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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

15 de setembro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Auxílios de Estado — Regime de auxílios aplicado pelo Governo de Gibraltar relativo ao imposto sobre as sociedades — Decisão (UE) 2019/700 — Não tributação dos rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties de propriedade intelectual — Decisão da Comissão Europeia que declara o regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno — Obrigação de recuperação — Alcance — Disposição nacional que não foi objeto da investigação realizada pela Comissão relativamente aos auxílios de Estado controvertidos — Dedução do imposto pago no estrangeiro com vista a evitar a dupla tributação»

No processo C-705/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Income Tax Tribunal of Gibraltar (Tribunal do Imposto sobre o Rendimento, Gibraltar), por Decisão de 16 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de dezembro de 2020, no processo

Fossil (Gibraltar) Ltd

contra

Commissioner of Income Tax,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, J. Passer, F. Biltgen, N. Wahl (relator) e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Fossil (Gibraltar) Ltd, por D. Feetham, KC, M. Levy, solicitor, e R. Pennington-Benton, barrister,

–        em representação do Commissioner of Income Tax, por M. Llamas, KC, M. Petite, avocat, T. Rocca e Y. Sanguinetti, barristers,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Flynn, P. Němečková e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 10 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão (UE) 2019/700 da Comissão, de 19 de dezembro de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.34914 (2013/C) concedido pelo Reino Unido no que respeita ao regime de tributação do rendimento das sociedades de Gibraltar (JO 2019, L 119, p. 151).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Fossil (Gibraltar) Ltd ao Commissioner of Income Tax (Comissário do Imposto sobre o Rendimento, Gibraltar), a respeito da execução da obrigação de recuperação dos auxílios de Estado referidos no artigo 1.° da Decisão 2019/700.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento (UE) 2015/1589

3        Nos termos do considerando 25 do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9):

«Nos casos de auxílios ilegais incompatíveis com o mercado interno, deve ser restabelecida uma concorrência efetiva. Para este efeito, é necessário que o auxílio, acrescido de juros, seja recuperado o mais rapidamente possível. É conveniente que esta recuperação seja efetuada de acordo com o direito processual nacional. A aplicação deste direito processual não deve, ao impedir uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão [Europeia], obstar ao restabelecimento de uma concorrência efetiva. Para obter esse resultado, os Estados-Membros devem tomar todas as medidas necessárias para garantir a eficácia da decisão da Comissão.»

4        O artigo 16.° deste regulamento, com a epígrafe «Recuperação do auxílio», dispõe:

«1.      Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado-Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário […]. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito da União.

[...]

3.      Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 278.° [TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados-Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação da União.»

 Decisão 2019/700

5        Em 16 de outubro de 2013, a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação para verificar se a não tributação dos rendimentos decorrentes dos juros passivos e das royalties de propriedade intelectual, prevista pelo Income Tax Act 2010 (Lei Relativa à Tributação dos Rendimentos de 2010), que é a lei relativa à tributação das sociedades de Gibraltar (a seguir «ITA 2010»), beneficiava seletivamente certas empresas, em violação das regras da União em matéria de auxílios de Estado.

6        Em 1 de outubro de 2014, a Comissão informou o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da sua decisão de alargar o procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE a fim de nele incluir a prática das decisões fiscais antecipadas em Gibraltar, mais especificamente, a adoção de 165 decisões fiscais antecipadas.

7        Em 19 de dezembro de 2018, a Comissão adotou a Decisão 2019/700. Em substância, a Comissão declarou, por um lado, que a «isenção» dos rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties, aplicável em Gibraltar entre os anos de 2011 e 2013 ao abrigo do ITA 2010, constituía um regime de auxílios de Estado ilegalmente aplicado e incompatível com o mercado interno e, por outro, que o tratamento fiscal concedido pelo Governo de Gibraltar com base em decisões fiscais antecipadas a favor de cinco empresas de Gibraltar com participações em sociedades em comandita neerlandesas (Commanditaire Vennootschappen) e que recebem rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties de propriedade intelectual constituía medidas de auxílio de Estado individuais ilegais e incompatíveis com o mercado interno.

