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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

7 de agosto de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 401.° – Impostos nacionais que tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios – Proibição – Conceito de “imposto sobre o volume de negócios” – Imposto local sobre as vendas – Elementos característicos do IVA – Inexistência»

No processo C-475/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Riigikohus (Supremo Tribunal, Estónia), por decisão de 1 de agosto de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2017, no processo

Viking Motors AS,

TKM Beauty Eesti OÜ,

TKM King AS,

Kaubamaja AS,

Selver AS

contra

Tallinna linn,

Maksu- ja Tolliamet,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Viking Motors AS, da TKM Beauty Eesti OÜ, da TKM King AS, da Kaubamaja AS e da Selver AS, por E. Talur e L. Naaber-Kivisoo, vandeadvokaadid,

–        em representação da Tallinna linn, por T. Pikamäe, vandeadvokaat,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e K. Toomus, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 401.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Viking Motors AS, a TKM Beauty Eesti OÜ, a TKM King AS, a Kaubamaja AS e a Selver AS ao Tallinna linn (Município de Tallinn, Estónia) e à Maksu- ja Tolliamet (Autoridade Tributária e Aduaneira, Estónia) (a seguir «Autoridade Tributária») a respeito da devolução do imposto sobre as vendas pagas pelas referidas empresas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Sexta Diretiva

3        O artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de dezembro de 1991 (JO 1991, L 376, p. 1) (a seguir «Sexta Diretiva»), dispõe:

«Salvo o disposto noutras normas comunitárias, designadamente nas disposições comunitárias em vigor relativas ao regime geral da detenção, circulação e controlos dos produtos sujeitos a impost[o]s especiais sobre o consumo, as disposições da presente diretiva não impedem que um Estado-Membro mantenha ou introduza impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos e apostas, sobre consumos especiais, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, desde que esses impostos, direitos e taxas não deem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

 Diretiva IVA

4        Os considerandos 4 e 7 da Diretiva IVA preveem:

«(4)      A realização do objetivo de criação de um mercado interno pressupõe a aplicação, nos Estados-Membros, de legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios que não falseiem as condições de concorrência e não impeçam a livre circulação de mercadorias e serviços. Por conseguinte, é necessário realizar uma harmonização das legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios mediante um sistema de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), a fim de eliminar, tanto quanto possível, os factores que possam falsear as condições de concorrência, tanto no plano nacional como no plano comunitário.

[…]

(7)      O sistema comum do IVA deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição.»

5        O artigo 401.° da Diretiva IVA prevê:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, as disposições da presente diretiva não impedem que um Estado-Membro mantenha ou introduza impostos sobre contratos de seguros e sobre jogos e apostas, impostos especiais de consumo, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, desde que a cobrança desses impostos, direitos e taxas não dê origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

 Direito estónio

6        Na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, a kohalike maksude seadus (Lei dos impostos locais) concedia aos organismos locais autónomos o direito de instituir um imposto sobre as vendas enquanto imposto local.

7        O § 8 desta lei dispunha:

«(1)      O imposto sobre as vendas é pago pelos empresários em nome individual e pelas pessoas coletivas que possuam uma licença comercial ou para prestar serviços no território dos municípios rurais ou urbanos. O imposto sobre as vendas é pago, em função do local do estabelecimento, pelos comerciantes na aceção da kaubandustegevuse seadus [(Lei sobre a atividade comercial)], que estejam inscritos no registo das atividades económicas e que exerçam a sua atividade nos setores do comércio a retalho, da restauração ou dos serviços.

(2)      O imposto sobre as vendas é cobrado sobre o valor no preço de venda, dos bens ou dos serviços vendidos pelo sujeito passivo no território dos municípios rurais ou urbanos. Na aceção da presente lei, o preço de venda dos bens e dos serviços é o valor tributável do volume de negócios [...], definido pela käibemaksuseadus [(Lei sobre o volume de negócios)], excluindo o imposto sobre as vendas.

(3)      A taxa do imposto sobre as vendas é determinada pelo conselho municipal, não podendo, no entanto, ultrapassar 1% do valor dos bens e dos serviços, nos termos do n.° 2, incluído no preço de venda.

(4)      O trimestre constitui o período de tributação do imposto sobre as vendas.

(5)      O sujeito passivo tem de:

1)      calcular o imposto sobre as vendas, cobrado sobre o valor dos bens e serviços que vendeu no território dos municípios rurais ou urbanos de acordo com a taxa fixada no regulamento fiscal do conselho municipal;

2)      entregar trimestralmente à autoridade fiscal designada no regulamento do conselho municipal, até ao dia 20 do mês seguinte de cada trimestre, a declaração do volume de negócios definida pelo ministro das Finanças para efeitos do imposto sobre as vendas;

3)      pagar o imposto sobre as vendas até ao termo do prazo prescrito para a entrega da declaração ao departamento orçamental da autoridade local.

