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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

13 de janeiro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 168.° – Direito a dedução – Prestação de serviços postais erradamente isentada – IVA considerado integrado no preço comercial da prestação para efeitos do exercício do direito a dedução – Exclusão – Conceito de IVA “devido ou pago”»

No processo C-156/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido), por Decisão de 1 de abril de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de abril de 2020, no processo

Zipvit Ltd

contra

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, vice-presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, J.-C. Bonichot (relator) e M. Safjan, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de Zipvit Ltd, por D. Garcia, L. Allen e W. Shah, solicitors, bem como por R. Thomas, QC,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, na qualidade de agente, assistido por S. Grodzinski e E. Mitrophanous, QC,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e O. Serdula, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo helénico, por M. Tassopoulou e I. Kotsoni, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por I. Herranz Elizalde e S. Jiménez García, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, inicialmente por R. Lyal e P. Carlin, e em seguida por P. Carlin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 8 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 168.°, alínea a), e do artigo 226.°, n.os 9 e 10, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Zipvit Ltd aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração Tributária e Aduaneira, Reino Unido) a respeito da decisão pela qual estes últimos não acederam ao seu pedido de dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

 Quadro jurídico

3        O artigo 63.° da Diretiva 2006/112 prevê:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

4        O artigo 90.° desta diretiva enuncia:

«1.      Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

2.      Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.° 1.»

5        Nos termos do artigo 132.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, os Estados-Membros isentam as prestações de serviços e as entregas de bens acessórias das referidas prestações efetuadas pelos serviços públicos postais, com exceção dos transportes de passageiros e das telecomunicações.

6        O artigo 167.° da referida diretiva dispõe:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

7        Nos termos do artigo 168.° da mesma diretiva:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

8        O artigo 185.° da Diretiva 2006/112 indica:

«1.      A regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.

2.      Em derrogação do disposto no n.° 1, não é efetuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afetações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.°

No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        A Zipvit, uma sociedade estabelecida no Reino Unido, exerce uma atividade comercial de fornecimento de vitaminas e de minerais por correspondência.

10      De 1 de janeiro de 2006 a 31 de março de 2010, a Royal Mail, o operador encarregado do serviço público postal no Reino Unido, forneceu prestações de serviços postais à Zipvit ao abrigo de contratos que tinham sido negociados individualmente com esta última. Estas prestações foram consideradas isentas de IVA com base na legislação nacional e nas diretivas publicadas pela Administração Tributária e Aduaneira destinadas a transpor, nomeadamente, o artigo 132.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112. Consequentemente, deram lugar à emissão pela Royal Mail de faturas sem IVA, indicando que as referidas prestações estavam isentas desse imposto.

11      Todavia, o Tribunal de Justiça proferiu, em 23 de abril de 2009, o Acórdão TNT Post UK (C-357/07, EU:C:2009:248), do qual resulta que a isenção de IVA prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112 não se aplica às prestações efetuadas pelos serviços públicos postais e cujas condições tenham sido negociadas individualmente.

12      Considerando que os pagamentos que tinha efetuado à Royal Mail deviam, portanto, ser considerados, retrospetivamente, como incluindo o IVA, a Zipvit transmitiu dois pedidos de dedução do IVA pago a montante relativos às prestações em causa à Administração Tributária e Aduaneira, em 15 de setembro de 2009 e em 8 de abril de 2010, perfazendo um montante total de 415 746 libras esterlinas (GBP) (cerca de 498 900 euros), acrescido de juros.

13      Por Decisão de 12 de maio de 2010, a Administração Tributária e Aduaneira indeferiu esses pedidos com o fundamento de que as prestações em causa não tinham sido sujeitas a IVA e que esse imposto não tinha sido pago pela Zipvit.

14      Em 2 de julho de 2010, a Administração Tributária e Aduaneira reexaminou e confirmou essa decisão.

15      Resulta da decisão de reenvio, por um lado, que a Royal Mail não tentou recuperar junto da Zipvit nem dos seus outros clientes na mesma situação o IVA omitido erradamente, tendo em conta, nomeadamente, os encargos administrativos e os custos que isso teria implicado e, por outro, que a Administração Tributária e Aduaneira também não emitiu um aviso retificativo de liquidação contra a Royal Mail, devido, nomeadamente, à confiança legítima que considerava ter criado a favor desta empresa.

