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Advertência jurídica importante

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61993C0415

Conclusões do advogado-geral Lenz apresentadas em 20 de Septembro de 1995. - Union royale belge des sociétés de football association ASBL contra Jean-Marc Bosman, Royal club liégeois SA contra Jean-Marc Bosman e outros e Union des associations européennes de football (UEFA) contra Jean-Marc Bosman. - Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Liège - Bélgica. - Livre circulação dos trabalhadores - Regras de concorrência aplicáveis às empresas - Jogadores profissionais de futebol - Regulamentações desportivas relativas à transferência de jogadores que obrigam o novo clube a pagar uma indemnização ao antigo - Limitação do número de jogadores nacionais de outros Estados-Membros que podem ser utilizados em competição. - Processo C-415/93.

Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-04921


Conclusões do Advogado-Geral


A - Introdução

I - Apresentação do problema

1 O presente pedido de decisão prejudicial da cour d'appel de Liège levanta duas questões respeitantes à compatibilidade de determinadas normas que regem o futebol com o direito comunitário. Trata-se, por um lado, das que permitem a um clube, quando um dos jogadores a ele ligado por contrato após o termo deste passa para outro, poder exigir desse clube determinada importância em dinheiro (a chamada «indemnização de transferência») e, por outro, das que limitam a transferência de jogadores estrangeiros para clubes concorrentes (as chamadas «cláusulas de nacionalidade»).

2 Começarei por expor os factos objecto do processo principal e as normas cuja compatibilidade com o direito comunitário está em causa neste processo. Uma vez que aquela matéria de facto apenas se compreende tendo como pano de fundo aquelas normas, parece-me adequado começar pelo exame destas.

II - Organização do futebol

3 As normas a analisar foram criadas por federações privadas. Como se verá, até ao presente, apenas em poucos Estados-Membros o legislador nacional publicou normas relevantes nesta matéria. Uma vez que aquelas normas se entrelaçam e são mais ou menos concordantes, é necessário, para a sua compreensão, em primeiro lugar, ter presente a organização do futebol.

4 O futebol, enquanto desporto organizado, pratica-se em clubes associados em federações. Em cada Estado-Membro há, em regra, uma única federação, que organiza a prática deste desporto a nível nacional. Na Bélgica, trata-se da ASBL Union royale belge des sociétés de football association (a seguir «URBSFA»). O Reino Unido constitui uma excepção, aí existindo, por razões históricas, uma federação para a Inglaterra, uma para o País de Gales, uma para a Escócia e uma para a Irlanda do Norte.

5 Estas federações estão associadas, a nível mundial, na Fédération internationale de football association (a seguir «FIFA»), com sede em Zurique, na Suíça (1). No interior da FIFA, existem várias confederações que englobam as federações de um determinado continente. Destas faz parte a Union des associations européennes de football (a seguir «UEFA»), em que estão associadas as federações europeias de futebol. À UEFA pertencem, além das dezoito federações dos Estados-Membros da União Europeia, ainda um determinado número de federações de outros países europeus. No conjunto, a UEFA conta actualmente à volta de 50 membros. Tem, além do mais, a seu cargo a organização do campeonato da Europa das selecções nacionais, a taça dos campeões, a taça dos vencedores de taças e ainda a taça UEFA (2). Também a UEFA tem sede na Suíça (3).

III - Regras reguladoras das transferências

1. Bélgica

6 Nos termos do regulamento da URBSFA de 1982, há que distinguir três tipos de relações: a inscrição do jogador na federação («filiação») (4), a sua filiação no clube («afectação») (5) bem como a licença desportiva («qualificação»). Apenas um jogador «qualificado» pode participar em jogos organizados pela federação. A «qualificação» pressupõe a filiação na federação belga e a afectação a um clube também belga. Considera-se transferência o acto pelo qual um jogador filiado muda de clube (6). Esta noção abrange por isso apenas os casos de mudança de clube no interior da Bélgica, uma vez que a transferência para o estrangeiro ou do estrangeiro para a Bélgica acarreta também a alteração da filiação do jogador. Em caso de transferência temporária, o jogador continua afecto ao mesmo clube, obtendo, no entanto, a qualificação desportiva para o novo clube.

7 Os regulamentos da federação distinguem três tipos de transferência, a chamada transferência «obrigatória» (transfert «imposé»), a transferência «livre» (transfert «libre») e a transferência «administrativa» (transfert «administratif») (7). No caso de transferência obrigatória exige-se acordo entre o jogador e o seu novo clube, mas não com o antigo clube, e no de transferência livre, entre o jogador e ambos os clubes envolvidos. A transferência administrativa não tem interesse para o caso que nos ocupa (8).

8 O regulamento da URBSFA distingue entre a transferência de um jogador amador, por um lado, e as de um jogador profissional e de um jogador não amador, por outro (9). As regras de transferência de jogadores amadores não têm que ser aqui analisadas mais pormenorizadamente. Para o entendimento do que se segue é, todavia, importante ter em conta que um jogador amador pode mudar de clube mediante transferência obrigatória, devendo, neste caso, o novo clube pagar uma indemnização de transferência, no montante máximo de 1 000 000 BFR (10).

9 As regras de transferência aplicáveis aos jogadores profissionais e aos não amadores podem descrever-se como se segue: os clubes celebram com estes jogadores contratos em que são previstos, em especial, uma remuneração e prémios mínimos. As condições destes contratos são negociáveis; no entanto, o regulamento da federação prevê determinados montantes mínimos; por exemplo, para um jogador profissional, uma remuneração fixa de, pelo menos, 30 000 BFR por mês (11). Todos estes contratos, que podem ter uma duração de um ano até ao máximo de cinco (12), devem terminar em 30 de Junho (13). Antes do termo do contrato - e o mais tardar até 26 de Abril do ano em causa -, o clube deve propor ao jogador novo contrato. Se assim não acontecer, a partir de 1 de Maio, o jogador em causa é considerado, para os efeitos do regulamento de transferências, jogador amador (14).

O jogador pode recusar a proposta. Se o fizer, o seu nome será inscrito numa lista de transferências, que deverá ser transmitida à URBSFA o mais tardar até 30 de Abril (15). O jogador cujo nome seja inscrito na lista, entre 1 e 31 de Maio, tem a possibilidade de transferência obrigatória. Isto significa que esta pode ter lugar também sem o acordo do clube precedente, se o novo lhe pagar a indemnização de transferência prevista. O montante desta, designada pelo regulamento da URBSFA de 1982 como indemnização de formação («indemnité de formation»), calcula-se mediante a multiplicação do rendimento bruto do jogador por um coeficiente, dependente da sua idade, entre 14 e 2 (para os jogadores profissionais) e de 16 e 4 (para os jogadores não amadores) (16). Para um jogador profissional que tenha entre 25 e 26 anos, por exemplo, a indemnização de transferência atinge dez vezes o seu rendimento bruto.

De 1 a 25 de Junho decorre o período das transferências livres (17). Neste caso, a indemnização de transferência é livremente negociável. Assim, uma transferência de clube apenas poderá verificar-se se o antigo e o novo estiverem de acordo quanto ao seu montante (18). Se este não for pago, o clube sujeita-se a sanções por parte da federação (19).

Se não houver transferência, o clube a que o jogador pertence deve propor-lhe um novo contrato para uma época, nas mesmas condições oferecidas em Abril. Se o jogador recusar, o clube pode, até 1 de Agosto, suspendê-lo. Se o não fizer, o jogador adquirirá automaticamente o estatuto de amador (20). Se, no caso de suspensão, se não realizar posteriormente novo contrato ou uma nova transferência, o jogador, após duas épocas sem participar em encontros, pode transferir-se como amador (21).

10 A URBSFA utiliza um novo regime de transferências a partir de 1 de Janeiro de 1993. Uma vez que este contém, efectivamente, uma regulamentação muito semelhante à acima referida, apenas se dará conta de algumas diferenças. No novo regulamento é ampliada a liberdade de contratação do jogador mas, ao mesmo tempo, reafirmando que o novo clube deve pagar ao antigo uma indemnização de transferência:

«Sans préjudice de la liberté contractuelle du joueur, le club acquéreur est tenu de verser une indemnité au dernier club d'affectation (Art. IV/61.4)» (22).

Nesta disposição, a indemnização de transferência é definida como uma contrapartida das despesas com a formação e promoção do jogador, bem como uma compensação pelos conhecimentos adquiridos e os custos da sua substituição («une indemnité compensant la formation, la promotion, le savoir-faire et le remplacement»).

Tal como na regulamentação anterior, a indemnização de transferência, no caso de transferência obrigatória, calcula-se mediante multiplicação do rendimento bruto do jogador por um coeficiente dependente da sua idade (23). Em todo o caso, estes valores mudaram levemente. Assim, por exemplo, a indemnização por um jogador profissional da primeira divisão entre 25 e 27 anos atinge presentemente oito vezes o seu rendimento bruto.

11 O regulamento da URBSFA de 1993 abrange também a transferência de um jogador de um clube estrangeiro para um clube belga, remetendo para a correspondente regulamentação da FIFA (24). Ao jogador em causa apenas será concedida licença desportiva para um clube belga se a URBSFA receber um certificado internacional de desvinculação emitido pela federação que o jogador pretende deixar. A emissão deste certificado pode ser exigida a esta federação pela FIFA, que também tem competência para o emitir. Em determinadas condições, a própria URBSFA pode emitir um certificado provisório (25).

2. Regulamentação da UEFA

12 A regulamentação das transferências da UEFA, válida para o período em que ocorreram os factos do processo principal pendente na cour d'appel de Liège, consta de um documento com o título «Princípios de colaboração entre as federações membros da UEFA e os seus clubes» (a seguir «regulamento de transferências da UEFA de 1990»), documento aprovado pelo comité executivo da UEFA em 24 de Maio de 1990 e, conforme decisão final deste, para entrar em vigor a partir de 1 de Julho do mesmo ano.

13 Nos termos deste regulamento, terminado o contrato, o jogador pode celebrar outro com um clube da sua escolha (26). Este deve dar imediatamente conhecimento da assinatura do contrato ao antigo clube, que informará de imediato a sua federação nacional, que por sua vez, emitirá sem demora o certificado internacional de desvinculação (27).

14 O antigo clube tem, todavia, direito a uma indemnização de promoção ou de formação do novo clube («indemnité de promotion ou de formation»). Na primeira transferência deve ser paga uma indemnização de formação. Em cada uma das seguintes, uma indemnização de promoção, compensatória do progresso que o clube proporcionou ao jogador (28). Se não houver entendimento entre os clubes, o montante da indemnização será fixado, com carácter vinculativo, por uma comissão de peritos constituída pela UEFA (29). O seu cálculo resulta da multiplicação do rendimento bruto do jogador na época transacta por um coeficiente, dependente da sua idade, entre 12 e 1. Para um jogador entre 25 e 26 anos, por exemplo, a indemnização de transferência é igual a oito vezes aquele montante. Esta indemnização não pode, em todo o caso, ultrapassar 5 000 000 SFR (francos suíços) (30).

15 O artigo 16._ deste regulamento dispõe o seguinte:

«As relações económicas entre os dois clubes referentes à indemnização de formação ou de promoção não terão qualquer influência sobre a actividade desportiva do jogador. Este poderá livremente jogar para o clube com o qual celebrou o novo contrato.»

16 No final do texto do regulamento de transferências da UEFA de 1990 acrescenta-se que é desejável que os princípios básicos da regulamentação das transferências a nível nacional no futebol de nível mais elevado sejam tão depressa quanto possível harmonizados com os constantes do presente regulamento.

17 Os princípios fundamentais do regulamento de transferências da UEFA de 1990 para todos os seus membros constam, no que se refere ao território da Comunidade Europeia, de um documento emitido pelo comité executivo da UEFA em 2 de Maio de 1988, sob o título «Principes de collaboration entre les clubs de différentes associations nationales des États membres de la CEE».

18 Em 5 de Dezembro de 1991, a UEFA emitiu nova versão dos «Princípios de colaboração entre as federações membros da UEFA e os seus clubes», para vigorar a partir de 1 de Julho do ano seguinte (a seguir «regulamento de transferências da UEFA de 1992»). As suas disposições correspondem em larga medida ao regulamento de transferências da UEFA de 1990. Há em todo o caso diferenças quanto ao cálculo da indemnização de transferência. Em especial, já não prevê qualquer montante máximo para a transferência de um jogador profissional (31).

19 Esta regulamentação foi substituída pelo «regulamento da UEFA para fixação de uma indemnização de transferência» elaborado em 16 de Junho de 1993 (a seguir «regulamento de transferências da UEFA de 1993»), para vigorar a partir de 1 de Agosto do mesmo ano. Este regulamento tem por base o artigo 16._, n._ 2, do regulamento da FIFA, de que adiante falaremos, sobre o estatuto e transferência de jogadores de futebol e dispõe que «a transferência internacional de jogadores de futebol» será regida pelo presente regulamento da FIFA. O disposto no regulamento de transferências da UEFA de 1993 rege «exclusivamente o processo e o modo de cálculo» da «indemnização de formação e/ou de promoção, nos termos do artigo 14._ do regulamento da FIFA» e isto apenas se os clubes não chegarem a acordo quanto ao seu montante (32).

O regulamento da UEFA de 1993 confirma que um jogador, após o termo do contrato, tem a liberdade de celebrar novo contrato com um clube da sua escolha e que o cálculo da indemnização a pagar não tem qualquer influência sobre a actividade desportiva do jogador. Este «é livre de poder jogar para o clube com quem celebrou o novo contrato» (33).

Tal como os anteriores, também o regulamento de transferências da UEFA de 1993 prevê que, em caso de conflito, o montante da indemnização de transferência será fixado por uma comissão, que para o efeito multiplicará o rendimento bruto do jogador por um coeficiente, dependente da sua idade, entre 12 e 0 (34). Parece que a base de cálculo prevista é mais restrita que nos anteriores regulamentos (35).

3. Regulamentação da FIFA

20 A regulamentação das transferências da FIFA, aplicável em 1990, consta de um regulamento elaborado em 14 e 15 de Novembro de 1953 e alterado, pela última vez, em 29 de Maio de 1986 (a seguir «regulamento da FIFA de 1986»).

21 Este regulamento prevê que cada federação nacional deverá decidir sobre o estatuto e a qualificação dos seus jogadores, devendo as decisões ser reconhecidas pelas restantes federações e pela própria FIFA (36).

Nos termos do artigo 14._, n._ 1, deste regulamento, um jogador profissional não pode deixar a sua federação nacional enquanto estiver ligado pelo seu contrato e regulamentos do seu clube, da sua divisão ou da sua federação nacional - por mais restritivos que sejam. Uma transferência pressupõe que a antiga federação emita um certificado de desvinculação. Este atesta o cumprimento de todas as obrigações de ordem financeira, incluindo uma eventual indemnização de transferência (37). Nenhuma federação nacional pode passar ao jogador uma licença desportiva sem ter recebido este certificado. (38).

22 Também a FIFA alterou entretanto o seu regulamento de transferências. O novo foi elaborado em Abril de 1991 e revisto em Dezembro do mesmo ano, bem como em Dezembro de 1993. No caso em apreço, apenas nos ocuparemos da versão que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1994 (a seguir «regulamento da FIFA de 1994»).

23 O regulamento da FIFA de 1994 rege o estatuto e a qualificação dos jogadores de futebol que, «devido a uma transferência, mudam de uma federação nacional para outra» (39). A estes apenas pode ser concedida qualificação para jogar num clube de outra federação se esta tiver em seu poder «um certificado de desvinculação internacional emitido pela antiga federação» (40). Apenas a nova federação pode solicitar aquele certificado (41), cuja emissão só poderá ser recusada se o jogador em causa «não tiver cumprido integralmente as suas obrigações contratuais para com o antigo clube» ou se, existir entre o antigo clube e o novo, «em relação com a transferência, um conflito de natureza não financeira» (42). A FIFA pode ordenar a uma federação a passagem do certificado ou proferir decisão que o substitua. Se a antiga federação o não fizer no prazo de 60 dias a partir da entrada do pedido da nova federação, pode esta emitir um certificado provisório (43).

24 Nos termos do artigo 14._, n._ 1, do regulamento da FIFA de 1994, no caso de transferência de um jogador que não seja amador, o antigo clube tem direito a uma «indemnização de formação e/ou de promoção». Se um jogador amador celebrar contrato com um novo clube de que resulte a perda deste estatuto, o seu antigo clube tem direito a uma «indemnização de formação» (44). Se dois os clubes não chegarem a acordo sobre o montante da indemnização de transferência, o conflito deve ser submetido a decisão da FIFA (45). O regulamento permite todavia às confederações no interior da FIFA (46) elaborarem os seus próprios regulamentos para a solução amigável destes conflitos. Em tal caso, a confederação é competente apenas para decidir sobre os conflitos de clubes com sede no seu âmbito territorial (47), de que a UEFA tem feito uso, como já disse (48).

25 O n._ 1 do artigo 20._ do regulamento da FIFA de 1994 dispõe que os conflitos sobre a indemnização de transferência não podem influir nas actividades desportivas ou profissionais do jogador. Mais dispõe:

«Do mesmo modo não pode, com esse fundamento, ser recusada a emissão do certificado internacional de desvinculação. Um jogador pode, por isso, jogar para o novo clube com quem celebrou contrato a partir do recebimento do certificado de desvinculação.»

26 Nos termos do n._ 2 do preâmbulo do regulamento da FIFA de 1994, o respeito pelos princípios constantes «dos capítulos I, II, III, VII, VIII e X» é também obrigatório a nível nacional. Não é referido o capítulo V, com a epígrafe «Transferência de jogadores entre duas federações» e que abrange os artigos 12._ a 20._ Nos termos do n._ 3 do preâmbulo, cada federação nacional é obrigada a disciplinar as transferências a nível interno através de regulamento que deve conter «as disposições obrigatórias referidas no n._ 2 e os princípios constantes dos artigos seguintes, bem como as disposições para solução amigável de conflitos sobre transferências no interior das estruturas da federação».

4. Regulamentação noutros Estados-Membros

27 Para completar a apresentação deste quadro é aconselhável dar uma vista de olhos sobre as regulamentações das transferências nos restantes Estados-Membros da Comunidade. Satisfazendo um pedido escrito do Tribunal de Justiça, a UEFA apresentou-lhe, segundo refere, as regulamentações actualmente em vigor nos vários Estados-Membros e, amavelmente, preparou uma sua compilação. A sua discussão, neste contexto, não é nem possível nem adequada. Limitar-me-ei, por isso, a alguns Estados-Membros e aos pontos que, em meu entender, me parecem de realçar. Devo dizer que a exposição que se segue tem exclusivamente por base os regulamentos fornecidos pela UEFA, maioritariamente escritos na língua nacional. Pode, por isso, enfermar de uma ou outra pequena imprecisão.

28 Na ustria, aquela regulamentação consta do «Regulativ für die dem ÖFB angehörigen Vereine und Spieler» (regulamento destinado aos jogadores e aos clubes filiados na federação austríaca de futebol), em vigor desde 1 de Julho de 1994. Nos termos do seu § 25, n._ 3, em caso de transferência, o antigo clube tem direito a uma indemnização de transferência que, segundo o seu § 30, n._ 1, «constitui uma compensação financeira das incidências negativas na sua competitividade devidas à saída do jogador e ainda dos custos de formação».

Nos termos do § 30, n._ 4, os conflitos entre os clubes sobre a indemnização de transferência «não têm qualquer influência sobre o direito do jogador de exercer a sua actividade desportiva. Com a inscrição no novo clube o jogador tem, nos termos das disposições aplicáveis, o direito de exercer a sua actividade desportiva».

Às transferências para o estrangeiro ou do estrangeiro são aplicáveis, nos termos do § 32, n._ 5, do Regulativ, «os regulamentos da FIFA ou da UEFA, conforme os casos».

29 Na Alemanha, a regulamentação das transferências consta fundamentalmente do «Lizenzspielerstatut des Deutschen Fußballbundes» (a seguir «DFB»). Deve ainda ter-se em conta o regulamento da DFB (Spielordnung). Nos termos do § 29, n._ 1, do Lizenzspielerstatut, um clube que contrate um jogador de outro clube deverá pagar ao antigo clube uma Transferentschädigung (indemnização de transferência). A eficácia do contrato de trabalho não depende «nem do montante nem do acordo quanto à Transferentschädigung». Dignas de nota são as disposições sobre a transferência de amadores para clubes profissionais. Na época de 1994/1995, um clube da Bundesliga (primeira divisão) que recebesse como jogador qualificado, mediante contrato, um jogador amador de outro clube, deveria pagar ao antigo clube uma indemnização de transferência de 100 000 DM. A importância a pagar, pelo mesmo jogador, na mesma época, por um clube da 2. Bundesliga (segunda divisão) seria de 45 000 DM. A indemnização de transferência deve ser distribuída entre os clubes em que o jogador esteve qualificado nos últimos sete anos que precederam a transferência (49).

No caso de transferência para o estrangeiro, o antigo clube tem direito a uma «indemnização de formação e promoção» (50). Nas transferências entre federações no interior da Comunidade «são aplicáveis à indemnização de formação e promoção as normas do regulamento da UEFA» em vigor (51).

30 Quanto à Dinamarca, a UEFA forneceu um contrato-tipo da federação dinamarquesa para contratos com jogadores de futebol. A sua secção 3 contém as regras aplicáveis às transferências dos jogadores profissionais. Delas parece resultar que apenas é devida indemnização de transferência pela transferência de um jogador profissional para um clube da primeira divisão dinamarquesa ou para o estrangeiro (52). No primeiro caso, o seu montante é calculado com base no rendimento bruto do jogador multiplicado por um coeficiente entre 0 e 3, dependente da sua idade e rendimento. Para jogadores entre 25 e 27 anos, por exemplo, aplica-se o coeficiente 0,80 para as primeiras 100 000 DKR do rendimento bruto, 1,60 para o rendimento bruto que ultrapasse as 100 000 DKR mas não exceda as 200 000 DKR e 2,40 para o restante (53). Ao invés, na transferência para o estrangeiro, a indemnização de transferência calcula-se pela multiplicação do rendimento bruto do jogador por um coeficiente único entre 12 e 1. Para um jogador entre 25 e 27 anos, aplica-se o coeficiente 8 (54).

Na audiência no Tribunal de Justiça, o representante da Dinamarca esclareceu que está todavia em preparação uma lei para eliminação do pagamento da indemnização de transferência.

31 Em Espanha, aplicável o Real Decreto n._ 1006/1985, de 26 de Junho de 1985, segundo o qual, em caso de transferência pode ser exigida uma indemnização de transferência («una compensación por preparación o formación») com base em convenção colectiva (55). A UEFA forneceu uma convenção colectiva sobre a matéria, vigente, nos termos do seu artigo 4._, entre 1 de Junho de 1992 e 30 de Maio de 1995. Nos termos do seu artigo 18._, é devida uma indemnização de transferência se o jogador e o preço fixado constarem de uma lista de transferências. Jogadores profissionais de 25 anos ou mais não podem nela ser incluídos, podendo, assim, ser transferidos em Espanha (56) sem indemnização de transferência.

Nos termos do artigo 21._ desta convenção colectiva, o jogador terá direito, em caso de transferência, a 15% do montante da indemnização de transferência.