(6)      A Administração municipal pode conceder benefícios e isenções em matéria de imposto sobre as vendas, nos termos das condições e do procedimento fixado pelo conselho municipal.»

8        Através do Regulamento n.° 45, de 17 de dezembro de 2009, relativo ao imposto sobre as vendas de Talin (a seguir «Regulamento n.° 45»), o Tallinna Linnavolikogu (Conselho Municipal de Talin, Estónia) instituiu um imposto sobre as vendas, na aceção do § 8 da Lei dos impostos locais. Este imposto entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010 e foi aplicado até 1 de janeiro de 2012.

9        Nos termos do § 1, n.° 2, do Regulamento n.° 45, são tributados os bens e os serviços entregues a pessoas singulares na área urbana de Talin ou a partir desta, nos setores do comércio a retalho, da restauração e dos serviços.

10      O § 2 deste regulamento, sob a epígrafe «Sujeito passivo», dispunha:

«Estão sujeitos ao imposto os comerciantes na aceção da kaubandustegevuse seaduse [(Lei sobre a atividade comercial)] que preencham os seguintes requisitos:

1)      O comerciante deve estar inscrito no registo das atividades económicas;

2)      O estabelecimento do comerciante deve estar situado na área urbana da cidade de Talin, de acordo com os dados constantes do registo das atividades económicas;

3)      O comerciante deve exercer a sua atividade nos setores do comércio a retalho, da restauração ou dos serviços.»

11      Nos termos do § 4 do referido regulamento, sob a epígrafe «Taxa de imposto», a taxa do imposto sobre as vendas era de 1% da base tributável dos bens e serviços referido no § 1, n.° 2, do regulamento.

12      O § 41 do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Momento da constituição da obrigação fiscal», enunciava:

«(1)      O imposto é devido na data em que se verifique o primeiro dos seguintes atos:

1)      Envio de um produto ou colocação de um produto à disposição do comprador ou prestação de um serviço a um adquirente;

2)      Receção do pagamento total ou parcial de um produto ou de um serviço.

(2)      No caso de uma prestação de serviços no âmbito de uma relação contratual permanente, a obrigação de pagar o imposto surge no período de tributação durante o qual termina o período no qual foi emitida uma fatura ou foi acordado um pagamento para a prestação de serviços, em função da operação que ocorreu em primeiro lugar.

(3)      Os empresários em nome individual que utilizam um sistema de contabilidade de caixa podem, para que surja a obrigação de pagar o imposto, basear-se na receção do pagamento do bem ou do serviço.»

13      O § 42, n.° 1, do Regulamento n.° 45 previa:

«O valor de um bem ou de um serviço que é tributável a título do imposto sobre as vendas é, de acordo com o § 12, n.° 1, da Lei do imposto sobre o valor acrescentado, o preço de venda do bem ou do serviço ou de qualquer contrapartida (IVA não incluído) que o comprador do bem ou o prestador do serviço receba ou tenha recebido do comprador do bem, do destinatário do serviço ou de um terceiro a título do bem ou do serviço.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

14      Por considerarem que pagaram indevidamente o imposto sobre as vendas criado pelo Regulamento n.° 45, as recorrentes no processo principal apresentaram à Tallinna Ettevõtlusamet (Autoridade para o Comércio de Talin, Estónia) declarações retificativas relativas aos três últimos trimestres de 2010 e aos quatro trimestres de 2011, bem como pedidos de devolução dos montantes já pagos a título desse imposto.

15      Em resposta, a Autoridade para o Comércio de Talin considerou que as recorrentes no processo principal estavam sujeitas ao referido imposto sobre as vendas e fixou, através de avisos de liquidação, o montante deste imposto devido por cada uma delas, deferindo apenas parcialmente os seus pedidos de devolução.

16      As recorrentes no processo principal apresentaram uma reclamação à Autoridade Tributária, que, todavia, confirmou, em substância, que estas últimas eram devedoras do imposto sobre as vendas.

17      Por considerarem, nomeadamente, que o imposto sobre as vendas era contrário ao artigo 401.° da Diretiva IVA, a Viking Motors, a TKM Beauty Eesti e a TKM King, por um lado, e a Kaubamaja e a Selver, por outro, interpuseram no Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Talin, Estónia) recursos que, em substância, tinham por objeto a anulação dos respetivos avisos de liquidação e das respetivas decisões da Autoridade Tributária, bem como a condenação desta na devolução do imposto sobre as vendas e no pagamento de juros.

