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 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

18 de abril de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Âmbito de aplicação — Atividade económica — Prestações de serviços — Artigo 135.o — Isenções em benefício de outras atividades — Operações de concessão de créditos — Venda em leilão de bens dados em penhor — Prestação única — Prestações distintas e independentes — Natureza principal ou acessória de uma prestação»

No processo C-89/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 25 de janeiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de fevereiro de 2023, no processo

Companhia União de Crédito Popular, S. A.,

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún (relatora), juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo Português, por P. Barros da Costa, R. Campos Laires e A. Rodrigues, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Afonso e M. Herold, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Companhia União de Crédito Popular, S. A. (a seguir «CUCP»), à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) a respeito do pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) sobre operações relativas à venda em leilão de bens dados em garantia no âmbito de um mútuo garantido por penhor.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA:

«Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

4

O artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), desta diretiva prevê:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)

As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]

c)

As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

5

O artigo 73.o da referida diretiva dispõe:

«Nas entregas de bens e [nas] prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

6

O artigo 78.o da mesma diretiva enuncia:

«O valor tributável inclui os seguintes elementos:

a)

Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA;

b)

As despesas acessórias, tais como despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro, exigidas pelo fornecedor ao adquirente ou ao destinatário.

Para efeitos da alínea b) do primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem considerar despesas acessórias as que sejam objeto de convenção separada.»

7

Nos termos do artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA:

«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[...]

b)

A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu».

Direito português

Código Civil

8

O artigo 666.o, n.o 1, do Código Civil prevê:

«O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.»

9

Nos termos do artigo 1142.o deste código:

«Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.»

10

O artigo 1150.o do referido código enuncia:

«O mutuante pode resolver o contrato, se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento.»

Código do IVA

11

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Código do IVA»), prevê:

«Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a)

As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal».

12

O artigo 9.o, n.o 27, alíneas a) e b), deste código dispõe:

«Estão isentas do imposto:

[...]

27)

As operações seguintes:

a)

A concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efetuada por quem os concedeu;

b)

A negociação e a prestação de fianças, avales, cauções e outras garantias, bem como a administração ou gestão de garantias de créditos efetuada por quem os concedeu».

13

O artigo 16.o do referido código tem a seguinte redação:

«1 – Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

[...]

5 – O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:

a)

Os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com exceção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;

b)

As despesas acessórias debitadas, como sejam as respeitantes a comissões, embalagem, transporte, seguros e publicidade efetuadas por conta do cliente.

[...]»

Decreto-Lei n.o 365/99

14

O artigo 1.o, n.o 2, do Decreto-Lei n.o 365/99, de 17 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico do Acesso, do Exercício e da Fiscalização da Atividade de Prestamista, na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Decreto-Lei n.o 365/99»), dispõe:

«Considera-se atividade prestamista o exercício por pessoa singular ou coletiva da atividade de mútuo garantido por penhor.»

15

O artigo 18.o, n.o 1, deste decreto-lei enuncia:

«O resgate das coisas dadas em penhor depende do prévio pagamento do capital, juros e comissões legais devidas.»

16

Nos termos do artigo 20.o, n.o 1, do referido decreto-lei:

«Em caso de mora por período superior a três meses, pode a coisa dada em penhor ser vendida por meio de proposta em carta fechada, em leilão ou por venda direta a entidades que, por determinação legal, tenham direito a adquirir determinados bens.»

17

O artigo 23.o do mesmo decreto-lei prevê:

«1 –   A venda em leilão é efetuada no dia e hora designados nos anúncios da venda, na presença de um representante do governo civil.

2 –   As coisas dadas em penhor são adjudicadas ao interessado que tiver feito o maior lance e mediante o depósito do respetivo valor.

3 –   A inexistência de qualquer proposta aquisitiva determina que as coisas em causa sejam relegadas para outra venda em leilão ou por meio de propostas em carta fechada.»

18

O artigo 25.o do Decreto-Lei n.o 365/99 tem a seguinte redação:

«Sobre o preço de adjudicação incide uma taxa de 11 % a título de comissão sobre a venda, a qual reverte a favor do prestamista.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

19

A CUCP é uma sociedade de direito português que exerce a atividade de prestamista, a qual consiste na concessão de empréstimos garantidos por bens móveis. Esta atividade está isenta de IVA por força do artigo 9.o, n.o 27, alínea a), do Código do IVA, relativo às operações de concessão e de negociação de créditos.