16      Além disso, tanto a Administração Tributária e Aduaneira como a Royal Mail deixaram de poder efetuar tais diligências, tendo em conta o decurso dos prazos de prescrição.

17      A Zipvit interpôs sucessivamente recurso para o First-tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido], para o Upper Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal Superior (Secção Tributária), Reino Unido], para a Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Reino Unido), e depois para a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido), com vista à anulação da Decisão de 2 de julho de 2010.

18      Considerando que o processo sobre o qual é chamada a pronunciar-se suscita questões de interpretação da Diretiva 2006/112 e que constitui, além disso, um precedente para inúmeros litígios pendentes, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Quando (i) a autoridade tributária, o prestador de serviços e o comerciante que seja sujeito passivo interpretam erradamente a legislação europeia em matéria de IVA e consideram que uma prestação tributável à taxa normal está isenta de IVA (ii) o contrato celebrado entre o prestador de serviços e o comerciante estipulava que o preço da prestação estava isento de IVA e que, se o IVA fosse devido, o comerciante deveria suportar o seu pagamento (iii) o prestador de serviços nunca exigiu e já não pode exigir ao comerciante o pagamento do IVA adicional devido por este, e (iv) a autoridade tributária não pode, ou já não pode (por ter decorrido o prazo de prescrição), reclamar do prestador de serviços o IVA que deveria ter sido pago, tem a [Diretiva 2006/112] por efeito que o preço efetivamente pago é a combinação do valor líquido exigível e do IVA devido, podendo assim o comerciante reclamar a dedução do imposto pago a montante, conforme previsto no artigo 168.°, alínea a), da diretiva, quando esse imposto diz efetivamente respeito a essa prestação?

2)      Subsidiariamente, pode o comerciante, nestas circunstâncias, reclamar a dedução do imposto pago a montante ao abrigo do disposto no artigo 168.°, alínea a), da diretiva, enquanto IVA “devido” respeitante à referida prestação?

3)      Quando a autoridade tributária, o prestador de serviços e o comerciante que seja sujeito passivo interpretam erradamente a legislação europeia em matéria de IVA, e consideram que uma prestação tributável à taxa normal está isenta de IVA, de modo que o comerciante não pode apresentar à autoridade tributária uma fatura de IVA em conformidade com o artigo 226.°, n.os 9 e 10, da diretiva, relativamente à prestação de serviços que lhe foi efetuada, tem o comerciante direito à dedução do imposto pago a montante nos termos do artigo 168.°, alínea a), da diretiva?

4)      Para responder às questões 1) a 3):

a)      é relevante determinar se o prestador de serviços pode invocar a confiança legítima ou qualquer outro meio de defesa, resultante do direito nacional ou do direito da União, contra qualquer tentativa da autoridade tributária de emitir um aviso de liquidação para o pagamento do montante correspondente ao IVA respeitante à prestação?

b)      é relevante que o comerciante tenha sabido ao mesmo tempo que a autoridade fiscal e o prestador de serviços que a prestação em causa não estava de facto isenta, ou que tenha os mesmos meios de conhecimento que estes, e de que poderia ter-se proposto pagar o IVA devido respeitante à prestação (calculado com base no preço comercial desta), de forma a que tal imposto pudesse ter sido colocado à disposição da autoridade tributária, mas não o tenha feito?»

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

19      Resulta do artigo 86.° do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7), que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, que o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição fixado em 31 de dezembro de 2020, o que é o caso do presente pedido.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira, segunda e quarta questões

20      Com a primeira, segunda e quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que o IVA é devido ou pago e, por conseguinte, dedutível pelo sujeito passivo, quando, por um lado, este último e o seu prestador de serviços consideraram indevidamente, com base numa interpretação errada do direito da União pelas autoridades nacionais, que as prestações em causa estavam isentas de IVA e que, consequentemente, as faturas emitidas não o mencionam, num contexto em que o contrato celebrado entre estas duas pessoas prevê que se este imposto fosse devido, o beneficiário da prestação de serviços deveria suportar o respetivo custo, e, por outro, que nenhuma diligência destinada à recuperação do IVA foi encetada em tempo útil, de modo que prescreveu qualquer ação do prestador de serviços e da Administração Tributária e Aduaneira destinada à recuperação do IVA omitido.