18      Por Acórdão de 31 de março de 2015, o Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Talin) negou provimento aos recursos da Viking Motors, da TKM Beauty Eesti e da TKM King. No que respeita aos recursos interpostos pela Kaubamaja e pela Selver, este último órgão jurisdicional, por Acórdão de 24 de julho de 2015, deu-lhes provimento, mas apenas na parte em que o imposto sobre as vendas tinha sido aplicado às vendas de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

19      As recorrentes no processo principal interpuseram recurso destes acórdãos no Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Talin, Estónia).

20      Através dos Acórdãos de 9 de maio de 2016 e de 30 de junho de 2016, este último órgão jurisdicional negou provimento aos recursos, tendo adotado os fundamentos do órgão jurisdicional de primeira instância e tendo assinalado, além disso, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não carece de clareza relativamente ao facto de um imposto aplicável num Estado-Membro só ser contrário ao artigo 401.° da Diretiva IVA se corresponder a cada uma das quatro características essenciais do IVA consagradas pelo Tribunal de Justiça.

21      As recorrentes no processo principal interpuseram recursos de cassação no órgão jurisdicional de reenvio que, por Despacho de 10 de maio de 2017, apensou os dois processos.

22      O Riigikohus (Supremo Tribunal, Estónia) considera que, embora, de um ponto de vista formal, o imposto sobre as vendas em causa no processo principal não apresente a terceira e quarta características do IVA na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, por não ser cobrado em cada fase do processo de produção e de distribuição e por não conferir direito à dedução do imposto pago durante uma etapa anterior, a aplicação deste imposto sobre as vendas atinge, em substância, o mesmo objetivo que aquele que teria sido atingido através da terceira e quarta características. Assim, a carga fiscal do referido imposto sobre as vendas recai em definitivo sobre o consumidor.

23      A aplicação do imposto sobre as vendas, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, pode igualmente prejudicar o funcionamento do sistema comum do IVA, conduzindo a que, a nível nacional, bens e serviços semelhantes suportem uma carga fiscal diferente. Referindo-se ao Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C-553/13, EU:C:2015:149), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o imposto sobre as vendas em causa no processo principal era contrário à Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), porquanto incidia sobre as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo, aquele órgão jurisdicional recorda que, na sequência desse acórdão, os órgãos jurisdicionais estónios, no que respeita à tributação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, concederam provimento aos recursos interpostos pelos sujeitos passivos em litígios relativos ao imposto sobre as vendas.

24      Nestas circunstâncias, o Riigikohus (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 401.° da Diretiva [IVA] do Conselho ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto nacional que é aplicado de modo geral e é proporcional ao preço, mas que, em conformidade com as disposições pertinentes, apenas é cobrado na fase da venda de um bem ou serviço ao consumidor, pelo que a carga fiscal recai, em última análise, sobre o consumidor, e que compromete o sistema comum do [IVA] e falseia a concorrência?»

 Quanto à questão prejudicial

25      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 401.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe à manutenção ou à introdução de um imposto local sobre as vendas, como o que está em causa no processo principal.

26      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 401.° da Diretiva IVA, as disposições desta diretiva não impedem que um Estado-Membro mantenha ou introduza impostos sobre contratos de seguros e sobre jogos e apostas, impostos especiais de consumo, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, desde que a cobrança desses impostos, direitos e taxas não dê origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

27      Uma interpretação literal desta disposição permite concluir, tendo em conta a condição negativa contida na expressão «não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios», que a manutenção ou a introdução por um Estado-Membro de impostos, de direitos e de taxas só são autorizadas na condição de estes não serem equiparáveis a um imposto sobre o volume de negócios.

28      Embora o conceito de «imposto sobre o volume de negócios» não esteja definido no artigo 401.° da Diretiva IVA nem noutra disposição desta, importa salientar que este artigo, cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, é, em substância, idêntico ao artigo 33.° da Sexta Diretiva.

29      Ora, o Tribunal de Justiça interpretou, nomeadamente no Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona (C-475/03, EU:C:2006:629), o artigo 33.° da Sexta Diretiva, em particular o conceito de «imposto sobre o volume de negócios» que aí figurava, depois de ter situado esta disposição no seu contexto legislativo e de ter recordado os objetivos que a instituição de um sistema comum de IVA prossegue.

30      Assim, o Tribunal de Justiça sublinhou que já resultava dos considerandos da Primeira Diretiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 1967, 71, p. 1301; EE 09 F1 p. 3), que a harmonização das legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios deve permitir instituir um mercado comum, que permita uma concorrência sã e apresente características análogas às de um mercado interno, eliminando diferenças de tributação suscetíveis de falsear as condições de concorrência e entravar as trocas comerciais (Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 19).

