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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

7 de setembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Princípio da neutralidade do IVA — Princípio da efetividade — Taxa de IVA demasiado elevada constante de uma fatura de compra — Reembolso do montante cobrado em excesso — Atuação direta junto da administração — Incidência do risco de um duplo reembolso desse mesmo IVA»

No processo C-453/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Finanzgericht Münster (Tribunal Tributário de Münster, Alemanha), por Decisão de 27 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de julho de 2022, no processo

Michael Schütte

contra

Finanzamt Brilon,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: M. Safjan, presidente de secção, K. Jürimäe (relatora), presidente da Terceira Secção, e N. Piçarra, juízes,

advogado-geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de Michael Schütte, por H. Nieskens, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller e N. Scheffel, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e L. Mantl, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva IVA»), bem como do princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e do princípio da efetividade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o recorrente no processo principal, Michael Schütte, ao Finanzamt Brilon (Serviço de Finanças de Brilon, Alemanha) (a seguir «Serviço de Finanças») a respeito do direito de obter, com fundamento em equidade, a isenção do IVA reclamado a posteriori pela Autoridade Tributária alemã e dos juros sobre o montante deste imposto.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo».

4        Nos termos do artigo 178.°, alínea a), desta diretiva, para poder exercer o direito à dedução previsto no artigo 168.°, alínea a), da referida diretiva, o sujeito passivo deve, «no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI».

 Direito alemão

5        O § 163 do Abgabenordnung (Código Tributário, BGBl. 2002 I, p. 3866) (a seguir «AO») prevê:

«(1)      O imposto pode ser fixado num montante inferior e não ter em conta fatores de cálculo que o aumentariam, quando se revelar que a sua cobrança não seria equitativa nas circunstâncias do caso concreto

[...]»

6        O § 227 do AO dispõe:

«A Autoridade Tributária pode conceder uma isenção total ou parcial dos direitos resultantes de uma dívida fiscal quando, numa dada situação, a sua cobrança for contrária à equidade; nas mesmas condições, podem ser restituídos ou deduzidos os montantes já pagos.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7        O recorrente no processo principal é agricultor e silvicultor. De 2011 a 2013, comprou madeira a diversos fornecedores que em seguida revendeu e entregou como lenha aos seus clientes. Apesar de nas faturas dos seus fornecedores constar a taxa normal de IVA de 19 %, a taxa que figurava nas faturas emitidas pelo recorrente no processo principal aos seus clientes era a taxa reduzida de 7 %.

8        Os fornecedores emitiram as respetivas declarações de IVA e pagaram este imposto à taxa de 19 % à Autoridade Tributária alemã. Pelo contrário, o recorrente no processo principal declarou as vendas que tinha efetuado à taxa reduzida de 7 % e deduziu o IVA a montante, relativo às compras, à taxa de 19 %. A dívida fiscal daí resultante foi paga pelo recorrente no processo principal à Autoridade Tributária alemã.

9        O Finanzgericht Münster (Tribunal Tributário de Münster, Alemanha), órgão jurisdicional de reenvio, precisa que, em momento algum, constatou indícios de insolvência iminente do recorrente no processo principal nem suspeita de fraude. Todavia, no âmbito de uma inspeção tributária, o Serviço de Finanças considerou que as operações a jusante do recorrente no processo principal estavam sujeitas não à taxa de IVA reduzida, mas à taxa normal.

10      Na sequência dessa inspeção tributária, foi intentada uma ação judicial no Finanzgericht Münster (Tribunal Tributário de Münster). No termo deste processo, este órgão jurisdicional concluiu, em Sentença de 2 de julho de 2019 entretanto transitada em julgado, que as operações a jusante do recorrente no processo principal estavam sujeitas à taxa reduzida de IVA. Contudo, considerou que as compras efetuadas pelo recorrente no processo principal também estavam sujeitas à taxa reduzida de 7 %. A dedução do IVA a montante do recorrente no processo principal foi, por conseguinte, devidamente reduzida.

11      Para dar execução a esta sentença, o Serviço de Finanças exigiu, por decisões de 30 de setembro de 2019, o IVA devido relativo aos anos de 2011 a 2013, acrescido de juros. O recorrente no processo principal pediu então aos seus fornecedores que retificassem as faturas e lhe pagassem a diferença.

12      Todos os fornecedores invocaram contra o recorrente no processo principal a exceção de prescrição prevista no direito civil alemão. Assim, as faturas em causa não foram retificadas e o recorrente no processo principal não obteve dos seus fornecedores o reembolso exigido.

