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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

13 de outubro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 273.° – Medidas destinadas a garantir a cobrança exata do IVA – Artigo 325.°, n.° 1, TFUE – Obrigação de combater as atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União Europeia – Dívidas de IVA de uma pessoa coletiva que é sujeito passivo – Regulamentação nacional que prevê a responsabilidade solidária do gerente da pessoa coletiva que não é sujeito passivo – Atos de disposição praticados de má-fé pelo gerente – Empobrecimento do património da pessoa coletiva que leva à insolvência – Não pagamento dos montantes de IVA devidos pela pessoa coletiva nos prazos previstos – Juros de mora – Proporcionalidade»

No processo C-1/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária), por Decisão de 18 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de janeiro de 2021, no processo

MC

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Veliko Tarnovo pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sétima Secção, J. Passer e N. Wahl, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de MC, por ele próprio,

–        em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Veliko Tarnovo pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite, por B. Nikolov,

–        em representação do Governo espanhol, por M. J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Nikolova e V. Uher, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 2 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.° da Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, assinada em Bruxelas em 26 de julho de 1995 (JO 1995, C 316, p. 48, a seguir «Convenção PIF»), do artigo 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA») e do princípio da proporcionalidade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe MC ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Veliko Tarnovo pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (Diretor da Direção «Contestação e Práticas Fiscais e de Segurança Social» de Veliko Tarnovo junto da Administração Central da Agência Nacional das Receitas Públicas) (a seguir «Diretor»), a respeito de um aviso de liquidação adicional pelo qual MC foi considerado solidariamente responsável por certas dívidas fiscais, incluindo dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), de uma sociedade comercial da qual foi gerente.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Convenção PIF

3        Nos termos do preâmbulo da Convenção PIF, as partes contratantes nesta convenção, «[d]esejando assegurar a contribuição eficaz das respetivas legislações penais para a proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias», estão convencidas, por um lado, «de que a proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias exige que os comportamentos fraudulentos lesivos dos referidos interesses sejam objeto de procedimento penal» e, por outro, «de que é necessário que esses comportamentos sejam considerados infrações penais passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, sem prejuízo da aplicação de outras sanções em determinados casos apropriados, e que se prevejam, pelo menos para os casos graves, penas privativas de liberdade».

4        O artigo 1.°, n.° 1, da Convenção PIF define o conceito de «fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias». Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, desta convenção, cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias e adequadas para transpor as disposições do n.° 1 para o direito penal interno, de modo a que os comportamentos que nelas se referem sejam considerados infrações penais.

5        O artigo 2.°, n.° 1, da Convenção PIF dispõe que cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no artigo 1.°, bem como a cumplicidade, a instigação ou a tentativa relativas aos comportamentos referidos no n.° 1 do artigo 1.°, sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras.

 Diretiva IVA

6        O artigo 205.° da Diretiva IVA enuncia:

«Nas situações previstas nos artigos 193.° a 200.°, 202.°, 203.° e 204.°, os Estados-Membros podem prever que uma pessoa diversa do sujeito passivo seja solidariamente responsável pelo pagamento do IVA.»

7        O artigo 273.°, primeiro parágrafo, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

 Direito búlgaro

8        O artigo 19.°, n.° 2, do Danachno — op. cit. protsualen kodeks (Código do Processo Tributário e da Segurança Social, a seguir «DOPK») dispõe:

«Um gerente ou um membro de um órgão de administração que efetue de má-fé pagamentos em espécie ou pecuniários a partir do património de uma pessoa coletiva devedora na aceção do artigo 14.°, n.os 1 ou 2, que constituam uma distribuição dissimulada de lucros ou dividendos ou transfira bens da pessoa devedora a título gratuito ou a um preço consideravelmente inferior ao preço de mercado, reduzindo o património da pessoa devedora que, por isso, não tenha pago impostos ou contribuições para a segurança social, é responsável pelas dívidas até ao montante dos pagamentos efetuados ou da diminuição do património.»

9        O artigo 20.° do DOPK enuncia:

«Nos casos previstos no n.° 19, a constituição de garantia e a execução coerciva realizam-se, em primeiro lugar, contra o património do devedor que responde pela dívida fiscal ou para com a segurança social.»

10      O artigo 21.°, n.° 3, do DOPK precisa que a responsabilidade de terceiros caduca com o desaparecimento da dívida pela qual foi acionada por um ato definitivo.

11      O artigo 1.° da Zakon za lihvite varhu danatsi, taksi i drugi podobni darzhavni vzemania (Lei Relativa aos Juros de Impostos, Taxas e outros Créditos Públicos Semelhantes do Estado) (DV n.° 91, de 12 de novembro de 1957), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«Os impostos, taxas, deduções de lucros, quotizações para o orçamento e outros créditos públicos semelhantes não pagos nos prazos de pagamento voluntário, não retidos ou retidos, mas que não tenham sido pagos em tempo útil, são cobrados, acrescidos de juros à taxa legal.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Entre 14 de abril de 2011 e 30 de abril de 2015, MC foi gerente de uma sociedade comercial.

13      No decurso do ano de 2015, foi instaurado contra esta sociedade um processo de cobrança coerciva de créditos públicos, visando, nomeadamente, montantes de IVA não pagos e os juros de mora devidos sobre esses montantes.