32 Em França, as regras relevantes constam da chamada «charte du football professionnel». O capítulo 4 do título III rege o estatuto dos jogadores profissionais de futebol.

O seu artigo 15._, n.os 1 e 2, dispõe:

«1. A transferência de um jogador do clube com que celebrou o seu primeiro contrato como jogador profissional para outro clube dá ao primeiro clube (clube de formação) o direito a uma indemnização de formação.

2. A indemnização de formação é devida ao antigo clube se

- tiver proporcionado ao jogador uma formação como `estagiário', com a duração mínima de uma época, e

- aquela tiver sido dada por um reconhecido centro de formação de futebol» (57).

O montante da indemnização de formação corresponde à indemnização de base ou a uma percentagem desta, conforme a duração da formação. A indemnização-base equivale, fundamentalmente, ao rendimento bruto do jogador nos dois últimos anos. Se tiver durado mais de três épocas, deverá ser paga a totalidade da indemnização de base; se tiver durado apenas uma época, atingirá simplesmente 10% deste montante (58).

Nestes termos, apenas é devida indemnização de transferência na primeira transferência e apenas se as referidas condições estiverem preenchidas. Fora destes casos, não é devida indemnização de transferência por transferência no interior da França.

33 Em caso de transferência para o estrangeiro, a indemnização prevista no artigo 15._ será elevada ao dobro, por força do artigo 18._ deste capítulo.

34 Na Grécia, segundo as informações da UEFA, o jogador profissional pode, quando expirado o contrato, nos termos do artigo 29._, n._ 1, da Lei n._ 1958, de 5 de Agosto de 1991, deixar livremente o seu clube para um novo clube sem indemnização de transferência. O n._ 3 do seu artigo 29._ permite, no entanto, que se estabeleça no contrato entre o clube e o jogador, que este apenas poderá deixá-lo se lhe pagar determinada importância fixada no contrato. Na prática, segundo as mesmas informações é, todavia, a maior parte das vezes, o novo clube a fazê-lo.

35 Em Itália, é aplicável ao futebol (e ao desporto em geral) a Lei n._ 91, de 23 de Março de 1981. Nos termos do seu artigo 6._, em caso de transferência pode ser exigida uma indemnização de transferência («indemnità di preparazione e di promozione»), que o beneficiário deve investir para fins desportivos. As particularidades do cálculo são estabelecidas no regulamento elaborado pela federação italiana de futebol em cumprimento desta lei.

36 Recordemos finalmente o caso dos Países Baixos. Do artigo 49._, n._ 1, alínea a), do regulamento da federação fornecido pela UEFA resulta que, na transferência de um jogador para o estrangeiro, a federação neerlandesa de futebol apenas emite o certificado previsto «no artigo 12._ do regulamento da FIFA» se tiver sido paga a indemnização de transferência ao antigo clube (59).

IV - Cláusulas de nacionalidade

37 A partir dos anos 60, numerosos - mas não todos - regulamentos das federações contêm disposições que restringem a possibilidade de contratar jogadores de nacionalidade estrangeira. Há, em todo o caso, que ter em conta que, por vezes, estes regulamentos prevêem um conceito de nacionalidade para efeitos desportivos, que não tem em conta apenas a nacionalidade enquanto tal mas também a circunstância de o jogador ter exercido a sua actividade para um clube durante certo tempo (60).

38 Após o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1976 no caso Donà (61), houve negociações entre as federações europeias de futebol e a Comissão das Comunidades Europeias. Em 1978, a UEFA obrigou-se, perante a Comissão, a eliminar as restrições quanto ao número dos jogadores de futebol estrangeiros que podiam ser contratados por um clube, tratando-se de cidadãos de Estados-Membros. Por outro lado, comprometeu-se a fixar em dois o número dos jogadores estrangeiros que podem tomar parte num jogo, não se aplicando esta restrição aos residentes na área da federação há cinco anos.

39 Após posteriores conversações com a Comissão, a UEFA estabeleceu, em 1991, a chamada regra «3 + 2», segundo a qual, a partir de 1 de Julho de 1992, o número de jogadores estrangeiros cujo nome pode constar da relação de jogadores (ficha técnica) não pode ser reduzido a menos de três por equipa, além de dois jogadores que hajam jogado no país em causa durante cinco anos consecutivos, três dos quais em equipas de júniores (62). Esta regulamentação seria primeiramente aplicável nos clubes da primeira divisão de cada Estado-Membro da Comunidade e, até final da época de 1996/1997, alargada a todas as divisões não amadoras.

40 Constituindo esta concessão da UEFA um mínimo, em termos de regulamentação, cada federação pode permitir mais estrangeiros. A federação inglesa, por exemplo, não considera estrangeiros os jogadores do País de Gales, da Escócia, da Irlanda do Norte e da Irlanda. Não existe qualquer limitação do número de jogadores estrangeiros na Escócia.

41 A regra dos «3 + 2» é aplicada pela UEFA nas competições por si organizadas para os clubes (63);

V - Factos do processo principal e tramitação processual nos tribunais nacionais

42 J.-M. Bosman nasceu em 1964 e tem nacionalidade belga. Inscreveu-se na federação de futebol belga nos primeiros anos da sua juventude e começou a jogar - primeiramente na equipa de juvenis - no Standard de Liège, um clube belga da primeira divisão. Em 1986, assinou o seu primeiro contrato de trabalho com este clube, tornando-se jogador profissional. Em Maio de 1988 transferiu-se, mediante uma indemnização de transferência de 3 000 000 BFR, do Standard de Liège para um o Royal club liégeois SA (a seguir «RC de Liège»), um rival local, que, até ao fim da época passada, jogou igualmente na primeira divisão belga. O contrato, expirado em 30 de Junho de 1990, com o RC de Liège, garantia a J.-M. Bosman uma remuneração de base ilíquida de 75 000 BFR. Incluindo prémios e outros adicionais, a remuneração de J.-M. Bosman atingia à volta de 120 000 BFR por mês.

43 Em Abril de 1990, o RC de Liège propôs-lhe novo contrato por uma época, com a remuneração de base de 30 000 BFR, isto é, o mínimo previsto nos regulamentos da URBSFA. J.-M. Bosman recusou a proposta e foi inscrito na lista de transferências. A indemnização de transferência por transferência obrigatória foi fixada em 11 743 000 BFR, nos termos da regulamentação aplicável da federação.

44 Não tendo nenhum clube manifestado interesse numa transferência obrigatória, J.-M. Bosman entrou em contacto com um clube francês, o SA d'économie mixte sportive de l'union sportive du littoral de Dunkerque (a seguir «US de Dunquerque»), da segunda divisão, que o recrutou, por contrato de 30 de Julho de 1990, que previa uma remuneração média de 90 000 BFR por mês. Em 27 de Julho do mesmo ano, o clube US de Dunquerque tinha já chegado a acordo com o RC de Liège sobre as modalidades da transferência (temporária) deste jogador. Nos termos do acordado, o RC de Liège cedê-lo-ia por uma época ao US de Dunquerque, contra o pagamento de uma indemnização de 1 200 000 BFR, devida a partir da entrada do certificado de desvinculação da URBSFA. Ao mesmo tempo, o US de Dunquerque obtinha uma opção irrevogável sobre a transferência definitiva do jogador mediante uma importância de (mais) 4 800 000 BFR. Ambos os contratos - entre J.-M. Bosman e o US de Dunquerque e entre o RC de Liège e o US de Dunquerque - estavam sujeitos à condição resolutiva do recebimento do certificado de desvinculação da federação belga pela federação francesa até 2 de Agosto. Esta exigência parece ter por base o facto de o US de Dunquerque pretender a actuação de J.-M. Bosman, já em 3 de Agosto de 1990, num importante desafio.

O RC de Liège, invocando dúvidas sobre a capacidade de o US de Dunquerque proceder ao pagamento, não solicitou o certificado de desvinculação à URBSFA, o que determinou terem ambos os contratos ficado sem efeito. Além disso, logo em 31 de Julho de 1990, suspendeu J.-M. Bosman e impediu-o, assim, de jogar na nova época.

45 J.-M. Bosman recorreu, em 8 de Agosto de 1990, ao tribunal de première instance de Liège. Além do pedido na acção principal, solicitou também, em procedimento de providências cautelares, que o RC de Liège e a URBSFA fossem obrigados a pagar-lhe 100 000 BFR por mês, até encontrar nova entidade patronal, a não prejudicarem as suas possibilidades de contratação mediante exigência ou recebimento de qualquer importância por tal devida e que fosse apresentada ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias uma questão para decisão a título prejudicial. Em 9 de Novembro de 1990, o tribunal determinou que o RC de Liège pagasse, provisoriamente e por mês, a J.-M. Bosman, a importância de 30 000 BFR, concedesse a pretendida desvinculação e apresentou ao Tribunal de Justiça uma questão sobre a compatibilidade do regime de transferências com os artigos 3._, alínea c), e 48._ do Tratado CEE. O processo recebeu no Tribunal de Justiça o número C-340/90.

46 Em recurso, a cour d'appel de Liège revogou, em 28 de Maio de 1991, a decisão do tribunal de première instance de apresentação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Confirmou-a, todavia, quanto ao montante que o RC de Liège foi obrigado a pagar a J.-M. Bosman e determinou que a URBSFA e o RC de Liège colocassem o jogador J.-M. Bosman à disposição de qualquer clube que o quisesse contratar, sem exigir indemnização. Consequentemente, o Tribunal de Justiça, por decisão de 19 de Junho de 1991, cancelou o processo C-340/90 no registo.

47 A decisão proferida no processo de medidas provisórias possibilitou a J.-M. Bosman a contratação, em Outubro de 1990, pelo clube francês da segunda divisão Saint-Quentin. Todavia, o contrato foi rescindido no termo da primeira época. Em Fevereiro de 1992, J.-M. Bosman subscreveu novo contrato com o clube Saint-Denis de la Réunion, do mesmo modo posteriormente rescindido. Após longa busca, celebrou contrato, em 14 de Maio de 1993, com o clube belga da terceira divisão Royal olympic club de Charleroi. Segundo o tribunal a quo, existem sérios indícios que permitem a suspeita de que J.-M. Bosman, apesar da liberdade que a decisão na providência cautelar lhe garantia, é vítima de boicote da parte de todos os clubes europeus que poderiam contratá-lo.

48 Na acção proposta, em 8 de Agosto de 1990, no tribunal de première instance de Liège, J.-M. Bosman pedia, em primeiro lugar, que o RC de Liège fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização fixada provisoriamente no montante de 30 000 000 BFR. Este pedido tinha por fundamento, por um lado, a violação das suas obrigações contratuais pelo demandado e, por outro, a ilegalidade do regime de transferências. Em 3 de Junho de 1991, a URBSFA interveio no processo para defender a legalidade da sua regulamentação e das que lhe correspondem. Em 20 de Agosto de 1991, J.-M. Bosman requereu a intervenção de terceiro da UEFA. Propôs ao mesmo tempo uma acção contra esta federação, pedindo que o seu regulamento fosse considerado nulo por violar os artigos 48._, 85._ e 86._ do Tratado CEE ao prever um regime de transferências que exige o pagamento de uma indemnização de transferência no caso de transferência de um jogador de um clube, terminado o respectivo contrato, bem como por não reservar o mesmo tratamento dos jogadores nacionais aos jogadores de outros Estados-Membros da Comunidade, em matéria de transferência para os clubes nacionais concorrentes. Requereu ainda que fosse ordenado que a UEFA acabasse estas práticas e revogasse, no prazo de 48 horas, as disposições regulamentares nulas. Em 5 de Dezembro, o RC de Liège requereu a intervenção do US de Dunquerque no processo.

49 Em 9 de Abril de 1992, J.-M. Bosman apresentou no tribunal de première instance de Liège novo pedido em que, além de alterar o original contra o RC de Liège, interpôs nova acção contra a URBSFA e ampliou o pedido contra a UEFA. Pede agora que seja determinado ao RC de Liège, à URBSFA e à UEFA que deixem de lhe restringir a liberdade de celebrar contrato com uma nova entidade patronal e sejam condenados, individualmente ou em conjunto, a pagar-lhe 11 368 350 BFR, em compensação dos prejuízos sofridos desde 1 de Agosto de 1990, 11 743 000 BFR, em compensação dos prejuízos sofridos desde o princípio da sua carreira até 9 de Novembro de 1990 em consequência da aplicação do regime de transferências e, provisoriamente, 1 BFR pelas despesas do processo. Além disso, J.-M. Bosman pede a declaração de que a regulamentação das transferências e as cláusulas de nacionalidade da URBSFA e da UEFA não lhe são aplicáveis. Propôs ainda que seja apresentado ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias um pedido de decisão prejudicial.

50 Duas associações de jogadores profissionais - a Union nationale des footballeurs professionnels, francesa (a seguir «UNFP») e a Vereniging van contractspelers, neerlandesa (a seguir «VVCS») intervieram no processo em apoio de J.-M. Bosman.

51 Por sentença de 11 de Junho de 1992, o tribunal de première instance de Liège julgou improcedente a excepção deduzida pela UEFA, de que uma acção contra ela devia ser proposta nos tribunais da Suíça, e declarou-se competente para decidir os litígios que lhe tinham sido submetidos. Foi admitida a intervenção da UNFP e da VVCS. Além disso, o tribunal declarou que eram admissíveis os pedidos apresentados. Reconheceu, de imediato, que o RC de Liège agiu ilegalmente ao frustrar a transferência de J.-M. Bosman para o US de Dunquerque e que deveria reparar os danos daí emergentes. O mesmo tribunal indeferiu o pedido de intervenção de terceiro do US de Dunquerque formulado pelo RC de Liège, por não se demonstrar existir qualquer responsabilidade da parte do clube francês. Finalmente, apresentou ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 48._, 85._ e 86._ do Tratado CEE, relativamente ao regime de transferências. O processo recebeu no Tribunal de Justiça o número C-269/92.

52 Em recurso, a cour d'appel de Liège confirmou, por acórdão de 1 de Outubro de 1993, a decisão recorrida, quanto às intervenções voluntárias no litígio e à competência e admissão dos pedidos formulados. O tribunal de recurso partilhou ainda o entendimento do tribunal de primeira instância de que o exame do pedido formulado contra o RC de Liège, a URBSFA e a UEFA incluía o da legalidade do regime de transferências. Dirigiu por isso um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Por esta razão, este Tribunal ordenou o cancelamento do processo C-269/92, que ficou sem objecto. Na sequência de solicitação de J.-M. Bosman, o tribunal de recurso chegou, além disso, à conclusão de que também a legalidade das cláusulas de nacionalidade deveria ser examinada, uma vez que o pedido de J.-M. Bosman se apoiava também no artigo 18._ do code judiciaire belga (lei reguladora da organização judiciária), que autoriza a propositura de acções que «tenham por objectivo evitar uma iminente violação grave de um direito».

Ao invés, indeferiu o pedido da UEFA de que fosse perguntado ao Tribunal de Justiça se a resposta à pergunta formulada seria diferente no caso de o regime de transferências permitir ao jogador jogar para o novo clube, mesmo que este ainda não tivesse pago a indemnização de transferência ao antigo clube.

VI - Questões prejudiciais

53 A cour d'appel de Liège apresentou ao Tribunal de Justiça, para decisão a título prejudicial, as seguintes questões:

«Os artigos 48._, 85._ e 86._ do Tratado de Roma de 25 de Março de 1957 devem ser interpretados no sentido de que proíbem:

- que um clube de futebol exija e receba o pagamento de um montante em dinheiro pela contratação, por um novo clube empregador, de um dos seus jogadores cujo contrato tenha chegado ao seu termo?

- que as associações ou federações desportivas nacionais e internacionais prevejam, nas respectivas regulamentações, normas limitativas do acesso dos jogadores estrangeiros cidadãos da Comunidade Europeia às competições que organizam?»

VII - Tramitação ulterior e tramitação no Tribunal de Justiça

54 A URBSFA recorreu em cassação do acórdão da cour d'appel de Liège, pedindo a extensão da decisão ao RC de Liège, à UEFA e ao US de Dunquerque. A Cour de cassation negou provimento ao recurso em 30 de Março de 1995, decidindo que este indeferimento tornava sem objecto o pedido de extensão do acórdão (64).

55 No processo pendente no Tribunal de Justiça, J.-M. Bosman, a URBSFA, a UEFA, o Governo francês, o Governo italiano e a Comissão apresentaram observações escritas. Participaram também na audiência, que teve lugar em 20 de Junho de 1995. Nesta, também os Governos dinamarquês e alemão tomaram posição sobre o pedido de decisão prejudicial.

B - Parecer

I - Nota prévia

56 É evidente a importância deste processo. A resposta à questão da compatibilidade do regime de transferências e das cláusulas de nacionalidade com o direito comunitário influenciará decisivamente o futuro do futebol profissional na Comunidade.

57 Alguns exemplos bastam para dar a medida da importância do regime de transferências no futebol profissional actual. Segundo estudo realizado por uma sociedade de auditoria, os clubes da primeira divisão na Inglaterra - a Premier League - despenderam na época de 1992/1993 quase 51 milhões de UKL (ao câmbio da época, aproximadamente 62 milhões de ecus) em indemnizações de desvinculação (65). Segundo informação da imprensa, os dezoito clubes da primeira divisão italiana despenderam na época de 1995/1996 mais de 96 milhões de DM (mais de 51 milhões de ecus) apenas em relação a jogadores estrangeiros (66). A transferência mais cara até ao presente na história do futebol verificou-se em Itália e custou ao novo clube a indemnização de transferência de aproximadamente 19 milhões de ecus (67).

Quanto às cláusulas de nacionalidade, deve referir-se que, já hoje, os clubes profissionais da Comunidade contratam um número importante de jogadores dos outros Estados-Membros e de Estados terceiros. Segundo os dados fornecidos pela URBSFA, no princípio da época de 1993/1994, o conjunto dos dezoito clubes da primeira divisão belga abrangia 398 jogadores de nacionalidade belga e 175 estrangeiros, dos quais apenas 61 eram como tal considerados para efeitos da aplicação das cláusulas de nacionalidade (68). Se o Tribunal de Justiça considerar as cláusulas de nacionalidade contrárias ao direito comunitário é de esperar que o número de jogadores de futebol da Comunidade que exercem a sua actividade noutro Estado-Membro aumente ainda mais.

58 Regulamentações das transferências e cláusulas de nacionalidade existem, com variáveis caracterizações, também noutros tipos de desporto praticados na Comunidade. A decisão do Tribunal de Justiça será por isso, também neste domínio, indicadora do caminho a seguir.

59 Os acontecimentos na base do processo principal pendente na cour d'appel de Liège produziram-se vai para cinco anos. Desde então, vários tribunais se ocuparam do caso. O Tribunal de Justiça recebeu, já por três vezes, pedidos de decisão prejudicial, não tendo, em duas delas - como já se referiu - sido proferida decisão. Se no presente processo o Tribunal de Justiça o fizer, nem por isso fica terminado o longo procedimento judicial perante os tribunais nacionais. O período em que um jogador de futebol pode exercer a sua actividade é, segundo a experiência, limitado. Por isso, não apenas a importância do processo para o futebol mas também os interesses de J.-M. Bosman, impõem, em meu entender, que o presente processo seja decidido tão rapidamente quanto possível. Esta preocupação presidiu à elaboração destas conclusões.

60 Há que ter em conta que o âmbito das perguntas formuladas para decisão prejudicial é restrito, não se alargando ao conjunto do futebol. A primeira questão, que tem por objecto o regime de transferências, reporta-se à transferência de um jogador vinculado por contrato a um clube. Abrange, assim, apenas os jogadores que praticam o futebol mediante pagamento, isto é, o domínio do futebol remunerado. Não é, portanto, abrangido o futebol amador. Por isso, o Tribunal de Justiça não tem que decidir se é compatível com o direito comunitário exigir uma indemnização de transferência quando um jogador deixa o seu clube, onde era amador, para se vincular mediante contrato como profissional. A segunda questão é, à primeira vista, formulada com um âmbito mais vasto e pode, interpretada à letra, ser entendida como abrangendo a compatibilidade com o direito comunitário de todas as cláusulas de nacionalidade, independentemente de estar em causa o desporto profissional ou o desporto amador e, possivelmente, mesmo todos os tipos de desporto. Da conclusão do pedido prejudicial retira-se, todavia, que se reporta apenas às cláusulas de nacionalidade no futebol remunerado. Também todas as partes que intervieram no processo partiram, com razão, do princípio de que a questão prejudicial deve ser entendida neste sentido.

61 Para justificar a regulamentação discutida neste processo, as federações interessadas teceram considerações não só de natureza desportiva como também económica. Todos os argumentos foram objecto de desenvolvida discussão, em especial por J.-M. Bosman, mas ainda pela Comissão e por outros intervenientes no processo. Em meu entender, a importância do caso justifica, por si, que todos sejam amplamente analisados.

62 O resultado deste processo interessa um grande número de cidadãos na Comunidade entusiastas do futebol. Muitos praticam-no ou envolvem-se - com frequência desinteressadamente - de forma diversa no seu clube. Maior é ainda, talvez, o número dos que se interessam pelo desporto como espectadores e seguem, com especial interesse, o jogo dos profissionais. É precisamente isto que exige deste Tribunal, e de mim próprio, um exame sem preconceitos e objectivo das questões colocadas.

II - Admissibilidade das questões prejudiciais

1. O ponto de vista das partes

63 No entendimento da UEFA, as questões prejudiciais não são admissíveis, não devendo por isso o Tribunal dar-lhes resposta. A seu ver, a transferência de J.-M. Bosman falhou exactamente porque a regulamentação das transferências da UEFA que devia ter sido aplicada ao caso não foi respeitada. Se assim tivesse sido feito, a transferência ter-se-ia verificado e o conflito judicial não existiria. Reportando-se à jurisprudência do Tribunal de Justiça, que adiante mais de perto abordarei, a UEFA sustenta que a resposta às questões formuladas não é necessária para decisão do processo pendente na cour d'appel de Liège. Tem por isso grandes dúvidas quanto à admissibilidade da primeira questão. Quanto à segunda, ao invés, é de natureza puramente hipotética, uma vez que a carreira de J.-M. Bosman em momento algum foi prejudicada por cláusulas de nacionalidade. Trata-se, no presente caso, de um processo artificial, prosseguido com objectivos políticos. Procura-se, assim, levar o Tribunal de Justiça a tomar posição sobre a compatibilidade com o direito comunitário de práticas que, na realidade, nada têm a ver com o conflito. Eventualmente por isso, o tribunal de reenvio não fundamentou a necessidade de uma resposta à segunda questão para os objectivos do procedimento nele pendente.

No caso de o Tribunal de Justiça entender dar resposta às perguntas formuladas, na totalidade ou em parte, deverá pôr nisso todo o cuidado, uma vez que tais questões põem em causa a própria organização do futebol.

64 A URBSFA não tomou posição, nas suas observações, sobre a admissibilidade das questões prejudiciais. Na audiência no Tribunal de Justiça afirmou que, no caso pendente, haverá que distinguir dois processos. Por um lado, um conflito entre J.-M. Bosman e o RC de Liège. Este poderá ser resolvido sem necessidade de uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça. Por outro, o conflito artificial suscitado por algumas associações de interesses contra a UEFA e a URBSFA. A URBSFA remete, neste campo, também para a decisão da Cour de cassation no processo principal. Sublinha que é desejável que o Tribunal de Justiça a tenha em conta na decisão que vier a tomar.

