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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

12 de novembro de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Sexta Diretiva 77/388/CEE — Artigo 4.° — Conceito de “sujeito passivo” — Sociedade holding mista — Artigo 17.° — Direito à dedução do IVA pago a montante — IVA pago a montante por uma sociedade holding mista sobre serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à eventual aquisição de participações sociais noutras sociedades — Desistência dos projetos de aquisição — IVA pago a montante sobre uma comissão bancária pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista destinado a dotar as filiais dos meios necessários para realizar investimentos — Investimentos não realizados»

No processo C-42/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 5 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de janeiro de 2019, no processo

Sonaecom, SGPS, SA,

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.-C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen (relator), juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de fevereiro de 2020,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação da Sonaecom, SGPS, SA, por J. Vieira Peres, A. Lobo Xavier, G. Machado Borges, I. Santos Fidalgo e A. Carrilho Ribeiro, advogados,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, R. Campos Laires, T. Larsen e P. Barros da Costa, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Afonso, P. Costa de Oliveira e N. Gossement, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 14 de maio de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.°, n.os 1 e 2, bem como do artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Sonaecom, SGPS, SA (a seguir «Sonaecom»), à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) a respeito da dedutibilidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), pago a montante pela Sonaecom, sobre despesas relacionadas, por um lado, com serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à eventual aquisição de participações sociais noutras sociedades e, por outro, com o pagamento ao BCP Investimento, SA, de uma comissão pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista, quando nem a aquisição nem os investimentos, para os quais o empréstimo tinha sido contraído, se concretizaram.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Sexta Diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).

4        O artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Sexta Diretiva, aplicável ratione temporis ao processo principal, dispõe:

«1.      Por “sujeito passivo” entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das atividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade.

2.      As atividades económicas referidas no n.° 1 são todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência é igualmente considerada uma atividade económica.»

5        O artigo 13.° da Sexta Diretiva, sob a epígrafe «Isenções no território do país», enuncia, no ponto B), relativo às «[o]utras isenções»:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[...]

d)      As seguintes operações:

1.      A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

[...]»

6        O artigo 17.° da Sexta Diretiva, sob a epígrafe «Origem e âmbito do direito à dedução», prevê:

«1.      O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

b)      O imposto [sobre] o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens importados;

c)      O imposto sobre o valor acrescentado devido nos termos do n.° 7, alínea a), do artigo 5.° e do n.° 3 do artigo 6.°

[...]

5.      No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.° 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efetuadas pelo [sujeito] passivo.

Todavia, os Estados-Membros podem:

a)      Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses setores;

b)      Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses setores;

c)      Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d)      Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e)      Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante.»

7        O artigo 19.° da Sexta Diretiva, sob a epígrafe «Cálculo do pro rata de dedução», dispõe, no seu n.° 1:

«O pro rata de dedução, previsto no n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.°, resultará de uma fração que inclui:

–        no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.°;

–        no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.°

O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.»

8        O artigo 20.° da Sexta Diretiva, sob a epígrafe «Ajustamento das deduções», enuncia, no seu n.° 6:

«No caso de transição de um regime normal de tributação para um regime especial ou inversamente, os Estados-Membros podem adotar as disposições necessárias no sentido de evitar que o sujeito passivo em questão beneficie de vantagens ou sofra prejuízos injustificados.»

9        Nos termos do artigo 413.° da Diretiva IVA, esta entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007.

 Direito português

 CIVA

10      Em conformidade com o artigo 9.°, n.° 28, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na sua versão aplicável à data dos factos em causa no processo principal (a seguir «CIVA»):

«Estão isentas do imposto:

a)      A concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efetuada por quem os concedeu;

[...]

f)      As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a ações, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias».

11      O artigo 20.° do CIVA, que enumera as situações em que o IVA pago a montante por um sujeito passivo pode ser deduzido, dispõe, no n.° 1:

«Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a)      Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

[...]»

