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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

11 de maio de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 132.°, n.° 1, alínea g) – Isenção das prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, realizadas por organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa – Prestações de serviços efetuadas num Estado-Membro diferente daquele em que está estabelecido o prestador a uma pessoa que não seja sujeito passivo – Apreciação da natureza das prestações e da condição de organismo de caráter social reconhecido como tal – Determinação do direito nacional pertinente – Conceito de “Estado-Membro em causa”»

No processo C-620/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), por Decisão de 27 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de outubro de 2021, no processo

MOMTRADE RUSE OOD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún (relatora), presidente de Secção, F. Biltgen e J. Passer, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite, por S. Petkov,

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Drambozova e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 1 de dezembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a MOMTRADE RUSE OOD (a seguir «Momtrade») ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (Diretor da Direção «Recursos e Prática em matéria tributária e de Segurança Social» da cidade de Varna, da Administração Central da Agência Nacional das Receitas Públicas, Bulgária) (a seguir «Direktor») a respeito de um aviso de liquidação relativo ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva IVA

3        O artigo 45.° da Diretiva IVA estabelece:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a partir de um estabelecimento estável do prestador situado num lugar diferente daquele onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o prestador tem domicílio ou residência habitual.»

4        O título IX desta diretiva tem por objeto as isenções de IVA.

5        O capítulo 1 do referido título IX, intitulado «Disposições gerais», inclui o artigo 131.° da referida diretiva, nos termos do qual:

«As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados –Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»

6        O capítulo 2 do mesmo título IX, intitulado «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral», inclui os artigos 132.° a 134.° da Diretiva IVA.

7        O artigo 132.°, n.° 1, alínea g), desta diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[...]

g)      As prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa.»

8        O artigo 133.° da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados-Membros podem fazer depender, caso a caso, a concessão de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.° 1 do artigo 132.° a organismos que não sejam de direito público da observância de uma ou mais das seguintes condições:

a)      Os organismos em causa não devem ter como objetivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros ser em caso algum distribuídos, mas sim afetados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas;

b)      Esses organismos devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não tenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse direto ou indireto nos resultados da exploração;

c)      Esses organismos devem praticar preços homologados pelas autoridades públicas ou que não excedam tais preços ou, no que diz respeito às atividades não suscetíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para atividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao IVA;

d)      As isenções não podem ser suscetíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA.

[...]»

9        O artigo 134.° da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«As entregas de bens e as prestações de serviços ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.° 1 do artigo 132.°, nos seguintes casos:

a)      Quando não forem indispensáveis à realização de operações isentas;

b)      Quando se destinarem, essencialmente, a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA.»

 Diretiva 2008/8

10      Os considerandos 3 e 5 da Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que altera a Diretiva 2006/112/CE no que diz respeito ao lugar das prestações de serviços (JO 2008, L 44, p. 11), enunciam:

«(3)      Relativamente a todas as prestações de serviços, o lugar de tributação deverá, em princípio, ser o lugar onde ocorre o seu consumo efetivo. Se a regra geral aplicável ao lugar das prestações de serviços for alterada neste sentido, será necessário manter determinadas exceções a esta regra, tanto por motivos administrativos como por motivos políticos.

[...]

(5)      No que respeita aos serviços prestados a pessoas que não sejam sujeitos passivos, a regra geral deverá continuar a determinar que o lugar das prestações de serviços é aquele onde o respetivo prestador tem a sede da sua atividade económica.»

 Direito búlgaro

 Constituição da República da Bulgária

11      O artigo 26.°, n.° 2, da Constituição da República da Bulgária prevê:

«Os estrangeiros residentes na República da Bulgária gozam de todos os direitos e deveres enunciados na referida Constituição, com exceção dos direitos e deveres para os quais a nacionalidade búlgara é exigida nos termos da Constituição e da lei.»

 Código do Processo Tributário e da Segurança Social

12      O artigo 122.°, n.° 1, do Danachno-osiguritelen protsesualen kodeks (Código do Processo Tributário e da Segurança Social), na versão aplicável aos factos no processo principal, estabelece:

«A Administração Tributária pode aplicar o montante do imposto determinado de acordo com a respetiva lei, tendo em conta a matéria coletável a que se refere o n.° 2, que ela própria determina, nas seguintes circunstâncias:

[...]

3.      quando tiverem sido utilizados na contabilidade documentos falsos ou inexatos;

4.      em caso de inexistência ou de não apresentação de uma contabilidade organizada em conformidade com a [Zakon za schetovodstvoto (Lei da contabilidade)] ou quando a contabilidade organizada não permita determinar a matéria coletável, bem como quando os documentos necessários para a determinação da matéria coletável ou das contribuições obrigatórias para a Segurança Social tenham sido destruídos de forma indevida;

[...]»

 ZDDS

13      Nos termos do artigo 21.°, n.° 1, do Zakon za danak varhu dobavenata stoynost (Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado) (DV n.° 63, de 4 de agosto de 2006), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «ZDDS»):

«Quando o destinatário for uma pessoa que não seja sujeito passivo, o lugar da prestação de serviços é o lugar onde o prestador de serviços tem a sede da sua atividade económica independente.»

14      O artigo 38.° do ZDDS tem a seguinte redação:

«(1)      As operações isentas são as referidas neste capítulo.

(2)      Estão igualmente isentas as operações intracomunitárias que estariam isentas por força do presente capítulo se fossem realizadas no território nacional.

(3)      Está igualmente isenta de imposto qualquer aquisição intracomunitária de bens cuja entrega no território nacional esteja isenta ao abrigo do presente capítulo.

[...]»

15      Nos termos do artigo 40.° do ZDDS:

«Entende-se por operação isenta:

1.      a prestação de serviços sociais na aceção do [Zakon za sotsialno podpomagane (Lei da Assistência Social)];

[...]»

16      O artigo 67.° do ZDDS prevê:

«(1)      O montante do imposto é determinado multiplicando a matéria coletável pela taxa de imposto.

