da mesma diretiva:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

7        O artigo 199.°, n.° 1, alíneas a) e d), da Diretiva 2006/112 prevê:

«Os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:

a)      Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.° 3 do artigo 14.°;

[...]

d)       Entrega de materiais usados, materiais usados que não possam ser reutilizados no mesmo estado, desperdícios, resíduos industriais e não industriais, resíduos recicláveis, resíduos parcialmente transformados, sucata e certos bens e serviços específicos, enumerados no anexo VI».

8        Os pontos 1 e 4 do anexo VI desta diretiva, com a epígrafe «Lista das entregas de bens e das prestações de serviços referidas no artigo 199.°, n.° 1, alínea d)», têm a seguinte redação:

«1)      Entregas de resíduos ferrosos e não ferrosos, sucata e materiais usados, nomeadamente de produtos semiacabados resultantes do processamento, manufatura ou fusão de metais ferrosos e não ferrosos e suas ligas;

[...]

4)       Entregas, assim como prestações de certos serviços de transformação conexos, de resíduos ferrosos e não ferrosos, bem como de aparas, sucata, resíduos e materiais usados e recicláveis que consistam em pó de vidro, vidro, papel, cartão, trapos, ossos, couro, couro artificial, pergaminho, peles em bruto, tendões e nervos, cordéis, cordas, cabos, borracha e plástico».

 Direito finlandês

9        A arvonlisäverolaki (1501/1993) [Lei do imposto sobre o valor acrescentado (1501/1993)], de 30 de dezembro de 1993, na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «AVL»), que transpôs para o direito finlandês a Diretiva 2006/112, dispõe, no seu § 1, n.° 1, ponto 1:

«Deve ser cobrado IVA, nos termos das disposições da presente lei:

por qualquer venda de bens e serviços efetuada na Finlândia no âmbito de uma atividade comercial».

10      Nos termos do § 2, n.° 1, da AVL, quem está obrigado a pagar o IVA, a saber, o sujeito passivo, no caso de uma venda, no sentido do § 1 da AVL, é o vendedor do bem ou o prestador do serviço, salvo disposição em contrário, como o § 8d da AVL.

11      Esta última disposição prevê que o mecanismo de autoliquidação seja aplicável aos adquirentes de sucata de ferro e de resíduos, dado tratar-se de um profissional inscrito no registo dos sujeitos passivos de IVA.

12      Em conformidade com o § 17 da AVL, entende-se por «bem» um bem corpóreo, a eletricidade, o gás, a energia térmica, a energia de arrefecimento, bem como qualquer produto energético comparável. Entende-se por «serviço» tudo o que não constitui uma mercadoria e que pode ser vendido no âmbito de uma atividade económica.

13      Nos termos do § 18 da AVL, entende-se por «venda de um bem» a transmissão onerosa da propriedade do bem e a venda de uma prestação de serviço a realização de um serviço ou de outra prestação a título oneroso.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      A sociedade A é uma empresa especializada em serviços ambientais no setor da indústria e da construção. Opera em vários ramos da indústria, no setor imobiliário e de construção e presta os seus serviços ambientais na Finlândia e na Suécia. Os seus domínios de atividade incluem os serviços industriais e imobiliários, os serviços de demolição e os serviços de reciclagem e de tratamento de resíduos.

15      No âmbito das suas atividades, a A fornece, com base num contrato de demolição (a seguir «contrato de demolição»), trabalhos de demolição aos seus clientes. As cláusulas do contrato baseiam-se nas condições contratuais gerais estabelecidas pelas empresas do setor da construção para os contratos de construção. Em virtude deste contrato-tipo, esta empresa obrigou-se a demolir o edifício de uma antiga fábrica da sua cliente e a assumir as tarefas de empreiteiro principal e de empresa responsável pelo estaleiro e pela direção da obra. Segundo as condições gerais dos contratos de construção, são igualmente deveres da empresa o tratamento adequado dos materiais e a remoção dos resíduos.

16      Uma parte dos materiais e dos resíduos são sucatas e os resíduos mencionados no § 8d da AVL, por cuja venda é fiscalmente obrigado o adquirente. Trata-se de bens que a A pode previsivelmente vender a empresas que compram sucata reciclável. A mesma procura avaliar antecipadamente a quantidade desses bens e o preço a que pode vendê-los e tem-no em conta na fixação do preço no âmbito da elaboração de uma proposta para os trabalhos de demolição, para que o preço proposto ao cliente para estes trabalhos seja o mais concorrencial possível. O preço estimado dos referidos bens não é discutido ou fixado com o cliente ao abrigo do contrato de demolição, sendo sempre proposto um preço global ao cliente para as obras de demolição.

