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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

30 de junho de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 137.° – Regime de sujeição passiva opcional – Condições – Regulamentação nacional que faz depender o direito de um sujeito passivo optar pela sujeição a IVA da venda de um imóvel da condição de esse bem ser cedido a um sujeito já identificado para efeitos do IVA – Obrigação de regularizar as deduções de IVA em caso de não respeito desta condição – Princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade»

No processo C-56/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Mokestinių ginčų komisija prie Lietuvos Respublikos vyriausybės (Comissão dos litígios fiscais junto do Governo da República da Lituânia), por Decisão de 16 de outubro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de janeiro de 2021, no processo

UAB «ARVI» ir ko

contra

Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, J. Passer, F. Biltgen, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de UAB «ARVI» ir ko, por L. Augustinavičienė e A. Paulauskas, advokatai,

–        em representação do Governo lituano, por K. Dieninis e V. Kazlauskaitė-Švenčionienė, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 24 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 135.° e 137.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»), bem como dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a UAB «ARVI» ir ko (a seguir «Arvi») à Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos (Inspeção nacional dos impostos junto do Ministério das Finanças da República da Lituânia, a seguir «Inspeção Nacional dos Impostos») a respeito do exercício do direito de optar pela tributação de um bem imóvel vendido a um sujeito passivo não identificado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) no momento da venda e das modalidades de exercício do direito a dedução do IVA pago a montante.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA prevê:

«Os Estados-Membros isentam as operações seguintes:

[...]

j)      As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as [efetuadas antes da sua primeira ocupação];

[...]»

4        O artigo 137.° desta diretiva dispõe:

«1.      Os Estados–Membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação das seguintes operações:

[...]

b)      As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as [efetuadas antes da sua primeira ocupação];

[...]

2.      Os Estados–Membros determinam as regras de exercício do direito de opção previsto no n.º 1.

Os Estados–Membros podem restringir o âmbito do referido direito.»

5        Segundo o artigo 168.° da referida diretiva:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo».

[...]»

6        O artigo 213.°, n.° 1, da mesma diretiva prevê:

«Os sujeitos passivos devem declarar o início, a alteração e a cessação da sua atividade na qualidade de sujeitos passivos.»

7        O artigo 214.°, n.° 1, da Diretiva IVA estabelece:

«Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual as seguintes pessoas:

a)      Os sujeitos passivos, com exceção dos referidos no n.° 2 do artigo 9.°, que efetuem, no respetivo território, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução e que não sejam entregas de bens ou prestações de serviços em relação às quais o IVA seja devido unicamente pelo destinatário em conformidade com os artigos 194.° a 197.° e 199.°;

[...]»

 Direito lituano

8        O artigo 32.°, n.° 3, da Lietuvos Respublikos pridėtinės vertės mokesčio įstatymas n.° IX-751 (Lei da República da Lituânia n.° IX–751 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado), de 5 de março de 2002 (Žin., 2002, n.° 35–1271), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei do IVA»), prevê:

«No que respeita a um bem imóvel por natureza, que está isento de IVA nos termos do n.º 1 ou do n.° 2 do presente artigo, o sujeito passivo pode optar pela tributação, segundo as modalidades previstas na presente lei, se o bem for entregue ou de outro modo transferido para um sujeito passivo registado para efeitos do IVA […], e essa opção se aplica durante um período de, pelo menos, 24 meses a contar da data da declaração de opção, a todas as operações concluídas por esse sujeito. O sujeito passivo tem de declarar a sua opção segundo as modalidades fixadas pela administração fiscal central. […]»

9        O artigo 58.°, n.° 1, da mesma lei dispõe:

«A pessoa identificada para efeitos do IVA tem o direito de deduzir o IVA pago a montante ou na importação sobre os produtos ou serviços adquiridos ou importados, se esses produtos ou serviços se destinarem a ser utilizados para as necessidades das suas atividades seguintes:

1)      entrega de bens ou prestação de serviços sujeitos a IVA;

[...]»