31      A instituição de um sistema comum de IVA foi realizada pela Segunda Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 1967, 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6), e pela Sexta Diretiva (Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 20).

32      O princípio do sistema comum do IVA consiste, nos termos do artigo 2.° da Primeira Diretiva 67/227, em aplicar aos bens e aos serviços, até ao estádio do comércio a retalho, um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação (Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 21).

33      Todavia, em cada transação, o IVA só é exigível depois de se ter procedido à dedução do montante do IVA que onerou diretamente o custo dos diversos elementos constitutivos do preço dos bens e dos serviços. O mecanismo das deduções foi regulado pelo artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, para que os sujeitos passivos sejam autorizados a deduzir do IVA devido os montantes de IVA que já tenham onerado a montante os bens ou os serviços e que o imposto apenas incide, em cada estádio, sobre o valor acrescentado, sendo, em definitivo, suportado pelo consumidor final (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 22).

34      Para atingir o objetivo da igualdade das condições de tributação de uma mesma operação, independentemente do Estado-Membro em que ocorra, o sistema comum do IVA devia substituir, nos termos dos considerandos da Segunda Diretiva 67/228, os impostos sobre o volume de negócios em vigor nos diferentes Estados-Membros (Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 23).

35      Nesta ordem de considerações, a Sexta Diretiva, no artigo 33.°, só permitia que um Estado-Membro mantivesse ou introduzisse impostos, direitos e taxas sobre as entregas de bens, as prestações de serviços ou as importações, que não tivessem a natureza de impostos sobre o volume de negócios (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 24).

36      Para apreciar se um imposto, um direito ou uma taxa tem a natureza de imposto sobre o volume de negócios, na aceção do artigo 401.° da Diretiva IVA, há que verificar, designadamente, se tem por efeito comprometer o funcionamento do sistema comum do IVA através de uma oneração da circulação dos bens e dos serviços e de uma incidência sobre as transações comerciais de modo comparável àquele que caracteriza o IVA (v., por analogia, Acórdão de 11 de outubro de 2007, KÖGÁZ e o., C-283/06 e C-312/06, EU:C:2007:598, n.° 34 e jurisprudência referida).

37      O Tribunal de Justiça esclareceu, a este respeito, que se deve considerar que oneram a circulação dos bens e dos serviços de modo comparável ao IVA os impostos, direitos e taxas que apresentam as características essenciais do IVA, ainda que não sejam em tudo idênticos a este (Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 26 e jurisprudência referida).

38      Em contrapartida, foi declarado que o artigo 33.° da Sexta Diretiva não se opõe à manutenção ou à introdução de um imposto que não apresente uma das características essenciais do IVA (Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 27 e jurisprudência referida). Sucede o mesmo com o artigo 401.° da Diretiva IVA.

39      Resulta da jurisprudência que as referidas características são quatro, a saber, a aplicação geral do IVA às transações que tenham por objeto bens ou serviços, a fixação do seu montante proporcionalmente ao preço recebido pelo sujeito passivo em contrapartida dos bens e dos serviços que forneça, a cobrança deste imposto em cada fase do processo de produção e de distribuição, incluindo o da venda a retalho, qualquer que seja o número de transações ocorridas anteriormente, e a dedução do IVA devido por um sujeito passivo dos montantes pagos nas fases anteriores do processo de produção e de distribuição, de modo que este imposto só se aplique, numa dada fase, ao valor acrescentado nessa fase e que a carga final desse imposto seja, em definitivo, suportada pelo consumidor (Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 28).

40      Assim, importa examinar se um imposto, como o imposto sobre as vendas em causa no processo principal, apresenta essas características, sendo especificado que embora no Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail (C-553/13, EU:C:2015:149), o Tribunal de Justiça tenha declarado que este último era contrário ao direito da União, o processo principal não diz respeito à compatibilidade do referido imposto com o regime geral dos impostos especiais de consumo, mas com o sistema comum do IVA.

41      Para evitar resultados discordantes em relação ao objetivo prosseguido pelo sistema comum do IVA, conforme recordado nos n.os 31 a 37 do presente acórdão, qualquer comparação entre as características de um imposto como o imposto sobre as vendas em causa no processo principal e as do IVA deve ser feita à luz desse objetivo. Neste âmbito, deve ser reservada uma atenção particular à exigência de que a neutralidade do sistema comum do IVA seja sempre garantida (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2006, Banca popolare di Cremona, C-475/03, EU:C:2006:629, n.° 29).

