Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

20 de outubro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial – Regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes – Diretiva 90/435/CEE – Artigo 4.°, n.° 1 – Isenção no âmbito de uma sociedade-mãe dos dividendos recebidos da sua sociedade afiliada – Reporte de excedentes de rendimentos definitivamente tributados para exercícios fiscais posteriores – Incorporação de uma sociedade que dispõe de excedentes de rendimentos definitivamente tributados por uma outra sociedade – Regulamentação nacional que limita a transferência desses excedentes para a sociedade incorporante»

No processo C-295/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 29 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de maio de 2021, no processo

Allianz Benelux SA

contra

État belge, SPF Finances,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: M. Safjan, presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado-geral: A. Rantos,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de fevereiro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Allianz Benelux SA, por V.-A. De Brauwere, avocate,

–        em representação do Governo belga, por S. Baeyens, J.-C. Halleux e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidos por D. Delvaux na qualidade de perito,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e V. Uher, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 28 de abril de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO 1990, L 225, p. 6), lido em conjugação com a Terceira Diretiva 78/855/CEE do Conselho, de 9 de outubro de 1978, fundada na alínea g) do n.° 3, do artigo 54.° do Tratado e relativa à fusão das sociedades anónimas (JO L 295, p. 36; EE 17 F1 p. 76), e com a Sexta Diretiva 82/891/CEE do Conselho, de 17 de dezembro de 1982, fundada no n.° 3, alínea g), do artigo 54.° do Tratado, relativa às cisões de sociedades anónimas (JO 1982, L 378, p. 47; EE 17 F1 p. 111).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Allianz Benelux SA ao État belge, SPF Finances (Estado belga, Serviço público federal de finanças) a propósito da determinação do resultado tributável desta sociedade a título do imposto sobre as sociedades no que respeita aos exercícios fiscais de 2004 a 2007.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 90/435

3        O terceiro e quarto considerandos da Diretiva 90/435 enunciam:

«Considerando que as disposições fiscais que regem atualmente as relações entre sociedades-mãe e afiliadas de Estados-Membros diferentes variam sensivelmente de uns Estados-Membros para os outros e são, em geral, menos favoráveis que as aplicáveis às relações entre sociedades-mãe e afiliadas de um mesmo Estado-Membro; que, por esse facto, a cooperação entre sociedades de Estados-Membros diferentes é penalizada em comparação com a cooperação entre sociedades de um mesmo Estado-Membro; que se torna necessário eliminar essa penalização através da instituição de um regime comum e facilitar assim os agrupamentos de sociedades à escala comunitária;

Considerando que, quando uma sociedade-mãe recebe, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos, o Estado da sociedade-mãe deve:

–        ou abster-se de tributar estes lucros,

–        ou tributá-los, autorizando simultaneamente esta sociedade a deduzir do montante do seu imposto a fração do imposto da sociedade afiliada correspondente a estes lucros.»

4        O artigo 1.°, n.° 1, primeiro e segundo travessões, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados-Membros aplicarão a presente diretiva:

–        à distribuição dos lucros obtidos por sociedades desse Estado e provenientes das suas afiliadas de outros Estados-Membros,

–        à distribuição dos lucros efetuada por sociedades desse Estado a sociedades de outros Estados-Membros, de que aquelas sejam afiliadas.»

5        Nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da referida diretiva:

«1.      Sempre que uma sociedade-mãe receba, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado da sociedade-mãe:

–        ou se abstém de tributar esses lucros;

–        ou os tributa, autorizando esta sociedade a deduzir do montante do imposto a fração do imposto da afiliada correspondente a tais lucros e, se for caso disso, o montante da retenção na fonte efetuada pelo Estado-Membro da residência afiliada nos termos das disposições derrogatórias do artigo 5.°, dentro do limite do montante do imposto nacional correspondente.

2.      Todavia, todos os Estados-Membros conservam a faculdade de prever que os encargos respeitantes à participação e as menos-valias resultantes da distribuição dos lucros da sociedade afiliada não sejam dedutíveis do lucro tributável da sociedade-mãe. Se, nesse caso, as despesas de gestão relativas à participação forem fixadas de modo forfetário, o montante forfetário não pode exceder 5 % dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada.»