14      Em 28 de agosto de 2018, esse processo só tinha permitido a cobrança de um montante de 287 935,35 leva búlgaros (BGN) (cerca de 148 115 euros). O montante total dos créditos públicos remanescentes devidos pela referida sociedade ascendia a 3 799 590,92 BGN (cerca de 1 954 522 euros).

15      Verificando que esses créditos seriam dificilmente recuperáveis junto dessa mesma sociedade, o funcionário encarregado da cobrança recorreu à direção territorialmente competente da Natsionalnata agentsia za prihodite (Agência Nacional das Receitas Públicas, a seguir «Direção») com vista a acionar a responsabilidade pessoal de MC, a título solidário, em aplicação do artigo 19.°, n.° 2, do DOPK.

16      No âmbito deste último procedimento, MC foi objeto de um controlo que permitiu apurar os seguintes factos.

17      MC exerceu funções executivas de gestão na sociedade comercial acima mencionada entre 14 de abril de 2011 e 30 de abril de 2015. Segundo as explicações fornecidas por MC, a remuneração que recebia a esse título estava estipulada num contrato de gestão celebrado com essa sociedade. Todavia, esse contrato não pôde ser apresentado por MC nem pela referida sociedade.

18      MC sustentou que a sua remuneração bruta mensal tinha sido aumentada, a partir de 1 de março de 2014, passando de 3 000 BGN (cerca de 1 543 euros) para 20 000 BGN (cerca de 10 288 euros). Este aumento justificou-se pelo aumento das receitas líquidas e do volume de negócios desta mesma sociedade, na sequência da celebração de novos contratos.

19      A Direção considerou que o montante correspondente ao aumento da remuneração líquida de MC, ou seja, 15 300 BGN (cerca de 7 800 euros) por mês, constituía uma distribuição dissimulada de lucros ou dividendos, na aceção do artigo 19.°, n.° 2, do DOPK, para os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2014 e para o mês de janeiro de 2015, correspondente a um montante total de 76 500 BGN (cerca de 39 352 euros). Considerou igualmente que MC agiu de má-fé.

20      Em particular, a Direção constatou que, em 18 e 23 de dezembro de 2014, tinham sido efetuados três pagamentos para a conta bancária da mulher de MC, num montante acumulado de 53 164,08 BGN (cerca de 27 348 euros). Além disso, a instrução judicial, durante a qual o segredo bancário foi levantado, demonstrou que esses pagamentos tinham sido realizados eletronicamente a partir da «conta de cliente» do advogado encarregado de representar a sociedade comercial de que MC foi gerente.

21      A Direção considerou que esse montante acumulado de 53 164,08 BGN, transferido para a conta da mulher de MC, excedia em 45 900 BGN (cerca de 23 611 euros) a remuneração líquida normal de MC calculada ao longo de um período de três meses.

22      Em aplicação do artigo 19.°, n.° 2, do DOPK, a Direção emitiu um aviso de liquidação adicional pelo qual declarou MC solidariamente responsável pelas dívidas públicas da referida sociedade comercial no montante de 45 008,25 BGN (cerca de 23 152 euros). As dívidas públicas em causa no processo principal abrangiam o imposto sobre as pessoas singulares, as contribuições para a segurança social e o IVA, incluindo nomeadamente um montante de 12 837,50 BGN (cerca de 6 604 euros) a título de juros devidos sobre o IVA relativo ao mês de dezembro de 2014.

23      MC interpôs recurso administrativo desse aviso de liquidação adicional para o Diretor, que negou provimento ao recurso.

24      MC interpôs então recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que as condições de aplicação do artigo 19.°, n.° 2, do DOPK não estavam reunidas.

25      No órgão jurisdicional de reenvio, o Diretor alegou, por um lado, que MC tinha acesso à conta da sua mulher e, por outro, que tinha encarregado o contabilista principal da sociedade em causa de efetuar transferências.

26      O órgão jurisdicional de reenvio considera que essas condições estão preenchidas e, portanto, que o comportamento de MC está abrangido pelo mecanismo de responsabilidade solidária estabelecido nesta disposição. Segundo este órgão jurisdicional, está provado que MC deu a um terceiro a instrução de transferir uma quantia pertencente à sociedade de que era gerente a favor de uma pessoa singular a ele ligada ou, pelo menos, que tinha conhecimento dessa transferência e, portanto, que tinha agido de má-fé, na aceção do artigo 19.°, n.° 2, do DOPK. Este órgão jurisdicional precisa, além disso, que foi devido à redução do património desta sociedade, no montante referido no aviso de liquidação adicional, que não foram pagos os juros devidos sobre o IVA vencidos no mês de dezembro de 2014.

27      No que respeita ao mecanismo de responsabilidade solidária previsto no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK, o órgão jurisdicional de reenvio fez as seguintes precisões.

28      Em primeiro lugar, a responsabilidade solidária prevista nesta disposição visa exclusivamente uma pessoa que é gerente ou membro de um órgão de administração de um contribuinte dotado de personalidade jurídica.