8        O artigo 1.° desta decisão enuncia:

«1.      O regime de auxílio estatal sob a forma de isenção do imposto sobre os rendimentos decorrentes de juros passivos aplicável em Gibraltar ao abrigo [do ITA 2010] entre 1 de janeiro de 2011 e 30 de junho de 2013, e ilegalmente executado por Gibraltar em violação do artigo 108.°, n.° 3, [...] TFUE é incompatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.°, n.° 1, [...] TFUE.

2.      O regime de auxílio estatal sob a forma de isenção do imposto sobre os rendimentos decorrentes de royalties aplicável em Gibraltar ao abrigo [do ITA 2010] entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, e ilegalmente executado por Gibraltar em violação do artigo 108.°, n.° 3, [...] TFUE é incompatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.°, n.° 1, [...] TFUE.»

9        Nos termos do artigo 2.° da referida decisão:

«Os auxílios estatais individuais concedidos pelo Governo de Gibraltar, com base nas decisões fiscais [...] a cinco empresas de Gibraltar com participações em sociedades em comandita neerlandesas (Commanditaire Vennootschappen), que recebem rendimentos decorrentes de royalties e juros passivos, ilegalmente executados pelo Reino Unido em violação do artigo 108.°, n.° 3, [...] TFUE, são incompatíveis com o mercado interno na aceção do artigo 107.°, n.° 1, [...] TFUE.»

10      Por força do artigo 5.°, n.° 1, da Decisão 2019/700, o Reino Unido deve recuperar, em especial, todos os auxílios incompatíveis concedidos com base, nomeadamente, nos regimes de auxílios referidos no artigo 1.° desta decisão.

11      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da Decisão 2019/700:

«1.      No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, o Reino Unido deve fornecer as seguintes informações à Comissão:

[...]

b)      Uma lista de beneficiários que beneficiaram de auxílios com base nos regimes de auxílios referidos no artigo 1.°, juntamente com as seguintes informações para cada um deles e para cada ano fiscal pertinente:

–        o montante dos lucros obtidos (indicando separadamente os lucros obtidos de rendimentos decorrentes de royalties e os lucros obtidos de rendimentos decorrentes de juros passivos), a base tributável, a taxa de tributação do rendimento aplicável, o montante do imposto sobre o rendimento pago e o montante da perda de receitas fiscais,

–        o montante total do auxílio recebido;

[...]

d)      O montante total (capital e juros) a recuperar de cada beneficiário (para todos os anos fiscais sujeitos a recuperação);

[...]

f)      Documentos comprovativos de que os beneficiários foram intimados a reembolsar os auxílios.»

12      A secção 10, intitulada «Recuperação do auxílio», da Decisão 2019/700 contém indicações relativas ao montante dos auxílios individuais que as autoridades nacionais devem recuperar junto dos beneficiários dos auxílios. Em particular, os considerandos 223, 224 e 226 têm a seguinte redação:

«(223)      No caso de um auxílio estatal ilegal sob a forma de medidas fiscais, o montante a recuperar deve ser calculado com base numa comparação entre o imposto efetivamente pago e o montante que deveria ter sido pago na ausência do tratamento fiscal preferencial.

(224)      Neste caso, para chegar a um montante de imposto que deveria ter sido pago na ausência do tratamento fiscal preferencial, as autoridades do Reino Unido devem reavaliar o imposto devido pelas entidades beneficiárias das medidas em causa para cada exercício fiscal em que beneficiaram dessas medidas.

[...]

(226)      O montante da perda de receitas fiscais relativamente a um ano fiscal específico deve ser calculado da seguinte forma:

–        em primeiro lugar, as autoridades do Reino Unido devem estabelecer o lucro global da empresa em causa para esse ano fiscal (incluindo o lucro obtido dos rendimentos decorrentes de royalties e/ou de juros passivos),

–        com base nesse lucro, as autoridades do Reino Unido devem calcular a base tributável da empresa em causa para esse ano fiscal,

–        a base tributável deve ser multiplicada pela taxa de tributação do rendimento das sociedades aplicável a esse ano fiscal,

–        por último, as autoridades do Reino Unido devem deduzir o imposto sobre o rendimento das sociedades que a empresa já pagou relativamente a esse ano fiscal (se for o caso).»

 Direito nacional

 Gibraltar Constitution Order 2006

13      O sistema de governo de Gibraltar está consagrado na Gibraltar Constitution Order 2006 (Despacho de Constituição de Gibraltar de 2006), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007.

