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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

27 de outubro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 44.° – Lugar de conexão fiscal – Transferência de licenças de emissão de gases com efeito de estufa – Destinatário envolvido numa fraude ao IVA no âmbito de uma cadeia de operações – Sujeito passivo que conhecia ou devia conhecer a existência dessa fraude»

No processo C-641/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal, Áustria), por Decisão de 11 de outubro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de outubro de 2021, no processo

Climate Corporation Emissions Trading GmbH

contra

Finanzamt Österreich,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Oitava Secção, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado-geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Climate Corporation Emissions Trading GmbH, por W. Standfest, Rechtsanwalt,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e B.–R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Climate Corporation Emissions Trading GmbH (a seguir «Climate Corporation») à Finanzamt Österreich (Administração Tributária, Áustria) a respeito da sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) de operações que consistem numa transferência de licenças de emissão de gases com efeito de estufa.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva IVA:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

[...]

b)      As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro:

[...]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]»

4        No título V dessa diretiva, sob a epígrafe «Lugar das operações tributáveis», o capítulo 3, sob a epígrafe «Lugar das prestações de serviços», inclui o artigo 44.° da referida diretiva, que dispõe:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»

5        Este artigo 44.° tem a redação que lhe foi dada pela Diretiva 2008/8, que alterou a Diretiva 2006/112 no que respeita ao lugar das prestações de serviços. Os considerandos 3 e 4 da Diretiva 2008/8 têm a seguinte redação:

«(3)      Relativamente a todas as prestações de serviços, o lugar de tributação deverá, em princípio, ser o lugar onde ocorre o seu consumo efetivo. Se a regra geral aplicável ao lugar das prestações de serviços for alterada neste sentido, será necessário manter determinadas exceções a esta regra, tanto por motivos administrativos como por motivos políticos.

(4)      No que respeita às prestações de serviços a sujeitos passivos, a regra geral aplicável ao lugar das prestações de serviços deverá basear-se no lugar onde está estabelecido o destinatário, e não naquele onde está estabelecido o prestador de serviços. [...]»

6        No título IX da Diretiva IVA, sob a epígrafe «Isenções», o capítulo 1, sob a epígrafe «Disposições gerais», inclui o artigo 131.° dessa diretiva, que dispõe:

«As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»

7        Esse título IX contém igualmente o capítulo 4, sob a epígrafe «Isenções relacionadas com as operações intracomunitárias». Nesse capítulo 4, o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA prevê:

«Os Estados-Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território mas na Comunidade [Europeia], pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.»

8        O artigo 196.° dessa diretiva dispõe:

«O IVA é devido pelos sujeitos passivos, ou pelas pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos registadas para efeitos do IVA, a quem são prestados os serviços a que se refere o artigo 44.°, se os serviços forem prestados por sujeitos passivos não estabelecidos no território do Estado-Membro. »

9        O artigo 273.°, primeiro parágrafo, da referida diretiva enuncia:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

 Direito austríaco

10      Nos termos do § 3a, n.° 6, da Umsatzsteuergesetz (Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios, de 23 de agosto de 1994 (BGBl. 663/1994), na sua versão aplicável às circunstâncias do litígio no processo principal (BGBl. I 52/2009):

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 8 a 16 e no § 3a, outras prestações a um empresário, na aceção do n.° 5, pontos 1 e 2, são efetuadas no lugar em que o destinatário explora a sua empresa. Se a outra prestação for efetuada no estabelecimento estável de um empresário, o lugar desse estabelecimento estável é determinante.»

11      A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que os conceitos de «empresário» e de «outras prestações» utilizados nesta disposição correspondem, respetivamente, aos conceitos de «sujeito passivo» e de «prestações de serviços» utilizados no direito da União.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      Entre 1 e 20 de abril de 2010, a Climate Corporation, cuja sede é em Baden (Áustria), transferiu, a título oneroso, licenças de emissão de gases com efeito de estufa para a Bauduin Handelsgesellschaft mbH (a seguir «Bauduin»), cuja sede é em Hamburgo (Alemanha).