29      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que essa pessoa deve ter efetuado, de má-fé, pagamentos a partir do património da pessoa coletiva que possam ser qualificados de distribuição dissimulada de lucros ou dividendos, ou ter transferido esse património a título gratuito ou a um preço consideravelmente inferior ao preço de mercado. Em contrapartida, esse mecanismo não está associado à existência de uma fraude ou de uma prática abusiva cometida pela própria pessoa coletiva.

30      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio indica que os atos praticados de má-fé devem ter por efeito tornar a pessoa coletiva incapaz de pagar impostos (incluindo o IVA) ou contribuições para a segurança social obrigatórias. Por outras palavras, o recurso a este mecanismo exige um nexo de causalidade entre, por um lado, os atos praticados de má-fé e, por outro, a impossibilidade de cobrar dívidas públicas a essa pessoa coletiva.

31      Em quarto lugar, o mecanismo de responsabilidade por dívidas de outrem previsto no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK não abrange todas as dívidas públicas da pessoa coletiva, limitando-se ao montante do empobrecimento do património sofrido por essa pessoa coletiva em razão dos atos praticados de má-fé.

32      Em quinto lugar, a responsabilidade instituída é subsidiária, dado que as medidas de execução coerciva devem, prioritariamente, ser dirigidas contra o património da pessoa coletiva, em conformidade com o artigo 20.° do DOPK. Além disso, esta responsabilidade caduca quando as dívidas públicas em causa se extinguem, em conformidade com o artigo 21.°, n.° 3, do DOPK.

33      O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a compatibilidade deste mecanismo de responsabilidade solidária com o direito da União.

34      Em primeiro lugar, interroga-se sobre a questão de saber se a Diretiva IVA, nomeadamente o seu artigo 273.°, permite a um Estado-Membro estabelecer uma responsabilidade solidária por uma dívida de IVA na esfera jurídica de uma pessoa que não é sujeito passivo de IVA, entendendo-se que esse mecanismo contribui para a proteção dos interesses financeiros da União.

35      Em segundo lugar, no caso de o Tribunal de Justiça responder afirmativamente, este órgão jurisdicional interroga-se sobre a possibilidade de incluir, nesse mecanismo, os juros devidos em caso de pagamento tardio do IVA, à luz, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade. Invoca, a este respeito, uma jurisprudência nacional divergente no que respeita ao artigo 19.°, n.° 2, do DOPK.

36      Em terceiro lugar, no caso de o Tribunal de Justiça responder igualmente pela afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questão de saber se a inclusão dos juros devidos em caso de pagamento tardio do imposto ainda se justifica, à luz nomeadamente do princípio da proporcionalidade, quando o não pagamento no prazo previsto for imputável não ao comportamento de má-fé da pessoa solidariamente responsável, mas ao comportamento de um terceiro ou à ocorrência de circunstâncias objetivas.

37      Nestas condições, o Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 9.° da [Convenção PIF], lido em conjugação com o artigo 273.° da Diretiva [IVA], ser interpretado no sentido de que não se opõe a um instrumento jurídico nacional como o previsto no artigo 19.°, n.° 2, do [DOPK] cuja aplicação tem por efeito desencadear a subsequente responsabilidade solidária de uma pessoa singular que não é sujeito passivo [de IVA], mas cujo comportamento de má-fé implicou o não pagamento do IVA pela pessoa coletiva devedora do imposto?

2)      A interpretação destas disposições e a aplicação do princípio da proporcionalidade também não se opõem ao instrumento jurídico nacional regulado no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK, no que respeita aos juros sobre o IVA não pago em tempo útil pelo sujeito passivo?

3)      É contrário ao princípio da proporcionalidade o instrumento jurídico nacional regulado no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK, num caso em que o pagamento tardio do IVA que deu lugar ao vencimento de juros sobre a dívida de IVA não resulta do comportamento da pessoa singular que não é sujeito passivo, mas do comportamento de outra pessoa ou de circunstâncias objetivas?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

38      O Diretor contestou a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no seu conjunto, pondo em causa a aplicabilidade, nas circunstâncias do litígio no processo principal, das disposições do direito da União visadas pelas questões submetidas.

39      O Diretor alegou, nomeadamente, que a Diretiva IVA não se destina a ser aplicada a um mecanismo de responsabilidade solidária que incide sobre todas as categorias de impostos e de contribuições para a segurança social, como o previsto no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK.

40      A este respeito, há que sublinhar que o facto de a regulamentação nacional pertinente não ter sido adotada para transpor a Diretiva IVA não é suscetível de pôr em causa a aplicabilidade desta diretiva, uma vez que a aplicação desta regulamentação se destina a garantir o respeito das disposições da referida diretiva e visa, nomeadamente, dar execução à obrigação que incumbe aos Estados-Membros, por força do artigo 325.°, n.° 1, TFUE, de lutar de maneira efetiva contra os comportamentos atentatórios dos interesses financeiros da União (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C-617/10, EU:C:2013:105, n.° 28).

41      Feita esta clarificação, há que identificar as disposições do direito da União que são aplicáveis em situações como a do processo principal.