65 Também os Governos francês, italiano e dinamarquês sustentaram que as cláusulas de nacionalidade não têm qualquer importância para a solução do processo principal. O conflito tem apenas por objecto a admissibilidade do sistema de transferências. A segunda questão prejudicial é de natureza meramente hipotética. O Governo francês sustenta, além do mais, que as cláusulas de nacionalidade não foram referidas na acção inicialmente proposta por J.-M. Bosman.

Após ter sido dado a conhecer na audiência do Tribunal de Justiça, por vários dos intervenientes no processo, o conteúdo da decisão da Cour de cassation já referida, a representante do Governo francês pronunciou-se no sentido de que, atenta tal decisão, parece não dever o Tribunal de Justiça responder à segunda questão prejudicial, uma vez que possivelmente não existe - ou deixou de existir.

66 A Comissão, nas suas observações escritas, sustentou o entendimento de que a segunda questão é inadmissível, uma vez que tem natureza hipotética. Na audiência deste Tribunal, o representante da Comissão acentuou que a sua opinião se alterou. Devo concluir daqui que, doravante, a Comissão se inclina para a admissibilidade da segunda questão prejudicial; não o disse todavia expressamente.

67 J.-M. Bosman contesta firmemente que se trate, no presente caso, de um conflito artificial. Refere que o tribunal de reenvio considerou admissíveis todas as acções por ele propostas e mesmo, com base no artigo 18._ do code judiciaire belga, um procedimento cautelar para evitar danos graves e iminentes. No entender do tribunal de reenvio, a solução do conflito, atentas as normas de direito belga aplicáveis, exige a análise da legalidade do regime de transferências e das cláusulas de nacionalidade. O Tribunal de Justiça dificilmente pode pôr em causa a interpretação das normas de direito nacional pela cour d'appel de Liège. Se se entrasse por esse caminho o processo de colaboração entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, que está na base do artigo 177._ do Tratado CE, seria dificultado. O tribunal de reenvio conhece a jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade das questões prejudiciais, estando mais que satisfeitos os pressupostos necessários, em especial, a fundamentação do pedido.

Não existe também uso indevido do processo previsto no artigo 177._ do Tratado CE. Em especial no que se refere às cláusulas de nacionalidade constantes do regulamento da UEFA, J.-M. Bosman tem interesse em ver declarada a sua invalidade ou não aplicabilidade uma vez que estão na base dos regulamentos das várias federações europeias que diminuem as suas perspectivas de emprego noutros Estados-Membros.

As questões formuladas preenchem, pois, todos os pressupostos de admissibilidade consagrados na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

2. O artigo 177._ e a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de admissibilidade das questões prejudiciais

68 Nos termos do primeiro parágrafo do artigo 177._ do Tratado CE, o Tribunal de Justiça decide, a título prejudicial, sobre a interpretação do Tratado e a validade e interpretação dos actos com base nele adoptados pelas instituições.

O artigo 177._, segundo parágrafo, do Tratado CE (69) tem a seguinte redacção:

«Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.»

Do texto desta disposição resulta que são os órgãos jurisdicionais nacionais os competentes para decidir se a apresentação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça é necessária. A possibilidade de o Tribunal de Justiça se recusar a responder a tais pedidos não está prevista no artigo 177._

69 O Tribunal de Justiça tem reafirmado em jurisprudência constante que «é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais, que são chamados a conhecer do litígio e aos quais cabe a responsabilidade pela decisão a proferir, apreciar, tendo em conta as particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poderem proferir a sentença como a pertinência das questões submetidas ao Tribunal» (70). Que assim deve ser inculca-o também a circunstância de ser o tribunal nacional, o único que tem conhecimento directo e preciso dos factos, que está em melhor situação para decidir sobre a matéria (71). Se as questões formuladas por um tribunal nacional incidirem sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário, «o Tribunal de Justiça tem, em princípio, o dever de decidir» (72). Verifica-se igualmente que o Tribunal de Justiça admitiu, em vários casos, excepções a este princípio, não respondendo a algumas ou à globalidade das questões formuladas (73).

70 Se pretendermos fazer uma sistematização, chegamos à conclusão de que haverá que distinguir vários grupos de questões. Em meu entender, essencialmente três. Em primeiro lugar, os casos em que o tribunal de reenvio não forneceu ao Tribunal de Justiça todas as informações necessárias para delas conhecer. Em segundo, aqueles em que o Tribunal de Justiça não respondeu a perguntas formuladas que manifestamente nenhuma relação tinham com o processo principal. Finalmente e em terceiro lugar, há que referir os casos em que o Tribunal de Justiça desatendeu o pedido de decisão prejudicial por entender que o tribunal nacional não deu cumprimento ao artigo 177._ do Tratado. Neles incluo aqueles em que considerou que o pedido de decisão prejudicial tinha por objecto questões gerais ou hipotéticas. A separação entre estes grupos é francamente discutível, em especial porque as linhas de fronteira entre os dois últimos são fluidas. Pode, por isso, sustentar-se que os casos referidos em último lugar são reconduzíveis ao segundo grupo. Parece-me, no entanto, que a distinção em três grupos se justifica pelas razões que adiante ainda indicarei.

71 A resposta à questão da admissibilidade das perguntas formuladas pela cour d'appel de Liège exige, em meu entender, primariamente uma vista de olhos sobre a actual jurisprudência do Tribunal neste domínio. Para o efeito utilizarei a distinção acima referida.

72 O primeiro dos referidos grupos assumiu uma maior importância no passado mais recente. Efectivamente, o Tribunal de Justiça já anteriormente tinha afirmado que «a necessidade de chegar a uma interpretação útil do direito comunitário para o tribunal nacional» exigia que fosse fornecido ao Tribunal de Justiça o quadro jurídico e factual em que aquela interpretação se devia integrar (74). Para possibilitar ao Tribunal de Justiça o cumprimento do seu dever, era «indispensável que os tribunais nacionais indicassem os fundamentos em que assentava a necessidade de uma resposta às questões por eles formuladas caso não resultassem sem lugar a dúvidas dos autos» (75). Quando não foram fornecidos, o Tribunal de Justiça declarou que não se considerava em condições de dar uma resposta, quanto ao fundo, às questões formuladas (76).

73 Todavia, este entendimento atingiu especial importância a partir do acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1993 proferido no processo Telemarsicabruzzo e o. (77). O Tribunal de Justiça retomou aqui a jurisprudência anterior de que «a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões» (78). O Tribunal de Justiça acentua que isto é explicitamente válido no domínio do direito da concorrência, «que se caracteriza por situações de facto e de direito complexas». Dado que as decisões de reenvio não continham qualquer indicação a este respeito, não lhes deu resposta (79).

Há que reconhecer que o Tribunal de Justiça, ao decidir assim, seguiu o parecer do advogado-geral no sentido de «uma atitude um pouco mais restritiva por parte do Tribunal» em matéria de exigências na apresentação de um pedido de decisão prejudicial (80).

74 Desde então, o Tribunal de Justiça reforçou este entendimento em várias decisões (81). Recordou ainda que esta exigência não só permite ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também aos Estados-Membros e aos demais interessados apresentarem observações ao Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 20._ do seu Estatuto CEE (82).

75 É evidente a preocupação na base destes casos. Normalmente, o Tribunal de Justiça apenas poderá dar uma resposta útil às questões formuladas por um tribunal nacional se conhecer as circunstâncias que rodeiam o objecto do processo principal. Entendo efectivamente que se exige nesta matéria uma atenção muito especial. A recusa da resposta a um pedido de decisão prejudicial devido a deficiente informação sobre o quadro factual e de direito que a envolve deve ser excepcional. Em vários dos casos citados, parece-me que o Tribunal utilizou um critério excessivamente restritivo.

76 O primeiro, a incluir no segundo grupo, é o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1981 no processo Salonia (83). O Tribunal de Justiça considerou que o artigo 177._ se baseia numa «nítida separação das funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça», não permitindo a este analisar as razões do pedido prejudicial. E continuou:

«Assim, o Tribunal de Justiça apenas pode recusar-se a responder a um pedido de decisão prejudicial apresentado por um tribunal nacional se for manifesto que a interpretação do direito comunitário ou o exame da validade de uma norma comunitária, pedidos por aquele tribunal, não têm qualquer relação com a realidade ou com o objecto do processo principal» (84).

77 No caso Salonia tal não se verificava e, assim, o Tribunal de Justiça respondeu ao pedido prejudicial formulado. Já assim não aconteceu no processo Falciola (85), decidido em 1990, e que examinarei brevemente, como exemplo deste grupo. O processo principal respeitava a um projecto de trabalhos rodoviários que, segundo informações do tribunal de reenvio, era abrangido por determinadas directivas comunitárias sobre concursos de empreitadas de obras públicas. As perguntas constantes do pedido prejudicial não tinham qualquer relação visível com o litígio objecto do processo principal. Dos fundamentos do pedido prejudicial resultava que, finalmente, tinha como objectivo obter uma decisão do Tribunal de Justiça sobre se os tribunais italianos, após a publicação da Lei italiana n._ 117/88, de 13 de Abril de 1988, sobre a responsabilidade civil dos juízes por danos causados no exercício das suas funções judiciais, ainda ofereciam as garantias exigidas pelo direito comunitário para exercerem de forma satisfatória as suas funções no âmbito da aplicação deste ordenamento jurídico (86). O Tribunal de Justiça concluiu que o tribunal de reenvio apenas se interrogava sobre as «reacções psicológicas» que poderiam ter alguns juízes italianos após a aprovação da referida lei. Dado que não existia claramente qualquer relação com o direito comunitário, o Tribunal considerou-se incompetente para responder às questões formuladas (87).

78 O Tribunal de Justiça referiu-se às considerações proferidas no acórdão Salonia não apenas no processo Falciola, repetindo-as e consolidando-as em vários outros casos (88).

79 Há, em todo o caso, que declarar que, numa série de outras decisões, o Tribunal se limitou a verificar a «inexistência de relação» entre a interpretação do direito comunitário pedida e o processo principal (89). O número destas decisões quase permite chegar à conclusão de que nelas o Tribunal de Justiça claramente renunciou ao critério suplementar de que a falta de conexão devia ser manifesta. Parece-nos, em todo o caso, duvidoso que assim seja, por várias razões. Por um lado, todos estes acórdãos assentam na decisão proferida no processo Salonia, em que a possibilidade de não responder ao pedido prejudicial foi considerada dependente exactamente da existência deste critério suplementar. Por outro, numa decisão de 16 de Maio de 1994, o Tribunal de Justiça, reportando-se expressamente ao acórdão Salonia e ao despacho Falciola, invocou «jurisprudência firmada» (90). Finalmente não se descortina nenhuma sucessão cronológica. Decisões em que este critério é referido alternam com decisões em que tal referência não existe.

80 Em todo o caso, deve considerar-se que apenas é de aceitar o entendimento de que o Tribunal de Justiça só pode recusar-se a responder a um pedido prejudicial quando for totalmente manifesto que este não tem qualquer relação com o processo principal. Deve recordar-se que a prática do Tribunal de Justiça não é apoiada pelo teor do artigo 177._ do Tratado. Como acertadamente se declara no acórdão Salonia, esta disposição caracteriza-se por uma «clara repartição de competências» entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais. A averiguação pelo Tribunal de Justiça da necessidade de uma decisão prejudicial - a fazer-se - só pode, por isso, ocorrer excepcionalmente. Para tanto é necessário que o exercício de tal competência pelo Tribunal de Justiça se limite aos casos em que manifestamente não exista qualquer relação entre o processo principal e as questões prejudiciais. Se fosse suficiente a falta objectiva de tal conexão, a divisão de competências prevista no artigo 177._ seria subvertida, o que considero inaceitável.

81 Finalmente, no início do terceiro grupo encontramos as decisões do Tribunal de Justiça no processo Foglia/Novello. O processo principal pendente no tribunal italiano dizia respeito a um conflito entre um comerciante italiano de vinhos e uma cliente, também italiana. A Sr.a Novello tinha acordado com o comerciante de vinhos que as caixas de vinho licoroso que comprara deviam ser remetidas para França e que as imposições fiscais aplicadas, pelas autoridades italianas ou francesas, incompatíveis com as disposições do Tratado CE sobre livre circulação de mercadorias, não seriam por ela suportadas. Semelhante cláusula foi incluída no contrato entre o comerciante de vinhos e a empresa de transporte. As autoridades francesas aplicaram à mercadoria importada determinadas imposições fiscais, que o transportador pagou e debitou ao comerciante de vinhos. Este exigiu então, em juízo, à Sr.a Novello o pagamento daquela importância. O tribunal em que a acção pendia apresentou ao Tribunal de Justiça várias questões sobre a compatibilidade das disposições tributárias francesas com o direito comunitário. Por acórdão de 11 de Março de 1980, o Tribunal de Justiça recusou responder a tais questões, declarando, em especial, que o «carácter artificial desta construção» era evidente (91).

82 O tribunal nacional apresentou de novo um pedido de decisão prejudicial. No acórdão que sobre ele recaiu (92), o Tribunal de Justiça reforçou a recusa de resposta, dando, para tal, mais pormenorizados fundamentos.

Considerou que, em princípio, os tribunais nacionais decidem sobre a necessidade de formularem um pedido prejudicial e que gozam, neste domínio, de «um poder de apreciação» (93), no entanto, com determinadas fronteiras:

«É efectivamente necessário sublinhar que o artigo 177._ não dá ao Tribunal de Justiça a missão de formular pareceres sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a de contribuir para a administração da justiça nos Estados-Membros. Não tem portanto competência para responder a questões de interpretação formuladas no quadro de artifícios processuais utilizados pelas partes para o levar a pronunciar-se sobre determinados problemas de direito comunitário que não correspondem a uma necessidade objectiva para a solução de um conflito. Uma declaração de incompetência em tal hipótese não atinge de modo algum as prerrogativas do tribunal nacional, permitindo antes evitar a utilização do processo previsto no artigo 177._ para fins diversos dos seus» (94).

O Tribunal de Justiça acrescentou ainda que, no desempenho das funções que lhe são atribuídas pelo artigo 177._, deve ter em conta «não apenas os interesses das partes no conflito mas também os da Comunidade e dos seus Estados-Membros». Não pode pois ficar indiferente às apreciações feitas pelos tribunais dos Estados-Membros sobre a necessidade de uma decisão prejudicial «nos casos excepcionais em que possam ter influência no funcionamento regular do procedimento previsto no artigo 177._» (95). O «espírito de colaboração» previsto no artigo 177._ exige efectivamente «que o tribunal nacional ao usar das possibilidades que lhe oferece o artigo 177._ tenha em conta as funções específicas que nesta matéria cabem ao Tribunal de Justiça» (96).

83 A conclusão a que o Tribunal chegou neste acórdão, de que nos termos do artigo 177._ não lhe cabe dar resposta a perguntas de carácter geral ou hipotéticas, foi a partir de então repetida em vários outros (97). Há, no entanto, que referir que este aspecto constitui apenas uma parte das considerações feitas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Foglia/Novello. Em meu entender, na base destes acórdãos está, afinal, o entendimento de que não se pode fazer uma utilização indevida do processo previsto no artigo 177._ do Tratado. No caso concreto, essa utilização consistiu em as partes no litígio, ao que parece concertadamente, procurarem, mediante um conflito artificial objecto de um processo em Itália, levar o Tribunal de Justiça a pôr em causa a conformidade de disposições legais francesas com o direito comunitário.

84 Que na base desta jurisprudência está efectivamente a ideia de abuso de direito resulta de forma especialmente clara dos dois já citados acórdãos de 1990, em que é igualmente referida a justificação invocada nos casos do segundo grupo. No acórdão Gmurzynska-Bscher, o Tribunal de Justiça restringiu a conclusão de princípio de que os tribunais nacionais se devem pronunciar sobre a necessidade do pedido de decisão prejudicial, afirmando o seguinte:

«As coisas só se passam diferentemente na hipótese de o processo do artigo 177._ do Tratado ser desviado do seu objecto de modo a, na realidade, visar, por meio de um litígio simulado, que o Tribunal de Justiça profira uma decisão, ou ser manifesto que a disposição de direito comunitário submetida à interpretação do Tribunal não é aplicável» (98).

Idêntico entendimento se encontra no acórdão Dzodzi (99).

85 Não é necessário insistir em que esta jurisprudência, em princípio, não suscita dúvidas. No caso de utilização indevida do processo previsto no artigo 177._, o Tribunal de Justiça pode recusar responder às questões apresentadas. Há, no entanto, que averiguar caso a caso se tal utilização indevida se verifica efectivamente.

3. Apreciação da admissibilidade das questões prejudiciais formuladas pela cour d'appel de Liège

86 Se examinarmos as questões apresentadas pela cour d'appel de Liège à luz das considerações precedentes, não pode haver dúvida razoável de que os casos do primeiro grupo não têm aqui cabimento uma vez que não se pode acusar o tribunal nacional de não ter informado o Tribunal de Justiça do quadro factual e jurídico em que se integram as questões por ele formuladas.

87 O pedido prejudicial contém cerca de 80 páginas densas. Ali se incluem não só detalhada referência às circunstâncias de facto do processo como também considerações de natureza jurídica que levaram o tribunal de reenvio a decidir pela admissibilidade do pedido e a apresentar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais. Poucos pedidos de decisão prejudicial de tribunais nacionais são tão fundada, profunda e extensamente elaborados como este.

88 É, em todo o caso, certo que o pedido prejudicial tem fundamentalmente por objecto questões referentes ao regime de transferências. Ao invés, a problemática das cláusulas de nacionalidade é tratada de forma relativamente sumária. Apesar disso, os pontos essenciais da argumentação do tribunal de reenvio são claramente reconhecíveis. Podemos resumi-los da seguinte forma: a parte correspondente do pedido formulado na acção proposta por J.-M. Bosman visa obter a declaração de que tais cláusulas são inválidas ou não lhe são aplicáveis. Este pedido apoia-se no entendimento de que tais cláusulas constituem pesada ameaça para o futuro da sua carreira. A admissibilidade deste pedido é, no entender da cour d'appel de Liège, de examinar tendo conta a situação existente à data da sua formulação. Naquela altura, J.-M. Bosman preenchia, segundo o entendimento do tribunal de reenvio, as condições exigíveis para a admissibilidade do pedido de providências cautelares, nos termos do artigo 18._ do code judiciaire belga, uma vez que não se podia excluir que, após o termo do seu contrato com o clube da Reunião, pudesse encontrar outro clube fora da Bélgica, dentro da Comunidade. Por isso, o tribunal nacional considerou o pedido admissível.

No entender daquele tribunal era, consequentemente, possível que J.-M. Bosman procurasse um clube estrangeiro dentro da Comunidade. As cláusulas de nacionalidade criariam obstáculos a esta procura. J.-M. Bosman tinha portanto, neste ponto de vista, interesse na prévia declaração de que tais cláusulas não lhe podiam ser aplicadas. Para tanto haveria que apresentar ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, uma vez que a sua compatibilidade com o direito comunitário ainda não tinha sido completamente esclarecida.

89 Embora com alguma parcimónia, estas considerações permitem só por si conhecer as dúvidas do tribunal nacional. E isto basta. Que o seu entendimento seja certo ou apenas plausível não releva nestas circunstâncias. O Tribunal de Justiça tem simplesmente que ser colocado na situação de proferir uma decisão útil, com conhecimento das circunstâncias objecto do processo principal. Em meu entender, o pedido prejudicial permite-lho.

90 Mais difícil de decidir é se a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial não suscita eventualmente dúvidas, tendo como pano de fundo os casos do segundo grupo. Trata-se, por outras palavras, de saber se as questões prejudiciais não têm manifestamente qualquer relação com «a realidade e o objecto do processo principal». Na realidade, o problema apenas se põe quanto à segunda questão. A tentativa da UEFA e da URBSFA de pôr em causa a admissibilidade da primeira questão prejudicial não convence. Saber se a transferência de J.-M. Bosman para o US de Dunquerque se teria verificado se tivessem sido respeitadas as normas pretensamente aplicáveis da UEFA não tem neste caso importância determinante. Esta pergunta tem eventualmente interesse para decidir a questão de saber quem é directamente responsável pela não realização da transferência. J.-M. Bosman, todavia, formula a questão mais ampla de saber se as normas de transferência, em si, são legais. Para lhe responder é sem dúvida necessária uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça. Se se verificar que as regras de transferência são ilegais, esta conclusão influenciará a decisão a proferir pelo tribunal nacional. Existe, por isso, seguramente, um nexo entre o pedido de interpretação do direito comunitário formulado na primeira questão e o litígio objecto do processo principal.

91 Também a segunda questão tem nexo com o «objecto» do litígio do processo principal. Isto é claramente definido pelos pedidos formulados pelo autor. No processo pendente nos tribunais nacionais, o autor pediu a declaração de que as cláusulas de nacionalidade não lhe são aplicáveis. Tal pedido apoia-se na consideração de que violam o direito comunitário. Não vejo como, tendo em conta estas circunstâncias, possa haver dúvidas sobre a existência de uma relação entre a interpretação solicitada e o conflito objecto do processo principal.

92 Uma rápida análise das decisões em que o Tribunal de Justiça recusou responder às perguntas formuladas confirma o meu entendimento. Já foi referida a matéria de facto objecto do processo Falciola (100). Ali se verificava, sem mais, que as questões prejudiciais nada tinham a ver com o processo principal. Assim não acontece agora, como já esclareci. No caso Lourenço Dias (101), o objecto do processo principal, pendente num tribunal português, era um veículo automóvel novo construído em 1989 e importado de França. O Tribunal de Justiça recusou responder a seis das oito perguntas com o fundamento de que não tinham «manifestamente qualquer relação com a realidade em discussão no processo principal» (102). Dois exemplos bastarão para esclarecer esta afirmação. A primeira questão prejudicial relacionava-se com a importação de veículos automóveis usados, ao passo que na sétima se tratava de veículos automóveis construídos antes de 1951 (103). No caso em apreço, ao invés, não se pode desconhecer que as questões prejudiciais formuladas se relacionam com a matéria de facto pendente de decisão no tribunal de reenvio. No segundo despacho proferido no processo Monin, o Tribunal de Justiça declarou que as questões prejudiciais formuladas apenas poderiam eventualmente ter importância para uma acção de indemnização contra a administração francesa e para um pedido a formular às autoridades francesas competentes em matéria de concorrência. Todavia, o juiz de reenvio apenas tinha determinadas funções no quadro de um processo de liquidação de patrimónios. Nenhum dos mencionados pedidos lhe foi ou podia ser apresentado. O tribunal de reenvio não tinha por isso que aplicar as normas de direito comunitário em questão (104). No caso que nos ocupa, ao invés, o tribunal nacional declarou-se competente para dirimir o litígio nele pendente. Mais importante me parece ainda, neste contexto, o acórdão proferido no processo Corsica Ferries (105). Nele o Tribunal de Justiça declarou que a Comissão salientou justamente que o pedido a apreciar pelo tribunal nacional versava apenas sobre determinada matéria. Com este fundamento, as questões prejudiciais, que se relacionavam com outra matéria, não foram respondidas (106). Ora, como já várias vezes referi, J.-M. Bosman pede exactamente, no processo pendente no tribunal nacional, que se declare que as cláusulas de nacionalidade não lhe são aplicáveis. A decisão proferida no processo La Pyramide está formulada de forma muito sintética, todavia a sua fundamentação parece corresponder à utilizada pelo Tribunal de Justiça no caso Corsica Ferries (107).