13      Por aviso de liquidação do imposto sobre o volume de negócios relativo ao ano de 2010, adotado em 27 de janeiro de 2012, o Finanzamt Baden Mödling (Serviço de Finanças de Baden Mödling, Áustria) qualificou estas transferências de licenças de emissão de gases com efeito de estufa de «entregas de bens» tributáveis não abrangidas pela isenção das entregas intracomunitárias. Segundo esse serviço de finanças, a Bauduin participou, enquanto missing trader, numa fraude ao IVA de tipo «carrossel» e a Climate Corporation sabia ou deveria ter sabido que essas licenças seriam utilizadas para efeitos de desvio de IVA.

14      Em 27 de fevereiro de 2012, a Climate Corporation interpôs recurso desse aviso de liquidação no órgão jurisdicional de reenvio, o Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal, Áustria).

15      Esse órgão jurisdicional conclui que as transferências de licenças de emissão de gases com efeito de estufa devem ser qualificadas de «prestações de serviços» e não de «entregas de bens», como resulta do Acórdão de 8 de dezembro de 2016, A e B (C-453/15, EU:C:2016:933).

16      O referido órgão jurisdicional precisa que, nestas circunstâncias, em conformidade com as disposições do artigo 44.° da Diretiva IVA, do § 3a, n.° 6, da Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios e do direito alemão, o lugar das prestações de serviços efetuadas pela Climate Corporation à Bauduin situa-se na Alemanha. Estas prestações não são, portanto, tributáveis na Áustria, mas na Alemanha, e é a Bauduin que é devedora do IVA neste último Estado-Membro.

17      Ora, segundo as conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, a Climate Corporation devia saber que as licenças de emissão vendidas à Bauduin eram utilizadas para fins fraudulentos de desvio de IVA.

18      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, no contexto de operações que consistem em entregas intracomunitárias, o Tribunal de Justiça já declarou, no Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti e o. (C-131/13, C-163/13 e C-164/13, EU:C:2014:2455), que o direito à isenção do IVA de tal entrega, o direito à dedução do IVA pago a montante e o direito ao reembolso do IVA podem ser recusados a um sujeito passivo que sabia ou deveria ter sabido que, através da operação invocada para fundamentar esses direitos, participava numa fraude ao IVA cometida no contexto de uma cadeia de entregas.

19      Interroga-se sobre a questão de saber se esta jurisprudência é aplicável, por analogia, a prestações de serviços transfronteiriças. Tal aplicação implicaria que, num caso como o do litígio no processo principal, se devesse considerar que o lugar das prestações de serviços se situa na Áustria e não na Alemanha, apesar da redação contrária do artigo 44.° da Diretiva IVA, bem como das disposições nacionais correspondentes.

20      A resposta a esta questão não é evidente, uma vez que existem tanto semelhanças como diferenças entre as entregas intracomunitárias e as prestações de serviços transfronteiriças na União.

21      Nestas condições, o Bundesfinanzgericht (Tribunal Tributário Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve a [Diretiva IVA] ser interpretada no sentido de que as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais devem considerar que o lugar da prestação de um serviço, que formalmente, nos termos do direito aplicável, se situa noutro Estado-Membro no qual o destinatário do serviço tem a sua sede, se situa no território nacional, quando o sujeito passivo nacional que presta o serviço devia saber que, através do serviço prestado, estava a participar numa evasão ao imposto sobre o valor acrescentado praticada no âmbito de uma cadeia de prestações?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

22      A Climate Corporation contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Por um lado, a questão prejudicial é submetida a título hipotético. Uma vez que a operação em causa no processo principal não é tributável na Áustria, mas na Alemanha, não compete a um órgão jurisdicional austríaco interrogar o Tribunal de Justiça a fim de clarificar as obrigações fiscais hipotéticas de um sujeito passivo noutro Estado-Membro. Por outro lado, entende que a questão prejudicial provém de um raciocínio por analogia baseado no Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti e o. (C-131/13, C-163/13 e C-164/13, EU:C:2014:2455), o qual não pode ser seguido, tendo em conta as diferenças entre as circunstâncias do litígio no processo principal e as do processo que deu origem a esse acórdão.

23      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que ele define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti e o., C-131/13, C-163/13 e C-164/13, EU:C:2014:2455, n.° 31 e jurisprudência referida, e de 21 de fevereiro de 2018, Kreuzmayr, C-628/16, EU:C:2018:84, n.° 23 e jurisprudência referida).