42      Em primeiro lugar, no que respeita ao artigo 9.° da Convenção PIF, há que recordar que esta convenção foi substituída pela Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2017, relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal (JO 2017, L 198, p. 29). No entanto, uma vez que esta diretiva só entrou em vigor em 17 de agosto de 2017, e tendo os factos em causa no processo principal ocorrido nos anos de 2014 e 2015, só a Convenção PIF é suscetível de se aplicar ao litígio no processo principal.

43      Há que salientar que a Convenção PIF impõe obrigações aos Estados-Membros em matéria penal. Com efeito, resulta nomeadamente do preâmbulo e dos artigos 1.° e 2.° desta convenção que a mesma obriga os Estados-Membros, por um lado, a considerar infrações penais os comportamentos constitutivos de «fraude lesiva dos interesses financeiros da União» e, por outro, a garantir que esses comportamentos sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras.

44      Ora, no caso em apreço, é pacífico que um mecanismo como o previsto no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK, por um lado, não considera infração penal o comportamento suscetível de dar lugar à responsabilidade solidária relativamente às dívidas de IVA da pessoa coletiva e, por outro, não prevê nenhuma sanção penal a este respeito.

45      Por conseguinte, e como corretamente sustentaram o Diretor e a Comissão Europeia, a Convenção PIF não é aplicável a um mecanismo de responsabilidade solidária como o previsto no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK.

46      Em segundo lugar, o Diretor alegou, a título subsidiário, que o mecanismo de responsabilidade estabelecido no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK está abrangido pelo artigo 205.° da Diretiva IVA, nos termos do qual os Estados-Membros podem, em determinadas situações, prever que uma pessoa diversa do sujeito passivo seja solidariamente responsável pelo pagamento do IVA.

47      A esse respeito, há que salientar que, nos termos do artigo 205.° da Diretiva IVA, nas situações previstas nos artigos 193.° a 200.° e 202.°, a 204.° desta diretiva, os Estados-Membros podem prever que uma pessoa diversa do sujeito passivo seja solidariamente responsável pelo pagamento do IVA.

48      Os artigos 193.° a 200.° e 202.° a 204.° da Diretiva IVA determinam as pessoas devedoras de IVA, em conformidade com o objeto da secção 1, intitulada «Devedores do imposto perante o Fisco», do capítulo 1 do título XI desta diretiva. Embora o artigo 193.° da referida diretiva preveja, como regra de base, que o IVA é devido por sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, a redação desse artigo precisa que outras pessoas podem ou devem ser devedoras desse imposto nas situações previstas nos artigos 194.° a 199.°-B e 202.° da mesma diretiva (Acórdão de 20 de maio de 2021, ALTI, C-4/20, EU:C:2021:397, n.° 27).

49      Resulta assim do contexto formado pelos artigos 193.° a 205.° da Diretiva 2006/112 que o artigo 205.° dessa diretiva se inscreve num conjunto de disposições que visam identificar o devedor do IVA em função de diversas situações. Ao fazê-lo, essas disposições têm por objetivo assegurar ao Fisco uma cobrança eficaz do IVA à pessoa mais adequada à luz da situação em causa, particularmente quando as partes no contrato não estão situadas no mesmo Estado-Membro ou quando a transação sujeita a IVA incide sobre operações cuja especificidade exige a identificação de uma pessoa diversa da referida no artigo 193.° dessa diretiva (Acórdão de 20 de maio de 2021, ALTI, C-4/20, EU:C:2021:397, n.° 28).

50      Por conseguinte, o artigo 205.° da Diretiva 2006/112 permite, em princípio, que os Estados-Membros adotem, com vista à cobrança eficaz do IVA, medidas por força das quais uma pessoa diversa da que normalmente é devedora desse imposto nos termos dos artigos 193.° a 200.° e 202.° a 204.° dessa diretiva seja solidariamente responsável pelo pagamento do referido imposto (Acórdão de 20 de maio de 2021, ALTI, C-4/20, EU:C:2021:397, n.° 29).

51      No caso em apreço, como alegaram com razão o Governo espanhol e a Comissão, há no entanto que constatar que um mecanismo de responsabilidade solidária como o que está em causa no processo principal não tem por objeto designar uma pessoa devedora do imposto sobre uma operação tributável determinada, na aceção do artigo 205.° da Diretiva IVA.

52      Com efeito, por um lado, a pessoa designada em aplicação desse mecanismo não se torna devedora do IVA sobre uma operação tributável determinada, mas solidariamente responsável pela totalidade ou parte das dívidas de IVA de uma pessoa coletiva, e isto independentemente das operações tributáveis em causa.

53      Por outro lado, o alcance do referido mecanismo não abrange a totalidade do IVA não pago sobre uma operação tributável determinada, mas está limitado ao montante do empobrecimento do património sofrido pela pessoa coletiva em razão dos atos de má-fé praticados pela pessoa designada solidariamente responsável.

54      Esse mecanismo deve ser distinguido, nomeadamente, dos mecanismos em causa nos pedidos de decisão prejudicial nos processos que deram origem aos Acórdãos de 11 de maio de 2006, Federation of Technological Industries e o. (C-384/04, EU:C:2006:309), de 21 de dezembro de 2011, Vlaamse Oliemaatschappij (C-499/10, EU:C:2011:871), e de 20 de maio de 2021, ALTI (C-4/20, EU:C:2021:397). Diferentemente do mecanismo em causa no processo principal, esses mecanismos designavam uma pessoa como sendo solidariamente devedora da totalidade do IVA devido sobre uma operação tributável determinada, em conformidade com o artigo 205.° da Diretiva IVA.