17      Além disso, no âmbito das suas atividades, a A compra aos seus clientes máquinas e aparelhos velhos que, em virtude de um contrato de compra e venda para desmontagem (a seguir «contrato de compra para desmontagem»), é obrigada a demolir ou a desmontar (a seguir, em conjunto, «desmontar») e a remover das instalações ou do local de estabelecimento do cliente em questão, e ainda a remover os resíduos daí resultantes, em conformidade com as condições fixadas no contrato. Um exemplo desse tipo de contrato é um contrato de aquisição de edifícios específicos no local de uma fábrica. O contrato prevê que a A compre os edifícios e as construções situados na superfície dos terrenos e adquira as máquinas, equipamentos e outro mobiliário e proceda à desmontagem e remoção dos bens que adquiriu.

18      Tendo em conta a natureza dos bens adquiridos, a desmontagem, a remoção e o tratamento adequado desses bens, bem como a remoção dos resíduos daí resultantes, dão origem a custos para a A que esta procura avaliar antecipadamente e ter em conta no preço que ela propõe, como fator que reduz o preço de compra. As partes no contrato não discutem estes custos nas suas negociações nem fixam o respetivo montante no contrato, não havendo a intenção de o comunicar em nenhum momento ao vendedor.

19      A mesma empresa solicitou uma decisão prévia à Administração Fiscal sobre o cálculo do montante do IVA devido no âmbito do contrato de demolição, pela execução dos trabalhos de demolição, e, no âmbito do contrato de compra e venda para desmontagem, pela compra de sucata de ferro e de resíduos metálicos.

20      Por Decisão prévia de 11 de junho de 2015, relativa ao período de 11 de junho de 2015 a 31 de dezembro de 2016, a Administração Fiscal declarou, por um lado, que, no âmbito do contrato de demolição, deve considerar-se que a A está a vender um serviço de demolição ao seu cliente e a comprar-lhe sucata. A Administração Fiscal concluiu que a A deve pagar IVA relativo ao serviço que presta ao seu cliente e ainda, no quadro do mecanismo de autoliquidação, relativamente à sucata que lhe compra.

21      Por outro lado, a Administração Fiscal declarou nessa mesma decisão prévia que, no tocante ao contrato de compra para desmontagem, se considera que a A presta um serviço de demolição ao seu cliente e lhe compra a sucata. A Administração Fiscal concluiu que a A deve pagar o IVA relativo aos serviços prestados ao seu cliente e ainda, no quadro do mecanismo de autoliquidação, relativamente à ferrugem que lhe compra.

22      Em nenhum dos dois casos objeto da decisão prévia a Administração Fiscal tomou posição sobre a formação do preço da contraprestação.

23      Aquela empresa interpôs um recurso da Decisão prévia de 11 de junho de 2015 para o Helsingin hallinto-oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia).

24      Por Sentença de 16 de dezembro de 2015, aquele tribunal negou provimento ao recurso. Considerou que, tanto no caso do contrato de demolição como no do contrato de compra para desmontagem, se deve considerar que a A celebrou um contrato de permuta com o seu cliente, no âmbito do qual presta serviços de demolição e compra sucata e, por conseguinte, está obrigada a pagar IVA quer relativamente ao serviço prestado ao cliente quer relativamente à sucata que lhe compra.

25      A mesma empresa interpôs recurso daquela sentença do Helsingin hallinto-oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia) para o Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia).

26      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, no caso do contrato de demolição, a A realiza uma prestação a título oneroso e que, no caso do contrato de compra para desmontagem, adquire um bem a título oneroso. O litígio no processo principal diz assim respeito à questão de saber se, no primeiro caso, a A também adquire um bem a título oneroso e se, no segundo caso, também presta um serviço a título oneroso. O órgão jurisdicional de reenvio especifica que a A contesta a qualificação dos referidos contratos como permutas, com o fundamento de que, segundo essa empresa, a sucata não constitui, no caso do contrato de demolição, uma contraprestação do serviço de demolição e o serviço de demolição não constitui, no caso do contrato de compra para desmontagem, uma contraprestação da aquisição de sucata, não existindo um nexo direto entre a prestação de serviços ou a entrega de um bem e a contraprestação recebida.