93 Em meu entendimento não há portanto falta de nexo entre as duas questões prejudiciais formuladas e o objecto do processo principal. Ainda que assim se não entendesse, haveria que ter em conta que a recusa em responder à questão prejudicial apenas seria de encarar se tal relação não existisse manifestamente. Ora, como acima se disse, tal não é o caso.

94 Na fundamentação das decisões proferidas nos casos deste grupo atendeu-se não apenas à falta de relação entre a interpretação solicitada ao Tribunal de Justiça e o objecto do processo principal mas referiu-se também que tal relação deverá existir face à realidade do processo principal (108). Esta consideração, que para os casos acima analisados pertencentes a este grupo não tem qualquer relevância, tem-na claramente para a fundamentação que o Tribunal de Justiça utilizou nos acórdãos proferidos nos casos do terceiro grupo. A questão da «realidade» de um conflito pode efectivamente significar que deve verificar-se se não se está fundamentalmente perante um conflito fictício ou artificial. A este assunto passarei de imediato ao analisar a relevâncias dos acórdãos proferidos nos casos do terceiro grupo para o processo que agora nos ocupa.

95 Primeiramente, devemos todavia ocupar-nos ainda dos argumentos invocados com base na decisão da Cour de cassation de 30 de Março de 1995, cuja análise, neste momento, me parece totalmente adequada. A afirmação do Governo francês de que a segunda questão prejudicial ficou possivelmente sem objecto com esta decisão, não resiste a uma segunda análise. Esta questão prejudicial não era directamente objecto do processo de cassação e, por isso, não foi analisada pela Cour de cassation. Nos fundamentos daquela decisão, o tribunal nacional expressou o entendimento de que a cour d'appel de Liège, no acórdão de 1 de Outubro de 1993, não declarou que era admissível o pedido de J.-M. Bosman de declaração de que as cláusulas de nacionalidade não lhe eram aplicáveis. Pode por isso considerar-se que se verifica uma correcção do acórdão do tribunal de reenvio uma vez que este - como já se referiu - considerou admissíveis o conjunto dos pedidos. Em meu entender, a decisão limitou-se a corrigir um possível erro da cour d'appel de Liège. As cláusulas de nacionalidade da federação belga não podem, na realidade, atingir J.-M. Bosman nos seus direitos, enquanto cidadão belga. Isto não tem, todavia, quaisquer consequências para a decisão da segunda questão prejudicial, referente às cláusulas de nacionalidade, uma vez que J.-M. Bosman fez igualmente o pedido de declaração de não aplicabilidade dessas cláusulas contra a UEFA e tal pedido respeita à regulamentação da UEFA ou às regulamentações das federações nacionais que nela se baseiem.

96 Voltemo-nos agora para os casos do terceiro grupo, decisivamente importantes para a questão da admissibilidade das questões prejudiciais. Como já foi referido, algumas das partes no processo são de parecer que, com a segunda questão prejudicial, se procurou levar o Tribunal de Justiça a pronunciar-se sobre questões gerais ou hipotéticas. A UEFA e a URBSFA sustentam, além disso, que se trata de um conflito fictício ou artificial.

97 Não há que perder de vista que, quer um quer outro destes pontos de vista têm alguma justificação. Isto é válido, efectivamente, apenas para a segunda questão prejudicial. No que respeita à questão da compatibilidade do sistema de transferências com o direito comunitário, não pode haver dúvida de que J.-M. Bosman prossegue um objectivo que é não só legítimo como compreensível. Com a aplicação - legal ou não - das regras de transferência sofreu um prejuízo cuja reparação pretende obter. Se, simultaneamente, com isto, põe em causa a legalidade do próprio sistema de transferências, está no seu pleno direito.

Menos claro é, ao invés, as razões pelas quais trouxe também a campo as cláusulas de nacionalidade. Não se vê que, até ao momento, tenha sido limitado pela aplicação destas cláusulas num caso concreto, em termos de desempenho da sua profissão de jogador de futebol. Referiu-se com razão que já jogou em clubes no estrangeiro. As suas dificuldades para, após os acontecimentos do Verão de 1990, encontrar um novo clube devem - pondo de parte outras circunstâncias - atribuir-se menos à sua nacionalidade que ao boicote que parece ter-lhe sido feito. Poderia por isso sustentar-se que a possibilidade de J.-M. Bosman ser prejudicado pela aplicação destas cláusulas é questionável e meramente hipotética.

É, além disso, digno de nota que a questão sobre eventuais desvantagens resultantes da aplicação das cláusulas de nacionalidade não se colocou nem na acção originalmente proposta nem no processo de providências cautelares. Parece que esta questão adquire relevância apenas na acção proposta por J.-M. Bosman em Agosto de 1991. As considerações com que o tribunal de reenvio procura fundamentar a sua análise, de que tal questão foi posta, desde o início, nos pedidos de J.-M. Bosman, parecem-me não isentas de dúvidas.

98 O Tribunal de Justiça poderia, por isso, com base na sua jurisprudência, chegar à conclusão de que a segunda questão prejudicial não era admissível. Gostaria, no entanto, de lhe propor expressamente que não dê tal passo. Em meu entender, não basta ter em conta que a questão prejudicial assenta numa matéria de facto - possivelmente - hipotética. Deve antes partir-se do sentido e objectivo da possibilidade de recusa de resposta à questão prejudicial. O exame desta problemática leva, a meu ver, à conclusão de que a recusa de resposta à questão prejudicial é possível mas não necessária nem adequada. As razões para este entendimento serão dadas a seguir.

99 Convém em primeiro lugar examinar sucintamente o carácter hipotético da questão prejudicial. O procedimento judicial em curso nos tribunais belgas tem por objecto uma acção que visa a defesa de prejuízos futuros. Não se impõem grandes considerações para justificar que a circunstância de se tratar de prejuízos que apenas poderão vir a ocorrer não tem qualquer significado no presente contexto. Uma questão prejudicial não tem natureza hipotética pelo facto de o seu objecto ainda não ter ocorrido. O pedido de providências cautelares é um meio importante de garantir uma efectiva protecção jurídica. Um tribunal em que penda o respectivo processo deve por isso ter também a possibilidade de se dirigir ao Tribunal de Justiça para interpretação das normas de direito comunitário aplicáveis.

Por outro lado, é claro que tal possibilidade não pode ser ilimitada. Dado que o Tribunal de Justiça, como ele próprio declarou, é chamado pelo artigo 177._ do Tratado CE «a contribuir para a administração da justiça nos Estados-Membros» (109), apenas tem que agir quando o seu auxílio for efectivamente necessário. Tal não acontece quando se tratar de uma questão puramente hipotética, cuja resposta não serve para a administração da justiça nos Estados-Membros. Isto deve ser igualmente válido para pedidos do tipo do agora pendente.

100 Ora, é também sabido que, por razões semelhantes, a admissibilidade de tais pedidos está sujeita a restrições previstas no direito nacional. Os tribunais nacionais apenas devem agir quando for efectivamente necessário. Segundo as informações do tribunal de reenvio, o referido artigo 18._ do code judiciaire belga faz depender a admissibilidade daquele pedido de várias condições. Assim, apenas será admissível, além do mais, se o direito em causa estiver séria e gravemente ameaçado e não apenas hipoteticamente. Tendo em conta que a cour d'appel de Liège considerou a acção admissível no caso pendente, é manifesto que entendeu que o conflito não era de forma alguma hipotético.

101 Este entendimento do tribunal nacional não é vinculativo para o Tribunal de Justiça. A cour d'appel de Liège tem competência para conhecer da admissibilidade das acções nela intentadas. O Tribunal de Justiça, ao invés, deve decidir, no quadro do artigo 177._ do Tratado CE, se a questão prejudicial lhe é colocada para obtenção de um parecer sobre uma questão puramente hipotética. É de qualquer modo claro que deve ter em conta o entendimento do tribunal nacional. Da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça resulta que o juiz nacional está melhor colocado para decidir sobre a necessidade de uma decisão prejudicial do que o Tribunal de Justiça. Este só poderá afastar-se de tal entendimento em fundamentados casos excepcionais. Já esta circunstância é contrária a considerar-se como inadmissível a questão prejudicial em causa, no caso em apreço.

102 Acresce que o Tribunal de reenvio conhecia a jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto à possibilidade da inadmissibilidade de questões prejudiciais e resumiu-a na decisão de reenvio. Se, apesar disso, a cour d'appel de Liège apresentou a segunda questão prejudicial, isso significa que, não obstante aquela jurisprudência, entendia que lhe era necessária uma resposta deste Tribunal a tal questão para poder decidir o processo nela pendente. Também isto tem o Tribunal de Justiça que aceitar neste contexto.

103 Todavia, como já salientei, não me parece decisivo o possível carácter hipotético da questão prejudicial. Haverá antes que perguntar se, no caso em apreço, existirá uma utilização indevida do processo previsto no artigo 177._ que justifique a recusa de resposta à questão prejudicial. Deve, assim, perguntar-se se, no caso em apreço, o processo previsto no artigo 177._ foi utilizado para «fins diversos dos seus», segundo a formulação do Tribunal de Justiça no caso Foglia/Novello (110).

104 Nesse acórdão o Tribunal de Justiça considerou que o processo do artigo 177._ lhe atribui a missão de «colaborar na administração da justiça nos Estados-Membros» (111). Esta colaboração consiste em dar aos tribunais nacionais uma resposta vinculativa sobre a interpretação do direito comunitário, a qual é necessária para a resolução de processos neles pendentes. Esta colaboração é um corolário da sua função mais geral de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratado CE, prevista no seu artigo 164._ Em meu entender, o Tribunal de Justiça deve agir ao abrigo do referido artigo 177._ apenas na medida do necessário para o cumprimento dessa missão. O processo previsto nesta disposição seria portanto indevidamente utilizado se fossem formuladas questões cuja resposta não se traduzisse numa colaboração na administração da justiça nos Estados-Membros.

105 Para resolução da questão de saber se, no caso em apreço, se verifica uma utilização indevida daquela disposição, haverá que examinar mais de perto os dois acórdãos mais importantes do Tribunal de Justiça sobre a matéria - Foglia/Novello e Meilicke. No acórdão Meilicke (112), o processo principal respeitava a um conflito pendente num tribunal alemão e objecto de uma acção proposta por um accionista contra o representante de uma sociedade, em matéria de prestação de determinadas informações. Estas informações diziam directamente respeito a um aumento de capital da sociedade e à utilização dos meios assim obtidos. No essencial, tratava-se, todavia, de saber se a jurisprudência desenvolvida pela segunda secção do Bundesgerichtshof sobre entradas em espécie dissimuladas era compatível com as disposições aplicáveis do direito comunitário. As questões prejudiciais apresentadas tinham por objecto a interpretação destas disposições do direito comunitário. O tribunal de reenvio pronunciou-se no sentido de que o pedido objecto da acção nele pendente deveria ser indeferido se a referida jurisprudência do Bundesgerichtshofs fosse incompatível com o direito comunitário.

O Tribunal de Justiça considerou que, atentas as informações fornecidas pelo tribunal de reenvio, não estava esclarecido se tal jurisprudência seria aplicável no caso concreto e decidiu por isso tratar-se de um pedido de questões prejudiciais hipotéticas. Acrescentou que o tribunal nacional não lhe forneceu todos os dados de que necessitava para responder ao pedido prejudicial. Recusou, com tal fundamento, a resposta a essas questões, por inadmissibilidade (113).

Esta fundamentação deixa muitas questões em aberto. Compreender-se-á melhor se a compararmos com as claras considerações desenvolvidas pelo advogado-geral G. Tesauro. Este salienta que W. Meilicke defendera, no processo pendente no tribunal nacional (e já antes), a tese de que a referida jurisprudência do Bundesgerichtshof era contrária ao direito comunitário. Sustentou portanto uma tese que devia conduzir à negação do direito por ele invocado em juízo. O advogado-geral G. Tesauro concluiu, assim, de forma tão acertada quanto concisa: «O litígio perante o juiz nacional foi manifestamente `construído pelo próprio W. Meilicke'» (114).

106 O caso que ora nos ocupa não é, portanto, comparável. A questão prejudicial respeita directamente ao pedido de J.-M. Bosman. Este sustenta, além disso, que as cláusulas de nacionalidade violam o direito comunitário. A justeza deste entendimento é um dos pressupostos do sucesso do seu pedido nos tribunais belgas.

107 A matéria de facto do caso Foglia/Novello foi já exposta. Três pontos são de considerar. Primeiro, é dado adquirido que, neste caso, todas as partes agem conjuntamente no sentido de obter uma decisão do Tribunal de Justiça. Segundo, este Tribunal atribuiu manifestamente importância ao facto de, neste processo, as disposições de um Estado-Membro serem postas em causa através de um processo artificial noutro Estado-Membro. Isto não é dito no acórdão; todavia, a invocação dos interesses dos Estados-Membros que o Tribunal de Justiça deve ter em conta (115) está, em meu entender, suficientemente demonstrada. Terceiro, é manifesto que a recusa de responder às questões prejudiciais não tinha consequências na medida em que qualquer tribunal confrontado com um conflito real que tivesse por objecto estas disposições legais francesas continuava a ter a possibilidade de se dirigir ao Tribunal de Justiça, solicitando uma decisão a título prejudicial de tais questões. Assim, a empresa encarregada do transporte do vinho ou um dos demais interessados poderiam impugnar no tribunal francês competente a questionada tributação pelas autoridades francesas. Este tribunal poderia, por seu lado, apresentar ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

108 No caso em apreço é, em primeiro lugar, claro que o conflito pendente nos tribunais belgas pode ser eventualmente «artificial» ou «fictício» no respeitante ao pedido formulado pelo autor. As federações demandadas não estão efectivamente de acordo com a actuação de J.-M. Bosman e invocam a inadmissibilidade da questão prejudicial. No entanto, a audiência no Tribunal de Justiça demonstrou que, no presente processo, se tratava de um verdadeiro conflito jurídico, de modo algum «fictício» ou «artificial».

109 Quanto ao conflito no processo principal ser eventualmente objecto de uma acção proposta noutro tribunal de um Estado-Membro de forma a que os direitos de outros Estados-Membros ou de interessados de outros Estados-Membros possam ser ofendidos, poderia eventualmente ser válido para a UEFA, que tem sede não na Bélgica mas na Suíça. Este fundamento foi por esta também utilizado no processo principal, para contestar a competência dos tribunais belgas. Está, no entanto, fora de dúvida que as regulamentações da UEFA são aplicáveis, além do mais, em todos os Estados-Membros. Por isso, têm os tribunais de cada um destes Estados a possibilidade de apresentar ao Tribunal de Justiça a questão da sua compatibilidade com o direito comunitário. Finalmente, deve ter-se em conta que esta questão não pode ser apreciada de modo algum pelos tribunais da Suíça ou objecto de um reenvio prejudicial submetido por estes ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177._ do Tratado CE.

110 Chego portanto à conclusão de que as questões prejudiciais apresentadas são admissíveis, não só nos termos da letra do artigo 177._, mas também da mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça.

111 Mesmo quem pretenda contrariar esta conclusão face à mais recente jurisprudência não pode deixar de admitir que o Tribunal de Justiça tem efectivamente o direito, mas de modo algum a obrigação, de se recusar a responder à(s) questão(ões) apresentada(s), por inadmissibilidade. Põe-se, no entanto, a questão de saber se o Tribunal de Justiça deve lançar mão de tal possibilidade.

112 A razão que me leva a responder a esta questão pela negativa consiste em não saber de que modo a questão da compatibilidade das cláusulas de nacionalidade com o artigo 48._ do Tratado CE (quanto aos artigos 85._ e 86._ a solução pode ser outra) pode chegar de outro modo ao Tribunal de Justiça. Embora a Comissão critique desde há muito tais cláusulas, não desencadeou, no entanto, qualquer processo de violação do Tratado, nos termos do artigo 169._, por lhe parecerem, por razões formais, duvidosos os seus resultados (116). Desde o caso Donà em 1976 (que ainda examinaremos) não chegou ao Tribunal de Justiça qualquer pedido de decisão prejudicial de um tribunal nacional relativa a uma destas cláusulas. E isto não me parece mero acaso. Os interessados não querem ou não estão em situação de provocar um esclarecimento judicial da questão.

113 A experiência dos últimos anos confirma-o. Em pelo menos dois casos, as cláusulas de nacionalidade desempenharam um papel decisivo, sem que os interessados tenham desencadeado contra elas qualquer procedimento judicial (117). Num caso que se verificou nos Países Baixos, o jogo foi repetido (118). O segundo caso verificou-se, não há muito, na Alemanha. Na Primavera de 1995, o clube 1. FC de Nuremberga, em perigo de descer de divisão, jogou com o SV de Meppen um jogo da segunda divisão alemã. Poucos minutos antes do termo do desafio, o Nuremberga fez intervir, em substituição, um quarto jogador estrangeiro, de nacionalidade austríaca, quando o resultado estava em dois a zero. A federação alemã de futebol reavaliou o jogo que terminara por dois a zero a favor do Nuremberga, atribuindo-lhe, devido a esta violação do regulamento, de dois pontos para zero e de dois a zero a favor do SV de Meppen. O clube de Nuremberga aceitou esta descida de pontuação. Isto confirma a conhecida opinião de que, em regra, os intervenientes na área do desporto se conformam voluntariamente com as normas estabelecidas e não estão dispostos a levar os seus conflitos aos tribunais nacionais (119).

114 Independentemente disto, é difícil prever de que modo um tal conflito poderia chegar de outra forma ao Tribunal de Justiça sem ser pelo meio utilizado no presente caso. Se, por exemplo, o 1. FC de Nuremberga, no caso referido, se tivesse dirigido aos tribunais nacionais e estes apresentassem um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, decorreria - como o confirma o presente processo - bastante tempo até haver uma resposta. Tal significaria que a questão da saída da segunda divisão (com todas as consequências que lhe estão ligadas para os outros clubes) apenas se esclareceria passados dois ou mais anos. É evidente que tal teria sido inaceitável.

115 É, apesar de tudo, imaginável que um jogador recorresse aos tribunais nacionais se o clube para o qual desejava jogar recusasse a sua candidatura à realização de um contrato com o fundamento de que era estrangeiro e não podia ser contratado, uma vez que o clube em causa não podia incluí-lo em desafios em virtude da cláusula de nacionalidade. Todavia tudo indica que, neste caso, se trataria de uma situação hipotética que dificilmente se traduziria em realidade. É, além disso, difícil compreender que um jogador se permitisse iniciar um tal conflito e deixá-lo seguir até ao seu termo. O exemplo de J.-M. Bosman ilustra com toda a clareza as dificuldades com que se defrontaria esse jogador.

116 Se, no entanto, se chegasse efectivamente a um processo em tribunais nacionais, a experiência noutros domínios desportivos mostra que o Tribunal de Justiça não seria necessariamente consultado (120). Os tribunais de Liège em que pendem os processos principais constituem portanto excepções à regra.

117 Do atrás referido pode concluir-se que é claramente improvável que ao Tribunal de Justiça volte a ser posta uma nova questão prejudicial que tenha por objecto a compatibilidade das cláusulas de nacionalidade com o direito comunitário. Do mesmo modo é claro que as federações de futebol são de opinião de que as cláusulas de nacionalidade são compatíveis com o direito comunitário e que não estão dispostas a abrir mão delas. A resposta à questão prejudicial permitiria ao Tribunal de Justiça esclarecer a questão e afastar as dúvidas que a jurisprudência anterior deixou subsistir. Em meu entender, desta forma, o Tribunal de Justiça prestaria uma «colaboração na administração da justiça nos Estados-Membros». Efectivamente, dificilmente se pode considerar que nestas condições a cour d'appel de Liège tenha feito um uso indevido do processo previsto no artigo 177._ do Tratado CE. Se, pelo contrário, o Tribunal de Justiça recusar dar resposta à questão, continuará a regulamentação desta matéria entregue à discrição das federações desportivas. Isto, considero-o dificilmente aceitável.

Também não consigo entender que interesse digno de protecção poderão ter as federações em causa na recusa de resposta à questão prejudicial. O vigor com que estas sustentam a tese da inadmissibilidade da segunda questão prejudicial, pode facilmente suscitar num observador desinteressado a impressão de que a análise das cláusulas de nacionalidade face ao direito comunitário é pura e simplesmente indesejável. Que um tal ponto de vista - se efectivamente existisse - não deveria merecer consideração, compreende-se por si mesmo.

118 Como já referi, o Tribunal de Justiça tem a possibilidade, em determinadas condições, de recusar responder a um pedido de decisão prejudicial. Isto não significa que deva fazer uso de tal possibilidade em todos os casos. Em meu entender, no caso que nos ocupa, os melhores argumentos inculcam que a questão prejudicial deve ser respondida. Devo lembrar ainda que, por exemplo, também o advogado-geral G. Tesauro, no caso Meilicke, apesar das circunstâncias já referidas, foi de opinião que o Tribunal de Justiça devia responder às questões formuladas (121).

119 Finalmente, aponta também no sentido da resposta à questão prejudicial o acórdão proferido no caso Donà. Para melhor o compreender torna-se necessário recordar a matéria de facto na base de tal acórdão. Na altura em questão (1976), a utilização de estrangeiros era em princípio, no futebol profissional italiano, totalmente proibida. O presidente de um clube de futebol tinha, no entanto, encarregado G. Donà de sondar nos círculos de futebol estrangeiros se poderiam encontrar-se jogadores dispostos a jogar para este clube italiano. G. Donà fez, por isso, publicar num jornal desportivo belga um anúncio para o efeito. O referido clube recusou, no entanto, reembolsá-lo das despesas havidas com a diligência, por G. Donà ter agido precipitadamente. Apoiou-se para o efeito no regulamento da federação italiana que se opõe à utilização de jogadores estrangeiros. G. Donà solicitou por isso o pagamento da importância correspondente no Giudice Conciliatore Rovigo, que apresentou ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial quanto à compatibilidade das cláusulas de nacionalidade com o direito comunitário (122).

Vários comentadores manifestaram a suspeita de que o conflito objecto do processo principal era artificial, tendo como único objectivo levar o Tribunal de Justiça a tomar posição sobre as cláusulas de nacionalidade (123). Esta suspeita não deve ser posta de lado. O Tribunal de Justiça respondeu, no entanto, às questões prejudiciais formuladas - aliás justamente. O mesmo deverá fazer no presente caso e não se recusar a prestar a colaboração na administração da justiça nos Estados-Membros que lhe foi, de novo, solicitada.

III - Jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio desportivo

120 Nos anos 70, o Tribunal de Justiça tomou posição sobre a aplicabilidade do direito comunitário no domínio do desporto em dois acórdãos fundamentais. Trata-se do acórdão Walrave (124), por um lado, e do já várias vezes referido acórdão Donà, por outro. Estes acórdãos foram já amplamente discutidos no presente processo. É por isso vantajosa, para análise das duas questões prejudiciais, uma curta apresentação dos dois acórdãos.