55      Resulta do exposto que o artigo 205.° da Diretiva IVA não é aplicável nas circunstâncias do litígio no processo principal.

56      Em terceiro lugar, no que respeita ao artigo 273.° da Diretiva IVA, há que recordar que este dispõe que os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude.

57      A este respeito, o artigo 325.°, n.° 1, TFUE obriga os Estados-Membros a combaterem as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União por meio de medidas dissuasoras e efetivas [Acórdãos de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C-612/15, EU:C:2018:392, n.° 50, e de 8 de março de 2022, Comissão/Reino Unido (Luta contra a fraude por subavaliação), C-213/19, EU:C:2022:167, n.° 209].

58      Nos termos da Decisão 2014/335/UE, Euratom do Conselho, de 26 de maio de 2014, relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia (JO 2014, L 168, p. 105), os recursos próprios da União incluem, nomeadamente, as receitas provenientes da aplicação de uma taxa uniforme à base tributável do IVA, determinada de maneira harmonizada segundo as regras da União. Por conseguinte, há uma relação direta entre a cobrança das receitas do IVA no respeito do direito da União aplicável e a colocação à disposição do orçamento da União dos recursos IVA correspondentes, uma vez que qualquer falha na cobrança das primeiras está potencialmente na origem de uma redução dos segundos (Acórdãos de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C-42/17, EU:C:2017:936, n.° 31, e de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o., C-310/16, EU:C:2019:30, n.° 26).

59      A fim de assegurar a proteção dos interesses financeiros da União, incumbe, nomeadamente, aos Estados-Membros tomar as medidas necessárias para garantir a cobrança efetiva e integral dos recursos próprios que são as receitas provenientes da aplicação de uma taxa uniforme à base tributável harmonizada do IVA (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C-357/19, C-379/19, C-547/19, C-811/19 e C-840/19, EU:C:2021:1034, n.° 182).

60      Assim sendo, decorre nomeadamente dos artigos 2.° e 273.° da Diretiva IVA, conjugados com o artigo 4.°, n.° 3, TUE, que os Estados-Membros têm a obrigação de tomar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido nos seus territórios respetivos e para lutar contra a fraude (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de outubro de 2017, paper Consult, C-101/16, EU:C:2017:775, n.° 47; de 20 de março de 2018, Menci, C-524/15, EU:C:2018:197, n.° 18, e de 17 de maio de 2018, Vámos, C-566/16, EU:C:2018:321, n.° 37).

61      No caso em apreço, um mecanismo de responsabilidade solidária como o instituído pelo artigo 19.°, n.° 2, do DOPK participa na cobrança de montantes de IVA que não foram pagos por uma pessoa coletiva que é sujeito passivo nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA. Tal mecanismo contribui para garantir a cobrança exata do IVA e/ou para evitar a fraude, na aceção do artigo 273.° da Diretiva IVA, em conformidade com a obrigação estabelecida no artigo 325.°, n.° 1, TFUE.

62      Esta constatação não pode ser posta em causa pela circunstância de as pessoas consideradas solidariamente responsáveis nos termos do mecanismo em causa no processo principal, a saber o gerente ou o membro de um órgão de administração da pessoa coletiva, não serem elas próprias, nessa qualidade, sujeitos passivos de IVA.

63      A este respeito, e antes de mais, não resulta de nenhum elemento da redação do artigo 273.° da Diretiva IVA que as obrigações estabelecidas pelos Estados-Membros por força desta disposição só possam aplicar-se a pessoas que sejam sujeitos passivos de IVA.

64      Em seguida, no que respeita ao contexto desta disposição, há que salientar que ela faz parte do título XI da Diretiva IVA, cuja epígrafe visa explicitamente as «obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos».

65      Por último, no que respeita às finalidades prosseguidas pelo artigo 273.° da Diretiva IVA, a obrigação que incumbe aos Estados-Membros de tomarem todas as medidas adequadas para garantir a cobrança da totalidade do IVA e de lutar contra a fraude, recordada no n.° 60 do presente acórdão, pode, em certas circunstâncias, exigir que um Estado-Membro puna pessoas que não são sujeitos passivos que participam na tomada de decisões numa pessoa coletiva que é sujeito passivo, sob pena de comprometer a efetividade de tais medidas.

66      Resulta do exposto que um mecanismo de responsabilidade solidária, como o que está em causa no processo principal, está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 273.° da Diretiva IVA, interpretado à luz do artigo 325.°, n.° 1, TFUE.

67      Atendendo às considerações precedentes, há que entender as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que requerem a interpretação do artigo 273.° da Diretiva IVA e do princípio da proporcionalidade.