12      O artigo 23.°, n.os 1 e 4, do CIVA tem a seguinte redação:

«1 — Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

[...]

4 — A percentagem de dedução referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

[...]»

 Decreto-Lei n.° 495/88

13      O artigo 1.°, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 495/88, de 30 de dezembro (Diário da República, I série, n.° 301, de 30 de dezembro de 1988), que Define o Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), na sua versão aplicável aos factos no processo principal, dispõe:

«1 — As [SGPS] têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

2 — Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha caráter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.»

14      Em conformidade com o artigo 4.° deste decreto-lei:

«1 — É permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.° 2 do artigo 1.° e nas alíneas a) a c) do n.° 3 do artigo 3.° ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação.

2 — A prestação de serviços deve ser objeto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A recorrente no processo principal é uma sociedade holding que, para além de desenvolver a sua atividade de aquisição, detenção e gestão de participações sociais, exerce a atividade de gestão e coordenação estratégica de empresas que operam nos mercados de telecomunicações, media, software e integração de sistemas.

16      No âmbito das suas atividades, durante o ano de 2005, a Sonaecom adquiriu, ao abrigo do regime do IVA, serviços externos de consultadoria associados à prospeção de mercado com vista à aquisição de partes do capital na sociedade operadora de telecomunicações Cabovisão. Segundo afirmou, a Sonaecom tencionava exercer uma atividade económica que consistiria em prestar à Cabovisão serviços de gestão sujeitos a IVA. Essa aquisição acabou por não se concretizar.

17      Por outro lado, em junho de 2005, a recorrente no processo principal pagou ao BCP Investimento uma comissão por serviços relativos à organização, montagem e garantia de colocação de um empréstimo obrigacionista no montante de 150 milhões de euros. Da decisão de reenvio resulta que este empréstimo se destinava a dotar as sociedades afiliadas da Sonaecom dos meios de que necessitavam para realizar investimentos diretos na tecnologia «triple play». Em contrapartida, segundo as informações prestadas pela Sonaecom na audiência, a sociedade previa utilizar o capital assim obtido para adquirir participações sociais da Cabovisão e, assim, investir no novo segmento de atividade dito «triple play».

18      Uma vez que esses investimentos planeados não se concretizaram, a recorrente no processo principal optou, em seguida, por aplicar aquele capital em concessão de empréstimo à sua sociedade-mãe, a Sonae, SGPS.

19      No mesmo exercício fiscal, a Sonaecom deduziu integralmente do IVA devido os montantes correspondentes do IVA suportado a montante nos serviços adquiridos.

20      Na sequência de uma inspeção realizada pela Administração Fiscal, esta contestou a dedução do IVA assim efetuada, por considerar que a aquisição dos serviços em causa no processo principal não tinha por objeto a realização a jusante de operações tributáveis, em conformidade com o disposto no artigo 17.°, n.os 2 e 3, da Sexta Diretiva e no artigo 20.° do CIVA.

21      Aquela Administração procedeu, assim, a correções aritméticas que deram lugar a atos de liquidação do IVA e ao pagamento de juros compensatórios no valor total de 1 088 675,77 euros.

22      A Sonaecom impugnou judicialmente esses atos de liquidação no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Portugal). Por Sentença de 28 de junho de 2016, este órgão jurisdicional julgou a impugnação judicial improcedente, por considerar que o IVA suportado pela Sonaecom não era dedutível.

23      A Sonaecom interpôs recurso daquela sentença no Supremo Tribunal Administrativo (Portugal).

24      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a recorrente no processo principal, invocando a sua qualidade de sociedade holding mista e que a sua interferência na gestão das suas afiliadas é reiterada, alega que os serviços em causa no processo principal estão conexionados com a atividade de prestação de serviços técnicos e de gestão às suas sociedades afiliadas — atividade sujeita a IVA, pela qual recebeu a contrapartida correspondente —, e não com a atividade de «detenção e gestão de participações sociais».