14      A section 47(3) deste despacho dispõe:

«Sem prejuízo da responsabilidade do Reino Unido de assegurar o respeito por Gibraltar do direito da União, os ministérios do Governo de Gibraltar continuam a ser responsáveis por qualquer questão abrangida pelas suas competências ao abrigo da presente Constituição, mesmo que esta se coloque no âmbito da União.»

 ITA 2010

15      O ITA 2010 entrou em vigor em 1 de janeiro de 2011, tendo substituído a anterior Lei Relativa à Tributação dos Rendimentos, datada de 1952 (Income Tax Act 1952). O ITA 2010 introduziu uma taxa geral de tributação do rendimento das sociedades de 10 % aplicável a todas as empresas em de Gibraltar, com exceção dos prestadores de serviços de utilidade pública, serviços de telecomunicações e empresas que detêm e fazem um uso indevido de uma posição dominante no mercado, que estão sujeitas a uma taxa de 20 %.

16      As sociedades tributáveis nos termos do ITA 2010 são as sociedades com sede habitual em Gibraltar, bem como as que não têm sede habitual em Gibraltar, mas que aí exercem uma atividade comercial através de uma sucursal ou agência.

17      O ITA 2010 institui um sistema de tributação territorial, na medida em que os lucros ou as mais-valias só podem ser tributados se os rendimentos daí resultantes «forem obtidos em ou derivados de» Gibraltar. De acordo com a section 74 do ITA 2010, o conceito de «obtidos em ou derivados de» refere-se à localização das atividades que dão origem aos lucros ou às mais-valias, a qual é normalmente determinada numa base casuística. Esta disposição também prevê que as atividades que exijam uma licença e se regem por regulamentação de Gibraltar decorrem em Gibraltar.

18      Nos termos do ITA 2010 na sua versão inicial (entrada em vigor em 1 de janeiro de 2011), os juros passivos e os royalties de propriedade intelectual não eram tributados, independentemente da origem do rendimento e da aplicação do princípio da territorialidade. Na sequência das alterações efetuadas ao ITA 2010 em 2013, com efeitos a partir de 1 de julho de 2013, todos os juros de empréstimos interempresas foram sujeitos a imposto à taxa geral de 10 %, desde que os juros recebidos ou a receber pela empresa de origem excedessem um montante anual de 100 000 libras esterlinas (GBP). Por outro lado, na sequência das alterações efetuadas ao ITA 2010 em 2013, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, todos os royalties de propriedade intelectual recebidos ou a receber por uma empresa registada em Gibraltar foram igualmente sujeitos a imposto, à mesma taxa de 10 %.

19      A section 37 do ITA 2010, com a epígrafe «Redução fiscal a título do imposto pago no estrangeiro», prevê, no seu n.° 1:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 8, qualquer pessoa que tenha pago, por dedução ou de outra forma, o imposto devido a título da presente lei por lucros ou mais-valias derivados de fontes situadas em Gibraltar ou em qualquer outro país, território ou jurisdição, ou que seja devedora desse imposto, e que prove, a contento do Commissioner [of Income Tax], que pagou, por dedução ou de outra forma, o imposto sobre o rendimento no outro país, território ou jurisdição relativamente aos mesmos lucros ou mais-valias, ou que é aí devedora desse imposto, tem direito a uma dedução do imposto devido a título da presente lei que tenha pago ou seja devedora pelos referidos lucros ou mais-valias, no montante correspondente ao menor dos dois montantes seguintes:

a)      o imposto devido a título da presente lei pelos referidos lucros ou mais-valias, ou

b)      imposto sobre o rendimento no outro país, território ou jurisdição pelo referido rendimento.»

20      A section 37(8) do ITA 2010 dispõe:

«O presente artigo aplica-se apenas ao imposto pago num país onde são geradas ou têm origem as receitas resultantes da atividade comercial subjacente que deu origem aos lucros ou mais-valias referidos no n.° 1.»