20

Quando os mutuários não resgatam os bens dados em penhor ou se encontram em mora por mais de três meses no reembolso do montante emprestado ou no pagamento dos juros respetivos, a CUCP procede à venda em leilão desses bens. Nessa ocasião, a CUCP aufere uma comissão de venda, com base no artigo 25.o do Decreto-Lei n.o 365/99, que é cobrada ao mutuário. O montante dessa comissão é, em conformidade com esta disposição, igual a 11 % do preço de adjudicação dos bens.

21

No âmbito de uma inspeção tributária referente aos anos de 2010 e 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira constatou, por um lado, que a CUCP não tinha sujeitado as comissões de venda a IVA.

22

Por outro lado, a mesma autoridade considerou que essas comissões não remuneravam uma prestação acessória ao contrato de mútuo garantido por penhor, mas sim uma operação independente da concessão desse empréstimo, pelo que não podiam beneficiar da isenção prevista no artigo 9.o, n.o 27, alínea a), do Código do IVA.

23

Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira tributou as referidas comissões à taxa normal de IVA e, consequentemente, procedeu às correções do montante de IVA devido pela CUCP relativamente aos anos de 2010 e 2011, nos montantes de 107124,33 euros e de 201419,52 euros, respetivamente.

24

Em 6 de maio de 2013, a mesma autoridade confirmou essas correções.

25

Por Decisões de 30 de maio de 2014 e de 10 de dezembro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu, respetivamente, a reclamação graciosa e o recurso hierárquico interpostos pela CUCP, com o fundamento de que, nomeadamente, a venda em leilão dos bens dados em penhor não constituía um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestamista, a saber, o mútuo garantido por penhor, mas um fim em si mesmo. Essa venda, tendo em conta a jurisprudência resultante do Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Part Service (C-425/06, EU:C:2008:108), não pode ser considerada uma prestação acessória dessa prestação principal. Além disso, a referida venda é um mecanismo de simples cobrança de dívidas dos mutuários, permitindo ao prestamista a execução da garantia dada aquando da celebração do contrato de mútuo garantido por penhor, não fazendo parte deste contrato.

26

Em 30 de abril de 2015, a CUCP deduziu impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Portugal), que a julgou improcedente. Posteriormente, esta sociedade recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio, o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal).

27

Neste último órgão jurisdicional, a CUCP, por um lado, alegou que a organização da venda em leilão não pode ser dissociada do mútuo garantido por penhor, cuja concessão está isenta de IVA. Por outro lado, sustenta que a comissão de venda, cuja taxa é fixada pelo legislador, não é a contrapartida de uma prestação de serviços, mas tem a natureza de uma taxa.

28

O órgão jurisdicional de reenvio observa, antes de mais, que a comissão de venda prevista no artigo 25.o do Decreto-Lei n.o 365/99 tem por objeto compensar o prestamista pela organização e realização das vendas dos bens dados em penhor, que lhe cumpre facultar. Considera, por conseguinte, que essa comissão de venda, que não é a contrapartida pela prestação de um serviço público, não tem a natureza de taxa.

29

Quanto à questão de saber se a venda em leilão tem natureza acessória em relação ao contrato de mútuo garantido por penhor, esse órgão jurisdicional considera, atenta a jurisprudência resultante do Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito (C-581/19, EU:C:2021:167), que os serviços de realização de leilões para venda dos bens dados em penhor não integram os serviços de concessão de crédito e não constituem, portanto, com estes, uma operação única.

30

Com efeito, o serviço de concessão de crédito poderia ser assegurado sem nenhuma restrição, ainda que a venda dos bens dados em penhor fosse posta a cargo de terceiro. Além disso, o contrato de mútuo garantido por penhor não depende, quer material quer formalmente, da entidade que vende os bens dado em penhor, em caso de incumprimento daquele contrato.

31

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, no entanto, que, tendo em conta o facto de a legislação nacional regular a venda em leilão dos bens dados em penhor e colocar a organização dessa venda a cargo do mutuante, não é de excluir que esta atividade possa ser qualificada de prestação acessória à concessão do mútuo com penhor.

32

Nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Para efeitos de saber se a comissão de 11 % que [o artigo 25.o do Decreto-Lei n.o 365/99] atribui ao prestamista pela venda dos bens dados em penhor pode beneficiar da isenção prevista no [artigo] 135.°, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA [a que corresponde o n.o 27 da alínea a) do art. 9.° do [Código do IVA]], a venda dos bens dados em penhor ([artigos] 19.° e seguintes do Decreto-Lei n.o [365/99]), quando o mutuário deixe de pagar dentro das condições legais, pode considerar-se uma prestação acessória dos serviços prestados pelo prestamista (atividade de mútuo garantido por penhor)?»