27      Foi nestas condições que o Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 2.°, n.° 1, [alínea c)], em conjugação com o artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva [2006/112] ser interpretado no sentido de que os trabalhos de demolição prestados por uma empresa cujo objeto social inclui a prestação de serviços de demolição[…] apenas constituem uma operação tributável se a empresa de demolição se tiver obrigado, nos termos do contrato celebrado com o seu cliente, a remover os resíduos resultantes da demolição e — se os resíduos contiverem sucata — puder vender essa sucata a empresas cujo objeto é a compra de resíduos?

Ou tal contrato de demolição, na perspetiva do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva [2006/112], deve ser interpretado no sentido de que abrange duas operações, ou seja, por um lado, uma prestação de serviços realizada pela empresa de demolições ao destinatário da demolição e, por outro, a compra da sucata, destinada a revenda, pela empresa de demolições ao destinatário da demolição?

É relevante o facto de a empresa de demolições, ao fixar o preço dos seus serviços demolição, ter considerado como fator de diminuição do preço a possibilidade de obter proventos com a valorização dos resíduos da demolição?

É relevante o facto de a quantidade e o valor dos resíduos a valorizar não estarem previstos no contrato de demolição nem sequer esteja previsto que sejam comunicados posteriormente ao destinatário da demolição e a quantidade e o valor dos resíduos da demolição só sejam apurados se a empresa de demolições os revender?

2)       Num caso em que uma empresa cujo objeto social inclui serviços de demolição acorda contratualmente com o proprietário de um imóvel para demolição que a empresa compra o imóvel a demolir e se vincula, sob a cominação de uma cláusula penal, a demolir o imóvel dentro do prazo fixado no contrato e a remover os resíduos resultantes da demolição, o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva [2006/112] deve ser interpretado no sentido de que se trata de uma única operação que abrange a venda de bens do proprietário do imóvel a demolir à empresa de demolições?

Ou deve esse contrato, na perspetiva do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), em conjugação com o artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva [2006/112], ser interpretado no sentido de que abrange duas operações, concretamente, por um lado, a venda de bens pelo proprietário do imóvel a demolir à empresa de demolições e, por outro, a prestação de serviços de demolição realizada pela empresa de demolições ao vendedor dos bens?

É relevante o facto de a empresa de demolições, ao fixar o preço na sua proposta de aquisição dos bens[,] considerar como fator de diminuição do preço os custos que terá com a desmontagem e a remoção desses bens?

É relevante o facto de o vendedor dos bens ter conhecimento de que os custos que a empresa de demolições terá com a desmontagem e a remoção dos bens serão considerados como fator de diminuição do preço desses bens, tendo em conta que as partes nada acordaram sobre esses custos e que o seu montante estimado ou real nunca será comunicado ao vendedor dos bens?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, lido em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, e com o artigo 24.°, n.° 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando, no âmbito de um contrato de demolição, o prestador de serviços, que é uma empresa de demolições, é obrigada a efetuar trabalhos de demolição e pode, na medida em que os resíduos da demolição contêm sucata, vender essa sucata, esse contrato tem uma única operação ou duas operações para efeitos de IVA.

29      Importa salientar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, estão sujeitas ao IVA, respetivamente, «[a]s entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade» e «[a]s prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

30      A este respeito, o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 define entrega de um bem como a «transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário»; o artigo 24.°, n.° 1, da mesma diretiva define prestação de serviços como «qualquer operação que não constitua uma entrega de bens».

31      Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma entrega de bens ou uma prestação de serviços «a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, pressupõe unicamente a existência de um nexo direto entre a entrega de bens ou a prestação de serviços e uma contraprestação realmente recebida pelo sujeito passivo. Tal nexo direto está demonstrado quando exista entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no quadro da qual se trocam prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2013, Serebryannay vek, C-283/12, EU:C:2013:599, n.° 37 e jurisprudência aí referida).

32      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, nos termos do contrato de demolição, o prestador de serviços, a saber, uma empresa de serviços de demolição, se compromete a prestar serviços de demolição, incluindo a remoção e o tratamento adequado dos materiais e dos resíduos contra o pagamento de um preço pelo cliente. Resulta igualmente da decisão de reenvio que o prestador pretende avaliar antecipadamente a quantidade de materiais e de resíduos a remover e o seu preço de revenda posterior, para o ter em conta na fixação do preço dos trabalhos de demolição. Decorre também da decisão de reenvio que, por força do referido contrato, na medida em que os resíduos de demolição contêm da sucata, esse prestador pode revender essa sucata a empresas que compram sucata reciclável.