13      Nestas circunstâncias, o recorrente no processo principal, por carta de 24 de outubro de 2019, apresentou ao Serviço de Finanças um pedido para obter, por razões de equidade, a isenção do IVA reclamado a posteriori acrescido dos juros correspondentes, em conformidade com os §§ 163 e 227 do AO.

14      O Serviço de Finanças indeferiu este pedido por decisões de 3 e de 16 dezembro de 2019, fundamentando que o recorrente no processo principal era, ele próprio, responsável pela situação. As reclamações que apresentou contra estas decisões de indeferimento foram consideradas infundadas por decisão emitida em 24 de julho de 2020.

15      O recorrente no processo principal impugnou o indeferimento do seu pedido de isenção do IVA reclamado a posteriori junto do órgão jurisdicional de reenvio. Este manifesta dúvidas quanto à interpretação da Diretiva IVA no que diz respeito à aplicação do princípio da neutralidade fiscal e do princípio da efetividade aos direitos ao reembolso.

16      As suas dúvidas prendem-se igualmente com a possibilidade de os fornecedores retificarem as faturas sem limite temporal e, por conseguinte, de o fazer numa data posterior ao reembolso do adquirente pela Autoridade Tributária alemã. Se estes fornecedores pedissem posteriormente a esta autoridade o reembolso do montante pago em excesso, tal exporia a referida autoridade ao risco de dever reembolsar o mesmo IVA duas vezes sem poder reclamar do adquirente dos bens que são objeto dessas faturas.

17      Neste contexto, o Finanzgericht Münster (Tribunal Tributário de Münster) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições da Diretiva [IVA], em particular o princípio da neutralidade fiscal e o princípio da efetividade, exigem, nas circunstâncias do processo principal, que seja reconhecido ao recorrente um direito de ação direta [junto da] Autoridade Tributária para reembolso do IVA por ele pago em excesso aos seus fornecedores a montante, incluindo os juros, embora ainda seja possível que, numa data posterior, esses fornecedores apresentem uma reclamação à Autoridade Tributária com base numa retificação das faturas, já não podendo esta — eventualmente — agir contra o recorrente, pelo que há o risco de a Autoridade Tributária ter de reembolsar duas vezes o mesmo IVA?»

 Quanto à questão prejudicial

18      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva IVA, assim como o princípio da neutralidade do IVA e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que exigem que o beneficiário de entregas de bens disponha, diretamente junto da Autoridade Tributária, de um direito ao reembolso do IVA indevidamente faturado que ele pagou aos seus fornecedores e que estes por seu turno pagaram à Fazenda Pública, acrescido dos juros correspondentes, nas circunstâncias de, por um lado, nenhuma fraude, abuso ou negligência lhe poderem ser imputados, ele já não poder reclamar este reembolso aos seus fornecedores por força da norma prevista no direito nacional e, por outro lado, haver uma possibilidade formal de, posteriormente, os referidos fornecedores reclamarem à Autoridade Tributária o reembolso do montante cobrado em excesso depois de retificadas as faturas inicialmente emitidas ao beneficiário destas entregas.

19      A título preliminar, importa observar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Com efeito, o regime das deduções destina-se a libertar completamente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, também elas, sujeitas ao IVA (Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Fatorie, C-424/12, EU:C:2014:50, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida).

20      O princípio da neutralidade do IVA constitui, a este respeito, um princípio fundamental do sistema comum do IVA. Neste contexto, o pedido de reembolso do IVA pago indevidamente enquadra-se no direito à repetição do indevido, o qual, segundo jurisprudência constante, visa resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente (v., neste sentido, Acórdão de 2 de julho de 2020, Terracult, C-835/18, EU:C:2020:520, n.os 24 e 25 e jurisprudência referida).

21      Dito isto, não havendo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que esses pedidos podem ser exercidos, devendo estas condições respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.° 37, e de 26 de abril de 2017, Farkas, C-564/15, EU:C:2017:302, n.° 50).

22      Na medida em que, em princípio, cabe também aos Estados-Membros determinar as condições em que o IVA indevidamente faturado pode ser regularizado, o Tribunal de Justiça reconheceu que um sistema em que, por um lado, o fornecedor do bem que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o adquirente do bem pode intentar uma ação cível para repetição do indevido contra esse fornecedor respeita os princípios da neutralidade e da efetividade. Com efeito, esse sistema permite ao referido adquirente que suportou o encargo do imposto faturado por erro obter o reembolso dos montantes pagos indevidamente (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.os 38 e 39, e de 26 de abril 2017, Farkas, C-564/15, EU:C:2017:302, n.° 51).

23      No entanto, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do fornecedor, o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente do bem em questão possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados-Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.° 41, e de 26 de abril de 2017, Farkas, C-564/15, EU:C:2017:302, n.° 53).