Quanto à questão prejudicial

33

Com a sua única questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que as prestações relativas à organização de uma venda em leilão de bens dados em penhor têm natureza acessória em relação às prestações principais relativas à concessão de crédito garantido por penhor, na aceção desta disposição, pelo que partilham do tratamento fiscal dessas prestações principais em sede de IVA.

34

Segundo jurisprudência constante, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve essa operação, para determinar se a referida operação dá lugar, para efeitos de IVA, a duas ou mais prestações distintas ou a uma prestação única (v., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 2023, Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej,C-282/22, EU:C:2023:312, n.o 27 e jurisprudência referida).

35

Em especial, decorre do artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA que cada operação deve ser normalmente considerada distinta e independente, não devendo a operação constituída por uma só prestação no plano económico ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Existe uma prestação única quando dois ou mais elementos fornecidos ou atos praticados pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição revestiria caráter artificial (Acórdão de 20 de abril de 2023, Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej,C-282/22, EU:C:2023:312, n.o 28 e jurisprudência referida).

36

Além disso, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de ser fornecidas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes (Acórdão de 20 de abril de 2023, Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej,C-282/22, EU:C:2023:312, n.o 29 e jurisprudência referida).

37

É o que sucede, nomeadamente, quando se deve considerar que um ou mais elementos constituem uma prestação principal, ao passo que, pelo contrário, se deve considerar que outros elementos constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal. A este respeito, um critério a tomar em consideração é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, da prestação principal (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de abril de 2023, Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej,C-282/22, EU:C:2023:312, n.o 30, e de 5 de outubro de 2023, Deco Proteste — Editores, C-505/22, EU:C:2023:731, n.o 23 e jurisprudência referida).

38

No âmbito da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se, nas circunstâncias do caso concreto, a prestação em causa constitui uma prestação única e fazer todas as apreciações de facto definitivas a esse respeito (Acórdão de 20 de abril de 2023, Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej,C-282/22, EU:C:2023:312, n.o 31 e jurisprudência referida). Contudo, cabe ao Tribunal de Justiça fornecer aos órgãos jurisdicionais nacionais todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão da causa de que conhecem (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Franck,C-801/19, EU:C:2020:1049, n.o 27 e jurisprudência referida).

39

O processo principal tem por objeto a venda em leilão de bens dados em penhor no âmbito de um mútuo garantido por penhor, quando o mutuário em causa não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do contrato de mútuo durante um período superior a três meses. O órgão jurisdicional de reenvio considera que estão abrangidas pela expressão «concessão e negociação de créditos», na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, as prestações relativas à concessão de empréstimos garantidos por penhor. Apesar de ser da opinião de que, no processo principal, as prestações relativas à organização da venda em leilão de bens dados em penhor não podem ser consideradas prestações indissociáveis da prestação de concessão de empréstimos garantidos por penhor, no âmbito da qual esses bens servem de garantia, de forma que as mesmas não consubstanciam uma operação única com estes empréstimos para efeitos de IVA, aquele órgão jurisdicional tem dúvidas a este respeito, uma vez que a legislação nacional prevê que cabe ao prestamista organizar a venda em leilão dos bens dados em penhor.

40

No que se refere ao artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, há que salientar que a concessão de crédito, na aceção desta disposição, consiste, nomeadamente, na disponibilização de capital contra remuneração (Acórdão de 6 de outubro de 2022, O. Fundusz Inwestycyjny Zamknięty reprezentowany przez O,C-250/21, EU:C:2022:757, n.o 33 e jurisprudência referida).

41

Em especial, a expressão «concessão e negociação de créditos» que figura na referida disposição deve ser interpretada em sentido lato, de modo que o seu alcance não possa ser limitado apenas aos empréstimos e créditos concedidos por organismos bancários e financeiros (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Franck,C-801/19, EU:C:2020:1049, n.o 35 e jurisprudência referida).