6        A Diretiva 90/435 foi alterada, nomeadamente, pela Diretiva 2003/123/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 2003 (JO 2004, L 7, p. 41). Segundo o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435, na sua redação resultante da Diretiva 2003/123:

«Sempre que uma sociedade-mãe ou o seu estabelecimento estável, em virtude da associação com a sociedade sua afiliada, obtenha lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado da sociedade-mãe e o Estado do estabelecimento estável da sociedade-mãe:

–        ou se abstém de tributar esses lucros,

–        ou os tributa, autorizando a sociedade-mãe e o estabelecimento estável a deduzir do montante do imposto devido a fração do imposto sobre as sociedades pago sobre tais lucros pela sociedade afiliada e por qualquer sociedade sub-afiliada, sob condição de cada sociedade e respetiva sociedade sub-afiliada satisfazerem em cada nível os requisitos previstos nos artigos 2.° e 3.°, até ao limite do montante do correspondente imposto devido.»

7        A Diretiva 90/435 foi revogada pela Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO 2011, L 345, p. 8), que entrou em vigor em 18 de janeiro de 2012. No entanto, tendo em conta a data dos factos no processo principal, a Diretiva 90/435 é-lhes aplicável ratione temporis.

 Diretiva 78/855

8        O artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 78/855 enuncia:

«A fusão produz ipso iure e simultaneamente os seguintes efeitos:

a)      A transmissão universal do conjunto do património ativo e passivo da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, tanto no que a estas respeita, como relativamente a terceiros;

[...]»

 Direito belga

9        O artigo 202.°, § 1, do code des impôts sur les revenus de 1992 (Código dos Impostos sobre os Rendimentos de 1992), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «CIR 1992»), prevê:

«Dos lucros do período de tributação também são deduzidos, desde que existam:

1.°      os dividendos, com exceção dos rendimentos obtidos por ocasião da cessão a uma sociedade das suas próprias ações ou participações ou da partilha total ou parcial dos ativos de uma sociedade;

[...]»

10      Nos termos do artigo 204.°, primeiro parágrafo, do CIR 1992:

«Os rendimentos que, de acordo com o disposto no artigo 202.o, § 1, 1°, 3° e 4°, podem ser deduzidos devem fazer parte dos lucros do período de tributação até 95 % do montante recebido ou obtido eventualmente majorado das retenções na fonte reais ou fictícias ou deduzido, tratando-se de rendimentos referidos no artigo 202.°, § 1, 4° e 5°, dos juros bonificados ao vendedor em caso de aquisição dos títulos durante o período de tributação.»

11      O artigo 205.°, § 2, do CIR 1992 tem a seguinte redação:

«A dedução prevista no artigo 202.° está limitada ao montante remanescente dos lucros do período de tributação, após a aplicação do artigo 199.°, deduzido de: [...]»

12      O artigo 206.° do CIR 1992 dispõe:

«§ 1.      As perdas profissionais anteriores são sucessivamente deduzidas dos rendimentos profissionais de cada um dos exercícios fiscais seguintes.

§ 2.      [...]

Em caso de fusão realizada em aplicação do artigo 211.°, § 1, as perdas profissionais suportadas por uma sociedade incorporada antes dessa fusão são dedutíveis no âmbito da sociedade incorporante na proporção da parte que representa o ativo líquido fiscal antes da fusão dos elementos incorporados da sociedade referida em primeiro lugar, no total, também antes da fusão, do ativo líquido fiscal da sociedade incorporante e do valor fiscal líquido dos elementos incorporados. Em caso de cisão realizada em aplicação do artigo 211.°, § 1, a regra acima referida aplica-se à parte das perdas profissionais que é determinada na proporção do valor fiscal líquido dos elementos incorporados no total do ativo líquido fiscal da sociedade incorporada.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      Em 16 de novembro de 1995, a AGF l’Escaut SA incorporou duas companhias de seguros belgas. Em 15 de setembro de 1999, a própria AGF l’Escaut, bem como cinco outras companhias de seguros, foram incorporadas pela Assubel-Vie SA.

14      As sociedades incorporadas pela AGF l’Escaut e pela Assubel-Vie, unidas sob a denominação social Allianz Benelux, dispunham de excedentes de rendimentos definitivamente tributados (a seguir «RDT») suscetíveis de reporte para os exercícios posteriores. A Allianz Benelux reportou então integralmente esses excedentes de RDT para os exercícios de 2004 a 2007. Esse reporte integral foi indeferido pela Administração Fiscal belga.