121 O acórdão primeiramente referido respeita a dois cidadãos de nacionalidade neerlandesa, B. N. O. Walrave e L. J. N. Koch, treinadores profissionais de corredores de bicicleta em pista - os chamados «Stayers». Neste desporto, cada corredor tem um treinador numa motocicleta em cuja retaguarda corre da protecção do vento. Os campeonatos mundiais fazem parte das corridas em que participam. A Union cycliste internationale (federação internacional de ciclismo) elaborou um regulamento para estes campeonatos em cujos termos, a partir de 1973, corredores e treinadores devem ter a mesma nacionalidade. B. N. O. Walrave e L. J. N. Koch entendiam que esta disposição violava o direito comunitário. O Arrondissementsrechtbank Utrecht apresentou várias questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça sobre, entre outros, os artigos 7._, 48._ e 59._ do Tratado CEE.

122 O Tribunal de Justiça examinou em primeiro lugar a questão da aplicabilidade do direito comunitário no domínio do desporto:

«Tendo presente os objectivos da Comunidade, a prática de desportos só é abrangida pelo direito comunitário na medida em que constitua uma actividade económica na acepção do artigo 2._ do Tratado.

Sempre que tal actividade tenha a natureza de prestação de trabalho assalariado ou de prestação de serviços remunerados, insere-se, em especial, no âmbito de aplicação, consoante os casos, dos artigos 48._ a 51._ ou 59._ a 66._ do Tratado.

Estas disposições, que dão execução à regra geral do artigo 7._ do Tratado, proíbem qualquer discriminação em razão da nacionalidade, no exercício das actividades a que se referem.

Para este efeito, é irrelevante a natureza exacta do vínculo jurídico em virtude do qual aquelas prestações são efectuadas, uma vez que a regra de não discriminação se estende, em termos idênticos, a todas as prestações de trabalho ou de serviços.

Todavia, esta proibição não se aplica à constituição de equipas desportivas, em especial sob a forma de equipas nacionais, uma vez que a formação destas equipas constitui uma questão que unicamente diz respeito ao desporto e, como tal, é alheia à actividade económica.

Esta restrição ao âmbito de aplicação das disposições em causa deve, todavia, conservar-se limitada ao seu próprio objecto» (125).

A decisão da questão de saber se, neste caso, se está perante uma actividade sujeita ao direito comunitário e se, neste caso, o treinador e corredor constituem uma equipa, foi deixada pelo Tribunal de Justiça ao tribunal nacional (126). Acrescentou a este respeito que «estas respostas devem entender-se dentro dos limites, acima definidos, do âmbito de aplicação do direito comunitário» (127).

123 O Tribunal de Justiça passou de seguida à análise do problema da possibilidade de aplicação do direito comunitário aos regulamentos das federações desportivas privadas, respondendo afirmativamente:

«A proibição desta discriminação impõe-se não apenas à actuação das autoridades públicas, mas abrange também as regulamentações de outra natureza, destinadas a disciplinar, de forma colectiva, o trabalho assalariado e as prestações de serviços.

Efectivamente, a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e à livre prestação de serviços entre os Estados-Membros, objectivos fundamentais da Comunidade enunciados no artigo 3._, alínea c), do Tratado, seria comprometida se a abolição das barreiras de origem estatal pudesse ser neutralizada por obstáculos resultantes do exercício da sua autonomia jurídica por associações ou organismos de direito privado...» (128).

O Tribunal de Justiça decidiu ainda que este entendimento que assenta, em primeira linha, no artigo 48._, era igualmente válido para o artigo 59._:

«As actividades referidas no artigo 59._ não se diferenciam, pela sua natureza, das referidas no artigo 48._ mas apenas pela circunstância de serem exercidas fora das relações estabelecidas por um contrato de trabalho.

Esta única diferença não pode justificar uma interpretação mais restritiva do âmbito de aplicação da liberdade que se pretende assegurar» (129).

124 Ainda mais importante para o caso que nos ocupa é o acórdão Donà, de cuja matéria de facto se fez já resenha (130). Remetendo para o acórdão Walrave, o Tribunal de Justiça confirmou a decisão de que o direito comunitário se aplica aos regulamentos das federações desportivas (131).

O Tribunal de Justiça fá-lo nos seguintes termos:

«Tendo em consideração os objectivos da Comunidade, a prática de desportos está abrangida pelo direito comunitário, na medida em que constitui uma actividade económica na acepção do artigo 2._ do Tratado.

É este o caso da actividade dos jogadores de futebol, profissionais ou semiprofissionais, que exercem uma actividade assalariada ou efectuam prestações de serviços remuneradas.

Quando esses jogadores têm a nacionalidade de um Estado-Membro, beneficiam nos restantes Estados-Membros das normas comunitárias em matéria de livre circulação de pessoas e de serviços.

No entanto, tais normas não se opõem a uma regulamentação ou prática que exclua os jogadores estrangeiros da participação em determinados encontros, por razões que não sejam económicas mas inerentes à natureza e ao contexto específico destes encontros, que têm, assim, uma natureza exclusivamente desportiva, como acontece, por exemplo, nos encontros entre equipas nacionais de diferentes países.

No entanto, esta restrição do âmbito de aplicação das disposições em causa deve ser mantida dentro dos limites do seu próprio objecto.

Ao órgão jurisdicional nacional compete qualificar, à luz do que foi referido, a actividade sujeita à sua apreciação» (132).

125 Destes dois acórdãos podem retirar-se as seguintes conclusões relevantes para o caso agora em apreço:

1) Também os regulamentos das federações desportivas estão sujeitos ao direito comunitário.

2) O domínio dos desportos está sujeito ao direito comunitário dado que faz parte da vida económica.

3) A actividade de jogador profissional de futebol constitui uma actividade remunerada, caindo por isso na alçada do direito comunitário.

4) A esta actividade são aplicáveis ou o artigo 48._ ou o artigo 59._, sem que daí resultem diferenças.

5) O Tribunal de Justiça reconhece existirem várias excepções às proibições contidas nestas disposições. Ao passo que no acórdão Walrave a questão da formação de equipas desportivas é sempre excluída da proibição, no acórdão Donà o Tribunal de Justiça restringe a excepção à exclusão de jogadores estrangeiros de determinados encontros. Em ambos os acórdãos são associadas as excepções por motivos não económicos que digam exclusivamente respeito ao desporto.

IV - Interpretação do artigo 48._

1. Aplicabilidade do artigo 48._

126 Embora o Tribunal de Justiça haja decidido, no acórdão Donà, que a actividade de jogador profissional de futebol ou semiprofissional constitui uma parte da actividade económica nos termos do artigo 2._ do Tratado CE e por isso está submetida ao direito comunitário, a URBSFA e a UEFA apresentaram vários argumentos que exprimem o entendimento de que, ao caso pendente, não são aplicáveis nem o artigo 48._ nem as normas do direito comunitário europeu sobre acordos entre empresas. Nenhum destes argumentos pode convencer.

127 A URBSFA sustentou que apenas os grandes clubes europeus de futebol desenvolvem uma actividade económica. Tal não é, todavia, o caso dos clubes em causa, isto é, o RC de Liège e US de Dunquerque. A entender-se que a sua actividade tem natureza económica, esta seria insignificante. Tal argumentação não pode ser aceite. Como o Tribunal de Justiça declarou justamente, o futebol profissional é uma actividade económica; saber qual o seu âmbito é tão irrelevante como a questão do ganho que proporciona.

128 Quanto às cláusulas de transferência, a UEFA sustentou que a aplicação do artigo 48._ a esta regulamentação e os seus efeitos dificilmente se podem limitar ao futebol profissional. Uma vez que estas regras têm nomeadamente como objectivo subvencionar os clubes mais pequenos, a restrição ao futebol profissional, da decisão do Tribunal de Justiça, teria forçosas consequências para o conjunto da organização do futebol. Este argumento tem a ver com as consequências da decisão do Tribunal de Justiça, mas não com a questão da aplicabilidade do direito comunitário, não podendo por isso contrariá-la. As possíveis consequências da decisão do Tribunal de Justiça serão todavia consideradas aquando da resposta às questões prejudiciais.

129 Reportando-se, nomeadamente, ao facto de a maior parte dos clubes de futebol seus membros terem o estatuto de «association sans but lucratif», a URBSFA procurou demonstrar que as cláusulas de transferência não tinham incidência nas relações entre o clube e os seus jogadores e o artigo 48._ não era, por isso, aplicável. Se bem compreendo esta argumentação, a URBSFA pretende que as cláusulas de transferência só dizem respeito às relações entre os clubes, ao passo que o artigo 48._ se refere apenas às relações de trabalho entre o clube e o jogador. Não podemos seguir esta argumentação. A distinção proposta é artificial e não adequada à realidade. As cláusulas de transferência têm, como demonstraremos, importância directa e fundamental para um jogador que quer mudar de clube. O caso em apreço demonstra-o: se não existissem as regras de transferência não haveria oposição à transferência de J.-M. Bosman para o US de Dunquerque. Não se pode, portanto, seriamente pretender que tais cláusulas se reportam simplesmente às relações jurídicas entre os clubes. Isto não significa que tais cláusulas violem o artigo 48._ Vê-lo-emos adiante. Averiguaremos ainda se - em especial como a UEFA as aplica - são de natureza exclusivamente desportiva.

130 A UEFA invoca ainda alguns argumentos de natureza política. Formula, nomeadamente, a questão de o artigo 48._, que não permite qualquer excepção, não ser adequado à solução dos problemas do domínio desportivo. Todavia, em meu entender, esta questão não se põe. O futebol profissional é uma actividade económica e, nessa medida, está subordinada ao direito comunitário. As especificidades deste sector podem ter-se em conta através da interpretação das disposições aplicáveis. Correspondentemente, é válido para o argumento da UEFA o princípio da subsidiariedade actualmente consagrado no artigo 3._-B do Tratado CEE. Todavia, o princípio da subsidiariedade não se aplica, segundo o teor deste mesmo artigo, no domínio das competências exclusivas da Comunidade, nomeadamente no das liberdades fundamentais. Deste princípio também se não pode retirar que o direito comunitário não seja aplicável ao futebol profissional.

131 Finalmente, a UEFA sustenta que se trata de questão puramente nacional à qual, reconhecidamente, o artigo 48._ não pode ser aplicado. Afirma, para tanto, que se trata de um conflito entre um jogador de futebol de nacionalidade belga e a federação belga, competente para a emissão do certificado de desvinculação que lhe teria permitido deixar o seu clube. Esta argumentação não convence. De acordo com jurisprudência constante, as disposições do Tratado relativas à livre circulação «não são aplicáveis às actividades cujos elementos se circunscrevem ao território de um único Estado-Membro» (133). Todavia, o processo principal tem por objecto a falhada transferência de um clube belga para um clube francês. Este insucesso impediu J.-M. Bosman de se transferir para o clube francês e, por isso, de fazer uso do seu direito de livre circulação. Tem, assim, claramente por base, factos que ultrapassam a fronteira de um Estado-Membro. No que se refere às cláusulas de nacionalidade, isto compreende-se por si mesmo.

132 Seguidamente averiguarei se a regulamentação das transferências, por um lado, e as cláusulas de nacionalidade, por outro, são compatíveis com o artigo 48._ Parece-me adequado começar pela análise das cláusulas de nacionalidade.

2. O artigo 48._ e as cláusulas de nacionalidade

a) Violação da proibição de discriminação contida no artigo 48._

133 Os dois primeiros números do artigo 48._ do Tratado CE têm a seguinte redacção:

«1) A livre circulação dos trabalhadores deve ficar assegurada, na Comunidade, o mais tardar no termo do período de transição.

2) A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.»

Nos termos do artigo 48._, n._ 3, a livre de circulação dos trabalhadores implica, «sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública», o direito de, para responder a ofertas de emprego efectivamente feitas, se deslocar livremente no território dos Estados-Membros, residir num dos Estados-Membros para exercer uma actividade laboral e aí permanecer após o termo dessa actividade. O n._ 4 do artigo 48._, que prevê uma excepção para os empregos na administração pública, não é relevante para o caso ora em apreço.

134 No acórdão Donà, o Tribunal de Justiça não resolveu a questão de saber se à actividade de jogador profissional de futebol são aplicáveis as disposições do artigo 48._, válidas para os trabalhadores, ou as referentes à prestação de serviços (artigo 59._ e segs.). As questões prejudiciais formuladas relacionam-se apenas com o artigo 48._ Efectivamente, é justo considerar um trabalhador por conta de outrem, um jogador profissional de futebol que exerce a sua actividade num clube, para efeitos desta disposição. A ela se limitarão portanto as considerações que se seguem. Todavia, se se examinasse esta questão à luz do disposto nos artigos 59._ e seguintes, o resultado obtido não se alteraria.

135 Não há necessidade de considerações aprofundadas para se chegar à conclusão de que as cláusulas de nacionalidade têm carácter discriminatório. Trata-se de um caso clássico de discriminação com base na nacionalidade. Estas cláusulas limitam o número dos jogadores de outros Estados-Membros que um clube num determinado Estado-Membro pode fazer intervir num encontro. Assim sendo, estes jogadores são desfavorecidos, face aos da nacionalidade desse Estado-Membro, em matéria de acesso a postos de trabalho. A Comissão remete, neste sentido e justamente, para o artigo 4._, n._ 1, do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 13 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (134), segundo o qual as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros que limitem o emprego de estrangeiros «em número ou em percentagem» não são aplicáveis aos nacionais dos outros Estados-Membros. As cláusulas de nacionalidade são por isso incompatíveis com a proibição de discriminação constante dos artigos 48._, n._ 2, no que respeita aos nacionais de outros Estados-Membros (135).

136 A UEFA sustenta que estas cláusulas também não violam o artigo 48._, uma vez que apenas têm a ver com a quantidade de jogadores estrangeiros que um clube pode fazer intervir num encontro. Não é, todavia, proibido aos clubes contratarem tantos jogadores estrangeiros quantos pretendam. J.-M. Bosman e a Comissão sustentam, com razão, que isto nada altera quanto ao facto de as cláusulas restringirem o direito de livre circulação. Qualquer clube que actue e planeie com razoabilidade utilizará as cláusulas de nacionalidade para justificar a sua política em matéria de pessoal. Assim, nenhum empregará mais - ou significativamente mais - jogadores estrangeiros do que aqueles que possa utilizar num encontro (136). Apenas alguns grandes clubes poderão dar-se ao luxo de contratar mais jogadores estrangeiros que aqueles que possam utilizar (137). Com razão foi também invocado o disposto no artigo 48._, n._ 3, alínea c), em cujos termos os trabalhadores de outros Estados-Membros podem residir no território de um Estado-Membro e nele exercer uma actividade laboral, «em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais» (138). A regulamentação actual, em cujos termos apenas o número dos jogadores estrangeiros utilizáveis em cada encontro é restringido, e não o número de jogadores que um clube pode contratar, representa efectivamente um avanço em relação ao passado recente; todavia, não altera em nada o facto de tal regulamentação, como a anterior, violar o artigo 48._ (139). O mesmo é válido para a circunstância de, nos termos das alterações à regulamentação introduzidas pela UEFA em 1991, ser permitida a utilização de mais jogadores estrangeiros que anteriormente.

b) Possíveis excepções ou justificações

137 Devemos todavia ponderar se as cláusulas de nacionalidade podem igualmente ser consideradas legítimas à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Como já referi no acórdão Walrave, o Tribunal de Justiça entendeu que a proibição de discriminação constante do artigo 48._ não abrange «a constituição de equipas desportivas, em especial sob a forma de equipas nacionais». No acórdão Donà, ao invés, o Tribunal decidiu que esta proibição não é violada quando o jogador estrangeiro é excluído «da participação em determinados encontros, por razões que não sejam económicas mas inerentes à natureza e ao contexto específicos destes encontros, que têm, assim, uma natureza exclusivamente desportiva, como acontece, por exemplo, nos encontros entre equipas nacionais de diferentes países» (140).

138 Em meu entender, deve, antes de mais, referir-se que, nas circunstâncias do caso em apreço, deve ser tida em conta a formulação utilizada no acórdão Donà. Em favor deste entendimento milita não apenas a circunstância de aquele acórdão ter sido proferido posteriormente ao acórdão Walrave e de, ao contrário deste, respeitar ao futebol, de que aqui se trata. A formulação do acórdão Donà estabelece, além disso, uma limitação à solução encontrada no acórdão Walrave. Isto resulta pelo facto de, no caso Donà, se tratar efectivamente da constituição de equipas. Se a questão tivesse exactamente por objecto a constituição de equipas efectivamente «por interesses exclusivamente desportivos», como o Tribunal de Justiça pareceu aceitar no acórdão Walrave, este Tribunal ter-se-ia bastado, no processo Donà, com uma mera remissão para aquele acórdão. Não o fez justamente porque não lhe escapou que a questão sobre a constituição de equipas podia ser motivada por razões diferentes das desportivas.

139 Ao Tribunal de Justiça pode, no entanto, objectar-se o facto de, quer no acórdão Walrave, quer no acórdão Donà não ter dado uma resposta clara às questões formuladas (141). Nem a fundamentação desta «excepção» nem o seu âmbito podem retirar-se com segurança destes acórdãos. Segundo o teor de ambos - em que se fala de uma «restrição do âmbito de aplicação» do direito comunitário - parece tratar-se de um tipo de excepção delimitada a um domínio (142). É todavia manifesto que, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça entendeu que a regulamentação que determina que na equipa nacional de um país apenas possam intervir jogadores com a nacionalidade desse país é conforme ao direito comunitário. Esta conclusão é facilmente concebível e convincente mas não é fácil de fundamentar. Tendo em conta, em especial, a circunstância de que, actualmente, os jogos entre equipas nacionais - basta pensar-se no campeonato do mundo de futebol - adquiriram elevada importância financeira, dificilmente se pode considerar que neste caso não se trata (também) de uma actividade económica (143). A excepção consentida pelo Tribunal de Justiça não encontra justificação no n._ 3 do artigo 48._ (144). Dado que esta questão não é relevante para a decisão a proferir, não há necessidade de a examinar, neste contexto, mais de perto (145).

140 Qualquer que possa ser a fundamentação desta excepção - no caso presente não é, no entanto, a meu ver, aplicável. O Tribunal de Justiça, no acórdão Donà, limitou expressamente a certos encontros a exclusão de estrangeiros, encontros que se caracterizam por um carácter e enquadramento especiais, referindo ainda expressamente que esta limitação não pode exceder o exigido pela sua finalidade. Se se permitisse que jogadores de outros Estados-Membros pudessem ser excluídos também de encontros das divisões nacionais, o seu direito de livre circulação seria desvalorizado ou, em último caso, completamente eliminado (146). Isto não pode estar certo. Efectivamente, verifica-se que o Tribunal de Justiça, em ambos os acórdãos, referiu as equipas nacionais simplesmente como exemplo. Daí não se pode, no entanto, retirar que considera admissíveis as cláusulas de nacionalidade no que se refere às divisões nacionais. É verdade que o advogado-geral A. Trabucchi, nas conclusões no processo Donà, o considerou possível (147). Em meu entender, todavia, tal não é compatível nem com o âmbito restritivo desta excepção, afirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Donà, nem com o effet utile do artigo 48._ Com razão se salientou que o Tribunal de Justiça, quando se referiu a encontros de equipas nacionais como exemplo, pode, além disso, ter pensado em jogos de equipas representativas de uma região, de um distrito ou semelhantes (148).

141 Para fundamentação das cláusulas de nacionalidade foi ainda tecido um conjunto de outras considerações que agora devem ser examinadas. Distinguiremos, no essencial, três grupos de argumentos. Em primeiro lugar, foi acentuado que o aspecto da nacionalidade tem no futebol um importante papel. A identificação do espectador com cada clube apenas será garantida se for constituído por uma maioria de nacionais do respectivo Estado-Membro. Além disso, os clubes com maior sucesso nas divisões nacionais representarão o respectivo Estado nas competições internacionais. Em segundo lugar, sustenta-se que esta regulamentação é necessária para garantir a existência de um número suficiente de jogadores para cada equipa nacional. Sem as cláusulas de nacionalidade ficaria prejudicado o aparecimento de novos jogadores. Finalmente, em terceiro lugar, opina-se que as cláusulas de nacionalidade visam o objectivo de garantir um certo equilíbrio entre os clubes, uma vez que, de outro modo, os grandes clubes poderiam atrair os melhores jogadores.

142 Os argumentos referidos em primeiro lugar, segundo tudo indica, ligam-se à afirmação do Tribunal de Justiça, no caso Donà, de que os encontros de que os jogadores estrangeiros são excluídos devem revestir um carácter e enquadramento especiais. De forma especialmente pronunciada se expressou neste contexto o representante do Governo alemão. Pretendeu que o «carácter nacional da prestação» marca o futebol profissional da primeira divisão. Um exame da realidade do futebol de hoje mostra que isto é desmentido pelos factos. A grande maioria dos clubes das primeiras divisões dos Estados-Membros inclui jogadores estrangeiros. Na primeira divisão alemã, por exemplo, não conheço qualquer clube que renuncie totalmente a jogadores estrangeiros. Se observarmos os clubes europeus com maior sucesso nos últimos anos, veremos claramente que quase todos têm nas suas fileiras jogadores estrangeiros. Em muitos casos são exactamente estes que caracterizaram o clube em causa. Basta pensar na equipa do AC de Milão no princípio da década de 90, entre cujos pilares se contam os jogadores neerlandeses Gullit, Rijkaard e Van Basten. É possível que existam, de país para país, determinadas diferenças quanto à forma de jogar ou à mentalidade dos jogadores. Todavia, isto não limitou, de modo algum, a participação dos jogadores estrangeiros nas divisões nacionais.

E, mesmo que «o aspecto nacional» tivesse a importância que alguns pretendem dar-lhe, nem por isso se justificariam as cláusulas de nacionalidade. O direito à livre circulação e a proibição de discriminação dos nacionais de outros Estados-Membros fazem parte dos fundamentos da organização da Comunidade. As cláusulas de nacionalidade violam estes princípios de uma forma tão manifesta e grave que qualquer invocação de interesses nacionais que não tenha por base o artigo 48._, n._ 3, deve ser considerada inadmissível face a esta disposição.

143 No que respeita à identificação do espectador com as equipas, não são necessárias grandes considerações para demonstrar as fraquezas deste argumento. Com razão referiram a Comissão e J.-M. Bosman que a grande maioria dos adeptos de um clube está mais interessada nos seus sucessos que na constituição da equipa (149). A participação de jogadores estrangeiros também não impede os adeptos de uma equipa de com ela se identificarem. Muito pelo contrário, não raramente se verifica que estes jogadores atraem sobre si, em especial medida, a admiração e a simpatia dos adeptos do futebol. Entre os jogadores mais populares que o TSV 1860 de Munique jamais teve, conta-se, sem dúvida, Petar Radenkovic, originário da antiga Jugoslávia. O jogador de nacionalidade inglesa Kevin Keegan foi durante muitos anos o ídolo do público no Hamburger SV. A popularidade de Eric Cantona no Manchester United, bem como de Jürgen Klinsmann no seu antigo clube, o Tottenham Hotspur, é sobejamente conhecida.