10      O artigo 67.°, n.° 2, da referida lei tem a seguinte redação:

«A dedução deve ser regularizada segundo as modalidades previstas no presente artigo: em relação a bens imóveis por natureza, durante um período de dez anos [...] a contar do período de tributação em que o IVA a montante ou na importação sobre esses bens tenha sido total ou parcialmente deduzido [em caso de melhoramento substancial de um edifício (ou de uma construção), a dedução do IVA a montante que incida sobre o bem de investimento corpóreo assim produzido será regularizada durante um período de 10 anos a contar do período de tributação durante o qual as obras de melhoramento foram concluídas]. [...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      Na sequência de um controlo sobre a regularidade do cálculo, da declaração e do pagamento do IVA por Arvi, a Kauno apskrities valstybinė mokesčių inspekcija (Inspeção Fiscal Regional do Distrito de Kaunas, Lituânia, a seguir «Inspeção Regional dos Impostos») redigiu, em 15 de abril de 2020, um relatório de controlo fiscal do qual constava que esta sociedade tinha, erradamente, aplicado o IVA a jusante no âmbito da venda, em 8 de maio de 2015, de um bem imóvel a UAB «Investicijų ir inovacijų fondas» (a seguir «Fondas»). Com efeito, nesse relatório, a inspeção regional dos impostos considerou que, uma vez que Fondas ainda não estava, no momento da referida venda, identificada para efeitos do IVA, Arvi não podia optar pela tributação desta operação nem, consequentemente, faturar o IVA correspondentes a jusante, pelo que deveria, na sua declaração, ter regularizado o valor do IVA deduzido a montante.

12      Com a sua Decisão de 22 de maio de 2020, essa inspeção confirmou o referido relatório de controlo e ordenou a Arvi que pagasse o montante correspondente de IVA, acrescido de penalizações e de juros de mora.

13      Tendo a reclamação deduzida contra esta decisão sido rejeitada por uma decisão da inspeção nacional dos impostos de 23 de julho 2020, Arvi recorreu para a Mokestinių ginčų komisija prie Lietuvos Respublikos vyriausybės (Comissão dos litígios fiscais junto do Governo da República da Lituânia).

14      Este órgão interroga-se, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se, ao escolher, no exercício do seu poder discricionário, fazer depender o direito de optar pela tributação da condição de o adquirente ser exclusivamente um sujeito identificado para efeitos do IVA, o legislador lituano respeitou a Diretiva IVA, atentos os objetivos e o espírito desta. Interroga-se em seguida, sobre a questão de saber se a escolha do sujeito passivo de sujeitar ao IVA a entrega de um bem imóvel antigo, quando tal escolha não satisfaz a condição, prevista no artigo 32.° da Lei do IVA, de que o adquirente seja um sujeito passivo identificado para efeitos do IVA, permite, no entanto, considerar essa operação como uma entrega de um bem de investimento sujeita ao IVA que não acarreta a obrigação, para o fornecedor, de regularizar a dedução de IVA. Procura saber, por último, se, ao exigir que o fornecedor regularize a dedução do IVA pago a montante, quando o adquirente do imóvel foi identificado para efeitos do IVA um mês depois da conclusão da operação, a inspeção nacional dos impostos atua em conformidade com o espírito da Diretiva IVA e com os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça na sua na jurisprudência.

15      Nestas condições, la Mokestinių ginčų komisija prie Lietuvos Respublikos vyriausybės (Comissão dos litígios fiscais junto do Governo da República da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      É conforme com os artigos 135.° e 137.° da Diretiva IVA e com os princípios da neutralidade e da efetividade do IVA uma legislação nacional por força da qual um sujeito passivo apenas tem o direito de optar pela cobrança do IVA sobre [a entrega de] um bem imóvel isenta de IVA se o bem for transmitido a um sujeito passivo que se encontra registado para efeitos do IVA no momento da conclusão da operação?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, é conforme com as disposições da Diretiva IVA que regulam o direito do fornecedor à dedução do IVA e à regularização da dedução e com os princípios da neutralidade do IVA e da efetividade uma interpretação da legislação nacional segundo a qual o fornecedor de um bem imóvel deve regularizar a dedução do IVA suportado a montante com a aquisição desse imóvel, quando tenha optado por aplicar IVA sobre a entrega do bem imóvel e essa opção esteja excluída pela legislação nacional pelo simples facto de o adquirente não ser um sujeito passivo registado para efeitos do IVA?