33      É pacífico no processo principal que a empresa de serviços de demolição fornece aos seus clientes, contra remuneração, serviços de demolição, no território de um Estado-Membro e, por conseguinte, efetua uma prestação de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.

34      As questões do órgão jurisdicional de reenvio incidem, no essencial, sobre a questão de saber se essa prestação é realizada contra uma entrega de bens, ou seja, a entrega da sucata recuperável contida nos resíduos e materiais usados, de tal forma que a matéria coletável da referida prestação é constituída pelo preço pago pelo cliente e por essa entrega.

35      A este respeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a contraprestação de uma entrega de bens pode consistir numa prestação de serviços e constituir o seu valor tributável na aceção do artigo 73.° da Diretiva 2006/112, desde que exista uma ligação direta entre a entrega de bens e a prestação de serviços e que o valor desta última possa ser expresso em dinheiro (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Orfey, C-549/11, EU:C:2012:832, n.° 36 e jurisprudência aí referida). O mesmo se aplica quando uma entrega de bens é realizada contra uma prestação de serviços, desde que as mesmas condições estejam preenchidas (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2013, Serebryannay vek, C-283/12, EU:C:2013:599, n.° 38 e jurisprudência aí referida).

36      Resulta dessa mesma jurisprudência que os contratos de permuta, em que a contraprestação é por definição em espécie, e as operações cuja contraprestação é pecuniária são, do ponto de vista económico e comercial, duas situações idênticas (Acórdão de 26 de setembro de 2013, Serebryannay vek, C-283/12, EU:C:2013:599, n.° 38 e jurisprudência aí referida).

37      No caso em apreço, resulta da descrição dos factos no processo principal constante do n.° 32 do presente acórdão que o prestador, que é uma empresa de demolições, para além de receber um montante pecuniário por parte do seu cliente pela prestação das obras de demolição, adquire, por força do contrato de demolição, a sucata recuperável que pode, em seguida, revender. Assim, existe, nesta situação, uma entrega de bens, na aceção do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112.

38      Quanto à questão de saber se essa entrega é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), desta diretiva, resulta de jurisprudência constante que a contraprestação que serve de matéria coletável para uma operação constitui um valor subjetivo. Não consistindo num montante em dinheiro acordado entre as partes, esse valor, para ser subjetivo, deve ser o que o beneficiário da prestação de serviços que constitui a contraprestação da entrega de bens atribui aos serviços que pretende obter e deve corresponder ao montante que está disposto a gastar para esse fim (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Orfey, C-549/11, EU:C:2012:832, n.os 44, 45 e jurisprudência aí referida).

39      Daqui decorre que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a entrega da sucata recuperável é fornecida mediante uma contraprestação se o adquirente, que é uma empresa de demolições, atribuir um valor a essa entrega que tem em conta na fixação do preço proposto para a prestação de trabalhos de demolição, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

40      Não se opõe a esta conclusão a circunstância de a quantidade e o valor da sucata que pode resultar dos resíduos de demolição não forem acordados no contrato de demolição.

41      Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que eventuais dificuldades técnicas na determinação do montante da contraprestação não permitem, por si sós, concluir pela sua inexistência (v., por analogia, Acórdão de 14 de julho de 1998, First National Bank of Chicago, C-172/96, EU:C:1998:354, n.° 31).

42      Em todo o caso, há que salientar que, no caso mencionado no n.° 39 do presente acórdão, é possível determinar o valor da entrega da sucata recuperável. Tendo em conta a jurisprudência referida no n.° 38 do presente acórdão, este valor deve ser considerado igual ao montante da redução do preço da prestação de trabalhos de demolição.

43      Também o facto de o destinatário do serviço de demolição não conhecer o montante exato do valor da sucata recuperável estimado pelo prestador do serviço não se opõe à conclusão do n.° 39 do presente acórdão (v., por analogia, Acórdão de 14 de julho de 1998, First National Bank of Chicago, C-172/96, EU:C:1998:354, n.° 49).

44      Por conseguinte, neste caso, são trocadas operações recíprocas no âmbito de um mesmo contrato entre o prestador de serviços e o seu cliente, de modo que existe um nexo direto, na aceção da jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão, entre a prestação de trabalhos de demolição e a entrega da sucata recuperável.