(2)      Se, no momento da negociação da operação, não for expressamente indicado que o imposto é devido separadamente, considera-se que está incluído no preço acordado.

(3)      O imposto é igualmente considerado incluído no preço declarado no caso de fornecimento de bens objeto de uma entrega no comércio a retalho.

[...]»

 ZSP

17      O artigo 16.° do Zakon za sotsialno podpomagane (Lei da Assistência Social) (DV n.° 56, de 19 de maio de 1998), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «ZSP»), estabelece:

«(1)      A prestação de serviços sociais baseia-se num trabalho social centrado no apoio pessoal para:

1.      a realização de atividades quotidianas;

2.      a integração social.

(2)      Os serviços sociais são prestados com base numa avaliação individual das necessidades e tendo em conta a vontade e a escolha pessoal do destinatário.

[...]»

18      Nos termos do artigo 18.° do ZSP, na versão aplicável aos factos do processo principal:

«(1)      Os serviços sociais são prestados:

1.      pelo Estado;

2.      pelos municípios;

3.      pelas pessoas singulares búlgaras, registadas em conformidade com o [Targovski zakon (Lei do Comércio)], e as pessoas coletivas;

4.      pelas pessoas singulares que exerçam uma atividade comercial e pelas pessoas coletivas registadas segundo o direito de outro Estado-Membro da União Europeia ou de outro Estado-Membro do Espaço Económico Europeu [(EEE)].

(2)      As pessoas referidas no n.° 1, pontos 3 e 4, só podem prestar serviços sociais após inscrição no registo da [Agentsia za sotsialno podpomagane (Agência de Assistência Social)].

(3)      As pessoas a que se refere o n.° 1, pontos 3 e 4, podem prestar serviços sociais a crianças até aos 18 anos após a concessão de uma licença e a inscrição no registo referido no n.° 2.

(4)      As modalidades de registo são fixadas pelo regulamento de execução da lei.»

19      O n.° 1 das disposições complementares do ZSP, na versão aplicável aos factos no processo principal, prevê:

«Para efeitos da presente lei, entende-se por:

[...]

6.      “serviços sociais”: as atividades que apoiam e melhorem as possibilidades de as pessoas terem uma vida autónoma; são exercidas em instituições especializadas e na comunidade;

7.      “serviços sociais na Comunidade”: os serviços prestados num ambiente familiar ou próximo da família.

[...]»

 Regulamento de Execução do ZSP

20      O artigo 40.° do Pravilnik za prilagane na ZSP (Regulamento de Execução do ZSP), na versão aplicável aos factos no processo principal, estabelece:

«(1)      Quem pretender beneficiar de serviços sociais deve apresentar um pedido escrito com o seu endereço atual, respetivamente:

1.      ao diretor da Direção da Assistência Social, relativamente aos serviços sociais no âmbito das atividades delegadas do Estado, em conformidade com o anexo n.° 9;

2.      ao presidente da Câmara Municipal, relativamente aos serviços sociais da esfera do Município;

3.      ao órgão de direção, quando o prestador de serviços sociais seja uma pessoa singular, registada nos termos da Lei do Comércio, ou uma pessoa coletiva.

(2)      O pedido referido no n.° 1 deve ser acompanhado de:

1.      um documento de identificação (para referência);

2.      uma cópia do boletim de saúde, caso seja necessário;

3.      uma cópia, caso seja necessário, de uma decisão da Lekarska consultativna comitsia (LKK) [Comissão Consultiva Médica (LKK)], da Teritorialna ekspertna lekarska comitsia (TELK) [Comissão Territorial de Perícia Médica (TELK)], da Natsionalna ekspertna lekarska comitsia (NELK) [Comissão Nacional de Perícia Médica (NELK)].

(3)      O prestador de serviços sociais pode, se for o caso, solicitar a apresentação de outros documentos.

(4)      Com base no pedido e nos documentos que o acompanham, bem como nos casos referidos no artigo 27.°, n.° 7, a autoridade mencionada no n.° 1, pontos 1 a 3, procede, no prazo de 20 dias, à avaliação social das necessidades de serviços sociais por parte do requerente, em conformidade com o anexo n.° 10, e regista-a num relatório de projeto em conformidade com o modelo constante do anexo n.° 8. Nos casos referidos no artigo 27.°, n.° 7, o requerente apresenta o pedido após a avaliação social.

[...]»

21      O artigo 40.°-D deste regulamento tem a seguinte redação:

«(1)      Os prestadores de serviços sociais devem elaborar um plano individual após a avaliação das necessidades de cada beneficiário e a definição dos objetivos a atingir.

(2)      O plano a que se refere o n.° 1 inclui atividades destinadas a cobrir:

1.      as necessidades diárias;

2.      os cuidados de saúde;

3.      as necessidades educativas;

4.      as necessidades de reeducação;

5.      os tempos livres;

6.      as necessidades de estabelecimento de contactos com a família, os amigos, as pessoas mais chegadas e outras pessoas.

[...]»

22      Nos termos do artigo 40.°-E do referido regulamento:

«(1)      O prestador de serviços sociais deve ter um registo dos beneficiários.

(2)      O registo deve conter as seguintes informações:

1.      nome, domicílio e/ou endereço atual, data de nascimento e situação familiar dos beneficiários;

2.      decisão de institucionalização ou de admissão ao benefício do serviço social;

3.      nome, domicílio e/ou endereço atual e número de telefone de um tutor, curador ou parente próximo dos beneficiários;

4.      nome, endereço e número de telefone do médico assistente dos beneficiários;

5.      data de institucionalização/admissão ao benefício do serviço social;

6.      data de saída;

7.      data, hora e causa da morte quando o beneficiário tiver falecido num estabelecimento especializado ou quando esteja em causa uma prestação social na comunidade.