25      Por conseguinte, existindo uma indesmentível relação direta entre as prestações efetuadas em benefício das suas filiais e a aquisição dos serviços em causa no processo principal, o IVA suportado a montante é dedutível.

26      A recorrente no processo principal acrescenta que a circunstância de a aquisição de participações sociais não ter sido concretizada não releva e não põe em causa o facto de que a aquisição dos serviços foi efetuada no âmbito de uma atividade que implica a realização de operações sujeitas a IVA.

27      Nestas condições, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Está do acordo com as regras de dedutibilidade do IVA contidas na [Sexta Diretiva], nomeadamente os seus arts. 4.°, n.os 1 e 2, e 17.°, n.os 1, 2 e 5, a dedução do imposto suportado pela recorrente Sonaecom SGPS em serviços do consultadoria associados a prospeção de mercado com vista à aquisição de participações sociais, aquisição essa que não se concretizou?

2)      Está do acordo com as regras de dedutibilidade do IVA contidas na [Sexta Diretiva], nomeadamente os seus arts. 4.°, n.os 1 e 2, e 17.°, n.os 1, 2 e 5, a dedução do imposto suportado pela recorrente Sonaecom SGPS no pagamento ao BCP [Investimento] de uma comissão pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista alegadamente contraído com o objetivo de integrar a estrutura de financiamento das sociedades suas participadas, e que, não se tendo concretizados esses investimentos, acabou por ser integralmente aplicado na Sonae, SGPS, empresa-mãe do grupo?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se o artigo 4.°, n.os 1 e 2, bem como o artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva, devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada está autorizada a deduzir o IVA suportado a montante na aquisição de serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à aquisição de participações sociais noutra sociedade, quando essa aquisição tenha acabado por não se concretizar.

29      A título preliminar, importa recordar que a Diretiva IVA, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, revogou a Sexta Diretiva sem lhe introduzir alterações de fundo. Uma vez que as disposições pertinentes da Diretiva IVA têm um alcance substancialmente igual ao das disposições pertinentes da Sexta Diretiva, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva IVA é igualmente aplicável no que se refere à Sexta Diretiva (v., por analogia, Acórdão de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.° 17).

30      Neste contexto, há que recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante, não tem a qualidade de sujeito passivo de IVA, na aceção do artigo 4.° da Sexta Diretiva, nem direito à dedução, nos termos do artigo 17.° desta diretiva, uma sociedade cujo único objeto seja a tomada de participações noutras sociedades, sem interferir direta ou indiretamente na gestão dessas sociedades. Com efeito, a mera aquisição e a mera detenção de participações sociais não constituem, em si, uma atividade económica, na aceção da Sexta Diretiva, que confira ao seu detentor a qualidade de sujeito passivo, uma vez que não se pode considerar que a simples tomada de participações financeiras noutras empresas constitui uma exploração de um bem com o fim de gerar receitas com caráter permanente. Com efeito, a obtenção de um eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da simples propriedade do bem (Acórdãos de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.os 27 e 28, e de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 16 e jurisprudência referida).

31      A situação é diferente quando a participação for acompanhada de uma interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, quando tal implique a realização de transações sujeitas a IVA, como a prestação de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio (Acórdãos de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.° 29, e de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 17 e jurisprudência referida).

32      Como salientou a advogada-geral no n.° 30 das suas conclusões, uma sociedade holding mista é uma sociedade que, além da sua atividade não económica de holding, que consiste na detenção de participações noutras sociedades e que não está sujeita a IVA, exerce também uma atividade económica. De acordo com a jurisprudência, uma sociedade holding mista que não só detém participações em sociedades mas que também presta serviços remunerados, e tributáveis em sede de IVA, a algumas dessas sociedades é, ela também, nessa medida, um sujeito passivo, embora apenas tenha direito a uma dedução proporcional do imposto pago a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495, n.° 22, e de 13 de março de 2008, Securenta, C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 31).