21      Para efeitos de execução da Decisão 2019/700, o Income Tax (Amendment) Regulations 2019 [Regulamento de 2019 Relativo à Tributação dos Rendimentos (Alteração)] alterou o ITA 2010 com vista a permitir a tributação retroativa dos rendimentos de royalties auferidos entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

22      A Fossil (Gibraltar), sociedade com sede em Gibraltar, é uma filial 100 % detida pela Fossil Group Inc., uma sociedade com sede nos Estados Unidos da América e que opera no domínio da criação e do fabrico de artigos de moda. A Fossil (Gibraltar) recebe royalties de propriedade intelectual que são gerados pela utilização, à escala mundial, de várias marcas, desenhos e modelos de que a Fossil Group é proprietária.

23      A Fossil (Gibraltar), que não figura na lista das 165 decisões fiscais antecipadas referida no n.° 6 do presente acórdão, obteve rendimentos de royalties de propriedade intelectual que não foram tributadas ao abrigo do ITA 2010. Em contrapartida, declarou a totalidade desses rendimentos que auferiu à Administração Fiscal dos Estados Unidos, onde foi pago um imposto sobre esses rendimentos à taxa de 35 %.

24      Em 19 de fevereiro de 2019, o Commissioner of Income Tax, que é, em Gibraltar, a autoridade encarregada da cobrança do imposto sobre o rendimento e os lucros, enviou à Comissão uma lista de beneficiários de um auxílio, na qual figurava a Fossil (Gibraltar), e comunicou-lhe o cálculo do montante do auxílio a recuperar junto da Fossil (Gibraltar).

25      Por carta de 8 de abril de 2019, o Commissioner of Income Tax propôs à Comissão um ajustamento do montante do auxílio a recuperar junto da Fossil (Gibraltar). O ajustamento proposto tinha em conta um imposto suplementar que tinha sido pago nos Estados Unidos pela Fossil Group na sequência da aplicação das regras americanas relativas às sociedades estrangeiras controladas.

26      Por cartas de 13 de maio e 6 de junho de 2019, a Direção-Geral (DG) «Concorrência» da Comissão considerou que esse ajustamento devia ser recusado.

27      Por carta de 26 de março de 2020, a DG «Concorrência» precisou que, para efeitos da determinação do imposto devido, o Commissioner of Income Tax não podia ter em conta o imposto pago nos Estados Unidos sobre os rendimentos da Fossil (Gibraltar) decorrentes de royalties de propriedade intelectual.

28      Segundo a DG «Concorrência», o método de cálculo do imposto devido para efeitos da recuperação do auxílio descrito no considerando 226 da Decisão 2019/700 não tem por objeto autorizar a dedução dos impostos pagos nos Estados Unidos, em aplicação das regras americanas relativas às sociedades estrangeiras controladas. Com efeito, o imposto previsto por estas regras responde a uma lógica fiscal própria, a saber, a luta contra a fraude, pelo que não tem incidência no raciocínio subjacente à Decisão 2019/700 nem no método de cálculo do auxílio a recuperar junto da Fossil (Gibraltar). Os serviços da Comissão precisaram, nomeadamente, que o ponto 102 da Comunicação da Comissão relativa à recuperação dos auxílios estatais ilegais e incompatíveis com o mercado interno (JO 2019, C 247, p. 1), que permite a um Estado-Membro ter em conta, no cálculo do montante do auxílio a recuperar, o facto de o beneficiário de um auxílio ilegal ter ou não pago impostos relativos ao auxílio recebido, não era aplicável no processo principal, uma vez que a Fossil (Gibraltar) não tinha pago tais impostos.

29      Em 31 de outubro de 2020, na sequência da recusa pela Comissão do cálculo do auxílio a recuperar junto da Fossil (Gibraltar), efetuado pelo Commissioner of Income Tax, este enviou à Fossil (Gibraltar) novas ordens de recuperação.

30      Em 4 de dezembro de 2020, a Fossil (Gibraltar) interpôs recurso dessas ordens de recuperação no órgão jurisdicional de reenvio.

31      Nesse órgão jurisdicional, o Commissioner of Income Tax entende que deve seguir a posição da DG «Concorrência». Considera que, embora a redução fiscal prevista na section 37 do ITA 2010 não tenha, enquanto tal, sido examinada pela DG «Concorrência», a posição tomada por esta última tem por consequência impossibilitar a aplicação desta disposição.