(3)      O prestador manterá um livro paginado, selado e carimbado com o carimbo da instituição especializada, que deve conter:

1.      um inventário do dinheiro e dos valores materiais entregues pelos residentes para serem guardados em local seguro;

2.      a data da entrega do dinheiro ou dos valores materiais;

3.      a data em que o dinheiro ou os valores materiais foram restituídos aos residentes ou utilizados em seu nome, a seu pedido, bem como a utilização que deles foi feita;

4.      o nome e a função da pessoa responsável pela guarda do dinheiro e de outros valores materiais.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      A Momtrade é uma sociedade de responsabilidade limitada com sede no território da República da Bulgária. Esta sociedade está registada para efeitos de IVA nesse Estado-Membro desde 24 de junho de 2014. Além disso, está inscrita na Agência para a Assistência Social como prestadora de serviços sociais e dispõe de certificados de registo para assistência pessoal, assistência social e apoio domiciliário a idosos.

24      Os destinatários das prestações de serviços realizadas pela Momtrade são idosos residentes na Alemanha e na Áustria. Em conformidade com os contratos celebrados entre esta sociedade e os seus clientes, as prestações de serviços realizadas consistem em cuidados pessoais e assistência ao domicílio. As diferentes obrigações do prestador estão descritas em pormenor num questionário anexado aos referidos contratos, elaborado por uma agência registada na Alemanha ou na Áustria, que se encarrega de encontrar clientes e de os orientar para a referida sociedade. Estas obrigações incluem o acompanhamento e a assistência ao domicílio dos idosos com problemas de saúde.

25      No âmbito de uma fiscalização efetuada pelas autoridades tributárias búlgaras relativamente ao período compreendido entre 24 de junho de 2014 e 31 de dezembro de 2015, essas autoridades consideraram que, uma vez que as prestações de serviços realizadas pela Momtrade tinham sido materialmente executadas no território da República Federal da Alemanha e no da República da Áustria, para poder invocar a isenção de IVA, ao abrigo do artigo 40.°, ponto 1, do ZDDS, esta sociedade devia apresentar provas que atestassem o caráter social, em conformidade com as legislações alemã e austríaca, das prestações de serviços realizadas no território desses Estados-Membros durante esse período.

26      Ora, as autoridades tributárias búlgaras, tendo constatado que a Momtrade não tinha apresentado essas provas, emitiram, em 4 de outubro de 2018, um aviso de liquidação relativamente a essa sociedade que estabelecia um crédito de IVA relativo ao referido período. Este aviso foi confirmado pelo Direktor.

27      A Momtrade interpôs recurso no Administrativen sad Ruse (Tribunal Administrativo de Ruse, Bulgária) para impugnar o aviso de liquidação referido no número anterior. Esse órgão jurisdicional reduziu o montante do crédito fixado nesse aviso, tendo confirmado o referido aviso quanto ao restante. Neste contexto, após ter constatado que o artigo 40.°, ponto 1, do ZDDS tinha transposto o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, o referido órgão jurisdicional confirmou a inexistência de caráter social dos serviços prestados por esta sociedade no território da República Federal da Alemanha e da República da Áustria, pelo facto de a referida sociedade não ter apresentado documentos oficiais emitidos pelas autoridades competentes desses Estados-Membros que comprovassem esse caráter.

28      A sentença proferida pelo Administrativen sad Ruse (Tribunal Administrativo de Ruse) foi objeto de dois recursos interpostos, respetivamente, pelo Direktor e pela Momtrade para o órgão jurisdicional de reenvio, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária).

29      Esse órgão jurisdicional refere que, segundo a sua jurisprudência, o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que não impõe aos Estados-Membros a isenção das prestações de serviços sociais efetuadas em benefício de nacionais de outro Estado-Membro fora do seu território. Esta interpretação baseia-se no artigo 26.°, n.° 2, da Constituição da República da Bulgária.

30      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio considera, por um lado, que, para alcançar o objetivo prosseguido pelo artigo 132.° da Diretiva IVA, é indiferente que os prestadores e os beneficiários de serviços suscetíveis de isenção de IVA residam ou tenham sede no território de um único Estado-Membro ou de dois Estados-Membros.

31      Por outro lado, na medida em que os beneficiários das prestações de serviços são pessoas singulares que não são sujeitos passivos, o lugar da prestação desses serviços é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, neste caso, o território da República da Bulgária. Por conseguinte, se a interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA adotada pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) estiver correta, os prestadores de serviços sociais com sede na Bulgária serão objeto de uma diferença de tratamento fiscal consoante prestem serviços no território da República da Bulgária ou no território de outro Estado-Membro em benefício de cidadãos estrangeiros, o que, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, parece inaceitável, mesmo na falta de harmonização fiscal completa em matéria de IVA.

32      Nestas circunstâncias, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA permite a uma sociedade comercial, registada como prestadora de serviços sociais num Estado-Membro (neste caso, a [República da] Bulgária), invocar esta disposição para obter uma isenção fiscal para as prestações sociais que fornece a pessoas singulares nacionais de outros Estados-Membros no território desses Estados? O facto de os destinatários dos serviços terem sido postos em contacto com o prestador por intermediação de sociedades comerciais registadas nos Estados-Membros onde os serviços são prestados é relevante para a resposta a esta questão?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, com base em que critérios e segundo que normas - das leis búlgara e/ou austríaca e alemã - se deve apreciar, para efeitos da interpretação e da aplicação das disposições do direito da União invocadas, se a sociedade fiscalizada é um “organismo de caráter social reconhecido como tal” e se se considera ter sido apresentada prova de que se trata de prestações de serviços “estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social”?

3)      Segundo esta interpretação, o registo de uma sociedade comercial como prestadora de serviços sociais, tal como definidos pelo direito nacional, é suficiente para considerar que essa sociedade constitui um “organismo de caráter social reconhecido como tal” pelo Estado-Membro em causa?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

33      O Direktor contesta a admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial pelo facto de, por um lado, as respostas às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não suscitarem dúvidas, tendo em conta não só a clareza dos artigos 132.° e 133.° da Diretiva IVA mas também a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a essas disposições, e, por outro, de as referidas questões serem hipotéticas.

34      A este respeito, deve recordar-se que, no âmbito do procedimento instituído pelo artigo 267.° TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar-se. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C-158/21, EU:C:2023:57, n.os 50 e 51 e jurisprudência referida).