33      Por outro lado, dado que as atividades económicas na aceção da Sexta Diretiva podem consistir em vários atos consecutivos, as atividades preparatórias já devem ser imputadas às atividades económicas. Assim, qualquer pessoa que tenha a intenção, confirmada por elementos objetivos, de iniciar de modo independente uma atividade económica e que, para esse fim, efetue as primeiras despesas de investimento deve ser considerada um sujeito passivo (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 18 e jurisprudência referida).

34      Daqui resulta que se deve considerar que é um sujeito passivo, na aceção da Sexta Diretiva, uma sociedade que pratica atos preparatórios que se inscrevem no âmbito de um projeto de aquisição de ações de outra sociedade com a intenção de exercer uma atividade económica que consiste em interferir na gestão desta última prestando-lhe serviços de gestão sujeitos a IVA (v., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 19).

35      No presente caso, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a Sonaecom tinha em vista prestar à Cabovisão, na qual pretendia adquirir participações sociais, serviços de gestão sujeitos a IVA e, a este título, exercer uma atividade económica na aceção da Sexta Diretiva. Por conseguinte, e nessa medida, deve considerar-se que, em princípio, a Sonaecom, enquanto sociedade holding mista, é um sujeito passivo, na aceção da Sexta Diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

36      Tratando-se, em segundo lugar, do direito a dedução, resulta do artigo 17.° da Sexta Diretiva que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade no momento em que adquire um bem ou recebe um serviço, utilize esse bem ou esse serviço para os fins das próprias operações tributáveis, ele está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação a esse bem ou a esse serviço. Nos termos do artigo 10.°, n.° 2, primeiro parágrafo, e do artigo 17.° da Sexta Diretiva, o direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível, ou seja, no momento em que se efetua a entrega do bem ou a prestação de serviços (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 21 e jurisprudência referida).

37      O direito a dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. É imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 22 e jurisprudência referida).

38      Com efeito, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os respetivos fins ou resultados, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, em princípio, sujeitas ao IVA (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 23).

39      O princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal suportada pela empresa exige que as primeiras despesas de investimento efetuadas para as necessidades e tendo em vista a formação de uma empresa sejam consideradas atividades económicas, e seria contrário a este princípio que as referidas atividades só tivessem início no momento em que surge o rendimento tributável. Qualquer outra interpretação poria a cargo do operador económico o custo do IVA no âmbito da sua atividade económica, sem lhe dar a possibilidade de o deduzir, e procederia a uma distinção arbitrária entre despesas de investimento efetuadas para as necessidades de uma empresa consoante fossem efetuadas antes ou durante a sua exploração efetiva (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 24 e jurisprudência referida).

40      Além disso, o direito à dedução, uma vez surgido, permanece adquirido mesmo que, posteriormente, a atividade económica projetada não tenha sido realizada e, portanto, não tenha dado lugar a operações tributáveis, ou que o sujeito passivo não tenha podido utilizar os bens ou os serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis, por circunstâncias alheias à sua vontade. Uma interpretação diferente seria contrária ao princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal da empresa. Seria suscetível de criar, aquando do tratamento fiscal de atividades de investimento idênticas, diferenças injustificadas entre empresas que já realizam operações tributáveis e outras que procuram, através de investimentos, iniciar atividades que serão fonte de operações tributáveis. Do mesmo modo, seriam estabelecidas diferenças arbitrárias entre estas últimas empresas, na medida em que a aceitação definitiva das deduções dependesse da questão de saber se esses investimentos conduzem ou não a operações tributadas (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 25 e jurisprudência referida).

41      Acresce que, segundo jurisprudência constante, a existência de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução é, em princípio, necessária para que o direito a dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar o alcance de tal direito. O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 26 e jurisprudência referida).

42      No entanto, foi também admitido um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das despesas gerais deste último e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 27 e jurisprudência referida).