32      A Fossil (Gibraltar) sustenta, por seu lado, que, embora a regulamentação nacional relativa ao imposto sobre o rendimento, mencionada no n.° 21 do presente acórdão, autorize a tributação retroativa dos rendimentos de royalties de propriedade intelectual gerados entre 2011 e 2013, o Commissioner of Income Tax continua habilitado, ao abrigo do direito interno e em conformidade com o artigo 16.°, n.° 3, do Regulamento 2015/1589, a conceder qualquer redução fiscal disponível ao abrigo do ITA 2010 quando da tributação desses rendimentos. A este respeito, salienta que a Decisão 2019/700 não se pronunciou sobre a aplicação da section 37 do ITA 2010 ou sobre a conformidade desta disposição com o direito da União. Segundo a Fossil (Gibraltar), o Commissioner of Income Tax confunde o cálculo do imposto devido para efeitos da recuperação do auxílio, conforme previsto na Decisão 2019/700, com as reduções fiscais suscetíveis de ser aplicadas pelas autoridades de Gibraltar sobre o montante bruto a recuperar, em aplicação do ITA 2010.

33      Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A concessão pelo Commissioner of Income Tax de uma redução de imposto, ao abrigo do ITA 2010, em relação ao imposto sobre os rendimentos gerados pelos royalties da [Fossil (Gibraltar)], pago nos [Estados Unidos], é contrária à Decisão 2019/700 ou opõe-se esta última à adoção dessa medida por qualquer outra razão?»

 Quanto à questão prejudicial

34      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Decisão 2019/700 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais encarregadas da recuperação, junto do beneficiário, de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno apliquem uma disposição nacional que prevê um mecanismo de dedução dos impostos pagos por esse beneficiário no estrangeiro daqueles de que é devedor em Gibraltar.

35      Antes de mais, há que salientar que a questão, tal como formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio e à qual o Tribunal de Justiça é convidado a responder, assenta na premissa de que a section 37 do ITA 2010, que prevê um mecanismo de dedução do imposto pago num Estado terceiro para evitar a dupla tributação, é aplicável no processo principal.

36      É certo que o Commissioner of Income Tax e a Comissão alegaram que as condições exigidas para beneficiar do mecanismo de dedução ao abrigo da section 37 do ITA 2010 parecem não estar preenchidas no processo principal. Todavia, as considerações expostas a este respeito equivalem a pôr em causa a apreciação do direito nacional efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio, que concluiu que as condições de aplicação da section 37 do ITA 2010 estavam reunidas no âmbito do processo principal.

37      Ora, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio e não ao Tribunal de Justiça verificar a correção desta apreciação do direito nacional. Com efeito, o artigo 267.° TFUE institui um procedimento de cooperação direta entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros. No âmbito desse procedimento, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, qualquer apreciação dos factos da causa é da competência do juiz nacional, ao qual compete apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça, ao passo que o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar-se sobre a interpretação ou a validade de um diploma da União com base nos factos que lhe são indicados pelo juiz nacional (Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C-62/14, EU:C:2015:400, n.° 15, e de 20 de abril de 2021, Repubblika, C-896/19, EU:C:2021:311, n.° 28).

38      No caso em apreço, e partindo da premissa de que a section 37 do ITA 2010 é aplicável no processo principal, há que determinar se a concessão de uma redução do montante do auxílio que deve ser recuperado junto da Fossil (Gibraltar), com base nesta disposição, é suscetível de comprometer a execução efetiva da ordem de recuperação contida na Decisão 2019/700.

39      A este respeito, importa recordar que a supressão de um auxílio ilegal através de recuperação é a consequência lógica da constatação da sua ilegalidade. Por conseguinte, o Estado-Membro destinatário de uma decisão que o obrigue a recuperar os auxílios ilegais deve, por força do artigo 288.° TFUE, tomar todas as medidas adequadas para garantir o cumprimento da referida decisão. Deve obter uma recuperação efetiva dos montantes devidos a fim de eliminar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial proporcionada pelo auxílio ilegal (Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Comissão/Espanha, C-529/09, EU:C:2013:31, n.os 90 e 91 e jurisprudência referida). Com a restituição, o beneficiário perde a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes e a situação anterior ao pagamento do auxílio é reposta (Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C-148/04, EU:C:2005:774, n.° 113).