35      No caso em apreço, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que são suscitadas no âmbito de um litígio que opõe uma sociedade a uma autoridade tributária nacional que recusa isentar essa sociedade do IVA ao abrigo do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, têm por objeto as condições de aplicação dessa isenção e, nomeadamente, a interpretação dos conceitos de «organismos de caráter social reconhecidos como tal» e de «prestações de serviços [...] estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social», na aceção desta disposição, a fim de permitir ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as prestações de serviços realizadas pela referida sociedade estão isentas de IVA e decidir, assim, sobre a legalidade do aviso de liquidação em causa no processo principal.

36      Nestas circunstâncias, não se afigura que a interpretação do direito da União solicitada não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, nem que o problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio seja hipotético, dispondo o Tribunal de Justiça, por outro lado, dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas.

37      O facto de, segundo o Direktor, a interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da diretiva IVA não ser duvidosa é irrelevante para a admissibilidade destas questões.

38      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, mesmo admitindo que a resposta às questões submetidas não suscitasse nenhuma dúvida razoável, essas questões não se tornariam, no entanto, inadmissíveis (Acórdão de 27 de março de 2014, Consejería de Infraestructuras y Transporte de la Generalitat Valenciana e Iberdrola Distribución Eléctrica, C-300/13, não publicado, EU:C:2014:188, n.° 18 e jurisprudência referida).

39      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

40      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, por um lado, se o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que as prestações de serviços sociais fornecidas a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele em que o prestador tem a sede da sua atividade económica podem ser isentas ao abrigo desta disposição e, por outro, se o facto de o referido prestador ter recorrido a uma sociedade estabelecida nesse outro Estado-Membro para contactar os seus clientes tem incidência na referida interpretação.

41      Em conformidade com o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, os Estados-Membros isentam as prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa.

42      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdão de 7 de abril de 2022, I (Isenção de IVA das prestações hospitalares), C-228/20, EU:C:2022:275, n.° 33 e jurisprudência referida].

43      A este respeito, em primeiro lugar, resulta da redação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA que o benefício da isenção prevista nesta disposição está subordinado a dois requisitos cumulativos, a saber, por um lado, o relativo à natureza das prestações de serviços realizadas, que devem estar estreitamente relacionadas com a assistência social e a segurança social, e, por outro, o relativo ao prestador de serviços, que deve ser um organismo de direito público ou outro organismo de caráter social reconhecido como tal pelo Estado-Membro em causa.

44      Por conseguinte, o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA não subordina a concessão da isenção em causa a nenhum requisito relativo ao lugar onde as prestações de serviços referidas nesta disposição devem ser materialmente executadas. Esta disposição também não subordina o benefício dessa isenção ao requisito de o prestador e o destinatário desses serviços estarem estabelecidos no mesmo Estado-Membro.

45      Nestas circunstâncias, não se pode deduzir dos termos do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA que, quando sejam materialmente executadas num Estado-Membro diferente daquele em que o prestador tem a sede da sua atividade económica, as prestações de serviços referidas nesta disposição estão excluídas do benefício da isenção aí prevista.

46      Em segundo lugar, no que respeita ao contexto em que o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA se insere, esta disposição figura no capítulo 2, intitulado «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral», do título IX desta diretiva, que inclui os artigos 132.° a 134.° O título deste capítulo revela que é o caráter de interesse geral das operações nele previstas que constitui o elemento considerado pelo legislador da União como determinante para efeitos de isenção de IVA dessas operações. Ora, o facto de as referidas operações serem materialmente executadas no território de um e não no de outro Estado-Membro não tem relevo para esse caráter.

47      Por outro lado, deve recordar-se que, por um lado, o artigo 133.°, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros fazer depender o benefício da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), desta diretiva à observância de uma ou várias das condições aí mencionadas, as quais estão relacionadas com os objetivos prosseguidos pelos organismos privados que realizam as prestações de serviços abrangidas por essa isenção, a sua gestão e os preços praticados por esses organismos.

48      Além disso, o artigo 134.° da referida diretiva exclui do benefício da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA as prestações de serviços referidas nesta última disposição, quando não sejam indispensáveis à realização das operações relacionadas com a assistência social ou com a segurança social, ou quando se destinem essencialmente a proporcionar ao organismo prestador receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA.

49      Uma vez que os artigos 133.° e 134.° da Diretiva IVA não preveem restrições por referência ao lugar onde as prestações de serviços em questão são materialmente executadas, os Estados-Membros não podem excluir do benefício da isenção previsto no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva TVA as prestações de serviços previstas nessa disposição quando sejam materialmente executadas num Estado-Membro diferente daquele em que o prestador tem a sua sede (v., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Bridport and West Dorset Golf Club, C-495/12, EU:C:2013:861, n.° 27 e jurisprudência referida).

50      Em terceiro lugar, quanto ao objetivo prosseguido pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, esta visa, ao assegurar um tratamento mais favorável em matéria de IVA a determinadas prestações de serviços de interesse geral efetuadas no setor social, reduzir o custo desses serviços e, assim, torná-los mais acessíveis aos particulares suscetíveis de deles beneficiarem (Acórdão de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D, C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 29 e jurisprudência referida).

51      Ora, uma interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA que limite o âmbito de aplicação da isenção nela prevista às prestações de serviços materialmente executadas no Estado-Membro onde o prestador tem a sua sede iria contra o objetivo evocado no número anterior, uma vez que as prestações de serviços que preenchem os dois requisitos referidos nesta disposição, realizadas num Estado-Membro diferente daquele onde o prestador está estabelecido, a pessoas que necessitam de assistência ou de cuidados, estariam sujeitas a IVA, o que teria necessariamente por efeito aumentar o custo dos serviços em causa, tornando assim mais difícil o acesso dessas pessoas a esses serviços.