3)      É conforme com as disposições da Diretiva IVA relativas ao direito do fornecedor à dedução do IVA e à regularização da dedução e com o princípio da neutralidade do IVA uma prática administrativa de acordo com a qual, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, o fornecedor de um bem imóvel é obrigado a regularizar a dedução do imposto pago a montante com a aquisição ou a construção desse bem imóvel, uma vez em que essa operação é considerada uma entrega de um bem imóvel isenta de IVA, dada a inexistência do direito de optar pela cobrança do IVA (porquanto o adquirente não dispõe de um número de identificação para efeitos do IVA no momento da conclusão da operação), quando à data da conclusão da operação o adquirente já tinha solicitado a sua inscrição no registo como sujeito passivo para efeitos do IVA e foi registado nessa qualidade um mês após a conclusão da operação? Nesse caso, é importante determinar se o adquirente do bem imóvel, registado como sujeito passivo para efeitos do IVA após a operação, utilizou efetivamente o imóvel adquirido no âmbito de uma atividade sujeita a IVA e se não existem provas de fraude ou de abuso?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão prejudicial

16      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se os artigos 135.° e 137.° da Diretiva IVA bem como os princípios da neutralidade fiscal e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que faz depender o direito de um sujeito passivo optar pela sujeição a IVA da venda de um bem imóvel à condição de esses bem ser cedido a um sujeito passivo que, no momento da conclusão da operação, já está identificado para efeitos do IVA.

17      A este respeito, saliente-se, por um lado, que o artigo 137.° da Diretiva IVA prevê, no seu n.° 1, que os Estados-Membros podem conceder aos sues sujeitos passivos o direito de optar pela tributação, designadamente das «entregas s entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as [efetuadas antes da sua primeira ocupação]», e precisa, no seu n.° 2, que os Estados-Membros «determinam as regras de exercício do direito de opção previsto no n.º 1» e «podem restringir o âmbito do referido direito».

18      Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 13.°, C, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1), mas transponível por analogia para o artigo 137.° da Diretiva IVA cujo teor é substancialmente idêntico, que os Estados-Membros podem, ao abrigo da faculdade conferida por este artigo, conceder aos beneficiários das isenções previstas pela referida diretiva a possibilidade de renunciar à isenção, quer em todos os casos, quer sob certos limites, quer ainda sob certas modalidades (v., por analogia, Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Turn- und Sportunion Waldburg, C-246/04, EU:C:2006:22, n.° 27 e jurisprudência referida).

19      Assim, o artigo 137.° da Diretiva IVA confere aos Estados-Membros não só a possibilidade de conceder aos sues sujeitos passivos o direito de optar pela tributação de operações a que esta disposição se refere, mas igualmente o poder de restringir o alcance deste direito ou de o suprimir. Por conseguinte, os Estados-Membros gozam de uma margem ampla de apreciação no âmbito deste artigo uma vez que é a estes que cabe apreciar se há que instaurar ou não o direito de opção consoante o que estes consideram oportuno em função do contexto existente no seu país num dado momento (v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Turn- und Sportunion Waldburg, C-246/04, EU:C:2006:22, n.os 28 e 29 e jurisprudência referida).

20      Os Estados-Membros podem igualmente, no exercício do seu poder de apreciação, excluir certas operações ou certas categorias de sujeitos passivos do âmbito de aplicação deste direito (v., por analogia, Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Turn- und Sportunion Waldburg, C-246/04, EU:C:2006:22, n.° 30).

21      Todavia, quando os Estados-Membros usam da faculdade que detêm de restringir o alcance do direito de opção e de determinar as modalidades do seu exercício, devem respeitar os objetivos e os princípios gerais da Diretiva IVA, designadamente o princípio da neutralidade fiscal e a exigência da aplicação correta, simples e uniforme das isenções previstas (v., por analogia, Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Turn- und Sportunion Waldburg, C-246/04, EU:C:2006:22, n.° 31).