21      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (Acórdão de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens, C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 29 e jurisprudência referida).

22      Todavia, este direito a dedução está sujeito ao respeito de requisitos e, nomeadamente, àquele, previsto no artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112, segundo o qual o IVA cuja dedução é pedida deve ser devido ou pago.

23      No que respeita, antes de mais, à questão de saber se se pode considerar que o IVA foi pago pelo facto de, em circunstâncias como as do processo principal, se dever considerar, como sustenta a Zipvit, incluído no preço pago com fundamento na conjugação dos princípios decorrentes do Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin (C-249/12 e C-250/12, EU:C:2013:722) e dos artigos 90.° e 185.° da Diretiva 2006/112, há que recordar que, no n.° 43 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem nenhuma menção do IVA e o fornecedor do referido bem seja o devedor do IVA devido sobre a operação tributada, deve considerar-se que o preço convencionado já inclui o IVA no caso em que o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar o IVA reclamado pela Administração Tributária junto do adquirente.

24      Esta interpretação baseia-se, em especial, no princípio de base da Diretiva 2006/112, segundo o qual o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final (Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin, C-249/12 e C-250/12, EU:C:2013:722, n.° 34 e jurisprudência referida).

25      Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de, segundo o direito nacional, o fornecedor não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela Administração Tributária, considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final (Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin, C-249/12 e C-250/12, EU:C:2013:722, n.° 35).

26      Essa tomada em consideração colidiria, por outro lado, com a regra segundo a qual a Administração Tributária não poderá cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică et Plavoşin, C-249/12 e C-250/12, EU:C:2013:722, n.° 36 e jurisprudência referida).

27      A análise seria outra no caso de o fornecedor ter a possibilidade, segundo o direito nacional, de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto aplicável à operação e de o recuperar junto do adquirente do bem (Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică et Plavoşin, C-249/12 e C-250/12, EU:C:2013:722, n.° 37).

28      Todavia, como resulta da decisão de reenvio, as circunstâncias do processo principal são diferentes das que estavam em causa nesse acórdão.

29      Resulta, com efeito, da referida decisão que o contrato celebrado entre a Zipvit e a Royal Mail previa expressamente que o preço da prestação era expresso sem IVA e que, se o IVA fosse, apesar disso, devido, o operador teria de suportar o respetivo custo.

30      Por outro lado, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, a Royal Mail não estava impossibilitada, de um ponto de vista jurídico, de recuperar junto da Zipvit o montante do IVA omitido erradamente depois de a Royal Mail ter tido conhecimento de que as prestações que esta tinha efetuado deviam ter sido submetidas a esse imposto.

31      Uma vez que, neste contexto, a Royal Mail se absteve, no entanto, de recuperar o montante do IVA junto da Zipvit, e tendo em conta o facto de a própria Administração Tributária e Aduaneira ter renunciado a recuperar o IVA junto desse prestador por considerações relativas, nomeadamente, à proteção da confiança legítima, impõe-se concluir que o preço faturado à Zipvit pela prestação dos serviços postais é um preço sem IVA. Ora, dado que o IVA é um imposto que só deve incidir, em cada fase, sobre o valor acrescentado e que deve, em definitivo, apenas ser suportado pelo consumidor final (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Viking Motors e o., C-475/17, EU:C:2018:636, n.° 33), um sujeito passivo como a Zipvit não pode pretender deduzir um montante de IVA que não lhe foi faturado e que, portanto, não repercutiu no consumidor final.

32      Esta interpretação não é posta em causa pelo argumento da Zipvit baseado nas disposições nacionais que transpõem os artigos 90.° e 185.° da Diretiva 2006/112. Com efeito, uma vez que o montante do IVA nunca onerou o preço das prestações de serviços fornecidas pela Royal Mail à Zipvit, não pode tratar-se de redução do valor tributável na aceção do artigo 90.° da Diretiva 2006/112, nem de regularização da dedução a montante na aceção do artigo 185.° dessa diretiva, sendo esses artigos apenas aplicáveis se o IVA tivesse sido aplicado ao preço [v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA) – Redução do valor tributável), C-335/19, EU:C:2020:829, n.os 21 e 37 e jurisprudência referida].