A inconsequência do defensor desta opinião demonstra-se, além disso, se examinarmos uma das considerações tecidas, neste contexto, pela URBSFA. Segundo ela, dado que os clubes frequentemente têm o nome de um lugar, os espectadores têm o direito de ver na respectiva equipa jogadores com a mesma nacionalidade. Se um clube escolher para seu nome o de um lugar, apenas se poderia esperar ou exigir que os jogadores desse clube fossem originários desse lugar. Todavia toda a gente sabe que, por exemplo, dos jogadores do FC Bayern de Munique apenas alguns são da Baviera (ou eventualmente de Munique). Se os nacionais de outras partes do território desse Estado são aceites sem mais, não se vê que o mesmo não possa aplicar-se aos nacionais de outros Estados-Membros.

Deve finalmente referir-se que o sucesso e a forma de jogar de uma equipa são decididos, fundamentalmente, pelo respectivo treinador. O Tribunal de Justiça declarou já que os treinadores de futebol partilham do direito de livre circulação nos termos do artigo 48._ (150). Talvez não tenha ponderado que estas pessoas podem estar sujeitas a restrições diferentes das expressamente previstas no artigo 48._ Na prática faz-se uso deste direito com frequência. O mais conhecido exemplo é o do FC de Barcelona, que desde há muito tem um treinador neerlandês. O Hamburger SV teve os seus maiores sucessos com um treinador austríaco, e o FC Bayern de Munique teve nos últimos anos vários treinadores estrangeiros. Também a equipa nacional de um país nem sempre é formada por um nacional desse país. Assim, por exemplo, o treinador da equipa nacional irlandesa é um inglês. Isto demonstra que raramente se verifica a caracterização «nacional» do futebol no sentido de que jogadores e treinadores devem ter a nacionalidade do país em que o respectivo clube tem a sua sede.

144 Acrescenta-se ainda que nas divisões nacionais os clubes com mais sucesso representam o respectivo Estado-Membro nos campeonatos europeus e deviam por isso ser constituídos, pelo menos maioritariamente, por jogadores da nacionalidade desse Estado. Assim, o «Deutsche Meister», por exemplo, apenas podia resultar de campeonato de equipas de clubes em que existisse «ainda um mínimo de jogadores alemães» (151). Também este argumento não convence. Por um lado, os defensores desta tese não esclarecem a necessidade da regulamentação actualmente utilizada para garantirem este objectivo. Se deste modo se conseguisse que uma equipa fosse constituída maioritariamente por cidadãos nacionais do Estado em causa, bastaria, num total de onze jogadores de cada equipa, autorizar cinco de nacionalidade estrangeira. Se apenas «um mínimo» de jogadores devesse ter a nacionalidade do respectivo Estado, poder-se-iam autorizar ainda mais jogadores estrangeiros. Deve ainda referir-se que o conceito de «Deutsche Meister» pode, sem mais, ser interpretado de forma diversa da exigida pelos representantes deste entendimento. Nada impede o entendimento de que desta forma se pretende caracterizar um clube que seja o primeiro nos jogos realizados na Alemanha (152).

Este argumento todavia também não convence por outra razão. As cláusulas de nacionalidade não se aplicam, por exemplo, na Alemanha aos clubes amadores. Alguns destes participam na competição da taça organizada pela DFB (federação alemã de futebol). É por isso teoricamente pensável que uma equipa de amadores constituída por onze jogadores estrangeiros possa ganhar a taça DFB e deste modo tenha direito a participar na taça dos vencedores de taças. Que não se trata simplesmente de uma hipótese mostra-o o exemplo dos amadores do Hertha BSC Berlin que, em 1993, chegaram à final da taça alemã. A fraqueza dos referidos argumentos é ainda mais patente se tivermos em conta que uma federação como a escocesa não inclui qualquer cláusula de nacionalidade e as demais federações britânicas prevêem regras especiais nas respectivas relações (153). Pode, assim, acontecer que os clubes destas federações utilizem nos campeonatos e divisões por elas organizados um grande número de jogadores de outros Estados-Membros, e que se vejam obrigadas a restringi-lo se participarem nos campeonatos da UEFA. Não vejo de que modo, em tal situação, o referido argumento possa fundamentar a recusa da participação no campeonato europeu da taça de jogadores profissionais da Comunidade Europeia.

145 Também o segundo grupo de argumentos não convence. Nada demonstra que o desaparecimento das cláusulas de nacionalidade dificulta o aparecimento de novos jogadores num Estado-Membro. Apenas um número reduzido de clubes cimeiros se apoia na preparação de novos jogadores, como, por exemplo, o Ajax de Amsterdão. A maior parte dos talentos progridem na sua carreira a partir de pequenos clubes, aos quais estas cláusulas não são aplacáveis (154). Além disso, não falta quem entenda que a participação de jogadores estrangeiros do mais elevado nível contribui para o desenvolvimento do futebol (155). Começar cedo a contactar com jogadores «estrelas» estrangeiros «só pode ser vantajoso para um jogador jovem »(156).

É efectivamente verdade que o número de postos de trabalho disponíveis para os jogadores nacionais será tanto mais restrito quanto mais jogadores estrangeiros forem contratados e utilizados pelos clubes. Trata-se no entanto de uma consequência necessária do direito de livre circulação. Além disso, também não justifica que o afastamento das cláusulas de nacionalidade possa contribuir para que os jogadores de uma divisão com a nacionalidade do Estado em causa sejam reduzidos a uma pequena minoria. O desaparecimento das cláusulas de nacionalidade não obrigaria os clubes a contratar (mais) estrangeiros, mas dar-lhes-ia apenas a possibilidade de o fazer se dessa maneira contassem obter sucesso.

146 Também o argumento de que as cláusulas de nacionalidade são necessárias para garantir que haja suficientes jogadores formados para a equipa nacional não convence. Mesmo que se quisesse considerar legítima esta argumentação à luz dos acórdãos do Tribunal de Justiça nos casos Walrave e Donà, não poderia justificar as cláusulas de nacionalidade. Tal como já referi, não é plausível que o fluxo dos jogadores estrangeiros pudesse ser tão importante que a carreira dos jogadores nacionais fosse bloqueada. Há que ter ainda em conta que o sucesso ou insucesso da equipa nacional influi também no interesse pelos jogos dos clubes do referido país. A vitória no campeonato mundial de futebol suscita em regra o fortalecimento do interesse dos espectadores pelos jogos do campeonato nacional. É por isso do maior interesse dos clubes de um país contribuir para o sucesso da equipa nacional, formando jogadores de qualidade e pondo-os à disposição desta. O prestígio que estes jogadores obtêm na equipa nacional é também, em si, vantajoso para os clubes. Além disso, merece referência o exemplo da Escócia, em que a inexistência de cláusulas de nacionalidade claramente não levou à falta de jogadores para a selecção (157).

Além disso, encontram-se hoje, muito frequentemente, nas equipas nacionais dos Estados-Membros da Comunidade jogadores que exercem a sua actividade no estrangeiro sem que daí resultem desvantagens especiais. Basta que os jogadores estejam disponíveis para os jogos da equipa nacional, tal como prevêem actualmente os regulamentos das federações. O melhor exemplo é talvez o da selecção nacional dinamarquesa que, em 1992, ganhou o campeonato europeu. Na selecção nacional alemã, que foi campeã em 1990, havia vários jogadores que jogavam numa divisão estrangeira. Não se vê, por isso, que as cláusulas de nacionalidade sejam necessárias para garantir o fortalecimento da própria selecção nacional.

147 Finalmente e em terceiro lugar, afirma-se que as cláusulas de nacionalidade contribuem para garantir o equilíbrio entre os clubes. No entender da URBSFA, se assim não fosse, os grandes clubes podiam assegurar os serviços dos melhores jogadores de toda a Comunidade e, dessa maneira, aumentar o seu avanço económico e desportivo em relação aos demais. A preocupação daqui resultante - como posteriormente mais detalhadamente analisarei - é legítima. Todavia, como J.-M. Bosman, considero que existem outros meios para atingir tal objectivo sem restringir o direito à livre circulação. Além disso, estas cláusulas, sem mais, não são muito adequadas para garantir um equilíbrio entre os clubes. Os clubes mais ricos estão, como antes, na situação de obter os melhores - e, igualmente, em regra os mais caros - jogadores «estrelas» estrangeiros. Estes clubes têm, do mesmo modo, a possibilidade de contratar os melhores jogadores nacionais, sem que qualquer cláusula equiparável os possa limitar.

148 Apenas pela preocupação de ser exaustivo, note-se ainda que a circunstância de as cláusulas de nacionalidade, actualmente em vigor, terem sido possivelmente reformuladas em colaboração com a Comissão e eventualmente por esta mesmo aprovadas, não tem qualquer relevância jurídica. A Comissão não tem competência e nem sequer está na situação de, através da sua acção, alterar o âmbito de aplicação ou a importância das disposições do Tratado CE. A interpretação vinculativa destas disposições compete apenas ao Tribunal de Justiça.

3. O artigo 48._ e a regulamentação das transferências

a) Regras aplicáveis

149 Passemos agora à discussão da compatibilidade da regulamentação das transferências com o artigo 48._ Põe-se, em primeiro lugar, a questão de saber qual a regulamentação que deve ser objecto deste exame. Se o antigo clube de um jogador e o seu novo clube pertencerem à mesma federação, será aplicável a regulamentação das transferências dessa federação. A uma transferência no interior da Bélgica, por exemplo, é por isso aplicável o regulamento da URBSFA. Não totalmente claro é, ao invés, qual a regulamentação, no âmbito da Comunidade, que deverá ser aplicada se o clube antigo e o novo clube forem filiados em diferentes federações. A questão parece estar resolvida a partir do regulamento de transferências da UEFA, que, como já foi referido, prevê a aplicação do regulamento da FIFA às transferências internacionais de clubes no âmbito da UEFA. Há simplesmente que recorrer ao regulamento de transferências da UEFA de 1993 para se obter o cálculo da indemnização de transferência no caso de os clubes interessados não chegarem a acordo quanto ao seu montante (158). A frustração da transferência de J.-M. Bosman para o US de Dunquerque verificou-se todavia em 1990, portanto antes do regulamento de transferências da UEFA que entrou em vigor em 1993. É discutível qual a regulamentação aplicável, na altura, às transferências internacionais. A UEFA pretende que o era o seu regulamento em vigor na altura. O tribunal de reenvio, todavia, entende que foram efectivamente aplicadas as disposições da FIFA então em vigor.

150 Penso, no entanto, como o tribunal de reenvio, que esta questão não tem interesse para o caso que nos ocupa. É efectivamente verdade que a regulamentação da UEFA de 1990 dispõe que as relações económicas entre os clubes em causa, em matéria de montante da indemnização de transferência (159), não podem ter influência na actividade desportiva do jogador. Isto constitui seguramente um progresso face ao regulamento da FIFA de 1986 então em vigor e nos termos do qual o certificado de desvinculação, passado pela antiga federação e necessário para o jogador ser autorizado a jogar, atesta o recebimento da indemnização de transferência (160). Ao invés deste regulamento da FIFA, nos termos do regulamento da UEFA era, assim, possível que um jogador pudesse ser contratado antes de os clubes interessados terem chegado a acordo quanto ao montante da indemnização de transferência. Este progresso é, no entanto, meramente aparente. Também nos termos do regulamento da UEFA havia que pagar uma indemnização de transferência. Se os clubes interessados não chegassem a acordo quanto ao seu montante, este seria fixado - como acontece na regulamentação actual - pela UEFA. Se o novo clube não pagasse, sujeitava-se a pesadas sanções. É por isso claro que nenhum clube prudente e ponderado nos seus cálculos estaria disposto a contratar um jogador antes de estar fixado o montante da indemnização de transferência ou pelo menos se ter certificado da quantia mais elevada que teria de pagar. Um clube apenas contratará um jogador se estiver preparado e na situação de pagar este montante (161). O montante da indemnização de transferência desempenha por isso um papel fundamental quanto à possibilidade de um jogador se transferir do seu clube, ainda que se tenham em conta as novas regras da UEFA. Foi por isso com razão que o tribunal de reenvio recusou a alteração do seu pedido prejudicial proposta pela UEFA (162).

b) O artigo 48._ como proibição de discriminação

151 Nos termos do n._ 2 do artigo 48._ do Tratado CE, a livre circulação dos trabalhadores implica a «abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho». O Tribunal de Justiça apoiou-se nesta proibição de discriminação em grande número de acórdãos, declarando que esta disposição constitui a transposição para o domínio a que se aplica o princípio geral de não discriminação em razão da nacionalidade, previsto no artigo 6._ do Tratado CE (anteriormente artigo 7._ do Tratado CEE) (163). Esta proibição de discriminação em razão da nacionalidade deve ser extensivamente interpretada. Segundo jurisprudência firmada do Tribunal de Justiça, o artigo 48._ proíbe «não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, aplicando outros critérios de distinção, conduzam na prática ao mesmo resultado» (164).

152 Deve assim averiguar-se se a regulamentação agora em análise conduz à discriminação, por qualquer forma, de nacionais de outros Estados-Membros.

153 A URBSFA nega-o, afirmando que as regras de transferência do seu regulamento se aplicam do mesmo modo a todos os jogadores, sem distinção da sua nacionalidade. Também a UEFA contesta que a sua regulamentação das transferências conduza a uma discriminação com base na nacionalidade. É aplicável indistintamente a todos os jogadores por ela abrangidos. Também os Governos italiano, francês e alemão sustentaram que a regulamentação das transferências não conduz a uma discriminação no sentido do n._ 2 do artigo 48._ A Comissão, nas suas observações escritas, sustentou que a regulamentação das transferências não conduz a uma discriminação. Na audiência, ao invés, expressou a opinião de que poderia haver discriminações. J.-M. Bosman pronunciou-se no sentido de que o regime da regulamentação das transferências não tem carácter fundamentalmente discriminador. Apontou, todavia, alguns aspectos da aplicação desta regulamentação de que, em seu entender, resulta a possibilidade de discriminações. O representante do Governo dinamarquês pronunciou-se, na audiência, no sentido de que não estava esclarecido se a regulamentação das transferências conduzia ou não a estas discriminações.

154 Em meu entender, não há dúvidas de que a aplicação da regulamentação das transferências na Comunidade fundamentalmente pode conduzir a discriminações. Haverá que distinguir a este respeito três situações distintas.

155 A primeira situação é, à primeira vista, a mais evidente. Trata-se dos casos em que o regulamento de uma federação, aplicado quer isoladamente quer em conjugação com a regulamentação da UEFA e da FIFA, necessariamente conduz a que uma transferência para o estrangeiro seja tratada de forma menos vantajosa que uma transferência no interior da própria federação. Isto parece ser, tendo em conta a documentação fornecida, o que se verifica, por exemplo, na Dinamarca. Examinemos as modalidades de cálculo da indemnização de transferência numa transferência na Dinamarca, por um lado, e numa transferência para o estrangeiro, por outro; verificaremos que a indemnização de transferência neste último caso pode ser substancialmente mais elevada (165). Isto vê-se mais claramente ainda da referida regulamentação da federação francesa, segundo a qual a indemnização de transferência, em caso de transferência para o estrangeiro, é elevada ao dobro (166).

Nestes casos se inclui portanto o regulamento de uma federação que, tomado isoladamente, leva a que os jogadores que pretendam transferir-se para o estrangeiro sejam objecto de um tratamento menos favorável que os que pretendam fazê-lo para um clube da mesma federação. Neste caso está-se efectivamente perante uma discriminação não relacionada (ou pelo menos não directamente) com a nacionalidade do jogador. Pode, no entanto, deixar-se em aberto a questão de saber se, em tais casos, se trata de uma discriminação dissimulada em razão da nacionalidade. É efectivamente evidente que, através de um tratamento discriminatório deste tipo, um jogador pode ser levado a não fazer uso do seu direito de livre circulação previsto no artigo 48._ Tais discriminações violam, portanto, esta disposição, cuja finalidade consiste exactamente em dar aos trabalhadores a possibilidade de se dirigirem a outro Estado-Membro sem por isso terem de se expor a desvantagens. O Tribunal de Justiça fez estas considerações frequentemente como fundamentação de decisões nomeadamente no domínio da segurança social dos trabalhadores migrantes (167). Em acórdão mais recente, remetendo para jurisprudência anterior, admitiu «que o conjunto das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visa facilitar aos nacionais comunitários o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da Comunidade e opõem-se a qualquer regulamentação nacional que possa desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma actividade económica no território de outro Estado-Membro» (168).

156 Em igual situação estão os casos em que o regulamento de uma federação, conjugado com as regulamentações da UEFA ou da FIFA, conduz a um tratamento discriminador. Também aqui se pode dar como exemplo a regulamentação francesa. Como já vimos, nos termos desta regulamentação, uma indemnização de transferência só pode ser exigida numa transferência, quando se trata da primeira mudança de clube de um jogador profissional (169). Posteriores transferências no interior da França são, portanto, possíveis sem ter de se pagar uma indemnização de transferência. A uma transferência para o estrangeiro aplicam-se, todavia, as regulamentações da UEFA e da FIFA, que consagram como princípio o pagamento de tal indemnização. Nestes termos, para os mesmos jogadores, que podem transferir-se livremente para outro clube francês, é devido o pagamento de uma indemnização de transferência quando a transferência se faça para o estrangeiro. Foi pois com razão que J.-M. Bosman e a Comissão se referiram a esta situação. Na realidade, um jogador que estivesse na situação de J.-M. Bosman, mas pertencendo à divisão francesa de futebol, seria livre de se transferir para outro clube francês. Se, ao invés, pretendesse transferir-se para um clube belga, este teria de pagar por ele uma indemnização de transferência. A conjugação da regulamentação da federação nacional com a regulamentação da federação internacional de futebol tem portanto como consequência que um jogador de um clube francês pode mais facilmente transferir-se para outro clube francês do que para o estrangeiro. Também neste caso se deve ver uma violação do artigo 48._

As mesmas consequências resultarão da regulamentação das transferências aplicável em Espanha. Jogadores profissionais, com pelo menos 25 anos, podem efectivamente transferir-se no interior da Espanha sem ter de ser paga uma indemnização de transferência (170). Ao invés, nos termos da regulamentação da UEFA e da FIFA, aquando de uma transferência para o estrangeiro, o antigo clube pode exigir uma indemnização de transferência.

157 Todavia, estes casos de discriminação não nos servem para a solução do processo em análise, uma vez que a regulamentação da URBSFA, de que aqui se trata, nem por si, nem conjugada com a regulamentação da UEFA ou da FIFA, pode levar ao tratamento mais desfavorável de uma transferência para o estrangeiro que no interior da federação belga.

158 O mesmo pode não acontecer na segunda situação. Efectivamente pode verificar-se uma desvantagem para o jogador que pretenda transferir-se para o estrangeiro quando neste caso sejam devidas indemnizações de transferências mais elevadas que as resultantes de uma transferência para um clube da mesma federação. Uma vez que, em geral, as indemnizações de transferência são negociadas livremente, apenas podem comparar-se entre si as devidas em função de cada regulamento se os clubes não chegarem a acordo quanto ao seu montante. No caso em apreço, a aplicação do regulamento da URBSFA levou, como se sabe, à fixação da indemnização de transferência em 11 743 000 BFR, no caso de transferência obrigatória (171). Na audiência, J.-M. Bosman referiu que a fixação das indemnizações de transferência com base nos critérios utilizados pela UEFA leva necessariamente, na prática, a um montante muito superior ao efectivo valor de mercado do jogador. Nas observações escritas, sustentou que a indemnização de transferência, calculada nos termos da regulamentação da UEFA, teria atingido, no seu caso, 14 000 000 BFR. Na audiência, falou mesmo de um montante de mais de 20 000 000 BFR.

159 Se efectivamente acontecesse que a fixação da indemnização de transferência, com base nos critérios da UEFA e da FIFA, conduzisse, sempre ou a maior parte das vezes, a importâncias mais elevadas que as que resultariam de uma transferência do mesmo jogador para um clube da mesma federação, haveria uma discriminação em relação aos jogadores que pretendessem utilizar o seu direito à livre circulação. Esta discriminação seria, atento o acima referido, proibida nos termos do artigo 48._ Uma certa base para considerar que a regulamentação da UEFA pode ter o objectivo de tornar a transferência de jogadores para outra federação mais difícil que no interior de uma federação é-nos dada pelas considerações que parecem ter sido proferidas numa reunião de um comité da UEFA em 24 de Novembro de 1976 (172). Decisivo é, todavia, saber se a regulamentação da UEFA ou da FIFA permite tal resultado. Esta questão deve ser esclarecida pelo tribunal de reenvio, se tiver que a decidir.

160 A terceira e última situação, que podia constituir uma violação da proibição de discriminação, foi apresentada apenas na audiência. A análise dos regulamentos da UEFA e da FIFA em causa levou à conclusão de que, em todos os casos em que um jogador se transfere para um clube de outra federação, é necessário um certificado de desvinculação da anterior federação. Semelhante necessidade parece não existir quando se trate de uma transferência no interior de uma federação. Perguntei por isso à Comissão, na audiência, se estas circunstâncias levariam a que a transferência para o estrangeiro envolvesse maiores dificuldades ou pelo menos encargos mais elevados que uma transferência no interior da mesma federação. A representante da Comissão respondeu afirmativamente à questão, baseando-se em informações prestadas por J.-M. Bosman. A UEFA, na mesma audiência, não se pronunciou sobre o assunto.

161 É assim fácil reconhecer que a transferência para o estrangeiro é tratada de forma diversa da transferência no interior de uma federação e que, nos casos referidos em primeiro lugar, a antiga federação deve estar de acordo com a transferência. Esta desigualdade de tratamento não teria - eventualmente - influência no exame do presente caso se constituísse mera formalidade resultante apenas da circunstância de, numa transferência para o estrangeiro, se verificar simultaneamente uma mudança da filiação na federação. A UEFA pretende ser este o caso. É, no entanto, possível a dúvida de que se trate apenas de uma formalidade.

O regulamento de transferências da UEFA de 1990 dispõe, efectivamente, no artigo 16._, n._ 1, que a questão da indemnização de transferência nenhuma influência tem sobre a actividade desportiva do jogador. Verifica-se, todavia, que o parágrafo seguinte utiliza o futuro («poderá jogar») (173). Pode entender-se, assim, que o jogador em causa pode ser contratado pelo novo clube logo que seja recebido o certificado de desvinculação da antiga federação. Efectivamente, o regulamento de transferências da UEFA de 1990 dispõe que este certificado deve ser passado sem demora. Não regulamenta no entanto, ao que parece, a situação que pode resultar se, por qualquer razão, tal não acontecer.

O regulamento de transferências da UEFA de 1993 contém, no seu artigo 2._, uma disposição coincidente com a do artigo 16._ do regulamento de transferências da UEFA de 1990. Também nos termos desta disposição o jogador «poderá jogar» para o seu novo clube. Como já referi, o regulamento de transferências da UEFA de 1993 remete extensivamente para as correspondentes disposições da FIFA. Nos termos do disposto no regulamento da FIFA de 1994, a um jogador que se transfira para um clube de outra federação só pode ter licença para jogar se esta federação tiver recebido o certificado de desvinculação da anterior federação. Este certificado pode ser recusado se o jogador em causa «não tiver cumprido integralmente» as suas obrigações contratuais em relação ao antigo clube ou existir entre ambos os clubes um conflito sobre a transferência que «não seja de natureza financeira» (174). É assim claro que um jogador cujo contrato com a sua antiga entidade patronal ainda não tenha chegado ao seu termo e que, portanto, não tenha ainda cumprido integralmente as suas obrigações contratuais em relação a este clube, pode ser impedido de jogar para um novo clube. A citada formulação do regulamento da FIFA de 1994 é todavia feita em termos tão amplos que pode abranger ainda uma quantidade de outros casos.