52      Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA que a isenção prevista nesta disposição se aplica a qualquer prestação de serviços que preencha os dois requisitos enunciados na referida disposição e recordados no n.° 43 do presente acórdão, independentemente de essa prestação ser materialmente executada no Estado-Membro onde o prestador está estabelecido ou noutro Estado-Membro.

53      Por último, resulta das considerações precedentes que o facto de um prestador, que presta serviços estreitamente relacionados com a assistência social e a segurança social a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele onde está estabelecido, ter recorrido a um intermediário estabelecido nesse outro Estado-Membro para contactar os seus clientes é irrelevante para determinar se as prestações de serviços em causa podem ser isentas ao abrigo do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA.

54      Como a Comissão Europeia salientou, nesse caso, as prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e a segurança social, fornecidas pelo prestador a pessoas singulares, por um lado, e as prestações de serviços fornecidas pelo intermediário ao qual recorre o referido prestador, por outro, constituem operações distintas e independentes, que devem, por conseguinte, ser apreciadas separadamente e ser objeto de uma tributação diferenciada.

55      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, as prestações de serviços sociais fornecidas a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele em que o prestador tem a sede da sua atividade económica podem ser isentas ao abrigo desta disposição e, por outro, que o facto de o referido prestador ter recorrido a uma sociedade estabelecida nesse outro Estado-Membro para contactar os seus clientes não é a este respeito pertinente.

 Quanto à segunda questão

56      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, quando uma sociedade presta serviços sociais a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele em que essa sociedade tem a sede da sua atividade económica, a natureza dessas prestações e as características dessa sociedade para efeitos de determinar se as referidas prestações integram o conceito de «prestações de serviços [...] estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, [...] [por um organismo] de caráter social reconhecid[o] como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção desta disposição, devem ser analisadas em conformidade com o direito do Estado-Membro onde a referida sociedade tem a sede da sua atividade económica ou em conformidade com o direito do Estado-Membro em que as prestações em causa são materialmente executadas.

57      Cumpre recordar que as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro (Acórdão de 28 de abril de 2022, Happy Education, C-612/20, EU:C:2022:314, n.° 27 e jurisprudência referida), e que o mesmo se verifica relativamente às condições específicas exigidas para beneficiar dessas isenções e aos conceitos e termos utilizados para designar essas condições (v., nesse sentido, Acórdãos de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello, C-498/03, EU:C:2005:322, n.os 23 e 27, e de 5 de outubro de 2016, TMD, C-412/15, EU:C:2016:738, n.os 24 e 25).

58      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, embora, nos termos do proémio do artigo 131.° da Diretiva IVA, os Estados-Membros fixem as condições de isenção a fim de assegurar a sua aplicação correta e simples e de prevenir as fraudes, a evasão e os eventuais abusos, tais condições não podem respeitar à definição do conteúdo das isenções previstas (Acórdão de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello, C-498/03, EU:C:2005:322, n.° 24 e jurisprudência referida).

59      No que respeita, em primeiro lugar, ao requisito previsto no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, segundo o qual as prestações de serviços devem estar estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, há que recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este requisito deve ser lido à luz do artigo 134.°, alínea a), da Diretiva IVA, que exige, em qualquer caso, que as entregas de bens ou as prestações de serviços em causa sejam indispensáveis à realização das operações abrangidas pela assistência social e pela segurança social (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 59 e jurisprudência referida).

60      Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que estão, em princípio, estreitamente relacionadas com a assistência social e a segurança social, na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, as prestações de cuidados e de economia doméstica fornecidas por um serviço de cuidados ambulatórios a pessoas em estado de dependência física ou económica Do mesmo modo, devem igualmente ser consideradas como tais as prestações de serviços a pessoas que se encontram num estado de dependência mental e destinadas a protegê-las nos atos da vida civil, quando essas pessoas não estejam em condições de se ocuparem elas próprias desses atos sem correrem o risco de prejudicar os seus próprios interesses, financeiros ou outros, risco esse que justificou, precisamente, a declaração da sua incapacidade legal (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.os 62 e 63 e jurisprudência referida).

61      Por conseguinte, quando um organismo de direito público ou uma entidade privada que tenha a qualidade de organismo de caráter social reconhecido como tal para efeitos do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA efetue prestações de serviços como as referidas no número anterior a pessoas em estado de dependência física, económica ou mental, o Estado-Membro em que o IVA seria devido está obrigado, em conformidade com esta disposição, a isentar essas prestações do IVA.

62      Assim, nessas circunstâncias, esse Estado-Membro não pode, sob pena de comprometer a interpretação autónoma que deve ser feita do conceito de «prestações de serviços [...] estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social», referido no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, e de violar, assim, esta disposição, subordinar o benefício da isenção aí prevista ao requisito de as prestações em causa revestirem, nos termos do direito nacional de outro Estado-Membro, caráter social.

63      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que as prestações de serviços sociais em causa no processo principal são realizadas por uma sociedade estabelecida na Bulgária a pessoas singulares residentes na Alemanha e na Áustria.

64      Nos termos do artigo 45.° da Diretiva IVA, o lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica.

65      Assim, para efeitos da aplicação do IVA, as prestações de serviços sociais a uma pessoa singular residente num Estado-Membro diferente daquele em que o prestador tem a sede da sua atividade económica consideram-se realizadas no território do Estado-Membro onde o prestador está estabelecido, pelo que essas prestações são tributáveis para efeitos de IVA neste último Estado-Membro.

66      Daqui resulta que, no caso em apreço, o Estado-Membro de tributação é a República da Bulgária.

67      Por conseguinte, como a advogada-geral salientou nos n.os 47 e 48 das conclusões, a apreciação da natureza das prestações de serviços sociais em causa no processo principal para determinar se constituem «prestações de serviços [...] estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, deve ser efetuada nos termos da legislação búlgara relativa ao IVA, entendendo-se que essa legislação deve transpor corretamente a Diretiva IVA e que, se não tiver sido esse o caso, o prestador, a saber, a recorrente no processo principal, pode invocar diretamente o referido artigo 132.°, n.° 1, alínea g), no órgão jurisdicional de reenvio para se opor a uma regulamentação nacional incompatível com essa disposição (Acórdão de 15 de novembro de 2012, Zimmermann, C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 32 e jurisprudência referida).