 Quanto à primeira questão

68      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 273.° da Diretiva IVA e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê um mecanismo de responsabilidade solidária pelas dívidas de IVA de uma pessoa coletiva nas seguintes circunstâncias:

–        a pessoa considerada solidariamente responsável é gerente da pessoa coletiva ou membro de um órgão de administração da mesma;

–        a pessoa considerada solidariamente responsável efetuou, de má-fé, pagamentos a partir do património da pessoa coletiva que podem ser qualificados de distribuição dissimulada de lucros ou dividendos, ou transferiu esse património a título gratuito ou a um preço consideravelmente inferior ao preço de mercado;

–        os atos praticados de má-fé tiveram por efeito tornar a pessoa coletiva incapaz de pagar total ou parcialmente o IVA de que é devedora;

–        a responsabilidade solidária está limitada ao montante do empobrecimento do património sofrido pela pessoa coletiva em razão dos atos praticados de má-fé, e

–        esta responsabilidade solidária só existe a título subsidiário, quando for impossível cobrar os montantes de IVA devidos à pessoa coletiva.

69      O Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar que, fora dos limites que fixam, as disposições do artigo 273.° da Diretiva IVA não especificam as condições nem as obrigações que os Estados-Membros podem prever, e conferem, assim, a estes últimos uma margem de apreciação quanto aos meios destinados a alcançar os objetivos que consistem em garantir a cobrança da totalidade do IVA devido no seu território e para lutar contra a fraude (v., nomeadamente, Acórdãos de 17 de maio de 2018,  Vámos, C-566/16, EU:C:2018:321, n.° 38, e de 21 de novembro de 2018, Fontana, C-648/16, EU:C:2018:932, n.° 35).

70      No caso em apreço, há que salientar que um mecanismo de responsabilidade solidária como o que está em causa no processo principal participa na cobrança de montantes de IVA que não foram pagos por uma pessoa coletiva que é sujeito passivo nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA, de modo que contribui para garantir a cobrança exata do IVA e/ou para evitar a fraude, na aceção do artigo 273.°, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA. Por conseguinte, tal mecanismo é, em princípio, abrangido pela margem de apreciação de que gozam os Estados-Membros no âmbito da aplicação do artigo 273.° da Diretiva IVA.

71      Importa acrescentar que esse mecanismo contribui para o cumprimento da obrigação, recordada no n.° 60 do presente acórdão, que incumbe a cada Estado-Membro de tomar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido no seu território e para lutar contra a fraude, em conformidade, nomeadamente, com o artigo 325.°, n.° 1, TFUE.

72      Não obstante, os Estados-Membros são obrigados a exercer essa competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade (v., nomeadamente, Acórdãos de 21 de novembro de 2018, Fontana, C-648/16, EU:C:2018:932, n.° 35, e de 15 abril de 2021, Grupa Warzywna, C-935/19, EU:C:2021:287, n.° 26).

73      No que respeita ao princípio da proporcionalidade, o Tribunal de Justiça já decidiu que, em conformidade com este princípio, os Estados-Membros devem recorrer a meios que, ao mesmo tempo que permitem alcançar eficazmente o objetivo prosseguido pelo direito interno, prejudiquem o menos possível os objetivos e os princípios decorrentes da legislação da União em causa. Assim, embora seja legítimo que os Estados-Membros adotem medidas que se destinem a preservar o mais eficazmente possível os direitos do Fisco, essas medidas não devem exceder o necessário para alcançar essa finalidade (Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Vlaamse Oliemaatschappij, C-499/10, EU:C:2011:871, n.os 21 e 22, e de 20 de maio de 2021, ALTI, C-4/20, EU:C:2021:397, n.° 33).

74      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que medidas nacionais que dão de facto origem a um sistema de responsabilidade solidária sem culpa ultrapassam o que é necessário para preservar os direitos do Fisco. Imputar a responsabilidade pelo pagamento do IVA a uma pessoa diferente do devedor do imposto, sem lhe permitir afastar essa responsabilidade provando que é totalmente alheia à atuação desse devedor, deve, por conseguinte, ser considerado incompatível com o princípio da proporcionalidade. De facto, seria manifestamente desproporcionado imputar a essa pessoa, de maneira incondicional, a responsabilidade pela perda de receitas fiscais causada pela atuação de um terceiro sujeito passivo sobre o qual não tem nenhuma influência (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Vlaamse Oliemaatschappij, C-499/10, EU:C:2011:871, n.° 24).

75      Nestas condições, o exercício da faculdade de que dispõem os Estados-Membros de designarem um devedor solidário diverso do devedor do imposto para efeitos de assegurar uma cobrança eficaz deste último deve ser justificado pela relação factual e/ou jurídica existente entre as duas pessoas em causa à luz dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade. Em particular, cabe aos Estados-Membros precisar as circunstâncias particulares em que uma pessoa como o destinatário de uma operação tributável deve ser solidariamente responsável pelo pagamento do imposto devido pelo seu cocontratante, quando a referida pessoa o liquidou ao pagar o preço da operação.

76      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que o facto de uma pessoa que não é o devedor ter agido de boa-fé, atuando com toda a diligência de um operador informado, de ter tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance e de estar excluída a sua participação num abuso ou numa fraude constituem elementos a ter em consideração para determinar a possibilidade de obrigar esta pessoa a pagar solidariamente o IVA devido (Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Vlaamse Oliemaatschappij, C-499/20, EU:C:2011:871, n.° 26, e de 20 de maio de 2021, ALTI, C-4/20, EU:C:2021:397, n.° 37).