Pode ficar em aberto a questão de saber como conciliar isto com a suposta possibilidade de o jogador ser «livre» de jogar para o seu novo clube. De qualquer modo, este regulamento mostra claramente, em meu entender, que o certificado de desvinculação não constitui uma mera formalidade. Efectivamente, no artigo 7._ do regulamento da FIFA de 1994 diz-se o que acontecerá se a antiga federação - seja por que razão for - se recusar a emitir o certificado de desvinculação. Neste caso, os comités competentes da FIFA «podem» ordenar à antiga federação a sua passagem ou substituí-lo por decisão própria. Se a antiga federação não emitir o certificado de desvinculação no prazo de 60 dias, a nova federação «pode», ela própria, emitir um certificado provisório (175). É, assim, em todos os casos necessário um certificado de desvinculação ou uma decisão da FIFA que o substitua. Além disso, o jogador fica na dependência de, a sua anterior federação, a FIFA ou a sua nova federação, fazerem o necessário para a obtenção deste certificado de desvinculação. A antiga federação é obrigada a emiti-lo mas pode, todavia, se for o caso, apoiar-se numa excepção redigida de forma ampla e relativamente confusa. A FIFA e o novo clube podem intervir. Mas não está dito que o devam também fazer para dar ao jogador a possibilidade de jogar para seu novo clube.

Se, não obstante o já referido, houvesse ainda necessidade de nova confirmação de que o certificado de desvinculação não é mera formalidade, bastaria dar uma vista de olhos por uma disposição do regulamento da FIFA de 1994. Esta disposição aplica-se ao caso de a antiga federação não emitir o certificado de desvinculação e a nova federação, após o termo do referido prazo de 60 dias, emitir um certificado provisório. Ali se diz: «Em caso algum é permitido ao jogador intervir em jogos oficiais no seu novo clube durante o prazo de 60 dias atrás referido» (176).

162 Dado que - pondo de parte o caso especial das federações do Reino Unido - o certificado de desvinculação apenas é necessário no caso de uma transferência para outra federação e, por isso, para o estrangeiro, estas transferências estão sujeitas a uma regulamentação mais desvantajosa que as realizadas no interior da mesma federação. Esta desigualdade de tratamento pode impedir os jogadores de recorrerem ao direito de livre circulação. Também aqui, tendo em conta as considerações acima referidas, pode ver-se uma violação do princípio de não discriminação consagrado no artigo 48._ Para esta conclusão é sem importância que a aplicação na prática da regulamentação das transferências apenas conduza a tais dificuldades em casos excepcionais. Basta que exista a possibilidade de tal desigualdade de tratamento restringir a liberdade de circulação.

163 Apenas pela preocupação de ser exaustivo, acrescentarei que, ao contrário do sustentado por J.-M. Bosman, não consigo ver no facto de o montante da indemnização de transferência variar conforme o jogador, um caso relevante de discriminação na acepção do artigo 48._ É efectivamente verdade que se trata de um tratamento discriminatório. Dado que as normas de cada um dos regulamentos sobre o cálculo da indemnização de transferência dependem da remuneração do jogador, na transferência de um jogador bem pago (e por isso, em regra, talentoso) tem de ser paga uma indemnização de transferência superior à de uma transferência de um jogador menos bem pago. Neste caso, todavia, não se trata de um discriminação directa ou indirectamente ligada à nacionalidade ou que atinja de modo especial jogadores que pretendam fazer uso do direito de livre circulação.

164 Nos termos do atrás referido, pode, portanto, sustentar-se que a regulamentação das transferências, num ou noutro ponto de vista, viola o princípio da não discriminação consagrado no artigo 48._, n._ 2, do Tratado. No entanto, o Tribunal de Justiça apenas teria que examinar estas questões se o conteúdo do artigo 48._ se esgotasse na previsão de uma proibição de discriminações com base na nacionalidade. Penso todavia que tal não acontece. Em meu entender, o artigo 48._ proíbe fundamentalmente todas as restrições da liberdade de circulação. Isto mesmo passarei a justificar, devendo para tanto começar pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

c) O artigo 48._ como proibição das restrições à liberdade de circulação

aa) A jurisprudência sobre os artigos 48._ e 52._

165 Na análise da jurisprudência relativa ao artigo 48._ sobre a questão de saber se esta disposição proíbe não só discriminações com base na nacionalidade mas é, ainda, contrária a quaisquer disposições que restrinjam a liberdade de circulação, deve atender-se também aos acórdãos proferidos sobre o artigo 52._ Isto justifica-se, por um lado, pela afirmação de que ambas as disposições têm o mesmo fundamento, isto é, o artigo 3._, alínea c), do Tratado CE. Nos termos desta disposição, a acção da Comunidade implica «um mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados-Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais». A livre circulação de pessoas de que aqui se fala está regulada nos artigos 48._ e 52._, o primeiro, aplicável aos trabalhadores por conta de outrem, e o segundo, aos independentes (177). Entre as duas disposições existe portanto um claro paralelismo que permite esperar que para determinadas situações se prevejam soluções coincidentes. Por outro lado, o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, já repetidas vezes fez considerações reportando-se tanto ao artigo 48._ como ao artigo 52._ Também por esta razão é adequado analisar as decisões que se reportam a ambos os artigos.

Nalguns casos, o Tribunal de Justiça desenvolveu soluções válidas não apenas para o artigo 48._ ou o artigo 52._, mas do mesmo modo para o artigo 59._ A este propósito, poderíamos referir os já várias vezes mencionados acórdãos Walrave e Donà. Ocupar-me-ei da jurisprudência baseada no artigo 59._ apenas posteriormente. Isto parece-me apropriado, uma vez que está já esclarecida a questão a discutir relativamente a esta disposição.

166 Como já referi, existe uma grande quantidade de acórdãos em que o artigo 48._ é considerado uma disposição que proíbe discriminações baseadas na nacionalidade. Seguidamente, e ao invés, serão examinados fundamentalmente os casos que apontam para uma interpretação mais ampla desta disposição.

167 O primeiro acórdão a referir reporta-se ao marcante caso Rutili decidido em 1975 (178). Esta decisão tem por objecto a proibição pelas autoridades francesas imposta a um cidadão italiano de residir em determinadas partes do território francês. O Tribunal decidiu que tais restrições ao direito de residência de um cidadão de outro Estado-Membro apenas seriam admissíveis nos casos em que pudessem aplicar-se também aos próprios nacionais. Esta conclusão é possível retirá-la sem dificuldade do artigo 48._, n._ 2. Todavia, o Tribunal de Justiça, nesta decisão, referiu, significativamente, que as questões prejudiciais tinham por objecto os «princípios de livre circulação e de igualdade de tratamento» (179). É efectivamente questionável se o Tribunal de Justiça pretendia assim afimar que a liberdade de circulação não se esgota na mera proibição de discriminações com base na nacionalidade.

168 O acórdão Thieffry (180), proferido em 1977, respeitava à liberdade de estabelecimento dos advogados. Neste caso, tratava-se de um advogado belga que solicitou autorização para exercer a advocacia junto da cour d'appel de Paris. O Sr. Thieffry tinha um diploma belga cuja equivalência à licenciatura em direito francesa havia sido concedida por uma Universidade francesa. Fez, além disso, nos termos das disposições legais francesas, um exame de aptidão para o exercício da profissão de advogado. A autorização para exercer a advocacia em Paris foi-lhe no entanto recusada com o fundamento de que não tinha um diploma francês. O Tribunal de Justiça decidiu que o direito de liberdade de estabelecimento seria ilegitimamente restringido se a uma pessoa na situação do Sr. Thieffry fosse recusado o direito de exercer a advocacia num Estado-Membro apenas com o fundamento de que não possuía um diploma desse Estado. O Tribunal de Justiça, nesta altura, não apreciou a questão de saber se as disposições legais francesas eram discriminatórias, apoiando-se, ao invés, nos artigos 5._ e 52._ do Tratado CE (181). Deve, não obstante, referir-se que o advogado-geral H. Mayras sustentou que se tratava de uma discriminação dissimulada (182).

169 No acórdão Kenny (183), de 1978, já referido neste processo, encontram-se afirmações de que parece resultar claramente que o artigo 48._, no entender do Tribunal de Justiça, estabelece simplesmente uma proibição de discriminação. Segundo este acórdão, são, não obstante, de admitir discriminações no tratamento que resultem das divergências existentes entre as legislações dos diferentes Estados-Membros, «desde que afectem todas as pessoas sujeitas à sua aplicação, segundo critérios objectivos e independentemente da sua nacionalidade» (184). Parece-me todavia questionável se um tal entendimento deste acórdão é efectivamente obrigatório. Com efeito, se o artigo 48._ se restringisse «ao princípio da não discriminação», seria de perguntar por que razão o Tribunal de Justiça referiu a necessidade de as legislações em causa serem aplicáveis «segundo critérios objectivos».

170 Importante me parece, pelo contrário, o acórdão proferido no caso Choquet (185) no ano de 1978. Este processo tinha por objecto um cidadão francês que vivia na Alemanha e aí trabalhava por conta de outrem. Choquet era portador de uma carta de condução francesa. As autoridades alemãs acusaram-no em processo penal, por conduzir sem carta de condução, uma vez que, nos termos da lei alemã, os estrangeiros que vivessem há mais de um ano na Alemanha eram obrigados a obter uma carta de condução alemã. Até esta data, a Comunidade ainda não tinha elaborado quaisquer disposições neste domínio.

O Tribunal de Justiça decidiu que, tendo em conta a inexistência de harmonização das condições de emissão de carta de condução nos Estados-Membros, em princípio, não haveria violação das disposições sobre liberdade de circulação, de estabelecimento e de prestação de serviços se um Estado-Membro exigisse que os titulares de uma carta de condução emitida por outro Estado-Membro e que residissem no seu território satisfizessem as exigências que impõe aos próprios nacionais. Uma tal disposição apenas seria de considerar contrária ao direito comunitário se a sua aplicação às pessoas em causa «conduzisse a uma limitação tal que, na realidade, atentaria contra o livre exercício, pelas pessoas visadas, dos direitos que os artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado lhes garantem a título da livre circulação das pessoas, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços» (186). Tal pode acontecer, por exemplo, se for exigida uma prova que constitua a repetição «desnecessária» de outra já efectuada ou ainda a imposição de «encargos financeiros exorbitantes» (187).

O Tribunal de Justiça não examinou a questão de saber se as disposições legais alemãs colocavam em desvantagem os cidadãos dos outros Estados-Membros. Fê-lo através do princípio da proporcionalidade. Digno de nota é também que o Tribunal de Justiça se reportou ao mesmo tempo aos artigos 48._, 52._ e 59._, apesar de o Sr. Choquet ser trabalhador por conta de outrem.

171 Especial importância tem o acórdão Klopp, proferido em 1984 (188). Neste caso tratava-se de um advogado alemão que pretendia abrir escritório em Paris. Para tal efeito, pediu a sua inscrição na lista de advogados na respectiva ordem em Paris. Esclareceu pretender continuar a manter o escritório na Alemanha. O pedido do Sr. Klopp foi indeferido com base na legislação francesa que dispõe que cada advogado pode ter apenas um escritório.

O Tribunal de Justiça considerou que não estava esclarecido se as disposições legais francesas em questão eram discriminatórias e que, por isso, na resposta à questão prejudicial, se deveria partir de que assim não era (189). Acrescentou seguidamente que uma regulamentação como a francesa tinha como consequência que um advogado com escritório num Estado-Membro só podia pretender estabelecer-se num outro Estado-Membro se ao mesmo tempo deixasse o estabelecimento anterior. O Tribunal de Justiça decidiu que isto não era compatível com o artigo 52._, que expressamente dispõe que a liberdade de estabelecimento se aplica igualmente à instalação de agências, departamentos ou filiais noutro Estado-Membro (190). Reconheceu que os Estados-Membros, «no interesse da boa administração da justiça», podiam sujeitar a actividade dos advogados a determinadas normas. Tal não poderia no entanto conduzir a que os nacionais de outro Estado-Membro «ficassem impedidos de exercer efectivamente o direito de estabelecimento que lhes é garantido pelo Tratado» (191). Os legítimos objectivos da legislação francesa - a garantia de um contacto suficiente com os mandatários e os tribunais, bem como a observação das normas de deontologia - podiam ser garantidos de outra forma (192).

172 A acção por incumprimento de Estado proposta pela Comissão contra a França (193), decidida em 1986, tinha por objecto factos semelhantes. Tratava-se de disposições legais francesas que impunham aos médicos e dentistas estabelecidos noutro Estado-Membro o cancelamento da inscrição ou do seu registo nesse Estado para poderem exercer a sua actividade em França como trabalhadores por conta de outrem, sob a forma de abertura de consultório ou por substituição. No acórdão proferido, o Tribunal de Justiça utilizou, no entanto, uma fundamentação que se afastava da utilizada no processo Klopp. Efectivamente, considerou, genericamente, que quaisquer restrições à livre circulação dos trabalhadores, ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços na Comunidade apenas serão compatíveis com o Tratado CE se forem «efectivamente justificadas pela consideração de obrigações genéricas inerentes ao bom exercício das profissões em questão e forem aplicadas, sem distinção, aos nacionais» (194). As considerações seguintes do Tribunal de Justiça mostram que, na realidade, se tratava de dois critérios diferentes. Efectivamente, o Tribunal de Justiça declara, em primeiro lugar, que a regulamentação a que estavam sujeitos os médicos era aplicável de forma mais rigorosa aos médicos de outros Estados-Membros que aos médicos franceses (195). Em conclusão, considerou que a proibição genérica do exercício de actividade em França, imposta ao conjunto dos médicos e dentistas estabelecidos noutro Estado-Membro, era «injustificadamente restritiva» (196).

A mesma argumentação se encontra também num acórdão proferido em 1992, numa acção por incumprimento proposta pela Comissão contra o Luxemburgo, que respeitava à mesma problemática (197).

173 Completamente diferente foi a decisão do Tribunal de Justiça em 1987, numa acção proposta pela Comissão contra o Reino da Bélgica, por incumprimento de Estado (198). Esta acção tinha por objecto uma regulamentação que excluía determinadas prestações de laboratórios do reembolso pela segurança social, quando explorados por pessoas colectivas cujos membros, sócios e administradores não fossem, na totalidade, pessoas singulares habilitadas a efectuar análises médicas. A Comissão sustentou que esta regulamentação violava o artigo 52._ do Tratado. Afirmou expressamente que as restrições ao direito de estabelecimento proibidas pelo disposto no artigo 52._ não se limitam às medidas discriminatórias, mas referem-se também às medidas aplicáveis indistintamente que constituam «um impedimento injustificado» para os nacionais de outros Estados-Membros (199).

O Tribunal de Justiça considerou todavia que o artigo 52._ pretende garantir aos nacionais dos outros Estados-Membros o «benefício do tratamento nacional». Uma vez que, em seu entender, no caso em apreço, não se verificava existir discriminação dos nacionais dos outros Estados-Membros, indeferiu o pedido da Comissão (200). Nesta decisão, o Tribunal de Justiça não abordou o acórdão proferido no processo Comissão/França, acima referido.

174 O acórdão proferido no processo Heylens (201) tem interesse para o que agora nos ocupa não apenas por respeitar ao domínio do futebol. O Sr. Heylens, nacional belga e titular de um diploma de treinador belga, foi contratado como treinador de futebol por uma equipa francesa. A legislação francesa exigia para o exercício desta actividade a titularidade de um diploma nacional de treinador de futebol ou de um diploma estrangeiro a que as autoridades nacionais competentes reconhecessem igual valor. No caso do Sr. Heylens, este reconhecimento foi recusado sem fundamentação objectiva.

O Tribunal de Justiça declarou que a liberdade de circulação dos trabalhadores fazia parte «dos objectivos fundamentais» do Tratado CEE (202). Apoiando-se no acórdão Thieffry, decidiu que os Estados-Membros eram obrigados, no reconhecimento da equivalência dos diplomas em causa, a assegurarem-se objectivamente de que o diploma estrangeiro certifica em relação ao seu titular conhecimentos e qualificações, se não idênticas, pelo menos equivalentes às atestadas pelo diploma nacional. O Estado-Membro devia, além disso, garantir a possibilidade de um recurso de natureza jurisdicional da decisão proferida (203). O Tribunal de Justiça salientou que o livre acesso ao emprego é um «direito fundamental conferido pelo Tratado individualmente a todo e qualquer trabalhador da Comunidade» (204).

175 No acórdão Gullung (205), proferido em 1988, tratava-se de um jurista de nacionalidade francesa e alemã, advogado na República Federal da Alemanha, e que se apoiava nas liberdades fundamentais conferidas pelo Tratado CEE para poder exercer a sua profissão em França, após aqui lhe ter sido recusado o acesso à advocacia por falta de deontologia.

O Tribunal de Justiça considerou que a liberdade de estabelecimento compreende, nos termos do segundo parágrafo do artigo 52._, o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício «nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais». A necessidade de uma autorização para o exercício da advocacia é por isso compatível com o direito comunitário, se aplicável aos nacionais de todos os Estados-Membros «sem discriminação». Todavia, o Tribunal acrescenta, de seguida, que tal exigência prossegue «um objectivo digno de tutela» (206). Parece assim estarmos perante uma exigência mais ampla, ao lado da proibição de discriminação.

176 No acórdão Stanton (207), também proferido em 1988, tratava-se de uma regulamentação belga que, em determinadas condições, permitia que os trabalhadores independentes ficassem dispensados do pagamento de cotizações para o regime de segurança social belga dos trabalhadores independentes. Entre essas condições, o trabalhador independente deveria ter, como actividade principal, uma actividade subordinada remunerada. As autoridades belgas sustentavam que deveria tratar-se de uma actividade sujeita ao regime de segurança social belga. O Sr. Stanton desempenhava no Reino Unido uma actividade por conta de outrem, aí pagando as competentes cotizações para a segurança social.

O Tribunal de Justiça declarou que a regulamentação belga não tinha carácter discriminatório (208). Considerou todavia, apoiando-se no acórdão Klopp, que a liberdade de estabelecimento abrangia a possibilidade de criar no território da Comunidade mais do que um centro de actividades. Aplicou também estas considerações ao caso de um trabalhador assalariado estabelecido num Estado-Membro que, além disso, deseje exercer actividade como independente noutro Estado-Membro. No entender do Tribunal, o conjunto das disposições do Tratado relativas à livre circulação dos cidadãos comunitários visa «facilitar o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da Comunidade». Opõe-se, por isso, a «qualquer regulamentação nacional que possa desfavorecer esses nacionais quando desejem alargar as suas actividades para além do território de um único Estado-Membro». Uma vez que a regulamentação belga desfavorecia os que exercessem actividades remuneradas fora da Bélgica, não era compatível com os artigos 48._ e 52._ (209). De notar, além do facto de o Tribunal não ter posto de lado uma eventual discriminação, também o facto de os artigos 48._ e 52._ terem sido igualmente tratados.

Igual decisão proferiu o Tribunal de Justiça no acórdão Wolf (210) do mesmo dia.

177 O acórdão Daily Mail, de 1988 (211), reportava-se à questão de saber se uma sociedade com sede em determinado Estado-Membro pode mudá-la para outro sem alteração da sua identidade. O Tribunal de Justiça considerou que as disposições sobre a liberdade de estabelecimento, «de acordo com o seu teor, visam nomeadamente assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento», impedindo igualmente que o Estado de origem «coloque obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro» dos seus nacionais. Os direitos garantidos pelo artigo 52._ e seguintes ficariam «vazios de conteúdo se o Estado de origem pudesse proibir que as empresas fossem estabelecer-se noutro Estado-Membro» (212). Todavia, no caso concreto, segundo entendimento do Tribunal de Justiça, não houve violação do direito comunitário.

178 O acórdão Groener (213), proferido em 1989, respeitava a uma regulamentação segundo a qual, para os lugares permanentes de professor a tempo inteiro, em instituições públicas de ensino profissional na Irlanda, era exigido o conhecimento suficiente da língua irlandesa. O Tribunal de Justiça considerou que as disposições do Tratado não se opõem à adopção de uma política de um Estado-Membro para protecção e defesa da sua língua. Não devem todavia restringir a liberdade de circulação dos trabalhadores. As medidas correspondentes «não devem, em caso algum, ser desproporcionadas ao objectivo prosseguido e as condições da sua aplicação não devem implicar discriminação em detrimento dos nacionais de outros Estados-Membros» (214). Também neste caso o Tribunal de Justiça não se limitou a verificar se a regulamentação em causa era discriminatória para os cidadãos de outros Estados-Membros, mas ainda se tal regulamentação respeitava o princípio da proporcionalidade.

179 O acórdão proferido no processo Corsica Ferries France (215), também no ano de 1989, respeitava à liberdade de prestação de serviços, não tendo por isso que ser agora examinado em pormenor. É todavia importante para o caso que nos ocupa o afirmado pelo Tribunal nesse acórdão, nos seguintes termos:

«Com efeito, como já foi decidido várias vezes pelo Tribunal, os artigos do Tratado CEE relativos à livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais constituem disposições fundamentais para a Comunidade sendo proibido todo e qualquer entrave, ainda que de somenos importância, a esta liberdade» (216).

180 O acórdão Biehl (217), proferido em 1990, tem por objecto disposições legais luxemburguesas sobre a restituição de impostos sobre o rendimento pagos em excesso. Esta restituição só é possível se o contribuinte residir no Luxemburgo durante todo o ano fiscal. O Sr. Biehl, cidadão alemão, exerceu no Luxemburgo actividade como trabalhador subordinado desde 1973. Em 1 de Novembro de 1983, regressou à Alemanha. A administração fiscal luxemburguesa recusou restituir-lhe a importância paga a mais e correspondente aos primeiros dez meses de 1983. O Tribunal de Justiça considerou que o critério da residência permanente no território nacional, embora aplicado independentemente da nacionalidade, envolvia o perigo de desfavorecer os nacionais de outros Estados-Membros. Efectivamente, são estes que, com maior frequência, se fixam no território ou dele partem no decurso do ano (218).

A este acórdão pode com razão contrapor-se que a fundamentação escolhida pelo Tribunal de Justiça, assente na existência de uma discriminação dissimulada, não bastaria se no caso em questão se tratasse não de um alemão mas de um luxemburguês. No entanto, em ambos os casos, o uso do direito de livre circulação estaria dificultado (219).

181 O acórdão Vlassopoulou (220), proferido em 1991, respeita de novo à liberdade de estabelecimento dos advogados. Uma advogada de nacionalidade grega, autorizada a exercer a advocacia em Atenas, obteve o grau de «Doktor» na Universidade de Tübingen e, desde 1983, trabalhava num escritório de advogados na Alemanha. Em 1988, solicitou autorização para o exercício da advocacia neste país, autorização recusada com o fundamento de que a Sr.a Vlassopoulou não preenchia as condições exigidas pelas normas legais alemãs.