24      No caso em apreço, resulta inequivocamente do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio não pretende ser esclarecido sobre as obrigações de um sujeito passivo num Estado-Membro diferente daquele a que pertence. Pelo contrário, procura, em substância, determinar se, por força do direito da União, as autoridades tributárias do Estado-Membro a que pertence podem sujeitar ao IVA as operações objeto do litígio no processo principal quando, em seu entender, o lugar dessas operações se situa noutro Estado-Membro. Daqui resulta que este pedido não é hipotético.

25      Além disso, na medida em que a Climate Corporation duvida da possibilidade de transpor, por analogia, os ensinamentos obtidos do Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti e o. (C-131/13, C-163/13 e C-164/13, EU:C:2014:2455), a um caso como o do litígio no processo principal, basta constatar que esta argumentação está relacionada com a resposta, quanto ao mérito, à questão prejudicial.

26      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à questão prejudicial

27      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se as disposições da Diretiva IVA devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, tratando-se de uma prestação de serviços efetuada por um sujeito passivo estabelecido num Estado-Membro a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro, as autoridades do primeiro Estado-Membro considerem que o lugar dessa prestação, que se situa, em conformidade com o artigo 44.° dessa diretiva, nesse outro Estado-Membro, se situa, não obstante, no primeiro Estado-Membro quando o prestador em causa sabia ou deveria ter sabido que, através da referida prestação, estava a participar numa fraude ao IVA cometida pelo destinatário da mesma prestação no âmbito de uma cadeia de operações.

28      A título preliminar, importa precisar que, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, operações que consistem em transferir, a título oneroso, licenças de emissão de gases com efeito de estufa devem ser qualificados de prestações de serviços para efeitos da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2016, A e B, C-453/15, EU:C:2016:933, n.° 30).

29      Ora, o lugar de uma prestação de serviços deve ser determinado em conformidade com as disposições do capítulo 3 do título V da Diretiva IVA. A este respeito, as secções 2 e 3 desse capítulo estabelecem, respetivamente, as disposições gerais para a determinação do lugar de tributação das prestações de serviços e as disposições específicas relativas a prestações de serviços específicas (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.° 37).

30      O objetivo destas disposições que determinam o lugar de conexão fiscal das prestações de serviços é evitar, por um lado, conflitos de competência suscetíveis de conduzir a duplas tributações e, por outro, a não-tributação de receitas (Acórdãos de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.° 42 e jurisprudência referida, e de 7 de maio de 2020, Dong Yang Electronics, C-547/18, EU:C:2020:350, n.° 25).

31      Ao determinar, assim, de modo uniforme o lugar de tributação das prestações de serviços, as referidas disposições delimitam as competências dos Estados-Membros e estabelecem uma repartição racional dos respetivos âmbitos de aplicação das legislações nacionais em matéria de IVA (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.os 50 e 51).

32      Neste contexto, o artigo 44.° da Diretiva IVA enuncia uma regra geral para a determinação do lugar das prestações de serviços.

33      Nos termos dessa regra geral, o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar dessas prestações de serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.

34      Na estrutura do artigo 44.° da Diretiva IVA, a sede da atividade económica constitui, por conseguinte, o ponto de conexão prioritário para efeitos da determinação do lugar de uma prestação de serviços, enquanto os outros dois pontos de conexão que enuncia são, respetivamente, derrogatório e subsidiário (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.os 53 a 56).

35      Além disso, nenhuma disposição desta diretiva enuncia uma regra especial para efeitos da determinação do lugar de tributação de uma operação que consiste em transferir, a título oneroso, licenças de emissão de gases com efeito de estufa.

36      Daqui resulta que, em conformidade com o artigo 44.° da Diretiva IVA, o lugar de uma operação, que consiste na transferência a título oneroso, por um sujeito passivo estabelecido num Estado-Membro, de licenças de emissão de gases com efeito de estufa para outro sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro situa-se neste último Estado-Membro.

37      No caso em apreço, resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, por força do artigo 44.° da Diretiva IVA e das disposições correspondentes do direito nacional em causa, o lugar das operações em causa no processo principal se situa no Estado-Membro do destinatário das prestações efetuadas, a saber, na Alemanha, e que, em conformidade com o artigo 196.° dessa diretiva e das disposições correspondentes desse direito nacional, é esse destinatário que é devedor do IVA perante a Fazenda Pública. Ora, o referido destinatário cometeu uma fraude ao IVA e o prestador de serviços em causa deveria tê-lo sabido.