40      Por força do artigo 16.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2015/1589, a recuperação de um auxílio declarado ilegal e incompatível com o mercado interno por uma decisão da Comissão deve, como resulta igualmente do considerando 25 deste regulamento, ser efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da referida decisão, devendo esta condição refletir as exigências do princípio da efetividade consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., por analogia, Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Comissão/Espanha, C-529/09, EU:C:2013:31, n.° 92 e jurisprudência referida).

41      Para efeitos do cálculo do montante do auxílio a recuperar, o juiz nacional deve ter em consideração o conjunto dos elementos pertinentes levados ao seu conhecimento. Não se pode excluir que, atendendo ao conjunto desses elementos, esse cálculo efetuado pelo juiz nacional revele um montante do auxílio inferior ao que resulta da tomada em consideração isolada da decisão da Comissão que ordena a restituição do auxílio declarado incompatível com o mercado interno, ou mesmo um montante igual a zero (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Mediaset, C-69/13, EU:C:2014:71, n.os 36 e 37).

42      O Tribunal de Justiça precisou assim que o restabelecimento da situação anterior significa o retorno, na medida do possível, à situação que teria prevalecido se as operações em causa tivessem sido realizadas sem a concessão da medida de auxílio controvertida (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C-148/04, EU:C:2005:774, n.° 117).

43      Embora os montantes a restituir não possam ser determinados em função de operações hipotéticas que poderiam ter sido realizadas pelas empresas se não tivessem optado pela operação beneficiada pelo auxílio, os beneficiários de um regime de auxílios podem, na fase da recuperação, invocar as deduções e reduções previstas pelo direito nacional se se verificar, tendo em conta as operações concretamente realizadas, que tinham efetivamente o direito de beneficiar das mesmas. Com efeito, o restabelecimento da situação anterior exige unicamente que seja levado em conta, na fase da recuperação do auxílio pelas autoridades nacionais, o tratamento fiscal eventualmente mais favorável que o de direito comum que, na ausência do auxílio ilegal e por força das regras internas compatíveis com o direito da União, teria sido dado às operações efetivamente realizadas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C-148/04, EU:C:2005:774, n.os 114 a 119).

44      Dito isto, no que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se a Decisão 2019/700 se opõe, enquanto tal, à redução solicitada ao abrigo da section 37 do ITA 2010, há que recordar que, com essa decisão, a Comissão declarou ilegais e incompatíveis com o mercado interno, por um lado, o regime concedido sob a forma de não tributação dos rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties de propriedade intelectual e, por outro, as medidas de auxílios individuais constituídas por cinco decisões fiscais antecipadas, entre as 165 que são objeto da Decisão da Comissão de 1 de outubro de 2014 de alargar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, referido no n.° 6 do presente acórdão.

45      No que respeita às medidas adotadas sob a forma de não tributação dos rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties de propriedade intelectual, que são as únicas em causa no processo principal, resulta da Decisão 2019/700 que estas medidas foram qualificadas de auxílios de Estado proibidos pelo artigo 107.°, n.° 1, TFUE, nomeadamente pelo facto de concederem uma vantagem seletiva.

46      Em particular, foi tida em conta a circunstância de essa não tributação colidir com o princípio geral segundo o qual o imposto sobre as sociedades é cobrado a todos os sujeitos passivos que auferem rendimentos obtidos em ou derivados de Gibraltar. Segundo a Comissão, daqui resulta que «os rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties estão normalmente abrangidos pelo âmbito da tributação» (considerando 82 da Decisão 2019/700). Ora, a redução de um imposto que as empresas teriam, de outra forma, de suportar constitui uma vantagem (considerando 83 dessa decisão), a priori, seletiva, na medida em que beneficia principalmente grupos multinacionais (considerandos 103 e 104 da referida decisão). A Comissão indicou, no considerando 107 da mesma decisão, que o argumento relativo à necessidade de evitar a dupla tributação não é sustentável no contexto de uma situação de não tributação, «dado que a entidade pagadora (estrangeira) pode geralmente deduzir os juros ou royalties para efeitos fiscais».

47      Resulta destas considerações que a Decisão 2019/700 se refere unicamente à constatação de que certas categorias de rendimentos, no caso em apreço, os decorrentes de juros passivos e de royalties de propriedade intelectual, não estão sujeitos ao imposto sobre as sociedades em Gibraltar.