33      Por conseguinte, em circunstâncias como as do processo principal, não se pode considerar que o IVA esteja incluído no preço pago pelo beneficiário das prestações de serviços.

34      Nestas condições, as circunstâncias mencionadas na quarta questão, relativas à confiança legítima do prestador suscetível de ser oposta à Administração Tributária e Aduaneira em caso de pedido de regularização e ao facto de o beneficiário das prestações não ter pago esse imposto uma vez que teve conhecimento do erro cometido, quando tanto a Administração Tributária e Aduaneira como o prestador sabiam que o IVA deveria ter sido aplicado, não são suscetíveis de alterar esta análise.

35      Daqui resulta que o artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que o IVA foi pago, na aceção desta disposição, em circunstâncias como as do processo principal.

36      No que respeita, em seguida, à questão de saber se, em tais circunstâncias, se pode considerar que o IVA é, no entanto, devido, na aceção da referida disposição, há que recordar que o artigo 167.° da Diretiva 2006/112 prevê que o direito a dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

37      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o termo «devido», na aceção do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112, se refere a uma dívida fiscal exigível e pressupõe, consequentemente, que o sujeito passivo tenha a obrigação de pagar o montante do IVA que pretende deduzir enquanto imposto a montante (v., neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2012, Véleclair, C-414/10, EU:C:2012:183, n.° 20).

38      Embora seja verdade que o artigo 63.° da Diretiva 2006/112 prevê que o IVA se torna exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços, há que salientar que o simples facto de uma prestação isenta de IVA ser finalmente considerada, uma vez realizada, como estando sujeita a esse imposto, não basta para considerar que esse imposto é dedutível se nenhum pedido de pagamento do mesmo for transmitido ao beneficiário dessa prestação, mesmo que o prestador não esteja impossibilitado de apresentar tal pedido a esse beneficiário.

39      Por último, as circunstâncias mencionadas na quarta questão, recordadas no n.° 34 do presente acórdão, também não são suscetíveis de alterar esta análise.

40      Daqui resulta que o artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que o IVA é devido, na aceção desta disposição, em circunstâncias como as do processo principal.

41      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira, segunda e quarta questões que o artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que o IVA é devido ou pago, na aceção desta disposição, e não é, por conseguinte, dedutível pelo sujeito passivo, quando, por um lado, este último e o seu prestador de serviços consideraram indevidamente, com base numa interpretação errada do direito da União pelas autoridades nacionais, que as prestações em causa estavam isentas de IVA e que, consequentemente, as faturas emitidas não o mencionam, num contexto em que o contrato celebrado entre estas duas pessoas prevê que se este imposto fosse devido, o beneficiário da prestação de serviços deveria suportar o respetivo custo, e, por outro, que nenhuma diligência destinada à recuperação do IVA foi encetada em tempo útil, de modo que prescreveu qualquer ação do prestador de serviços e da Administração Tributária e Aduaneira destinada à recuperação do IVA omitido.

 Quanto à terceira questão

42      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que o beneficiário de prestações erradamente isentas de IVA pode invocar o direito à dedução do IVA devido ou pago a montante se não possuir faturas com as menções previstas no artigo 226.°, n.os 9 e 10, desta diretiva.

43      Tendo em conta a resposta dada à primeira, segunda e quarta questões, a resposta à terceira questão não se afigura necessária para o litígio no processo principal.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) é devido ou pago, na aceção desta disposição, e não é, por conseguinte, dedutível pelo sujeito passivo, quando, por um lado, este último e o seu prestador de serviços consideraram indevidamente, com base numa interpretação errada do direito da União pelas autoridades nacionais, que as prestações em causa estavam isentas de IVA e que, consequentemente, as faturas emitidas não o mencionam, num contexto em que o contrato celebrado entre estas duas pessoas prevê que se este imposto fosse devido, o beneficiário da prestação de serviços deveria suportar o respetivo custo, e, por outro, que nenhuma diligência destinada à recuperação do IVA foi encetada em tempo útil, de modo que prescreveu qualquer ação do prestador de serviços e da Administração Tributária e Aduaneira destinada à recuperação do IVA omitido.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.