45      Quanto à questão de saber se a entrega de sucata recuperável em causa no processo principal constitui uma operação tributável, há que precisar que, por força do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, uma entrega de bens a título oneroso só está sujeita a IVA se for realizada «por um sujeito passivo agindo nessa qualidade», o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

46      Nesse caso, a matéria coletável da prestação de serviços objeto de um contrato de demolição como o que está em causa no processo principal é constituída pelo preço efetivamente pago pelo cliente e pelo valor atribuído pelo prestador à sucata recuperável, tal como refletido no montante da redução do preço da prestação.

47      Pode no entanto acontecer que esse valor não reflita a realidade económica e comercial que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA. Caberia nesse caso ao tribunal nacional certificar-se, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, de que não se trata de um abuso (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey, C-653/11, EU:C:2013:409, n.os 39, 46 e 52).

48      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, lido em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, e com o artigo 24.°, n.° 1, da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando, no âmbito de um contrato de demolição, o prestador de serviços, que é uma empresa de demolições, se obriga a efetuar trabalhos de demolição e, se os resíduos dessa demolição tiverem sucata, puder vender essa sucata, esse contrato inclui uma prestação de serviços a título oneroso, isto é, a prestação de trabalhos de demolição, e uma entrega de bens a título oneroso, que é a entrega da referida sucata, se o adquirente, ou seja, essa empresa, atribuir um valor a essa entrega que tem em conta na determinação do preço proposto para a prestação dos trabalhos de demolição, embora a referida entrega só esteja sujeita a IVA se for efetuada por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

 Quanto à segunda questão

49      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, lido em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, e com o artigo 24.°, n.° 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando, em virtude de um contrato de compra para desmontagem, o adquirente, que é uma empresa de demolições, adquire um bem para o desmontar e se compromete, sob pena de uma multa contratual, a desmontá-lo e a removê-lo e a remover os resíduos daí resultantes num prazo determinado no contrato, este contrato tem por objeto uma operação única ou duas operações para efeitos de IVA.

50      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, no âmbito do contrato de compra para desmontagem, o adquirente, que é uma empresa de demolições, adquire edifícios velhos, construções acima da superfície do solo do local de uma fábrica, bem como máquinas, equipamentos e outros bens móveis que está obrigado, por força do contrato, a desmontar e a remover, assim como a remover os resíduos daí resultantes, num prazo determinado, das instalações ou do local da fábrica, sob pena de uma multa contratual. Além disso, resulta da decisão de reenvio que o adquirente procura avaliar antecipadamente os custos da desmontagem, remoção e tratamento adequado dos bens a desmontar para os repercutir no preço de compra proposto.

51      É pacífico que, no processo principal, o contrato inclui a entrega de um bem a título oneroso, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, no território de um Estado-Membro, a saber, a entrega de um bem a desmontar contra o pagamento de um preço de compra. Se essa entrega for efetuada «por um sujeito passivo agindo nessa qualidade», na aceção da referida disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, trata-se, nesse caso, de uma operação tributável.

52      As interrogações do órgão jurisdicional de reenvio incidem, no essencial, sobre a questão de saber se essa entrega é, além disso, trocada por uma prestação de serviços, ou seja, por trabalhos de desmontagem e de remoção, de tal forma que a matéria coletável da entrega é constituída pelo preço de compra mencionado no número anterior do presente acórdão e por essa prestação.

53      A este respeito, parece resultar da descrição dos factos que consta do n.° 50 do presente acórdão que o adquirente, que é uma empresa de demolições, para além de pagar o preço de compra acordado no contrato para a entrega do bem a desmontar, está obrigado, nos termos desse contrato, a desmontar e a remover esse bem, assim como a remover os resíduos daí resultantes, num prazo determinado, sob pena de multa contratual. Pelo facto de o adquirente estar obrigado a desmontar e a remover esse bem, assim como a remover os resíduos daí resultantes, satisfazendo as necessidades do vendedor, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, existe, nesta situação, uma prestação de serviços, na aceção do artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112.