48      Por conseguinte, embora a Decisão 2019/700 imponha às autoridades nacionais competentes a recuperação do imposto que deveria ter sido pago na ausência da isenção dos rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties de propriedade intelectual (considerando 223 dessa decisão), não trata, em contrapartida, da eventual faculdade de beneficiar das deduções e das reduções previstas pela legislação de Gibraltar, que poderiam ter sido aplicadas quando do cálculo do imposto devido. Portanto, a referida decisão, em especial, o seu considerando 226, não obsta a que, em conformidade com o princípio consagrado pela jurisprudência referida no n.° 43 do presente acórdão, seja invocado um mecanismo como o previsto na section 37 do ITA 2010. Consequentemente, também não põe em causa a possibilidade de a Administração Fiscal de Gibraltar, em aplicação desse mecanismo, deduzir impostos relativos a royalties de propriedade intelectual pagos no estrangeiro do imposto correspondente a esses royalties que deve ser pago em Gibraltar.

49      Quanto às tomadas de posição resultantes das cartas que a Comissão dirigiu às autoridades nacionais no âmbito da correspondência trocada com vista a assegurar a execução imediata e efetiva da Decisão 2019/700, conforme mencionadas nos n.os 26 a 28 do presente acórdão, as quais não figuram entre os atos que podem ser adotados com base no Regulamento 2015/1589, não podem levar a completar ou a alterar o conteúdo dessa decisão e devem ser consideradas desprovidas de qualquer valor vinculativo (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Mediaset, C-69/13, EU:C:2014:71, n.os 24 a 28).

50      Em segundo lugar, há que examinar se a tomada em conta, na fase da recuperação do auxílio, de um crédito de imposto concedido com base na section 37 do ITA 2010 leva a comprometer a eficácia da Decisão 2019/700, na medida em que esta tomada em conta equivale a colocar a Fossil (Gibraltar) numa situação mais vantajosa do que a que teria prevalecido se as operações em causa tivessem sido realizadas sem a concessão das medidas de auxílio em questão no processo principal.

51      A este respeito, como enuncia o considerando 25 do Regulamento 2015/1589, o Estado-Membro em causa deve «tomar todas as medidas necessárias para garantir a eficácia da decisão da Comissão» que ordena a recuperação de um auxílio incompatível com o mercado interno.

52      Com efeito, como recordado no n.° 39 do presente acórdão, o Estado-Membro em causa deve conseguir uma recuperação efetiva dos montantes devidos a fim de eliminar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial proporcionada pelos auxílios ilegais. Embora seja verdade que tal exigência implica necessariamente que um Estado-Membro não pode contornar o alcance de uma decisão da Comissão através da adoção de medidas compensatórias destinadas a tornar inoperantes as consequências dessa decisão, não pode impedir os beneficiários dos auxílios em causa de invocarem, na fase da recuperação, deduções e reduções previstas pelo direito nacional se se verificar, tendo em conta as operações concretamente realizadas, que tinham efetivamente o direito de beneficiar das mesmas na data dessas operações.

53      Em particular, a referida exigência não compromete a priori a aplicação de um mecanismo, como o previsto na section 37 do ITA 2010, que permite, com vista a evitar a dupla tributação de um mesmo rendimento, conceder uma redução de imposto atendendo ao imposto pago por uma pessoa coletiva ou singular num país ou num território no qual esse rendimento foi obtido ou teve origem.

54      Em terceiro e último lugar, importa examinar se a Decisão 2019/700, que qualifica o regime de não tributação dos rendimentos decorrentes de juros passivos e de royalties de propriedade intelectual de auxílio de Estado, na medida em que, nomeadamente, se afasta do princípio da territorialidade consagrado pela legislação fiscal de Gibraltar, implica, por extensão, que a section 37 do ITA 2010, que a Fossil (Gibraltar) invoca no processo principal, deve ser equiparada a tal regime e, consequentemente, ser considerada um auxílio de Estado proibido na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

55      Assim, se, à data das operações em causa, a Fossil (Gibraltar) podia efetivamente invocar a aplicação da section 37 do ITA 2010, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, importa examinar se a dedução de um imposto relativo a royalties de propriedade intelectual pago no estrangeiro, prevista nesta disposição, é suscetível de constituir um auxílio de Estado proibido na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