68      Neste contexto, se resultar das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar que as prestações de serviços sociais em causa no processo principal são, tendo em conta, nomeadamente, os elementos interpretativos que figuram na jurisprudência mencionada nos n.os 59 e 60 do presente acórdão, «prestações de serviços [...] estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, e que a recorrente no processo principal tem a qualidade de «[organismo] de caráter social reconhecid[o] como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção desta disposição, a mesma pode invocar a isenção prevista na referida disposição.

69      No que respeita, em segundo lugar, ao requisito previsto no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, segundo o qual as prestações de serviços, para estarem isentas, devem ser efetuadas por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa, há que recordar que esta disposição não precisa as condições nem as modalidades para o reconhecimento do caráter social de organismos que não sejam de direito público. Cabe, portanto, em princípio, ao direito nacional de cada Estado-Membro definir as regras segundo as quais esse reconhecimento pode ser concedido a esses organismos, dispondo os Estados-Membros de poder de apreciação a este respeito (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 69 e jurisprudência referida).

70      Neste contexto, o artigo 133.° da Diretiva IVA confere aos Estados-Membros a faculdade de sujeitar a concessão da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), deste diretiva, em benefício de organismos que não sejam de direito público, à observância de uma ou várias das condições enumeradas no referido artigo 133.° Essas condições, que são apresentadas na Diretiva IVA como sendo facultativas, podem ser impostas como condições suplementares pelos Estados-Membros para a concessão da isenção em causa [v., no que respeita ao artigo 13, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1) (atual artigo 133.° da Diretiva IVA), Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Les Jardins de Jouvence, C-335/14, EU:C:2016:36, n.° 33 e jurisprudência referida].

71      Assim, o poder de apreciação dos Estados-Membros no que respeita ao reconhecimento de uma entidade como organismo de caráter social para efeitos da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA não os habilita a alterar o conteúdo dessa isenção, qualificando, por exemplo, como organismo de caráter social, na aceção desta disposição, uma entidade privada que não preste serviços de interesse geral no setor social ou cuja forma de exploração ou condições de exercício das prestações de serviços sociais que realiza sejam incompatíveis com esse caráter.

72      Quanto à questão de saber a que Estado-Membro pertence a competência para reconhecer o caráter social dos organismos que não sejam de direito público para efeitos da isenção do IVA prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, nomeadamente quanto a saber se, quando, como no caso em apreço, as prestações de serviços sociais em causa são realizadas a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele onde o prestador estabeleceu a sede da sua atividade económica, tal reconhecimento é da competência do Estado-Membro em que o prestador está estabelecido ou da competência do Estado-Membro em que as referidas prestações são materialmente executadas, há que recordar que, uma vez que a Diretiva IVA não contém nenhuma definição dos conceitos referidos no seu artigo 132.°, n.° 1, alínea g), o sentido e alcance desses conceitos devem ser estabelecidos tendo em conta não só os termos da referida disposição mas também o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, EUROAPTIEKA, C-530/20, EU:C:2022:1014, n.° 31 e jurisprudência referida).

73      A este respeito, em primeiro lugar, a redação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA sugere que a expressão «pelo Estado-Membro em causa» deve ser relacionada com os termos «os Estados-Membros isentam» que figuram no proémio do n.° 1 do artigo 132.° da Diretiva IVA. Assim, ao referir-se ao «Estado-Membro em causa», o legislador da União visou apenas o Estado-Membro que, num determinado caso, deve isentar de IVA as operações mencionadas no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), desta diretiva.

74      Ora, é ao Estado-Membro a que a Diretiva IVA atribui a competência fiscal para sujeitar essas operações a IVA, a saber, o Estado-Membro de tributação, que compete isentar deste imposto as referidas operações quando estejam preenchidos os requisitos exigidos.

75      Em segundo lugar, a interpretação do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA, lido à luz do artigo 131.° desta última corrobora que a expressão «pelo Estado-Membro em causa» visa o Estado-Membro de tributação.

76      Com efeito, o artigo 131.° da Diretiva IVA, que enuncia as disposições gerais aplicáveis às isenções previstas nos capítulos 2 a 9 do título IX desta diretiva, entre as quais as que figuram no artigo 132.° desta última, dispõe que estas isenções se aplicam «nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso».

77      Resulta assim do referido artigo 131.° que é ao Estado-Membro que deve aplicar as referidas isenções que cabe fixar, no respeito da Diretiva IVA, as condições da sua aplicação, entre as quais figuram as que permitem reconhecer uma entidade privada como organismo de caráter social para efeitos da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA. Ora, como foi salientado no n.° 74 do presente acórdão, o Estado-Membro que deve aplicar essas isenções é o Estado-Membro de tributação.

78      Além disso, se o legislador da União tivesse pretendido que o reconhecimento do caráter social dos organismos que não sejam de direito público, para efeitos da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, fosse da competência de um Estado-Membro diferente do Estado-Membro que deve aplicar essa isenção, como, nomeadamente, o Estado-Membro em que as prestações são materialmente executadas, não se teria limitado a mencionar «o Estado-Membro em causa».

79      Em terceiro lugar, no que respeita ao objetivo prosseguido pelo artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, como foi recordado no n.° 50 do presente acórdão, ao assegurar um tratamento mais favorável em matéria de IVA a certas prestações de serviços de interesse geral efetuadas no setor social, a isenção prevista nesta disposição visa reduzir o custo dos serviços em causa e torná-los, assim, mais acessíveis aos particulares suscetíveis de deles beneficiarem (Acórdão de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D, C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 29 e jurisprudência referida).

80      Ora, à luz deste objetivo, afigura-se coerente que seja o Estado-Membro que deve renunciar à cobrança do IVA que seria aplicável às prestações de serviços referidas no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, permitindo assim que o preço a ser pago pelos particulares que pretendam beneficiar dessas prestações seja mais reduzido, quem determina, nos limites do poder de apreciação de que dispõe, quais as entidades privadas cujas prestações sociais que realizam merecem, tendo em conta o caráter social dessas entidades, beneficiar do mesmo tratamento favorável, em matéria de IVA, que o aplicável às prestações realizadas pelos organismos de direito público desse Estado-Membro.