54      Em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 38 do presente acórdão, numa situação como a que está em causa no processo principal, a prestação de trabalhos de desmontagem e de remoção será fornecida mediante contraprestação se o adquirente, que é uma empresa de demolições, atribuir um valor a esta prestação repercutindo-o no preço de compra que propõe, como fator que reduz esse preço, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

55      Atendendo às considerações feitas nos n.os 40, 41 e 43 do presente acórdão, há que precisar que não se opõem a essa conclusão a circunstância de os custos da prestação de trabalhos de desmontagem e de remoção não terem sido acordados entre as partes nem o facto de o vendedor não conhecer o montante dos custos que são considerados na determinação do preço de compra proposto.

56      De qualquer modo, no caso referido no n.° 54 do presente acórdão, é possível determinar o valor da prestação de trabalhos de desmontagem e de remoção. Com efeito, tendo em conta a jurisprudência referida no n.° 38 do presente acórdão, esse valor deve ser considerado como o montante que o adquirente, que é uma empresa de demolições, considera como fator de redução do preço de aquisição do bem a desmontar.

57      Por conseguinte, neste caso, são trocadas operações recíprocas no âmbito de um mesmo contrato entre o adquirente, que é uma empresa de demolições, e o beneficiário, ou seja, o fornecedor do bem a desmontar, de modo que existe um nexo direto, na aceção da jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão, entre a entrega do bem a desmontar e a prestação de trabalhos de desmontagem e de remoção.

58      Nesse caso, o valor tributável da entrega do bem a desmontar é constituído pelo preço efetivamente pago pela compra desse bem e ainda pelo montante correspondente ao fator considerado pelo adquirente a fim de reduzir o preço de compra proposto.

59      Pode acontecer porém que esse montante não reflita a realidade económica e comercial que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 47 do presente acórdão, constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA, caso em que, segundo essa jurisprudência, caberia ao órgão jurisdicional nacional certificar-se, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, de que não se trata de um abuso.

60      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, lido em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, e com o artigo 24.°, n.° 1, da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando, no âmbito de um contrato de compra para desmontagem, o adquirente, que é uma empresa de demolições, compra um bem para desmontar e se obriga, sob pena de uma multa contratual, a desmontar e a remover esse bem, assim como a remover os resíduos, num prazo determinado no contrato, esse contrato inclui uma entrega de bens a título oneroso, isto é, a entrega do bem a desmontar, sendo que essa entrega só está sujeita a IVA se for efetuada por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Pelo facto de o adquirente estar obrigado a desmontar e a remover esse bem, assim como os resíduos daí resultantes, satisfazendo as necessidades do vendedor, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, este contrato compreende também uma prestação de serviços a título oneroso, que é a prestação de trabalhos de desmontagem e de remoção, se o adquirente atribuir um valor a essa prestação que tem em conta no preço que propõe enquanto fator de redução do preço de compra do bem a desmontar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

61      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, e com o artigo 24.°, n.° 1, da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando, no âmbito de um contrato de demolição, o prestador de serviços, que é uma empresa de demolições, se obriga a efetuar trabalhos de demolição e, se os resíduos dessa demolição tiverem sucata, puder vender essa sucata, esse contrato inclui uma prestação de serviços a título oneroso, isto é, a prestação de trabalhos de demolição, e uma entrega de bens a título oneroso, que é a entrega da referida sucata, se o adquirente, ou seja, essa empresa, atribuir um valor a essa entrega que tem em conta na determinação do preço proposto para a prestação dos trabalhos de demolição, embora a referida entrega só esteja sujeita a imposto sobre o valor acrescentado se for efetuada por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

2)      O artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, lido em conjugação com o artigo 14.°, n.° 1, e com o artigo 24.°, n.° 1, da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando, no âmbito de um contrato de compra para desmontagem, o adquirente, que é uma empresa de demolições, compra um bem para desmontar e se obriga, sob pena de uma multa contratual, a desmontar e a remover esse bem, assim como a remover os resíduos, num prazo determinado no contrato, esse contrato inclui uma entrega de bens a título oneroso, isto é, a entrega do bem a desmontar, sendo que essa entrega só está sujeita a imposto sobre o valor acrescentado se for efetuada por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Pelo facto de o adquirente estar obrigado a desmontar e a remover esse bem, assim como os resíduos daí resultantes, satisfazendo as necessidades do vendedor, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, este contrato compreende também uma prestação de serviços a título oneroso, que é a prestação de trabalhos de desmontagem e de remoção, se o adquirente atribuir um valor a essa prestação que tem em conta no preço que propõe enquanto fator de redução do preço de compra do bem a desmontar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: finlandês.