24      Por outro lado, se se provar, com elementos objetivos, que o direito ao reembolso do IVA que foi indevidamente cobrado e pago é invocado de forma fraudulenta ou abusiva, há que recusar a possibilidade de beneficiar deste direito (Acórdãos de 2 de julho de 2020, Terracult, C-835/18, EU:C:2020:520, n.° 38, e de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C-397/21, EU:C:2022:790, n.° 28 e jurisprudência referida). Pelo contrário, tendo em conta o lugar que o princípio da neutralidade do IVA ocupa no sistema comum do IVA, uma sanção que consiste em recusar de forma absoluta o direito ao reembolso do IVA incorretamente faturado e indevidamente pago é desproporcionada quando não for demonstrada nenhuma fraude ou prejuízo para o orçamento do Estado, mesmo em caso de negligência comprovada por parte do sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de julho de 2012, EMS-Bulgaria Transport, C-284/11, EU:C:2012:458, n.° 70, e de 2 de julho de 2020, Terracult, C-835/18, EU:C:2020:520, n.° 37).

25      À luz da jurisprudência referida nos n.os 19 a 24 do presente acórdão, uma regulamentação nacional ou uma prática nacional que conduza a recusar ao adquirente de bens o reembolso do IVA a montante que lhe foi indevidamente faturado e que pagou em excesso aos seus fornecedores não é apenas contrária ao princípio da neutralidade do IVA e ao princípio da efetividade, sendo também desproporcionada, quando lhe seja impossível pedir aos seus fornecedores este reembolso por força da prescrição que estes invocam e pelo facto de nenhuma fraude, nenhum abuso nem nenhuma negligência lhe serem imputados.

26      Nestas condições, se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária.

27      Esta apreciação não é suscetível de ser posta em causa nem pelo Acórdão de 13 de janeiro de 2022, Zipvit (C-156/20, EU:C:2022:2), nem pela inexistência de insolvência dos fornecedores, nem sequer pelo risco de duplo reembolso invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

28      Em primeiro lugar, no que diz respeito a este último acórdão, há que salientar que, contrariamente à situação que está na origem do litígio no processo principal, a reclamação do recorrente no processo que originou o referido acórdão referia-se a prestações que tinham sido, erradamente, isentadas de IVA. Ora, neste processo, por um lado, o fornecedor não tinha tentado recuperar junto do seu cliente o IVA indevidamente omisso e, por outro, a Autoridade Tributária não tinha emitido um aviso de liquidação retificativo contra o fornecedor. Em virtude destas circunstâncias, o Tribunal de Justiça declarou que um sujeito passivo não pode pretender deduzir um montante de IVA que não lhe foi faturado e que, portanto, não repercutiu no consumidor final (Acórdão de 13 de janeiro de 2022, Zipvit, C-156/20, EU:C:2022:2, n.° 31).

29      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se o facto de não haver insolvência dos fornecedores pode ter uma incidência sobre o direito ao reembolso do IVA à luz da jurisprudência mencionada no n.° 23 do presente acórdão, é pacífico que a utilização sistemática do advérbio «designadamente» nesta jurisprudência demonstra que a hipótese da insolvência dos fornecedores é apenas uma das circunstâncias em que pode ser impossível ou excessivamente difícil obter o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago (Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, EU:C:2007:167, n.° 41; de 26 de abril de 2017, Farkas, C-564/15, EU:C:2017:302, n.° 53; de 11 de abril de 2019, PORR Építési Kft., C-691/17, EU:C:2019:327, n.os 42 e 48; e de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C-397/21, EU:C:2022:790, n.° 22).

30      Em terceiro lugar, no que respeita ao risco de duplo reembolso devido ao facto de os fornecedores poderem retificar as faturas, inicialmente dirigidas ao adquirente, em data posterior ao reembolso deste pela Autoridade Tributária e, posteriormente, requerer a esta o reembolso do montante pago em excesso, cabe observar que esse risco está, em princípio, excluído em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

31      Com efeito, como referido no n.° 24 do presente acórdão, o benefício do direito ao reembolso do IVA indevidamente faturado e pago deve ser recusado se se provar que esse direito é invocado de forma fraudulenta ou abusiva.

32      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no domínio do IVA, a constatação da existência de uma prática abusiva exige a reunião de dois requisitos. Por um lado, as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Diretiva IVA e da legislação nacional que a transpõe, têm por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão é contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições. Por outro lado, deve resultar de um conjunto de elementos objetivos que a finalidade essencial das operações em causa se limita à obtenção dessa vantagem fiscal (Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02, EU:C:2006:121, n.os 74 e 75, e de 15 de setembro de 2022, HA.EN., C-227/21, EU:C:2022:687, n.° 35).