22      NO caso em apreço, a regulamentação nacional em causa no processo principal, na medida em que fixa as modalidades da renúncia à isenção referida no artigo 135.°, n.° 1, alínea j), da Diretiva IVA, limita-se a estabelecer as condições nas quais o sujeito passivo pode exercer o seu direito de optar pela tributação da entrega de imóveis que lhe conferirá o direito a dedução.

23      A regulamentação em causa no processo principal é, a este respeito, semelhante à que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de setembro de 2004, Vermietungsgesellschaft Objekt Kirchberg (C-269/03, EU:C:2004:512), e que, adotada por um Estado-Membro que fez uso da faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação das operações de arrendamento e de locação de bens imóveis fazia depender a dedução integral do IVA pago a montante da obtenção de uma autorização prévia, não retroativa, da administração fiscal. Ora, neste acórdão, o Tribunal declarou, por um lado, que, quando um Estado-Membro sujeita o direito de optar pela tributação a certas condições legais, um procedimento de autorização prévia permite verificar que essas condições estão preenchidas e, por outro, que um procedimento de autorização como o instaurado por esse Estado-Membro não visa pôr em causa o direito a dedução, mas permite pelo contrário a esse direito ser plenamente exercido, sob reserva do respeito de certas exigências (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2004, Vermietungsgesellschaft Objekt Kirchberg, C-269/03, EU:C:2004:512, n.os 26 e 28).

24      A mesma conclusão se impõe no que respeita a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, dado que esta se limita a fixar as modalidades de exercício do direito dos sujeitos passivos de optar pela tributação das operações que estão, em princípio, isentas. Tal regulamentação não viola o direito a dedução mas, pelo contrário, permite, quando essa opção é exercida em conformidade com as modalidades previstas para esse efeito, o exercício desse direito que, na falta dessa opção, estaria excluído. Além do mais, a condição segundo a qual o vendedor de um bem imóvel só pode optar pela tributação da operação de venda se o adquirente for um sujeito passivo já identificado para efeitos do IVA no momento da venda contribui para assegurar uma aplicação do exercício do direito de opção no respeito da segurança jurídica.

25      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento, adiantado designadamente pela Comissão, segundo o qual esta condição seria contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça que emana, designadamente, do n.° 32 do Acórdão de 7 de março de 2018, Dobre (C-159/17, EU:C:2018:161), de acordo com a qual a identificação para efeitos do IVA, prevista no artigo 214.° da Diretiva IVA, bem como a obrigação do sujeito passivo de declarar o início, a mudança e a cessação das suas atividades, prevista no artigo 213.° desta diretiva, constituem unicamente exigências formais para fins de controlo e, por conseguinte, não podem pôr em causa, designadamente, o direito a dedução do IVA nos casos em que as condições materiais que estão na origem da constituição deste direito estão preenchidas. Com efeito, como a advogada-geral salientou no n.° 56 das suas conclusões, esta jurisprudência não é pertinente no caso em apreço uma vez que o processo principal diz respeito não ao direito a dedução do adquirente ainda não identificado no momento da aquisição do bem em causa, mas às modalidades do exercício, pelo vendedor, do seu direito de optar pela tributação da operação de entrega do bem imóvel.

26      Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão que os artigos 135.° e 137.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que faz depender o direito de um sujeito passivo optar pela sujeição a IVA da venda de um bem imóvel da condição de que esse bem seja cedido a um sujeito passivo que, no momento da conclusão da operação, já está identificado para efeitos do IVA.

 Quanto à segunda e terceira questões

27      Com as suas segunda e terceira questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva IVA bem como os princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação e a uma prática nacionais por força das quais o vendedor de um bem imóvel deve regularizar a dedução do IVA pago a montante sobre esse bem na sequência da recusa de lhe reconhecer o direito de optar pela tributação dessa venda com base no facto de que, no momento desta, o adquirente não preenchia as condições previstas para o exercício, pelo vendedor, desse direito.

28      Para responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, observar que a obrigação de regularização em causa no processo principal decorre do facto de que não houve, no caso vertente, renúncia válida à isenção dessa operação.