15      Na sequência de uma reclamação apresentada pela Allianz Benelux contra esse indeferimento, o diretor regional competente da Administração Fiscal belga considerou, por Decisão de 19 de dezembro de 2012, que, na falta de uma disposição legal que previsse a transferência dos excedentes de RDT de uma sociedade incorporada para a sociedade incorporante, o reporte dos excedentes de RDT das sociedades incorporadas, pedido no caso em apreço pela Allianz Benelux, não tinha qualquer base legal. Todavia, admitiu o reporte parcial desses excedentes, mas apenas na proporção prevista no artigo 206.°, § 2, do CIR 1992 em matéria de perdas recuperáveis.

16      A Allianz Benelux interpôs recurso dessa decisão para o tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica). Por Decisão de 20 de maio de 2016, esse órgão jurisdicional julgou improcedente o pedido de reporte integral dos excedentes de RDT.

17      A Allianz Benelux interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. Esta sociedade alega que a falta de reporte integral no âmbito da sociedade incorporante dos RDT suscetíveis de reporte de que dispunha a sociedade incorporada conduz, em primeiro lugar, a tributar esses rendimentos, em segundo lugar, a violar o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435 e, em terceiro lugar, a violar o princípio da neutralidade fiscal.

18      Nestas condições, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva [90/435], eventualmente conjugado com as disposições das Diretivas [78/855] e [82/891] sobre o direito das sociedades, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que os lucros distribuídos a que se refere a diretiva são incluídos na matéria coletável da sociedade beneficiária dos dividendos antes de dela serem deduzidos até 95 % do seu montante e, se for caso disso, são objeto de reporte para os exercícios fiscais posteriores mas que, por não existir uma disposição específica que preveja, no caso de uma operação de reorganização de sociedades, que as deduções que foram objeto desse reporte no âmbito da sociedade incorporada são integralmente transferidas para a sociedade beneficiária, implica que esses lucros sejam indiretamente tributados por ocasião da referida operação em virtude da aplicação de uma disposição que limita a transferência das referidas deduções na proporção da fração que o ativo líquido fiscal antes da fusão dos elementos incorporados da sociedade incorporada representa no total, também antes da fusão, do ativo líquido fiscal da sociedade incorporante e do valor fiscal líquido dos elementos incorporados?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

19      Antes de mais, importa salientar que, embora, na sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio se refira não só ao artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435 mas também às Diretivas 78/855 e 82/891, não menciona nenhuma disposição específica destas duas últimas diretivas nem expõe as razões pelas quais estas seriam pertinentes no processo principal.

20      Ora, em primeiro lugar, no que respeita à Diretiva 82/891, esta apenas regula, em conformidade com o seu artigo 1.°, as cisões das sociedades anónimas mediante incorporação e/ou mediante constituição de novas sociedades, pelo que não é aplicável ao processo principal, que diz respeito a uma fusão, distinta dessas cisões.

21      Em segundo lugar, a Diretiva 78/855 também não é aplicável ao processo principal, uma vez que apenas diz respeito aos aspetos de direito privado próprios das fusões, sem conter disposições de alcance fiscal. A este respeito, os aspetos fiscais das fusões na União Europeia regiam-se, à data dos factos no processo principal, pela Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes (JO 1990, L 225, p. 1).

22      No que respeita, em terceiro lugar, à Diretiva 90/435, há que recordar, por um lado, que, como resulta nomeadamente dos seus terceiro e quarto considerandos, esta visa eliminar a dupla tributação, em termos económicos, dos lucros distribuídos por uma sociedade afiliada estabelecida num Estado-Membro à sua sociedade-mãe estabelecida noutro Estado-Membro e facilitar assim o agrupamento de sociedades à escala da União. Para este efeito, a fim de alcançar o objetivo da neutralidade no plano fiscal, o artigo 4.°, n.° 1, desta diretiva prevê uma regra que visa evitar que os lucros distribuídos sejam tributados, uma primeira vez, no âmbito da sociedade afiliada e, uma segunda vez, no âmbito da sociedade-mãe (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C-389/18, EU:C:2019:1132, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida). Ora, nenhuma disposição desta mesma diretiva prevê expressamente a sua aplicação no âmbito de operações de fusão entre sociedades como a que está em causa no processo principal.

23      Por outro lado, o artigo 1.° da Diretiva 90/435 regula as distribuições dos lucros obtidos por sociedades de um Estado-Membro e provenientes das suas afiliadas com sede noutros Estados-Membros. Além disso, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, desta diretiva não regula a situação em que a sede da sociedade distribuidora dos dividendos se situa no mesmo Estado-Membro da sede da sociedade beneficiária desses dividendos (Despacho de 4 de junho de 2009, KBC Bank e Beleggen, Risicokapitaal, Beheer, C-439/07 e C-499/07, EU:C:2009:339, n.° 57).