77      No caso em apreço, é forçoso constatar que um mecanismo de responsabilidade solidária, como o que está em causa no processo principal, não excede o que é necessário para garantir a cobrança exata do IVA e evitar a fraude.

78      Mais precisamente, tendo em conta as suas características, tal mecanismo não pode ser equiparado a um sistema de responsabilidade solidária sem culpa, na aceção da jurisprudência já referida nos n.os 74 a 76 do presente acórdão, que seria incompatível com o princípio da proporcionalidade.

79      Em primeiro lugar, a pessoa designada como solidariamente responsável deve ter a qualidade de gerente ou de membro de um órgão de administração da pessoa coletiva devedora de dívidas de IVA não pagas, podendo, assim, considerar-se que participa na tomada de decisões no seio desta última.

80      Em segundo lugar, a pessoa designada como solidariamente responsável deve ter efetuado, de má-fé, pagamentos a partir do património da pessoa coletiva que podem ser qualificados de distribuição dissimulada de lucros ou dividendos, ou deve ter transferido a totalidade ou parte desse património a título gratuito ou a um preço consideravelmente inferior ao preço de mercado.

81      Em terceiro lugar, deve haver um nexo de causalidade entre os atos praticados de má-fé pela pessoa designada como solidariamente responsável e a incapacidade em que se encontra a pessoa coletiva de pagar o IVA de que é devedora.

82      Em quarto lugar, o alcance da responsabilidade solidária está limitado ao empobrecimento do património sofrido pela pessoa coletiva em razão dos atos praticados de má-fé.

83      Por último, e em quinto lugar, essa responsabilidade só é acionada a título subsidiário, quando for impossível cobrar os montantes de IVA devidos à pessoa coletiva.

84      À luz da jurisprudência acima recordada nos n.os 72 a 76 do presente acórdão, há que constatar que a instituição desse mecanismo não vai além do necessário para garantir a cobrança exata do imposto e evitar a fraude.

85      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 273.° da Diretiva IVA e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê um mecanismo de responsabilidade solidária pelas dívidas de IVA de uma pessoa coletiva nas seguintes circunstâncias:

–        a pessoa considerada solidariamente responsável é gerente da pessoa coletiva ou membro de um órgão de administração da mesma;

–        a pessoa considerada solidariamente responsável efetuou, de má-fé, pagamentos a partir do património da pessoa coletiva que podem ser qualificados de distribuição dissimulada de lucros ou dividendos, ou transferiu esse património a título gratuito ou a um preço consideravelmente inferior ao preço de mercado;

–        os atos praticados de má-fé tiveram por efeito tornar a pessoa coletiva incapaz de pagar total ou parcialmente o IVA de que é devedora;

–        a responsabilidade solidária está limitada ao montante do empobrecimento do património sofrido pela pessoa coletiva em razão dos atos praticados de má-fé, e

–        esta responsabilidade solidária só existe a título subsidiário, quando for impossível cobrar os montantes de IVA devidos à pessoa coletiva.

 Quanto à segunda questão

86      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 273.° da Diretiva IVA e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê um mecanismo de responsabilidade solidária, como o descrito na primeira questão, que abrange os juros de mora devidos pela pessoa coletiva em razão do não pagamento do IVA nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições desta diretiva.

87      A este respeito, resulta das indicações que figuram na decisão de reenvio que o mecanismo de responsabilidade solidária em causa na primeira questão está, enquanto tal, limitado ao montante do empobrecimento do património sofrido pela pessoa coletiva em razão dos atos praticados de má-fé. No entanto, a regulamentação nacional prevê, por outro lado, que a cobrança de impostos que não tenham sido pagos nos prazos previstos é «acrescida de juros», como referido no n.° 11 do presente acórdão, e o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se este dispositivo pode ser aplicado acessoriamente ao mecanismo de responsabilidade solidária em causa.

88      Há que sublinhar, antes de mais, que a cobrança de juros de mora, em caso de não pagamento do IVA nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA, contribui para garantir a cobrança exata deste imposto em conformidade com o artigo 273.° desta diretiva.

89      Com efeito, a cobrança de juros de mora permite compensar o prejuízo causado ao Fisco pela indisponibilidade dos montantes de IVA que foram objeto de um pagamento tardio, no período que decorre entre a data em que esses montantes se tornam devidos e a data em que são efetivamente pagos (v., por analogia, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o., C-591/10, EU:C:2012:478, n.os 25 e 26, e de 28 de fevereiro de 2018, Nidera, C-387/16, EU:C:2018:121, n.° 25).

90      Em seguida, a cobrança de juros de mora incita igualmente as pessoas em causa a pagarem o IVA nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA ou o mais rapidamente possível após o termo desses prazos.

91      O Tribunal de Justiça declarou assim que o pagamento de juros de mora pode constituir uma sanção adequada em caso de não pagamento do IVA nos prazos estabelecidos, desde que não vá além do que é necessário para alcançar o objetivo que consiste em garantir a cobrança exata do IVA e evitar a fraude (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de julho de 2012, EMS-Bulgaria Transport, C-284/11, EU:C:2012:458, n.° 75, e de 17 de julho de 2014, Equoland, C-272/13, EU:C:2014:2091, n.° 46).