81      Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA que o reconhecimento do caráter social dos organismos que não sejam de direito público para efeitos da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA é da competência do Estado-Membro de tributação.

82      Por conseguinte, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, nas quais uma sociedade presta serviços sociais a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele em que essa sociedade tem a sede da sua atividade económica, o reconhecimento do caráter social dessa sociedade para efeitos da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA não é da competência do Estado-Membro em que essas prestações são materialmente executadas, no caso em apreço a República Federal da Alemanha e a República da Áustria, mas do Estado-Membro onde a sociedade está estabelecida, no caso em apreço a República da Bulgária.

83      Por outro lado, esta interpretação é corroborada pela lógica subjacente às disposições relativas à determinação do lugar das prestações de serviços, refletida nos considerandos 3 e 5 da Diretiva 2008/08 e no artigo 45.° da Diretiva IVA, segundo a qual a tributação das prestações de serviços a pessoas que não sejam sujeitos passivos deve ser efetuada no lugar onde o prestador está tem a sede da sua atividade económica, independentemente do lugar onde essas prestações sejam materialmente executadas.

84      Neste contexto, afigura-se coerente com essa lógica que, tal como a competência fiscal para sujeitar a IVA as prestações de serviços sociais a uma pessoa que não seja sujeito passivo e resida num Estado-Membro diferente daquele onde o prestador está estabelecido, a competência para reconhecer o caráter social deste prestador para efeitos da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA seja determinada com base no princípio do país de origem.

85      Por último, importa recordar que a interpretação dos termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva IVA deve respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, que se opõe, nomeadamente, a que operadores económicos que efetuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (Acórdão de 16 de outubro de 2008, Canterbury Hockey Club et Canterbury Ladies Hockey Club, C-253/07, EU:C:2008:571, n.° 30 e jurisprudência referida).

86      Ora, uma interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA segundo a qual o reconhecimento do caráter social desse prestador para efeitos da isenção prevista nesta disposição é da competência do Estado-Membro onde as prestações são materialmente executadas levaria a que as prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, na aceção desta disposição, efetuadas por uma sociedade estabelecida num Estado-Membro e por este reconhecida como um organismo de caráter social, na aceção da mesma disposição, a uma pessoa que não seja sujeito passivo residente nesse Estado-Membro, estivessem isentas de IVA, ao passo que as prestações desses mesmos serviços efetuadas por essa mesma sociedade, ou por outra igualmente estabelecida no referido Estado-Membro e reconhecida por este como organismo de caráter social, a uma pessoa que não seja sujeito passivo residente noutro Estado-Membro que não reconhecesse o caráter social dessas sociedades não estariam isentas de IVA. Deve acrescentar-se que tal interpretação seria válida, apesar de, em conformidade com o artigo 45.° da Diretiva IVA, as duas categorias de operações serem consideradas, para efeitos de IVA, efetuadas no Estado-Membro em que o prestador está estabelecido e sujeitas, por conseguinte, a IVA nesse Estado-Membro, terem um conteúdo semelhante e serem realizadas pelo mesmo prestador ou por dois prestadores com características semelhantes.

87      É certo que, no estado atual do direito da União, a interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, como resulta do n.° 81 do presente acórdão, pode levar a uma situação em que, tratando-se de prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social a uma pessoa que não é sujeito passivo, residente num Estado-Membro diferente daquele em que o prestador tem a sua sede, um prestador de serviços, estabelecido num Estado-Membro que impõe requisitos flexíveis em matéria de reconhecimento do caráter social das entidades privadas para efeitos da isenção prevista nessa disposição, poderia efetuar prestações de serviços isentas de IVA num Estado-Membro que impusesse requisitos particularmente rigorosos a este respeito, ao passo que um prestador estabelecido neste último Estado poderia não beneficiar dessa isenção. Inversamente, ainda no que se refere às prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, um prestador estabelecido num Estado-Membro que imponha requisitos particularmente rigorosos para esse reconhecimento poderia efetuar, num Estado-Membro que estabelece requisitos mais flexíveis a este respeito, prestações de serviços que não estariam isentas de IVA, quando um prestador estabelecido neste último Estado poderia efetuar prestações de serviços isentas desse imposto.

88      Todavia, as diferenças de tratamento em matéria de IVA que poderiam existir entre duas entidades privadas que realizam as prestações de serviços referidas no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA a favor de uma pessoa que não seja sujeito passivo, consoante estejam estabelecidas no mesmo Estado-Membro onde reside o destinatário desses serviços ou noutro Estado-Membro, resultam do facto de, por um lado, em aplicação do artigo 45.° da Diretiva IVA, essas prestações estarem sujeitas a IVA em Estados-Membros diferentes, segundo as condições estabelecidas pela legislação do Estado-Membro de tributação com respeito da Diretiva IVA, e de, por outro lado, no que se refere, em especial, ao requisito relativo ao reconhecimento, para efeitos da isenção prevista nesta disposição, do caráter social de uma entidade privada que realiza as referidas prestações, o legislador da União ter reconhecido uma margem de apreciação aos Estados-Membros que exclui qualquer uniformidade das práticas. Na medida em que este aspeto da regulamentação da União em vigor poderia portanto produzir efeitos negativos, como salientou a advogada-geral nos n.os 73 e 74 das conclusões, cabe ao legislador da União decidir de uma eventual modificação a esta regulamentação [v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Ministério Público (Sanções extraterritoriais), C-906/19, EU:C:2021:715, n.° 45).