29      Em segundo lugar, quanto ao princípio da neutralidade fiscal, o Tribunal de Justiça declarou que esse princípio não se opõe designadamente a que prestações de serviços semelhantes, que se encontram, portanto, em concorrência umas com as outras, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Turn- und Sportunion Waldburg, C-246/04, EU:C:2006:22, n.° 33 e jurisprudência referida).

30      No caso em apreço, não resulta do pedido de decisão prejudicial nem das observações apresentadas ao tribunal de Justiça que a regulamentação ou a prática nacionais em causa no processo principal instituem uma diferença de tratamento entre operações semelhantes e em concorrência umas com as outras. Com efeito, pelas razões desenvolvidas mais amplamente pela advogada-geral nos n.os 30 a 35 e 46 das suas conclusões, o direito de optar pela tributação da entrega de um bem imóvel tem por objeto evitar ao sujeito passivo que proceda a essa entrega desvantagens concorrenciais, o que o princípio da neutralidade fiscal se destina precisamente a executar, e as condições do exercício do direito de opção pela tributação fixadas pela regulamentação nacional em causa no processo principal são as mesmas para todos o sujeitos passivos, independentemente da sua capacidade ou da sua forma jurídica, uma vez que esse exercício depende unicamente da identificação para efeitos do IVA do adquirente no momento da entrega do bem.

31      Em terceiro lugar, quanto ao princípio da efetividade, que se opõe a que uma disposição processual nacional torne na prática impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União, no caso vertente o exercício do direito a dedução, importa recordar que, como resulta do n.° 24 do presente acórdão, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal se limita a fixar as modalidades de exercício do direito dos sujeitos passivos de optar pela tributação das operações que estão, em princípio, isentas e não viola o direito a dedução. Além disso, não decorre do pedido de decisão prejudicial nem das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que a regulamentação nacional em causa no processo principal ou a aplicação que dela é feita pela administração seria de alguma maneira suscetível de tornar o exercício do direito a dedução na prática impossível ou excessivamente difícil.

32      Pelo contrário, as condições de exercício do direito de opção são conhecidas previamente e, como a advogada-geral salientou no n.° 53 das suas conclusões, um sujeito passivo como Arvi dispõe de vários meios para poder respeitar as condições fixadas a nível nacional e, assim, exercer efetivamente o seu direito a dedução.

33      Por conseguinte, o princípio da efetividade não se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacionais como as que estão em causa no processo principal.

34      Em quarto lugar, quanto à questão de saber se a regulamentação nacional em causa no processo principal ou a aplicação que dela é feita pela administração fiscal são conformes com o princípio da proporcionalidade, igualmente evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, recorde-se que, segundo a jurisprudência do tribunal de Justiça, para ser conforme com o referido princípio, uma medida nacional deve ser adequada para garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e não deve ir além do que é necessário para o alcançar (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2010, Schmelz, C-97/09, EU:C:2010:632, n.° 58).

35      No caso vertente, a exigência segundo a qual o adquirente deve ser um sujeito passivo já identificado para efeitos do IVA no momento da venda a fim de que o vendedor possa optar para que a tributação da operação contribua para a proteção da segurança jurídica do prestador, na medida em que lhe permite assegurar-se de que poderá validamente exercer o seu direito de optar pela tributação e para garantir a cobrança exata do IVA. Tal exigência é, portanto, adequada para realizar o objetivo prosseguido.

36      Além disso, não vai além do necessário para alcançar o objetivo prosseguido, na medida em que permite assegurar que, antes da realização da operação que o sujeito passivo queria ver tributada na sequência do exercício do seu direito de opção, este último está em condições de saber se poderá validamente exercer esse direito de opção, e isso sem que seja necessário que ele próprio ou a administração fiscal procedam a averiguações longas ou a indagações sobre a qualidade do sujeito passivo do adquirente.