92      Por conseguinte, a cobrança de juros de mora contribui para a luta contra o não pagamento nos prazos estabelecidos de montantes de IVA declarados, em conformidade com a obrigação que incumbe aos Estados-Membros, por força nomeadamente do artigo 273.° da Diretiva IVA e do artigo 325.°, n.° 1, TFUE, de tomar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido nos seus territórios respetivos e para lutar contra a fraude.

93      Por último, e pelos motivos expostos nos n.os 77 a 84 do presente acórdão, a inclusão de juros de mora num mecanismo de responsabilidade solidária, como o que está em causa no processo principal, é conforme com o princípio da proporcionalidade, na medida em que esses juros são relativos ao não pagamento do IVA nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA, pela pessoa coletiva devedora desse imposto, devido atos praticados de má-fé pela pessoa designada como solidariamente responsável (v., por analogia, Acórdão de 20 de maio de 2021, ALTI, C-4/20, EU:C:2021:397, n.os 43 e 44).

94      Com efeito, como foi recordado, em substância, no n.° 74 do presente acórdão, o princípio da proporcionalidade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma pessoa diferente do devedor do IVA seja considerada responsável pela perda de receitas fiscais causada pela atuação de um terceiro sobre o qual não tem nenhuma influência.

95      Por conseguinte, a inclusão dos juros de mora num mecanismo de responsabilidade solidária como o estabelecido no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK só pode ser considerada compatível com o princípio da proporcionalidade na medida em que esses juros sejam relativos ao não pagamento do IVA, nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA, devido aos atos praticados de má-fé pela pessoa designada como solidariamente responsável.

96      Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 273.° da Diretiva IVA e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê um mecanismo de responsabilidade solidária, como o descrito na primeira questão, que abrange os juros de mora devidos pela pessoa coletiva em razão do não pagamento do IVA nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições desta diretiva devido a atos praticados de má-fé pela pessoa designada como solidariamente responsável.

 Quanto à terceira questão

97      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o princípio da proporcionalidade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê um mecanismo de responsabilidade solidária, como o descrito na primeira questão, que abrange os juros de mora devidos pela pessoa coletiva em razão do não pagamento do IVA nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA, quando o pagamento tardio for imputável não ao comportamento da pessoa considerada solidariamente responsável, mas ao comportamento de outra pessoa ou à ocorrência de circunstâncias objetivas.

98      Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., nomeadamente, Acórdãos de 6 de novembro de 2008, Trespa International, C-248/07, EU:C:2008:607, n.° 33, e de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C-160/20, EU:C:2022:101, n.° 82).

99      No caso em apreço, a aplicação do mecanismo de responsabilidade solidária estabelecido no artigo 19.°, n.° 2, do DOPK, conforme descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, exige que a incapacidade da pessoa coletiva de pagar a totalidade ou parte das suas dívidas públicas seja causada por atos praticados de má-fé pela pessoa considerada solidariamente responsável. Por conseguinte, o recurso a este mecanismo exclui, por hipótese, que o não pagamento do IVA nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições da Diretiva IVA seja imputável ao comportamento de outra pessoa ou à ocorrência de circunstâncias objetivas.

100    Além disso, no que respeita ao litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio não referiu o comportamento de outra pessoa ou a ocorrência de circunstâncias objetivas que tivessem conduzido ao não pagamento do IVA no prazo estabelecido.

101    Por conseguinte, há que concluir que a interpretação solicitada do direito da União não tem relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 98 da presente acórdãos e, por conseguinte, que a terceira questão submetida é inadmissível.

 Quanto às despesas

102    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      O artigo 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e o princípio da proporcionalidade

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê um mecanismo de responsabilidade solidária pelas dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) de uma pessoa coletiva nas seguintes circunstâncias:

–        a pessoa considerada solidariamente responsável é gerente da pessoa coletiva ou membro de um órgão de administração da mesma;

–        a pessoa considerada solidariamente responsável efetuou, de má-fé, pagamentos a partir do património da pessoa coletiva que podem ser qualificados de distribuição dissimulada de lucros ou dividendos, ou transferiu esse património a título gratuito ou a um preço consideravelmente inferior ao preço de mercado;

–        os atos praticados de má fé tiveram por efeito tornar a pessoa coletiva incapaz de pagar total ou parcialmente o IVA de que é devedora;

–        a responsabilidade solidária está limitada ao montante do empobrecimento do património sofrido pela pessoa coletiva em razão dos atos praticados de má-fé, e

–        esta responsabilidade solidária só existe a título subsidiário, quando for impossível cobrar os montantes de IVA devidos à pessoa coletiva.

2)      O artigo 273.° da Diretiva 2006/112 e o princípio da proporcionalidade

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê um mecanismo de responsabilidade solidária, como o descrito no n.° 1 do dispositivo do presente acórdão, que abrange os juros de mora devidos pela pessoa coletiva em razão do não pagamento do imposto sobre o valor acrescentado nos prazos imperativos estabelecidos pelas disposições desta diretiva devido a atos praticados de má-fé pela pessoa designada como solidariamente responsável.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.