42      No presente caso, no que diz respeito às terceira e quarta características essenciais do IVA, a saber, a cobrança do imposto em cada fase do processo de produção e de distribuição e a existência de um direito à dedução do imposto pago durante a etapa anterior deste processo, há que constatar, como reconhece o próprio órgão jurisdicional de reenvio, que o imposto em causa no processo principal não preenche estas características.

43      Ora, esta circunstância é suficiente para concluir que o imposto sobre as vendas em causa no processo principal, desde que não respeite todas as características essenciais do IVA, escapa, por conseguinte, à proibição prevista no artigo 401.° da Diretiva IVA (v., por analogia, Despacho de 12 de outubro de 2017, Palais Kaiserkron, C-549/16, não publicado, EU:C:2017:761, n.° 21).

44      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a aplicação deste imposto cumpre em substância o mesmo objetivo que aquele que corresponde às terceira e quarta características essenciais do IVA, uma vez que o ónus final do referido imposto é em definitivo suportado pelo consumidor.

45      Neste contexto, importa salientar que, conforme resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, os textos que regem o imposto sobre as vendas em causa no processo principal não impunham aos sujeitos passivos a obrigação de adicionar o montante deste imposto ao preço de venda nem a obrigação de indicar separadamente na fatura emitida a favor do comprador o montante do imposto a pagar. Deste modo, a repercussão do referido imposto no consumidor final constitui uma possibilidade e não uma obrigação para os retalhistas, os quais, em qualquer momento, podem escolher suportar, eles próprios, o mesmo imposto, sem procederem a um aumento dos preços dos bens entregues e dos serviços prestados.

46      Consequentemente, não existe certeza de que o ónus do imposto sobre as vendas em causa no processo principal foi, em definitivo, suportado pelo consumidor final de uma forma que é característica de um imposto sobre o consumo, como o IVA.

47      O Tribunal de Justiça já declarou que um imposto que onera as atividades produtivas de uma forma tal que não seja certo que, à semelhança de um imposto sobre o consumo como o IVA, seja suportado em definitivo pelo consumidor é suscetível de ser excluído do âmbito de aplicação do artigo 401.° da Diretiva IVA (Acórdão de 11 de outubro de 2007, KÖGÁZ e o., C-283/06 e C-312/06, EU:C:2007:598, n.° 50).

48      Com efeito, ao passo que através do mecanismo de dedução do IVA este onera unicamente o consumidor final e é perfeitamente neutro relativamente aos sujeitos passivos que intervêm no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação final, independentemente do número de transações que tenham lugar, não sucede o mesmo com um imposto como o imposto sobre as vendas (v., por analogia, Acórdão de 11 de outubro de 2007, KÖGÁZ e o., C-283/06 e C-312/06, EU:C:2007:598, n.° 51 e jurisprudência referida).

49      O órgão jurisdicional de reenvio considera igualmente que a aplicação do imposto em causa no processo principal, ao lado do sistema do IVA aplicável, pode prejudicar o funcionamento do sistema comum do IVA e a neutralidade concorrencial, cuja observância é necessária conforme recordado nos considerandos 4 e 7 da Diretiva IVA.

50      Ora, atendendo às considerações expostas nos n.os 34 a 38 do presente acórdão, desde que não incida sobre as transações comerciais de modo comparável àquele que caracteriza o IVA, um imposto como o imposto sobre as vendas em causa no processo principal não prejudica o funcionamento do sistema comum do IVA.

51      Por outro lado, considerando que a aplicação ao preço de venda do imposto em causa no processo principal depende dos vendedores, os quais podem decidir transferir ou não o ónus do imposto para o comprador, importa salientar que só o comportamento do vendedor pode determinar que o seu tratamento fiscal seja diferente em relação a um concorrente, bem como eventuais diferenças de preço suportadas por uma parte dos consumidores em relação aos outros. Consequentemente, a neutralidade do sistema comum do IVA, conforme recordada no n.° 41 do presente acórdão, não é suscetível de ser posta em causa.

52      Atendendo a todas as considerações que precedem, afigura-se que não se pode considerar que um imposto, como o imposto sobre as vendas em causa no processo principal, tem a natureza de imposto sobre o volume de negócios, na aceção do artigo 401.° da Diretiva IVA.

53      Consequentemente, há que responder à questão submetida que o artigo 401.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à manutenção ou à introdução de um imposto, como o imposto sobre as vendas em causa no processo principal.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 401.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à manutenção ou à introdução de um imposto, como o imposto sobre as vendas em causa no processo principal.

Assinaturas


*      Língua do processo: estónio.