37      Atentas as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, importa acrescentar que as autoridades competentes não podem ter em conta, para além da circunstância de que a operação está ou não isenta, outras circunstâncias como a utilização que é feita do bem imóvel pelo adquirente. Com efeito, o elemento pertinente para efeito do direito a dedução e da eventual obrigação de regularização é a natureza da atividade para a qual o sujeito passivo vendedor utilizou o bem imóvel em questão. Ter ainda em conta, para determinar se há ou não transação sujeita a IVA, do uso que o adquirente do bem imóvel fará dele depois violaria o princípio da segurança jurídica. Isso é tanto mais verdade que caberia ao adquirente regularizar o IVA deduzido a montante se este devesse utilizar o bem imóvel para operações isentas ou não abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA. Essa mudança de afetação não pode, porém, levar a que uma regularização de uma dedução do IVA relativa a uma entrega de bens ou a uma prestação de serviços recaia sobre um sujeito passivo diferente daquele que procedeu à referida dedução (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2020, Sögård Fastigheter, C-787/18, EU:C:2020:964, n.os 46 e 47).

38      No caso em apreço, a utilização que Fondas fez do bem imóvel adquirida a Arvi não pode, portanto, ter incidência no direito a dedução do IVA pago a montante por Arvi quando da aquisição desse bem. Trata-se de duas transações separadas que dizem respeito a sujeitos passivos distintos, prosseguindo cada um a sua própria atividade económica.

39      Quanto ao restante, no que respeita à questão de saber se cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar que não houve fraude ou abuso, basta recordar, por um lado, que a administração fiscal, caso viesse a apurar que o direito a dedução foi exercido de maneira fraudulenta ou abusiva poderia pedir, com efeito retroativo, o reembolso das quantias deduzidas (Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Imofloresmira – Investimentos Imobiliários, C-672/16, EU:C:2018:134, n.° 52). Por outro lado, os sujeitos passivos têm, em geral, liberdade para escolher as estruturas organizativas ou as modalidades de transação que considerem mais adequadas para as suas atividades económicas e para limitar os seus encargos fiscais, uma vez que o princípio da proibição de práticas abusivas proíbe unicamente as montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica, efetuadas com o fim exclusivo de obter uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária aos objetivos da Diretiva IVA (v., neste sentido, Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C-610/19, EU:C:2020:673, n.° 62 e jurisprudência referida).

40      Atentas as considerações precedentes, deve responder-se às segunda e terceira questões que as disposições da Diretiva 2006/112 bem como os princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação e a uma prática nacionais por força das quais o vendedor de um bem imóvel deve regularizar a dedução do IVA pago a montante sobre esse bem na sequência da recusa de lhe reconhecer o direito de optar pela tributação dessa venda com base no facto de que, à data desta, o adquirente não preenchia as condições previstas para o exercício, pelo vendedor, desse direito. Embora a utilização efetiva do bem imóvel em questão pelo adquirente no âmbito das atividades sujeitas ao IVA não seja pertinente a este respeito, as autoridades competentes devem, porém, verificar a existência eventual de fraude ou de abuso por parte do sujeito passivo que tenha pretendido exercer o seu direito de optar pela tributação da operação em questão.

 Quanto às despesas

41      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      Os artigos 135.° e 137.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que faz depender o direito de um sujeito passivo optar pela sujeição a imposto sobre o valor acrescentado (IVA) da venda de um bem imóvel da condição de que esse bem seja cedido a um sujeito passivo que, no momento da conclusão da operação, já está identificado para efeitos do IVA.

2)      As disposições da Diretiva 2006/112 bem como os princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação e a uma prática nacionais por força das quais o vendedor de um bem imóvel deve regularizar a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante sobre esse bem na sequência da recusa de lhe reconhecer o direito de optar pela tributação dessa venda com base no facto de que, à data desta, o adquirente não preenchia as condições previstas para o exercício, pelo vendedor, desse direito. Embora a utilização efetiva do bem imóvel em questão pelo adquirente no âmbito das atividades sujeitas ao IVA não tenha seja pertinente a este respeito, as autoridades competentes devem, porém, verificar a existência eventual de fraude ou de abuso por parte do sujeito passivo que tenha pretendido exercer o seu direito de optar pela tributação da operação em questão.

Assinaturas


*      Língua do processo: lituano.