43      Ora, o Tribunal de Justiça declarou que os custos ligados à aquisição de participações nas suas filiais suportados por uma sociedade holding que participa na sua gestão e que, a esse título, exerce uma atividade económica devem ser considerados parte dos seus custos gerais e que o IVA pago sobre estes custos deve, em princípio, ser integralmente deduzido, a menos que algumas operações económicas realizadas a jusante estejam isentas de IVA nos termos da Sexta Diretiva, caso em que o direito a dedução só deve operar segundo as modalidades previstas no artigo 17.°, n.° 5, desta diretiva (Acórdão de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt, C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.° 33).

44      No presente caso, parece resultar dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que os serviços de consultadoria em causa no processo principal foram adquiridos no âmbito da aquisição, planeada pela Sonaecom, de participações numa sociedade e que a Sonaecom tencionava exercer, em proveito dessa sociedade, uma atividade económica que consistia em prestar-lhe serviços de gestão sujeitos a IVA, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

45      Assim, uma vez que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os custos relativos aos referidos serviços de consultadoria fazem parte das despesas gerais da Sonaecom a título da atividade económica que exerce na qualidade de sociedade holding mista, esta sociedade beneficia, em princípio, do direito de deduzir integralmente o IVA pago sobre essas prestações de serviços.

46      Por outro lado, como foi recordado no n.° 40 do presente acórdão, o facto de, afinal, a operação não se ter concretizado não tem incidência no direito à dedução do IVA, que permanece adquirido.

47      No entanto, há que precisar que, na hipótese de se confirmar que a recorrente no processo principal prestou serviços sujeitos a IVA, característicos da sua atividade económica, apenas a uma parte das suas filiais, o que cabe ao juiz nacional verificar, o IVA pago sobre os custos gerais só poderá ser deduzido na proporção daqueles que são inerentes à atividade económica da recorrente no processo principal, na qualidade de sujeito passivo, segundo um método que incumbe aos Estados-Membros determinar (v., neste sentido, Acórdão de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.° 37).

48      A este respeito, há que recordar que, no exercício deste poder, os Estados-Membros devem ter em conta a finalidade e a sistemática da Sexta Diretiva e, a este título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma das atividades económicas e não económicas (v., neste sentido, Acórdão de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.° 37 e jurisprudência referida).

49      Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 4.°, n.os 1 e 2, bem como o artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva, devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding mista cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada está autorizada a deduzir o IVA suportado a montante na aquisição de serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à aquisição de participações sociais noutra sociedade, incluindo quando essa aquisição tenha acabado por não se concretizar.

 Quanto à segunda questão

50      Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se o artigo 4.°, n.os 1 e 2, bem como o artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva, devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding mista cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada está autorizada a deduzir o IVA suportado a montante na comissão paga a uma instituição de crédito pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista destinado a realizar investimentos num determinado setor, quando esses investimentos tenham acabado por não se concretizar e o capital obtido através desse empréstimo tenha sido integralmente concedido sob a forma de empréstimo à sociedade-mãe do grupo.

51      A resposta a esta questão pressupõe que se determine se, em conformidade com o artigo 17.° da Sexta Diretiva, para efeitos da dedução do IVA pago a montante sobre serviços, há que tomar em consideração a utilização planeada ou a utilização efetiva que o sujeito passivo fez desses serviços.

52      A este respeito, o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva prevê que um sujeito passivo está autorizado a deduzir o imposto pago a montante, desde que os bens e os serviços «sejam utilizados» para os fins das próprias operações tributáveis.

53      Por conseguinte, como salientou a advogada-geral no n.° 54 das suas conclusões, decorre da redação desta disposição que o direito de deduzir o imposto pago a montante se baseia numa perspetiva que assenta eminentemente na utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos pelo sujeito passivo.

54      A análise do contexto em que a referida disposição se insere, bem como da sua finalidade e da finalidade da Sexta Diretiva, corroboram esta interpretação literal.