24      Ora, no caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial não contém qualquer informação sobre a proveniência dos dividendos recebidos pelas sociedades incorporadas, de modo que não é possível determinar se as transações em causa no processo principal são reguladas pela Diretiva 90/435 ou se, pelo contrário, constituem uma situação puramente interna que envolve apenas sociedades belgas.

25      No entanto, por um lado, em conformidade com jurisprudência constante, as questões prejudiciais relativas à interpretação do direito da União gozam de uma presunção de pertinência (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o. C-391/20, EU:C:2022:638, n.° 42 e jurisprudência referida). Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou que o direito interno belga remete, no que respeita ao regime dos RDT, para a Diretiva 90/435 e, por conseguinte, reconheceu a admissibilidade de pedidos de decisão prejudicial ao abrigo desse reenvio, ao declarar que, uma vez que o alcance da remissão operada pelo direito nacional para o direito da União é uma questão exclusivamente regida pelo direito nacional, compete exclusivamente ao juiz nacional apreciar o alcance exato dessa remissão para o direito da União, sendo o Tribunal de Justiça apenas competente para analisar as disposições deste direito (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2012, Punch Graphix Prepress Belgium, C-371/11, EU:C:2012:647, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida).

26      No caso em apreço, como salientou o advogado-geral no n.° 33 das suas conclusões, resulta do pedido de decisão prejudicial que a Administração Fiscal belga fundou explicitamente a decisão em causa no processo principal na jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de RDT.

27      Tendo em conta o que precede, há que concluir que a questão prejudicial é admissível e que há que examiná-la unicamente à luz da Diretiva 90/435.

 Quanto ao mérito

28      Com a sua única questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que prevê que os dividendos recebidos por uma sociedade são incluídos na sua matéria coletável antes de dela serem deduzidos até 95 % do seu montante e que permite, se for caso disso, o reporte desta dedução para os exercícios fiscais posteriores, mas que, no entanto, em caso de incorporação dessa sociedade no âmbito de uma fusão, limita a transferência do reporte dessa dedução para a sociedade incorporante na proporção da fração que o ativo líquido fiscal da sociedade incorporada representa no total do ativo líquido fiscal da sociedade incorporante e da sociedade incorporada.

29      A título preliminar, há que recordar que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435, na sua versão resultante da Diretiva 2003/123, prevê que, sempre que uma sociedade-mãe ou o seu estabelecimento estável, em virtude da associação com a sociedade sua afiliada, obtenha lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado da sociedade-mãe e o Estado do estabelecimento estável da sociedade-mãe ou se abstém de tributar esses lucros, ou os tributa, autorizando a sociedade-mãe e o estabelecimento estável a deduzir do montante do imposto devido a fração do imposto sobre as sociedades pago sobre tais lucros pela sociedade afiliada e por qualquer sociedade subafiliada, sob condição de cada sociedade e respetiva sociedade subafiliada satisfazerem em cada nível os requisitos previstos nos artigos 2.° e 3.° desta primeira diretiva, até ao limite do montante do correspondente imposto devido.

30      A Diretiva 90/435 deixa assim explicitamente aos Estados-Membros a escolha entre o regime de isenção e o regime de imputação previstos, respetivamente, no primeiro e segundo travessões do artigo 4.°, n.° 1, desta (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C-389/18, EU:C:2019:1132, n.° 31).

31      Segundo as indicações que figuram no pedido de decisão prejudicial, o Reino da Bélgica optou pelo regime de isenção previsto no artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435. É, portanto, à luz desta única disposição que deve ser dada resposta à questão submetida.

32      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, por um lado, que a obrigação do Estado-Membro que optou pelo regime previsto no artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435, de se abster de tributar os lucros que a sociedade-mãe recebe, a título de associada, da sua sociedade afiliada não está sujeita a nenhum requisito e é expressa com a única ressalva dos n.os 2 e 3 do mesmo artigo e com a ressalva prevista no artigo 1.°, n.° 2, desta diretiva, e, por outro, que também está abrangida pela proibição imposta por esse artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, uma regulamentação nacional que, embora não tribute os dividendos recebidos pela sociedade-mãe enquanto tais, pode ter por efeito sujeitar indiretamente a sociedade-mãe a imposto sobre esses dividendos (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C-389/18, EU:C:2019:1132, n.os 33 e 37 e jurisprudência referida).