56      A este respeito, importa sublinhar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora não caiba a este último pronunciar-se, no âmbito de um processo apresentado nos termos do artigo 267.° TFUE, sobre a compatibilidade de normas de direito interno com o direito da União nem interpretar disposições legislativas ou regulamentares nacionais, é, todavia, competente para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação do direito da União que podem permitir a esse órgão jurisdicional decidir o processo que lhe foi submetido. Em matéria de auxílios de Estado, o Tribunal de Justiça pode, nomeadamente, fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de interpretação que lhe permitam determinar se uma medida nacional pode ser qualificada de auxílio de Estado na aceção do direito da União (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C-78/08 a C-80/08, EU:C:2011:550, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida).

57      Ora, recorde-se que a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, requer que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Em primeiro lugar, deve tratar-se de uma intervenção do Estado ou ser proveniente de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados-Membros. Em terceiro lugar, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C-51/19 P e C-64/19 P, EU:C:2021:793, n.° 30 e jurisprudência referida).

58      No que se refere, em especial, às medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, há que recordar que uma medida desta natureza que, embora não implique uma transferência de recursos estatais, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que os outros contribuintes é suscetível de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constituir, por conseguinte, um «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Assim, é nomeadamente considerada um auxílio de Estado uma intervenção que reduz os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, sem ser uma subvenção na aceção estrita da palavra, tem a mesma natureza e produz efeitos idênticos. Em contrapartida, não constitui tal auxílio, na aceção desta disposição, um benefício fiscal que resulta de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C-562/19 P, n.° 30 e jurisprudência referida).

59      Dito isto, fora dos domínios em que o direito fiscal da União é objeto de harmonização, a determinação das características constitutivas de cada imposto insere-se no poder de apreciação dos Estados-Membros, em observância da sua autonomia fiscal, devendo esse poder, em todo o caso, ser exercido em observância do direito da União. É o que acontece, nomeadamente, com a determinação do seu valor tributável e do seu facto gerador (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C-562/19 P, EU:C:2021:201, n.° 38).

60      Ora, como salientou, em substância, a advogada-geral no n.° 59 das suas conclusões, decidir quais são os impostos estrangeiros que podem ser deduzidos da dívida fiscal interna e em que condições essa dedução é possível constitui uma decisão de ordem geral que se insere no âmbito do poder de apreciação dos Estados-Membros na determinação das características constitutivas do imposto.

61      Uma medida como a prevista na section 37 do ITA 2010, que visa evitar a dupla tributação ao prever um mecanismo de dedução dos impostos pagos por um contribuinte no estrangeiro daqueles de que é devedor em Gibraltar, está abrangida, em princípio, pela autonomia fiscal dos Estados-Membros e não pode ser qualificada de auxílio de Estado proibido na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, exceto se se demonstrar que assenta em parâmetros discriminatórios. Neste contexto, importa recordar que o direito da União nesta matéria visa apenas a eliminação das vantagens seletivas de que podem beneficiar certas empresas em detrimento de outras que estejam numa situação comparável (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C-562/19 P, EU:C:2021:201, n.° 41).

62      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a Decisão 2019/700 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que as autoridades nacionais encarregadas da recuperação, junto do beneficiário, de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno apliquem uma disposição nacional que prevê um mecanismo de dedução dos impostos pagos por esse beneficiário no estrangeiro daqueles de que é devedor em Gibraltar, na hipótese de se constatar que esta disposição era aplicável na data das operações em causa.

 Quanto às despesas

63      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

A Decisão (UE) 2019/700 da Comissão, de 19 de dezembro de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.34914 (2013/C) concedido pelo Reino Unido no que respeita ao regime de tributação do rendimento das sociedades de Gibraltar,

deve ser interpretada no sentido de que:

não se opõe a que as autoridades nacionais encarregadas da recuperação, junto do beneficiário, de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno apliquem uma disposição nacional que prevê um mecanismo de dedução dos impostos pagos por esse beneficiário no estrangeiro daqueles de que é devedor em Gibraltar, na hipótese de se constatar que esta disposição era aplicável na data das operações em causa.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.