55      Quanto ao contexto em que o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva se insere, há que salientar que, em matéria de dedutibilidade do imposto pago a montante sobre bens de utilização mista, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alíneas a) a d), desta diretiva enumera diferentes correções que os Estados-Membros podem adotar para, nomeadamente, aplicar regras de cálculo do pro rata de dedução mais precisas do que a prevista no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, da referida diretiva, tendo em conta as características específicas próprias das atividades do sujeito passivo em causa.

56      Neste contexto, como salientou a advogada-geral no n.° 55 das suas conclusões, os Estados-Membros podem prever métodos de cálculo diferentes do critério de repartição baseado no volume de negócios previsto na Sexta Diretiva, quando o método escolhido garanta um resultado mais preciso (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.os 23 a 26, e de 9 de junho de 2016, Wolfgang und Dr. Wilfried Rey Grundstücksgemeinschaft, C-332/14, EU:C:2016:417, n.° 33).

57      Além disso, resulta do artigo 20.°, n.° 6, da Sexta Diretiva, relativo ao ajustamento da dedução do imposto pago a montante, que esta dedução deve ser, como salientou a advogada-geral no n.° 55 das suas conclusões, adaptada com a maior exatidão possível à utilização efetiva, a fim de se evitarem «vantagens ou [...] prejuízos injustificados» para o sujeito passivo.

58      Assim, resulta não apenas do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), mas também de outras disposições da Sexta Diretiva que esta se baseia na lógica de que a dedução do imposto pago a montante pelo sujeito passivo deve corresponder com a maior exatidão possível à utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos por aquele.

59      Por conseguinte, uma utilização efetiva dos bens e dos serviços prevalece sobre a intenção inicial.

60      No que se refere à finalidade do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva e desta última considerada no seu todo, há que salientar que uma abordagem segundo a qual o direito à dedução do IVA pago a montante se baseia unicamente na intenção do sujeito passivo quanto à utilização dos bens e dos serviços adquiridos, e não na utilização efetiva destes, poderia comprometer o próprio funcionamento do sistema do IVA.

61      Com efeito, como foi recordado no n.° 38 do presente acórdão, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (Acórdãos de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, EU:C:1985:74, n.° 19, e de 28 de fevereiro de 2018, Imofloresmira — Investimentos Imobiliários, C-672/16, EU:C:2018:134, n.° 38 e jurisprudência referida).

62      O princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, opõe-se, designadamente, a que operadores económicos que efetuem operações que, na realidade, são semelhantes sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA, para se evitarem distorções de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2002, Kügler, C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 30 e jurisprudência referida).

63      A aplicação deste princípio implica, assim, por um lado, que todos os sujeitos passivos que efetuaram operações tributáveis durante o mesmo período fiscal beneficiem do direito à dedução sobre o IVA pago a montante, implicando igualmente que, a contrario, aqueles que efetuaram operações semelhantes mas isentas de IVA não beneficiem desse direito.

64      Neste contexto, o artigo 17.°, n.os 2 e 3, da Sexta Diretiva prevê que o sujeito passivo tem direito à dedução do imposto pago a montante unicamente em relação a bens e a serviços relacionados com operações a jusante sujeitas a IVA. Pelo contrário, quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo estão relacionados com operações isentas ou não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.° 30 e jurisprudência referida).

65      Ora, como salientou a advogada-geral no n.° 58 das suas conclusões, um direito à dedução do imposto pago a montante baseado unicamente na intenção prévia do sujeito passivo de realizar operações sujeitas a IVA e que, portanto, não toma em consideração a natureza das operações que foram efetivamente realizadas por este proporcionar-lhe-ia uma vantagem concorrencial em relação às outras empresas que realizaram operações semelhantes, o que, por conseguinte, seria contrário ao princípio da neutralidade fiscal.