38      É tendo em conta estas considerações preliminares que importa determinar se, apesar da redação clara do artigo 44.° da Diretiva IVA, se pode considerar que o lugar de uma operação, que consiste na transferência a título oneroso, por um sujeito passivo com estabelecido num Estado-Membro, de licenças de emissão de gases com efeito de estufa para um sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro se situa no Estado-Membro do prestador quando essa operação faz parte de uma fraude ao IVA.

39      A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os litigantes não podem invocar de modo fraudulento ou abusivo as normas do direito da União (Acórdãos de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, EU:C:2006:446, n.° 54; de 18 de dezembro de 2014, Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti e o., C-131/13, C-163/13 e C-164/13, EU:C:2014:2455, n.° 43, e de 15 de setembro de 2022, HA.EN., C-227/21, EU:C:2022:687, n.° 27).

40      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem, e mesmo devem, em princípio, recusar os direitos previstos pela Diretiva IVA invocados fraudulenta ou abusivamente, como o direito à isenção de uma entrega intracomunitária. É o que acontece não apenas quando a fraude fiscal é cometida pelo próprio sujeito passivo mas igualmente quando o sujeito passivo sabia ou deveria ter sabido que, através da operação em causa, participava numa fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante da cadeia de operações (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de dezembro de 2010, R., C-285/09, EU:C:2010:742, n.os 51 e 52; de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.° 54; de 9 de outubro de 2014, Traum, C-492/13, EU:C:2014:2267, n.° 42, e de 18 de dezembro de 2014, Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti e o., C-131/13, C-163/13 e C-164/13, EU:C:2014:2455, n.os 49 e 50).

41      Todavia, em primeiro lugar, diferentemente dos processos que deram origem à jurisprudência recordada no número anterior, o presente processo não tem por objeto a invocação de um direito, como o direito à isenção de uma entrega intracomunitária, mas a determinação do lugar de uma operação tributável.

42      Ora, uma interpretação segundo a qual, em caso de fraude ao IVA, se pode considerar que o lugar de uma prestação de serviços se situa num Estado-Membro diferente do determinado ao abrigo das disposições da Diretiva IVA relativas à determinação do lugar das prestações de serviços colidiria com os objetivos e a economia geral dessas disposições, conforme refletidos nos n.os 30 e 31 do presente acórdão.

43      Com efeito, tal interpretação equivaleria a modular a repartição das competências fiscais entre os Estados-Membros, como resulta das referidas disposições. Numa situação como a do presente processo, teria por efeito, concretamente, transferir, na falta de qualquer base jurídica, a competência fiscal do Estado-Membro em que está estabelecido o destinatário da prestação de serviços em causa para o Estado-Membro em que está estabelecido o respetivo prestador.

44      Além disso, importa recordar que a lógica, subjacente às disposições relativas à determinação do lugar das prestações de serviços e que é igualmente refletida nos considerandos 3 e 4 da Diretiva 2008/8 e no artigo 44.° da Diretiva IVA, pretende que a tributação se efetue, na medida do possível, no local em que os serviços em causa são consumidos (v., por analogia, Acórdão de 8 de dezembro de 2016, A e B, C-453/15, EU:C:2016:933, n.° 25 e jurisprudência referida). Ora, uma interpretação como a referida no n.° 42 do presente acórdão equivaleria, em última análise, a transferir as receitas fiscais para um Estado-Membro diferente do do consumo final desses serviços.

45      Em segundo lugar, é verdade que, no plano factual, uma prestação de serviços efetuada por um sujeito passivo estabelecido num Estado-Membro a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro apresenta semelhanças com uma entrega intracomunitária, pois ambas implicam pessoas estabelecidas em dois Estados-Membros. Não é menos verdade que, no estado atual do direito da União, o regime jurídico das entregas intracomunitárias e o das prestações de serviços transfronteiriças no interior da União são distintos.

46      Com efeito, no que respeita ao regime das primeiras, qualquer entrega intracomunitária de um bem, na aceção do artigo 138.° da Diretiva IVA, tem como corolário uma aquisição intracomunitária deste, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), desta diretiva. A entrega intracomunitária e a aquisição intracomunitária, que forma um segundo facto gerador, constituem uma só e mesma operação económica, em relação à qual a competência fiscal se reparte entre o Estado-Membro de início da expedição de um bem e o Estado-Membro de chegada do mesmo, que são respetivamente responsáveis pelo exercício dos poderes que lhes são atribuídos (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 2007, Teleos e o., C-409/04, EU:C:2007:548, n.os 22 a 24).