42

A este respeito, resulta da jurisprudência que, embora a remuneração pela disponibilização de capital no âmbito da concessão do crédito seja, em princípio, assegurada através do pagamento de juros, outras formas de contrapartida não podem impedir que uma operação seja qualificada de concessão de crédito, na aceção do artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que constitui uma operação financeira semelhante à concessão de crédito e, portanto, isenta de IVA por força desta disposição, o financiamento antecipado da compra de mercadorias em contrapartida de um acréscimo do montante reembolsado pelo beneficiário desse financiamento (Acórdão de 6 de outubro de 2022, O. Fundusz Inwestycyjny Zamknięty reprezentowany przez O,C-250/21, EU:C:2022:757, n.o 34 e jurisprudência referida).

43

No entanto, importa recordar, a este respeito, que os termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA são de interpretação restrita, uma vez que estas constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (Acórdão de 6 de outubro de 2022, O. Fundusz Inwestycyjny Zamknięty reprezentowany przez O,C-250/21, EU:C:2022:757, n.o 31 e jurisprudência referida).

44

A este respeito, e sem prejuízo das apreciações definitivas que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 38 do presente acórdão, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio fazer, afigura-se que a venda em leilão dos bens dados em penhor, depois de decorrido o prazo de três meses durante o qual o mutuário não cumpriu as suas obrigações contratuais, por um lado, e a concessão do mútuo garantido por penhor, por outro, constituem prestações distintas e independentes à luz do artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA.

45

Primeiro, essas prestações não dependem nem material nem formalmente uma da outra. Resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a prestação que consiste na concessão de crédito também poderia ser efetuada se a venda em leilão dos bens dados em penhor em causa no processo principal fosse realizada e organizada por um terceiro.

46

Segundo, como a Comissão Europeia salienta nas suas observações escritas, a venda em leilão do bem dado em penhor não pode ser qualificada como sendo o resultado normal da concessão do mútuo garantido por penhor. Pelo contrário, essa venda só é realizada na hipótese de o mutuário não cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do contrato de mútuo garantido por penhor. Por outro lado, também resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o mutuário pode, até ao momento da adjudicação, pagar o capital e os juros respetivos para recuperar o bem dado em penhor. Por conseguinte, não se pode considerar que a venda em leilão em causa no processo principal é indissociável da concessão do mútuo garantido por penhor.

47

Terceiro, afigura-se que a venda em leilão dos bens dados em penhor prossegue uma finalidade autónoma em relação à concessão do mútuo garantido por penhor. É certo que é inerente à própria natureza do contrato de mútuo garantido por penhor a recuperação do capital e dos juros respetivos, conservando o prestamista o direito de materializar a garantia através da venda coerciva do bem dado em penhor. No entanto, tal circunstância não pode ser interpretada no sentido de que significa que a prestação de venda em leilão tem natureza acessória em relação à concessão do mútuo garantido por penhor. Com efeito, embora essa venda se destine ao pagamento do capital e dos juros correspondentes a esse mútuo, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 37 do presente acórdão, aquela não constitui um simples meio de beneficiar, nas melhores condições, da prestação relativa à concessão do referido mútuo, mas um fim em si mesmo.

48

Quarto, tal apreciação da natureza distinta e independente das prestações relativas à organização da venda em leilão dos bens dados em penhor está em conformidade com a exigência de interpretação de forma restrita dos termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA, como resulta do n.o 43 do presente acórdão.

49

Quinto, tal apreciação não pode ser posta em causa pelo facto de a organização da venda em leilão em caso de mora do mutuário por um período superior a três meses e de a atribuição de uma comissão de venda ao prestamista num montante igual a 11 % do preço de adjudicação do bem estarem, respetivamente, previstas no artigo 20.o, n.o 1, e no artigo 25.o do Decreto-Lei n.o 365/99. Com efeito, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura-se que esta comissão não é a contrapartida, sob a forma de taxa, de um serviço público, tendo antes por único objeto compensar o prestamista pela realização e organização da venda em leilão dos bens dados em penhor.

50

Atendendo ao exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que as prestações relativas à organização de vendas em leilão de bens dados em penhor não têm natureza acessória em relação às prestações principais relativas à concessão de crédito garantido por penhor, na aceção desta disposição, pelo que não partilham do tratamento fiscal dessas prestações principais em matéria de IVA.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

O artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

as prestações relativas à organização de vendas em leilão de bens dados em penhor não têm natureza acessória em relação às prestações principais relativas à concessão de crédito garantido por penhor, na aceção desta disposição, pelo que não partilham do tratamento fiscal dessas prestações principais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado.

 

Biltgen

Wahl

Arastey Sahún

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de abril de 2024.

O Secretário

A. Calot Escobar

O Presidente de Secção

F. Biltgen


( *1 ) Língua do processo: português.