66      Assim, em conformidade com o artigo 17.° da Sexta Diretiva, para efeitos da dedução do IVA pago a montante sobre serviços, há que tomar em consideração a utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos pelo sujeito passivo, e não a utilização por este planeada.

67      No presente caso, como foi recordado nos n.os 17 e 18 do presente acórdão, resulta da decisão de reenvio que, durante o ano de 2005, a recorrente no processo principal suportou o IVA no pagamento ao BCP Investimento de uma comissão pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista no montante de 150 milhões de euros, para financiar os seus investimentos no setor do «triple play». No entanto, uma vez que esses investimentos planeados não se concretizaram, a recorrente no processo principal optou, em seguida, por aplicar aquele capital em concessão de empréstimo à sua sociedade-mãe, a Sonae, SGPS.

68      Na medida em que esta operação de empréstimo, que representa a utilização efetiva que foi feita dos serviços adquiridos pela recorrente no processo principal, figura entre as operações isentas nos termos do artigo 13.°, B), alínea d), ponto 1, da Sexta Diretiva, esta sociedade não pode ser autorizada, em conformidade com o artigo 17.° desta diretiva, a deduzir do imposto de que é devedora o IVA suportado a montante na comissão paga ao BCP Investimento.

69      Ora, como foi recordado no n.° 17 do presente acórdão, segundo as informações prestadas pela Sonaecom na audiência, esta previa utilizar o capital obtido através do empréstimo para adquirir participações sociais da Cabovisão e, assim, investir no novo segmento de atividade dito «triple play», e não para dotar as suas afiliadas dos meios de que necessitavam para realizar investimentos nesse setor, conforme resulta da decisão de reenvio. No entanto, admitindo que está provada, esta circunstância não tem incidência na conclusão que figura no n.° 68 do presente acórdão, visto que não se refere à utilização efetiva dos serviços adquiridos pela recorrente no processo principal, mas unicamente à utilização inicialmente planeada por esta última.

70      Esta conclusão também não pode ser posta em causa pelo argumento da recorrente no processo principal de que, embora não exista nenhuma relação direta entre os custos suportados na emissão do empréstimo obrigacionista e uma operação tributável a jusante, estes custos são dedutíveis como despesas gerais da empresa.

71      Com efeito, como a advogada-geral salientou no n.° 64 das suas conclusões, existe uma relação direta e imediata entre os serviços adquiridos a montante pela recorrente no processo principal e uma operação isenta a jusante, a saber, a concessão de um empréstimo à sua sociedade-mãe.

72      Atendendo a estas considerações, há que responder à segunda questão que o artigo 4.°, n.os 1 e 2, bem como o artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva, devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding mista cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada não está autorizada a deduzir o IVA suportado a montante na comissão paga a uma instituição de crédito pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista que se destinava a realizar investimentos num determinado setor, quando esses investimentos tenham acabado por não se concretizar e o capital obtido através desse empréstimo tenha sido integralmente concedido sob a forma de empréstimo à sociedade-mãe do grupo.

 Quanto às despesas

73      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 4.°, n.os 1 e 2, bem como o artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding mista cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado suportado a montante na aquisição de serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à aquisição de participações sociais noutra sociedade, incluindo quando essa aquisição tenha acabado por não se concretizar.

2)      O artigo 4.°, n.os 1 e 2, bem como o artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/388 devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding mista cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada não está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado suportado a montante na comissão paga a uma instituição de crédito pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista que se destinava a realizar investimentos num determinado setor, quando esses investimentos tenham acabado por não se concretizar e o capital obtido através desse empréstimo tenha sido integralmente concedido sob a forma de empréstimo à sociedade-mãe do grupo.

Bonichot

Bay Larsen

Toader

Safjan

 

Jääskinen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de novembro de 2020.

O Secretário

 

O Presidente da Primeira Secção

A. Calot Escobar

 

J.-C. Bonichot


*      Língua do processo: português.