33      Ora, afigura-se, no caso em apreço, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, que, por um lado, o adquirente pagou aos fornecedores os montantes de IVA que constam nas faturas e que, por outro lado, estes fornecedores pagaram esses montantes de IVA à Autoridade Tributária. Por conseguinte, se os referidos fornecedores regularizassem estas faturas e apresentassem junto desta autoridade pedidos de reembolso do montante pago em excesso depois de esta ter reembolsado o montante pago em excesso ao adquirente dos bens faturados, apesar de, inicialmente, estes mesmos fornecedores terem oposto a prescrição a este adquirente, demonstrando assim, claramente, o seu desinteresse em regularizar a situação, estes pedidos não teriam outro objetivo que não fosse o de obter uma vantagem fiscal contrária ao princípio da neutralidade fiscal. Por conseguinte, tal prática seria abusiva na aceção da jurisprudência acima referida e não poderia dar lugar ao reembolso dos referidos fornecedores, o que exclui o risco de duplo reembolso.

34      Por último, no que se refere aos juros, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que, quando um Estado-Membro cobrou impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas também das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isto inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade das quantias em dinheiro devido à exigência antecipada do imposto (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, EU:C:2006:774, n.° 205, e de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C-397/21, EU:C:2022:790, n.° 32).

35      No caso em apreço, só a execução do acórdão do órgão jurisdicional de reenvio de 2 de julho de 2019, que reduziu a dedução do imposto pago a montante de 19 % para 7 %, é suscetível de resultar num encargo económico para o recorrente no processo principal correspondente à diferença entre a taxa normal de IVA e a taxa reduzida deste imposto.

36      Assim, na hipótese de o recorrente no processo principal já ter efetivamente pagado à Autoridade Tributária o montante correspondente à redução da sua dedução inicial, sofreria um prejuízo financeiro por não poder dispor desse montante. Daqui decorre que, na falta de reembolso, num prazo razoável, do IVA indevidamente cobrado pela Autoridade Tributária, este prejuízo, na medida em que resulta de uma violação, pelo Estado-Membro, do direito da União segundo o n.° 25 do presente acórdão, deve ser compensado com o pagamento de juros de mora.

37      À luz dos fundamentos precedentes, há que responder à questão submetida que a Diretiva IVA, bem como o princípio da neutralidade do IVA e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que exigem que o beneficiário de entregas de bens disponha, diretamente junto da Autoridade Tributária, de um direito ao reembolso do IVA indevidamente faturado que ele pagou aos seus fornecedores e que estes por seu turno pagaram à Fazenda Pública, acrescido dos juros correspondentes, nas circunstâncias de, por um lado, nenhuma fraude, abuso ou negligência lhe poderem ser imputados, ele já não poder reclamar este reembolso aos seus fornecedores por força da norma prevista no direito nacional e, por outro lado, haver uma possibilidade formal de, posteriormente, os referidos fornecedores reclamarem à Autoridade Tributária o reembolso do montante cobrado em excesso depois de retificadas as faturas inicialmente emitidas ao beneficiário destas entregas. Na falta de reembolso, num prazo razoável, do IVA indevidamente cobrado pela Autoridade Tributária, o prejuízo sofrido devido à indisponibilidade do montante equivalente a este IVA indevidamente cobrado deve ser compensado com o pagamento de juros de mora.

 Quanto às despesas

38      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, bem como o princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e o princípio da efetividade,

devem ser interpretados no sentido de que:

exigem que o beneficiário de entregas de bens disponha, diretamente junto da Autoridade Tributária, de um direito ao reembolso do IVA indevidamente faturado que ele pagou aos seus fornecedores e que estes por seu turno pagaram à Fazenda Pública, acrescido dos juros correspondentes, nas circunstâncias de, por um lado, nenhuma fraude, abuso ou negligência lhe poderem ser imputados, ele já não poder reclamar este reembolso aos seus fornecedores por força da norma prevista no direito nacional e, por outro lado, haver uma possibilidade formal de, posteriormente, os referidos fornecedores reclamarem à Autoridade Tributária o reembolso do montante cobrado em excesso depois de retificadas as faturas inicialmente emitidas ao beneficiário destas entregas. Na falta de reembolso, num prazo razoável, do IVA indevidamente cobrado pela Autoridade Tributária, o prejuízo sofrido devido à indisponibilidade do montante equivalente a este IVA indevidamente cobrado deve ser compensado com o pagamento de juros de mora.


Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.