89      Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à segunda questão que o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que quando uma sociedade presta serviços sociais a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele em que essa sociedade tem a sede da sua atividade económica, a natureza dessas prestações e as características dessa sociedade para efeitos de determinar se as referidas prestações são abrangidas pelo conceito de «prestações de serviços [...] estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, [...] [por um organismo] de caráter social reconhecido como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção desta disposição, devem ser analisadas em conformidade com o direito, que transpõe a Diretiva IVA, do Estado-Membro onde a referida sociedade tem a sede da sua atividade económica.

 Quanto à terceira questão

90      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma sociedade que efetua prestações de serviços sociais estar inscrita num organismo público do Estado-Membro de tributação como prestadora de serviços sociais, em conformidade com a legislação desse Estado-Membro é suficiente para considerar que essa sociedade é abrangida pelo conceito de «[organismo] de caráter social reconhecid[o] como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção desta disposição.

91      Como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para reconhecerem o caráter social dos organismos que não sejam de direito público, cabe às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração diversos elementos. Entre eles podem incluir-se a existência de disposições específicas, nacionais ou regionais, legislativas ou administrativas, fiscais ou da segurança social, o caráter de interesse geral do organismo em causa, o facto de outros organismos com as mesmas atividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de o custo das prestações em questão ser eventualmente assumido, em grande parte, por caixas de previdência ou por outros organismos de segurança social, nomeadamente quando os operadores privados mantêm relações contratuais com esses organismos (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 70 e jurisprudência referida).

92      Por outro lado, como foi indicado no n.° 67 do presente acórdão, a isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA pode ser invocada por um sujeito passivo perante um órgão jurisdicional nacional para se opor a uma legislação nacional incompatível com essa disposição. Nesse caso, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar, face a todos os elementos pertinentes, se o sujeito passivo é um organismo de caráter social reconhecido como tal, na aceção da referida disposição (Acórdão de 15 de novembro de 2012, Zimmermann, C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 32 e jurisprudência referida).

93      Assim, quando um sujeito passivo contesta o reconhecimento, ou o não reconhecimento, da qualidade de organismo de caráter social na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais examinar se as autoridades competentes respeitaram os limites do poder de apreciação conferido por essa disposição, no respeito dos princípios do direito da União, em especial do princípio da igualdade de tratamento, o qual se traduz, em matéria de IVA, no princípio da neutralidade fiscal (Acórdão de 15 de novembro de 2012, Zimmermann, C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 33 e jurisprudência referida).

94      A este último respeito, importa recordar, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que, na aplicação da isenção enunciada no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, o respeito da neutralidade fiscal exige, em princípio, que todos os organismos que não sejam de direito público sejam postos em situação de igualdade para efeitos do seu reconhecimento para a realização de prestações similares (Acórdão de 15 de novembro de 2012, Zimmermann, C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 43 e jurisprudência referida)

95      Daqui resulta que, no momento da aplicação desta isenção, que incumbe ao Estado-Membro de tributação efetuar, este último não pode, tratando-se de dois sujeitos passivos que exercem as mesmas atividades e cuja forma de exploração ou as condições de exercício de prestações sociais que fornecem são similares, reconhecer o caráter social a um dos dois sujeitos passivos e, em contrapartida, não o reconhecer ao outro sujeito passivo, sob pena de violar o princípio da neutralidade fiscal.

96      À luz desta jurisprudência, cumpre observar que a inscrição de uma sociedade, num organismo público do Estado-Membro de tributação, como prestadora de serviços sociais em conformidade com a legislação desse Estado-Membro, pode ser um critério a ter em conta para verificar se essa sociedade integra o conceito de «[organismo] de caráter social reconhecid[o] como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, nomeadamente quando as sociedades que fizeram essa inscrição são sistemática ou habitualmente consideradas pelas autoridades tributárias do referido Estado-Membro como organismos desse tipo. Contudo, tal inscrição só permite considerar que a sociedade em causa integra este conceito se exigir a verificação prévia pelas autoridades nacionais competentes, à luz dos elementos evocados nos n.os 91 a 94 do presente acórdão, do caráter social dessa sociedade para efeitos dessa disposição.

97      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma sociedade que efetua prestações de serviços sociais estar inscrita num organismo público do Estado-Membro de tributação como prestadora de serviços sociais, em conformidade com a legislação desse Estado-Membro só é suficiente para considerar que essa sociedade é abrangida pelo conceito de «[organismo] de caráter social reconhecid[o] como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção desta disposição, quando essa inscrição estiver sujeita à verificação prévia, pelas autoridades nacionais competentes, do caráter social dessa sociedade para efeitos da referida disposição.

 Quanto às despesas

98      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      O artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

deve ser interpretado no sentido de que:

por um lado, as prestações de serviços sociais fornecidas a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele em que o prestador tem a sede da sua atividade económica podem ser isentas ao abrigo desta disposição e, por outro, que o facto de o referido prestador ter recorrido a uma sociedade estabelecida nesse outro Estado-Membro para contactar os seus clientes não é a este respeito pertinente.

2)      O artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2006/112

deve ser interpretado no sentido de que:

quando uma sociedade presta serviços sociais a pessoas singulares residentes num Estado-Membro diferente daquele em que essa sociedade tem a sede da sua atividade económica, a natureza dessas prestações e as características dessa sociedade para efeitos de determinar se as referidas prestações são abrangidas pelo conceito de «prestações de serviços [...] estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, [...] [por um organismo] de caráter social reconhecid[o] como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção desta disposição, devem ser analisadas em conformidade com o direito, que transpõe a Diretiva IVA, do Estado-Membro onde a referida sociedade tem a sede da sua atividade económica.

3)      O artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2006/112

deve ser interpretado no sentido de que:

o facto de uma sociedade que efetua prestações de serviços sociais estar inscrita num organismo público do Estado-Membro de tributação como prestadora de serviços sociais, em conformidade com a legislação desse Estado-Membro só é suficiente para considerar que essa sociedade é abrangida pelo conceito de «[organismo] de caráter social reconhecid[o] como tal pelo Estado-Membro em causa», na aceção desta disposição, quando essa inscrição estiver sujeita à verificação prévia, pelas autoridades nacionais competentes, do caráter social dessa sociedade para efeitos da referida disposição.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.