33      No que respeita ao regime fiscal belga relativo aos RDT, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que este previa inicialmente que os dividendos recebidos pela sociedade-mãe eram acrescentados à matéria coletável desta e que um montante correspondente a 95 % desses dividendos era deduzido dessa matéria, mas unicamente na medida em que houvesse lucros tributáveis da sociedade-mãe e sem possibilidade de reportar para os exercícios fiscais posteriores a parte não deduzida dos RDT (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C-389/18, EU:C:2019:1132, n.° 39).

34      Todavia, na sequência do Acórdão de 12 de fevereiro de 2009, Cobelfret (C-138/07, EU:C:2009:82), o regime dos RDT foi alterado no sentido de que, em conformidade com o artigo 205.°, n.° 3, do CIR 1992, a parte dos RDT que não pode ser deduzida durante o exercício fiscal em questão devido à insuficiência de lucros pode agora ser reportada para os exercícios fiscais posteriores e de que esse reporte não é limitado no tempo. Afigura-se, assim, que a diminuição dos prejuízos suscetíveis de reporte a que a integração dos dividendos na matéria coletável da sociedade-mãe conduz, é agora compensada por um reporte, ilimitado no tempo, dos RDT no mesmo montante (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C-389/18, EU:C:2019:1132, n.° 40).

35      No caso em apreço, o litígio no processo principal não diz respeito a uma situação em que os dividendos pagos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe foram tributados no âmbito desta, mas sim a uma situação em que, por analogia com o que prevê a legislação nacional em matéria de transferência das perdas de uma sociedade incorporada para a sociedade incorporante em caso de fusão, a Administração Fiscal belga só admitiu parcialmente a transferência dos excedentes de RDT de que a sociedade incorporada dispunha para a sociedade incorporante, a saber até ao limite da fração que o ativo líquido fiscal da sociedade incorporada representa no total do ativo líquido fiscal da sociedade incorporante e da sociedade incorporada.

36      Em primeiro lugar, há que observar que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435 não prevê a possibilidade de proceder a um reporte incondicional dos excedentes que constituem um rendimento definitivamente tributado, como os que são objeto do regime fiscal belga relativo aos RDT, de uma sociedade incorporada para a sociedade incorporante. Esta disposição limita-se a impor aos Estados-Membros, como foi salientado nos n.os 29 e 30 do presente acórdão, que optem entre o regime de isenção e o regime de imputação, a fim de evitar a dupla tributação económica da distribuição de dividendos por uma afiliada à sua sociedade-mãe, sem prescrever a maneira como os Estados-Membros que escolheram o regime de isenção o devem aplicar.

37      Consequentemente, os Estados-Membros têm a liberdade de determinar, tendo em conta as necessidades da respetiva ordem jurídica, as modalidades segundo as quais o resultado previsto no artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435 é alcançado (Despacho de 4 de junho de 2009, KBC Bank e Beleggen, Risicokapitaal, Beheer, C-439/07 e C-499/07, EU:C:2009:339, n.° 50).

38      Em segundo lugar, nem a Diretiva 90/434 nem nenhum outro texto do direito da União preveem o direito a um reporte incondicional de excedentes, como os referidos no n.° 36 do presente acórdão, da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, no âmbito das fusões, como é reclamado pela Allianz Benelux.

39      Em terceiro lugar, há que examinar se um regime relativo a um RDT como o que está em causa no processo principal implica uma tributação direta ou indireta dos dividendos recebidos que seja incompatível com o artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435.

40      Por um lado, no que respeita à existência de uma eventual tributação direta dos dividendos, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o regime dos RDT em causa no processo principal permite assegurar que os dividendos recebidos da sociedade incorporada não são tributados no âmbito da sociedade incorporante. Com efeito, este regime prevê que, num primeiro momento, os dividendos recebidos pela sociedade-mãe são incluídos na sua matéria coletável e, num segundo momento, um montante correspondente a 95 % desses dividendos é deduzido dessa matéria, na medida em que subsistam lucros tributáveis no âmbito da sociedade-mãe após a dedução dos outros lucros isentos. Por conseguinte, o referido regime não implica uma tributação direta dos dividendos isentos nos termos do artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435, o que, aliás, não foi alegado por nenhuma das partes que apresentaram observações.