47      Por conseguinte, a entrega intracomunitária de um bem está isenta no Estado-Membro de início da expedição desse bem, sem prejuízo do direito à dedução ou do reembolso do IVA pago a montante nesse Estado-Membro, enquanto a aquisição intracomunitária está sujeita ao IVA no Estado-Membro de chegada (v, neste sentido, Acórdão de 7 de dezembro de 2010, R., C-285/09, EU:C:2010:742, n.° 38 e jurisprudência referida).

48      O Estado-Membro de início da expedição do referido bem pode, portanto, sendo caso disso, recusar conceder uma isenção com base nas competências que lhe incumbem por força do artigo 131.° da Diretiva IVA e prosseguindo o objetivo de assegurar a aplicação correta e simples das isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão fiscal ou abuso (v., neste sentido, Acórdão de 7 de dezembro de 2010, R., C-285/09, EU:C:2010:742, n.° 51).

49      Em contrapartida, este regime das operações intracomunitárias não é aplicável às prestações de serviços transfronteiriças no interior da União, em relação às quais apenas um Estado-Membro, determinado em conformidade com as disposições da Diretiva IVA, tem competência fiscal.

50      Assim, diversamente das competências atribuídas ao Estado-Membro de início da expedição de um bem objeto de uma entrega intracomunitária, conforme expostas nos n.os 46 a 48 do presente acórdão, o Estado-Membro no qual está estabelecido o prestador de uma prestação de serviços efetuada a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro, cujo lugar se situa, em conformidade com o artigo 44.° da Diretiva IVA, neste último Estado, não lhe vê atribuída, por esta diretiva, nenhuma competência para sujeitar essa prestação ao IVA.

51      Por conseguinte, a jurisprudência referida no n.° 40 do presente acórdão não pode ser aplicada por analogia à determinação do lugar de uma prestação de serviços.

52      Decorre do que precede que o lugar de uma prestação de serviços não pode ser alterado com inobservância da redação clara do artigo 44.° da Diretiva IVA pelo facto de a operação em causa estar viciada por fraude ao IVA.

53      Dito isto, por força do artigo 273.° da Diretiva IVA, os Estados-Membros podem tomar medidas a fim de garantir a cobrança exata do imposto e evitar a fraude. Estas medidas não devem, no entanto, ir além do que é necessário para alcançar esses objetivos. Incumbe, em princípio, às autoridades tributárias efetuar os controlos necessários aos sujeitos passivos a fim de detetar irregularidades e fraudes ao IVA, bem como aplicar sanções ao sujeito passivo que cometeu essas irregularidades ou essas fraudes (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de setembro de 2007, Collée, C-146/05, EU:C:2007:549, n.° 40 e jurisprudência referida; de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11, EU:C:2012:373, n.os 57 e 62, e de 1 de julho de 2021, Tribunal Económico Administrativo Regional de Galicia, C-521/19, EU:C:2021:527, n.° 38).

54      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que as disposições da Diretiva IVA devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que, relativamente a uma prestação de serviços efetuada por um sujeito passivo estabelecido num Estado-Membro a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro, as autoridades do primeiro Estado-Membro considerem que o lugar dessa prestação, que se situa, em conformidade com o artigo 44.° dessa diretiva, nesse outro Estado-Membro, se situa, não obstante, no primeiro Estado-Membro quando o prestador sabia ou deveria ter sabido que, através da referida prestação, estava a participar numa fraude ao IVA cometida pelo destinatário da mesma prestação no âmbito de uma cadeia de operações.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

As disposições da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008,

devem ser interpretadas no sentido de que:

se opõem a que, relativamente a uma prestação de serviços efetuada por um sujeito passivo estabelecido num Estado-Membro a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado-Membro, as autoridades do primeiro Estado-Membro considerem que o lugar dessa prestação, que se situa, em conformidade com o artigo 44.° da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2008/8, nesse outro Estado-Membro, se situa, não obstante, no primeiro Estado-Membro quando o prestador sabia ou deveria ter sabido que, através da referida prestação, estava a participar numa fraude ao IVA cometida pelo destinatário da mesma prestação no âmbito de uma cadeia de operações.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.