41      Por outro lado, no que respeita à existência de uma eventual tributação indireta dos dividendos, à qual, como foi recordado no n.° 32 do presente acórdão, se oporia o artigo 4.°, n.° 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435, há que determinar se a obrigação prevista nesta disposição se opõe aos efeitos fiscais que uma limitação da transferência do reporte dos excedentes ao abrigo de um regime relativo a um RDT quando de uma fusão por incorporação produz na matéria coletável da sociedade beneficiária dos dividendos.

42      A este respeito, importa recordar que, no Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities (C-389/18, EU:C:2019:1132), que incidia sobre a ordem pela qual eram deduzidos em direito fiscal belga os rendimentos dedutíveis dos lucros tributáveis, em particular os excedentes de RDT em relação a outros rendimentos cujo reporte da dedução fiscal estava limitado no tempo, o Tribunal de Justiça efetuou uma comparação da situação em causa nesse processo, no âmbito da qual a sociedade-mãe tinha tido de respeitar, quando da dedução fiscal, a ordem prioritária de dedução do excedente de RDT em relação a uma outra dedução fiscal, com a situação que teria prevalecido se o Reino da Bélgica tivesse aplicado o regime de isenção, afastando pura e simplesmente os dividendos da matéria coletável.

43      Ora, como sugerem tanto o Governo belga como a Comissão, esse raciocínio que assentava na comparação de duas situações pode igualmente aplicar-se por analogia no processo principal, ainda que esse raciocínio tenha sido aplicado pelo Tribunal de Justiça no contexto da relação entre uma sociedade-mãe e a sua afiliada.

44      Por conseguinte, há que proceder a uma comparação de uma situação como a que está em causa no processo principal, no âmbito da qual, quando de uma fusão por incorporação, a mesma limitação pro rata foi aplicada ao reporte tanto das perdas como dos excedentes de RDT da sociedade incorporada, com a situação em que o Estado-Membro em causa instituiu um regime de isenção simples que prevê a exclusão dos dividendos da matéria coletável e em que uma limitação pro rata se aplica unicamente ao reporte das perdas e não ao reporte dos excedentes de RDT.

45      Ora, como salientou o advogado-geral no n.° 57 das suas conclusões, resulta desta comparação que a situação em que a limitação pro rata se aplica tanto ao reporte dos excedentes de RDT como ao reporte das perdas em caso de fusão não parece implicar uma tributação mais gravosa do que aquela que resultaria se os dividendos fossem excluídos da matéria coletável da sociedade beneficiária. A neutralidade fiscal parece ter sido respeitada em ambas as situações.

46      De resto, como observa a Comissão, se os excedentes de RDT fossem integralmente transferidos para a sociedade incorporante, aplicando-se à transferência de perdas uma limitação pro rata como a que está em causa no processo principal, esta sociedade ficaria numa situação mais favorável do que se o Reino da Bélgica tivesse previsto uma isenção simples.

47      Além disso, nos processos em que se aplicava a legislação em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça recordou que os Estados-Membros têm a liberdade de determinar as modalidades segundo as quais o resultado prescrito pelo artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435 é alcançado (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2009, Cobelfret, C-138/07, EU:C:2009:82, n.° 61, e Despacho de 4 de junho de 2009, KBC Bank e Beleggen, Risicokapitaal, Beheer, C-439/07 e C-499/07, EU:C:2009:339, n.os 50 e 53 e jurisprudência referida).

48      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que prevê que os dividendos recebidos por uma sociedade são incluídos na sua matéria coletável antes de dela serem deduzidos até 95 % do seu montante e que permite, se for caso disso, o reporte desta dedução para os exercícios fiscais posteriores, mas que, no entanto, em caso de incorporação dessa sociedade no âmbito de uma fusão, limita a transferência do reporte dessa dedução para a sociedade incorporante na proporção da fração que o ativo líquido fiscal da sociedade incorporada representa no total do ativo líquido fiscal da sociedade incorporante e da sociedade incorporada.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que prevê que os dividendos recebidos por uma sociedade são incluídos na sua matéria coletável antes de dela serem deduzidos até 95 % do seu montante e que permite, se for caso disso, o reporte desta dedução para os exercícios fiscais posteriores, mas que, no entanto, em caso de incorporação dessa sociedade no âmbito de uma fusão, limita a transferência do reporte dessa dedução para a sociedade incorporante na proporção da fração que o ativo líquido fiscal da sociedade incorporada representa no total do ativo líquido fiscal da sociedade incorporante e da sociedade incorporada.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.