O Tribunal de Justiça considerou que «condições nacionais de qualificação, mesmo aplicadas sem discriminação em razão da nacionalidade, podem ter por efeito entravar o exercício, pelos nacionais dos outros Estados-Membros, do direito de estabelecimento que lhes é garantido pelo artigo 52._ do Tratado.» Assim pode acontecer se a legislação nacional em questão não tiver em conta os conhecimentos e qualificações já adquiridos pelo interessado noutro Estado-Membro (221). Deve, portanto, o Estado-Membro em questão tomar em consideração estes conhecimentos e qualificações. Se verificar que apenas correspondem parcialmente aos exigidos pela sua legislação, «o Estado-Membro de acolhimento tem o direito de exigir que o interessado demonstre que adquiriu os conhecimentos e habilitações que faltam» (222).

182 No acórdão Ramrath (223), proferido em 1992, trata-se da regulamentação da actividade de revisor oficial de contas no Luxemburgo. Nos termos das disposições aplicáveis, um revisor oficial de contas deve, além do mais, estar estabelecido no Luxemburgo e ainda não exercer qualquer actividade que possa afectar a sua independência profissional. Ramrath foi autorizado, em 1985, a exercer a sua actividade de revisor oficial de contas no Luxemburgo; trabalhou, durante este período, para uma sociedade com sede no Luxemburgo, igualmente titular da mesma autorização. Em 1988, comunicou às autoridades que, a partir de então, passava a ser empregado de uma sociedade alemã autorizada a exercer a actividade de revisor oficial de contas e que o seu domicílio profissional era na Alemanha. A sua entidade patronal, todavia, manter-se-ia afastada de qualquer influência quando ele exercesse a sua actividade no Luxemburgo. A sociedade luxemburguesa esclareceu que, no desempenho da sua actividade no Luxemburgo, o Sr. Ramrath continuava a ser seu empregado. Não obstante, as autoridades luxemburguesas retiraram-lhe a autorização.

O Tribunal de Justiça considerou, em primeiro lugar, que condições como as estabelecidas na legislação luxemburguesa devem ser apreciadas face «ao conjunto das disposições do Tratado sobre a livre circulação das pessoas», independentemente de se saber se o revisor de contas deve ser considerado trabalhador por conta de outrem, trabalhador independente, ou prestador de serviços (224). Recordando a sua jurisprudência sobre a matéria, chegou à conclusão de que «os artigos 48._ e 59._ do Tratado CEE têm por objectivo facilitar aos cidadãos comunitários o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da Comunidade» e são contrários a uma regulamentação nacional que possa desfavorecer estes cidadãos quando desejem alargar as suas actividades para outro Estado-Membro (225). As especificidades de determinadas actividades podem todavia exigir a sua sujeição a certas exigências. «Todavia, e enquanto princípio fundamental do Tratado CEE, a livre circulação de pessoas só pode ser limitada por regulamentações justificadas pelo interesse geral e que se apliquem a qualquer pessoa ou empresa que exerça as citadas actividades no território do Estado em questão», e isso apenas na medida em que esse interesse não esteja já salvaguardado por normas do Estado de origem (226). As citadas exigências «devem além disso ser objectivamente necessárias» (227). Deve ainda acrescentar-se que «existem razões imperiosas ligadas ao interesse geral que justificam restrições à livre circulação» e que o resultado pretendido «não pode ser obtido através de normas menos restritivas» (228).

O Sr. Ramrath invocou no tribunal do Luxemburgo ser vítima de discriminação por força das normas em causa. É quase mero acaso não ter a argumentação do Tribunal de Justiça acima apresentada abordado mais de perto esta questão. É, todavia, digno de nota que o Tribunal de Justiça não aborde a questão da nacionalidade do Sr. Ramrath (229).

183 J.-M. Bosman invocou o acórdão Singh (230), igualmente proferido em 1992. Trata-se, neste caso, das desvantagens que resultam, para o cônjuge de um nacional de um Estado-Membro, de este ter utilizado o seu direito de livre circulação. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça reforçou a conclusão a que chegara já no acórdão Stanton, de que a liberdade de circulação é contrária a disposições nacionais que possam prejudicar os cidadãos que pretendam alargar a sua actividade económica ao território de outro Estado-Membro. No mais, em meu entender, este caso não tem grande importância para a análise do que agora nos ocupa.

184 Tem ao invés muita importância o acórdão Kraus (231), proferido em 1993. Neste caso, tratava-se de um nacional alemão que obteve um diploma universitário de terceiro ciclo no Reino Unido. Nos termos das disposições legais alemãs aplicáveis, apenas podia usar esse título universitário na República Federal Alemã, se lhe fosse reconhecido. A violação destas disposições podia ser punida com multa ou prisão até um ano.

O Tribunal de Justiça reconheceu a este propósito que os artigos 48._ e 52._ põem em prática «um princípio fundamental» consagrado pela alínea c) do artigo 3._ do Tratado CEE, isto é, a abolição entre os Estados-Membros dos obstáculos à livre circulação das pessoas (232). Referiu-se, além disso, às obrigações resultantes para os Estados-Membros do artigo 5._ (233). O Tribunal de Justiça acrescentou:

«Por conseguinte, os artigos 48._ e 52._ opõem-se a qualquer medida nacional, relativa às condições de utilização de título universitário complementar obtido noutro Estado-Membro, que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, é susceptível de afectar ou de tornar menos atraente o exercício pelos nacionais comunitários, incluindo os do Estado-Membro autor da medida, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado. Só assim não seria se essa medida prosseguisse um objectivo legítimo compatível com o Tratado e se justificasse por razões imperiosas de interesse geral (v., nesse sentido, o acórdão de 28 de Abril de 1977, Thieffry, 71/76, Recueil, p. 765, n.os 12 e 15). Mas, mesmo em tal caso, seria preciso que a aplicação da regulamentação nacional em questão fosse adequada para garantir a realização do objectivo por ela prosseguido e não ultrapassasse o necessário para atingir esse objectivo (v. acórdão de 30 de Maio de 1992, Ramrath, C-106/91, Colect., p. I-3351, n.os 29 e 30)» (234).

bb) Conclusões a retirar da jurisprudência actual

185 Põe-se a questão de quais as conclusões a retirar da jurisprudência actual do Tribunal de Justiça. Deve referir-se que os casos acima analisados - como no início referi - constituem uma escolha que não é de modo nenhum representativa da jurisprudência nesta matéria. É todavia claro que uma grande parte daqueles acórdãos leva à conclusão de que o artigo 48._ se esgota numa proibição de discriminação baseada na nacionalidade.

186 Já o acórdão Thieffry aponta nesta direcção, mas, no entanto, o Tribunal de Justiça não apontou para a existência de uma eventual discriminação (235). Na verdade, pode entender-se que se trata, no entanto, de uma discriminação (indirecta), uma vez que os cidadãos franceses podem estar em melhor situação para apresentar um diploma francês que os nacionais de outro Estado-Membro. Já o acórdão Choquet é, todavia, um pouco mais esclarecedor (236). Quando o Tribunal de Justiça afirma que podia existir violação dos artigos 48._, 52._ e 59._, se um Estado-Membro, ao avaliar se a carta de condução obtida no estrangeiro satisfazia as exigências aplicáveis no território nacional, impusesse ao interessado «encargos financeiros desmedidos», poder-se-ia considerar estar-se perante um caso de discriminação dissimulada (237). O Tribunal de Justiça não foi, no entanto, nesta direcção, tendo analisado a regulamentação em apreço - como mostra a formulação acima citada - com base no princípio da proporcionalidade (238). O acórdão Vlassopoulou respeita igualmente a condições mais facilmente satisfeitas por um nacional que por um cidadão de outro Estado-Membro. Também aqui este ponto de vista não teve qualquer importância para o acórdão. O Tribunal de Justiça concluiu, antes, expressamente pela não existência de discriminação.

187 Ainda mais elucidativo é o acórdão Klopp. Também neste caso o Tribunal de Justiça partiu da hipótese da não existência de discriminação. Na apreciação do caso, o Tribunal de Justiça analisou fundamentalmente a questão da existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento e da sua possível justificação por razões de ordem superior (239). Igual atitude tomou o Tribunal de Justiça nos acórdãos Stanton e Wolf, em que se respondeu de forma muito resumida à questão da justificação das restrições à liberdade de circulação. O Tribunal de Justiça referiu simplesmente que os interessados já estavam seguros noutros Estados-Membros e que, portanto, o regime de segurança belga lhes não daria qualquer protecção social suplementar (240).

Pode ficar em aberto a questão de saber se estes acórdãos poderiam também ter tido como base fundamental a proibição de discriminação entendida em sentido amplo (241). Decisivo é que o Tribunal de Justiça, nos casos referidos, não escolheu este caminho. A justificação do percurso seguido pelo Tribunal de Justiça justifica-se, de resto, se se alterar a matéria de facto subjacente ao acórdão Stanton. Se se tratasse de um cidadão de nacionalidade belga que trabalhasse no seu país como independente e, acessoriamente, iniciasse uma actividade remunerada como trabalhador subordinado noutro Estado-Membro, ficaria, nos termos das disposições legais em questão, na mesma situação que o Sr. Stanton. Seria prejudicado por ter exercido o seu direito de livre circulação. Todavia, este caso só pode ser resolvido através do princípio da não discriminação, se chegarmos à conclusão de que existem desvantagens para os cidadãos que hajam exercido este direito relativamente àqueles que o não tenham feito. Uma tal interpretação vai de encontro, em meu entender, ao sentido do artigo 48._, n._ 2 (242). Efectivamente, vê-se que, neste caso, já não se aponta para a desigualdade de tratamento em função da nacionalidade.

188 A linha seguida no caso Klopp é prosseguida e clarificada nos acórdãos Comissão/França e Comissão/Luxemburgo (243). O Tribunal de Justiça, nestes casos, examinou a questão da justificação e da proporcionalidade de uma restrição ao direito de livre circulação (e de livre prestação de serviços). O acórdão Gullung é neste ponto menos claro, nele se referindo, no entanto, que a restrição em causa visa «um fim digno de protecção». No acórdão Groener, atende-se não só à existência de um fim digno de protecção mas também à proporcionalidade.

189 Que o direito de livre circulação não pode restringir-se ao princípio da igualdade de tratamento no interior do país mostra-o também o acórdão Daily Mail, de que resulta que o artigo 52._ também pode ser violado pelo Estado de origem e que devem também ser tidas em conta as restrições da liberdade de estabelecimento noutros Estados-Membros, determinadas por aquele Estado.

190 Todas as dúvidas sobre se o artigo 48._ formula exigências que vão além do princípio da igualdade de tratamento no interior do Estado-Membro, e que poderiam ainda subsistir após esses acórdãos, foram, em meu entender, afastadas pelos acórdãos Ramrath e Kraus. Nestes, o Tribunal de Justiça afirmou claramente que restrições à liberdade de circulação só podem ser compatíveis com o direito comunitário se forem justificadas por «imperiosas razões de interesse geral», devendo respeitar o princípio da proporcionalidade. Perante tais considerações do Tribunal de Justiça, que não dão lugar a dúvidas, não tem interesse saber se, no caso das disposições examinadas, se trata possivelmente de discriminações (dissimuladas) (244). Se o artigo 48._ se limitasse efectivamente a impor aos Estados-Membros a obrigação de tratar igualmente os nacionais desses Estados e os nacionais de outros Estados-Membros, não seria nem necessária nem admissível a averiguação da legalidade das disposições nacionais em causa. É exactamente esta a questão que o Tribunal de Justiça hoje examina. Isto mostra que, na interpretação do Tribunal de Justiça, o artigo 48._ também pode ser aplicado a disposições de um Estado-Membro aplicáveis sem distinção aos seus nacionais e aos nacionais de outros Estados-Membros.

191 Como já referi, encontra-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, todavia, um grande número de acórdãos que, na análise do artigo 48._, têm em conta a existência de uma discriminação baseada na nacionalidade. Tais acórdãos, em geral, não abordam a questão de o conteúdo do artigo 48._ ir além da proibição de tais discriminações. Se não me engano, existem entre eles apenas dois em que o Tribunal de Justiça se ocupou de tal questão. Trata-se, por um lado, do acórdão Kenny e, por outro, do acórdão de 1987 proferido na acção por incumprimento de Estado, Comissão/Bélgica. Já esclareci por que razão o primeiro acórdão, em meu entender, não permite conclusões satisfatórias (245). O segundo acórdão, relativo à análise do artigo 52._, poderia, ao invés, ser entendido como contrariando este entendimento. Todavia, a Comissão sustentou expressamente que o artigo 52._ também poderia abranger medidas não discriminatórias, tendo o Tribunal decidido que esta disposição garantia a igualdade de tratamento no país. Verifica-se todavia que o Tribunal de Justiça não contrariou expressamente a opinião da Comissão e que de modo algum acompanhou o acórdão pouco antes proferido na acção Comissão/França (246), que apoiava o entendimento da Comissão. Deve, de resto, referir-se que os acórdãos Ramrath e Kraus foram proferidos vários anos depois deste.

192 Da proximidade destas duas correntes da jurisprudência pode, em meu entender, tirar-se apenas a conclusão de que o Tribunal de Justiça não considera que entre elas exista necessariamente uma contradição. Esta proximidade pode ser facilmente explicada. Ernst Steindorff, reportando-se à jurisprudência sobre o artigo 52._, refere que a interpretação dominante desta disposição como uma proibição de discriminações acabou «com os problemas a decidir». «Estes problemas podem ser resolvidos com uma proibição de discriminação». Factos novos e apresentados de outra forma podem todavia exigir outra abordagem (247). Considero esta reflexão tão justa quanto convincente.

193 Há assim que averiguar que fundamentos podem levar a concluir que o artigo 48._ constitui não apenas uma proibição de discriminações mas uma proibição geral de restrições à liberdade de circulação de pessoas.

cc) Fundamentos para a interpretação do artigo 48._ como uma proibição geral de restrições à liberdade de circulação

1) Teor da disposição

194 O próprio teor desta disposição mostra que o conteúdo do artigo 48._ vai além de uma mera proibição de discriminações com base na nacionalidade. Nos termos do seu n._ 1, a livre circulação dos trabalhadores deve ficar assegurada no termo do período de transição. Segundo o seu n._ 2, a livre circulação dos trabalhadores «implica» a abolição de toda a discriminação em razão da nacionalidade. Nada impede, portanto, a interpretação do n._ 2 do artigo 48._ como parte de uma regulamentação mais global do princípio da livre circulação (248). A referência específica às discriminações do n._ 2 esclarece-se tendo em conta que se trata da restrição do princípio da livre circulação «mais evidente e grave» (249).

Neste contexto, deve dizer-se, com razão, que o n._ 1 do artigo 67._, que tem por objecto a liberdade de circulação dos capitais e meios de pagamento, distingue entre «restrições» e «discriminações» (250).

195 Também o teor do n._ 3 do artigo 48._ pode dar um contributo para o entendimento de que o conteúdo do artigo 48._ vai além de uma mera proibição de discriminação. Efectivamente, ali se prevêem para os trabalhadores, expressamente, determinados direitos, sem os tornar dependentes da sua concessão pelos Estados-Membros interessados aos próprios nacionais (251).

2) Contexto sistemático

196 Uma análise sistemática da interpretação do artigo 48._ impõe-se desde logo pela circunstância de ter por base a alínea c) do artigo 3._, que garante, em geral, a «abolição dos obstáculos» à livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais. Se o artigo 48._ não fosse mais que uma mera proibição de discriminações baseadas na nacionalidade, tal proibição não teria necessidade desta disposição - ou pelo menos do seu n._ 2 - tendo em conta o disposto pelo artigo 6._ do Tratado CE, que proíbe tais discriminações em geral.

197 Deve ter-se em conta a este propósito que não somente o artigo 48._ mas também as disposições sobre a liberdade de circulação de mercadorias (artigos 30._ e segs.) bem como sobre a livre prestação de serviços (artigo 59._ e segs.) têm por base a alínea c) do artigo 3._ No domínio da circulação de mercadorias, reconhece-se, a partir do acórdão Cassis de Dijon (252), que, em princípio, também, disposições nacionais aplicáveis indistintamente a mercadorias nacionais e importadas podem conter medidas de efeito equivalente proibidas pelo artigo 30._, se a sua aplicação não se justificar por imperiosas razões de interesse geral. Este princípio foi restringido pela jurisprudência decorrente do acórdão Keck e Mithouard (253), mas não abolido. O mesmo vale no domínio da liberdade de prestação de serviços. A partir dos acórdãos Gouda (254) e Säger (255), está estabelecido que «o artigo 59._ do Tratado exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados-Membros, quando seja susceptível de impedir ou entravar de forma alguma as actividades do prestador...». Tais restrições apenas serão legais se «justificadas por razões imperiosas de interesse geral». No entanto, não devem «ir além do necessário para alcançar esses objectivos» (256).

198 Em meu entender, constituiria uma apreciação contraditória dificilmente aceitável se este entendimento não tivesse também por base a interpretação do artigo 48._ (e do artigo 52._).

199 Deve, em primeiro lugar, dizer-se que a estrutura das disposições sobre a livre prestação de serviços é semelhante à do artigo 48._ O primeiro parágrafo do artigo 59._ dispõe que as restrições à livre prestação de serviços devem ser suprimidas até ao fim do período de transição. O terceiro parágrafo do artigo 60._ dispõe que o prestador de serviços pode exercer a sua actividade no Estado onde a prestação é realizada «nas mesmas condições que esse Estado impõe aos seus próprios nacionais». Nos termos do teor desta disposição, também aqui se plasma, portanto, o princípio do tratamento dos nacionais. Esta disposição é comparável à relação entre o n._ 1 e o n._ 2 do artigo 48._ Não surpreende, portanto, que também os artigos 59._ e seguintes sejam em primeiro lugar interpretados como proibição de discriminação (257). Já por estes fundamentos se pode aplicar também ao artigo 48._ o desenvolvimento da nova jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente da interpretação do artigo 59._

200 A contribuição para a «convergência das liberdades económicas no direito comunitário europeu» (258) resultante deste entendimento é também objectivamente desejável. As liberdades fundamentais do mercado comum não assentam apenas numa base comum. Constituem também uma unidade em cuja actuação devem ser utilizados, na medida do possível, os mesmos padrões (259). Não se vê, por exemplo, qualquer razão atendível para que a liberdade de circulação de mercadorias deva ser melhor protegida que a livre circulação de pessoas, uma vez que ambas são de importância fundamental para o mercado interno (260). O Tratado apenas estabelece uma hierarquização entre as liberdades fundamentais, ao dispor, no primeiro parágrafo do artigo 60._, que os artigos 59._ e seguintes só se aplicam quando os factos em causa não estiverem sujeitos às disposições sobre liberdade de circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas. Seria portanto estranho que na interpretação destas disposições tivessem de utilizar-se parâmetros diversos quando a matéria de facto da livre circulação de serviços, comum a todas, tivesse que ser unitariamente interpretada.

Além disso, penso que no exame da compatibilidade das legislações nacionais com as normas comunitárias em matéria de liberdades fundamentais não é muito importante saber face a que liberdade fundamental concretamente se deve apreciar determinada realidade factual. Decisivo é antes saber se as disposições em causa restringem a actividade económica transfronteiras e, - se assim for - se essa restrição é justificada. Isto não exclui que nessa justificação se deva distinguir conforme se trate de uma restrição discriminatória ou não. Também a circunstância de se tratar de uma actividade duradoura ou apenas transitória num outro Estado-Membro pode justificar uma distinção, como presentemente a jurisprudência já reconhece.

201 Não estamos de modo algum perante uma mera pretensão académica. A jurisprudência do Tribunal de Justiça mostra que a distinção entre factos que devem ser considerados objecto de uma ou de outra destas liberdades fundamentais envolve, a mais das vezes, grandes dificuldades. O caso em apreço constitui um bom exemplo. Em regra - como já explanei - o jogador profissional de futebol deve ser considerado trabalhador por conta de outrem na acepção do artigo 48._ Nos termos do terceiro parágrafo do artigo 60._, o critério fundamental que distingue o artigo 48._ do artigo 59._ consiste em este último abranger apenas actividades exercidas «a título temporário» num outro Estado-membro. Que significa isto, por exemplo, para um contrato de um clube com um jogador para alguns jogos (261)? É discutível se em tal caso não se pode falar mais propriamente de uma prestação de serviços. Efectivamente, através de determinadas disposições sobre prazos, as regulamentações de transferências aplicáveis na altura procuravam, sobretudo, que os contratos com jogadores tivessem uma duração de pelo menos uma época completa, ou então meia. Isto não era no entanto essencial, como o exemplo de outros desportos mostra (262).

Por isso, o Tribunal de Justiça, numa série de casos, muito justamente deixou em aberto a questão de se, num caso concreto, por exemplo, era aplicável o artigo 48._ ou então o artigo 59._ Isto aconteceu exactamente nos casos Walrave e Donà que aqui têm especial importância (263). O Tribunal de Justiça afirmou expressamente que estas duas disposições estavam sujeitas aos mesmos critérios e que a sua aplicação a um caso concreto levava às mesmas conclusões. Isto confirma o meu entendimento acima referido.

202 A interpretação do artigo 48._ no sentido agora referido permitiria igualmente afastar uma inconsistência da jurisprudência actual. Efectivamente, se se considerar que o conteúdo da livre circulação de pessoas garantida pelo artigo 48._ se esgota na proibição de discriminações nele referida, apenas se poderiam fundamentar estas discriminações nas razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública mencionadas no terceiro parágrafo do artigo 48._ Todavia, o Tribunal de Justiça decidiu já por várias vezes que, nas discriminações indirectas, também outras «razões objectivas» podem justificar uma restrição à liberdade de circulação (264). Que se trata da mesma análise, utilizada no quadro do artigo 59._ relativamente a restrições à liberdade de prestações de serviços não discriminatórias, resulta expressamente dos acórdãos Bachmann (265) e Comissão/Bélgica (266) que o Tribunal de Justiça proferiu em 1992. A interpretação agora proposta permitiria eliminar essa contradição.

3) O artigo 48._ como direito fundamental

203 Finalmente, parece-me que apenas a interpretação que aqui defendo permite justificar o direito à livre circulação de pessoas como um «direito fundamental» que «é atribuído a cada trabalhador da Comunidade individualmente pelo Tratado» (267). Qualquer restrição do direito de livre circulação viola esse direito fundamental do interessado e necessita por isso de justificação. Que se trata de uma violação de um direito fundamental, não posso, tal como o advogado-geral F. G. Jacobs, nas conclusões apresentadas no processo Konstantinidis, reconhecê-lo na medida em que a natureza não discriminatória da medida poderia determinar que não fosse abrangida pelo artigo 48._ (268). Também por esta razão, entendo que o artigo 48._ é aplicável às restrições não discriminatórias da liberdade de circulação. Isto deve pelo menos ser assim quando a restrição respeita à entrada no mercado do trabalho noutros Estados-Membros.

dd) Possíveis argumentos contra este entendimento

204 Contra este entendimento podem ser apresentados alguns argumentos que necessitam de análise. O mais importante é seguramente o que se retira da mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 30._ O Tribunal de Justiça reviu, reconhecidamente, no seu já referido acórdão Keck e Mithouard, a sua anterior jurisprudência sobre o artigo 30._ Nos termos desta decisão, o artigo 30._ não se opõe, «contrariamente ao que até aqui foi julgado», à aplicação de disposições nacionais que «limitam ou proíbem certas modalidades de venda, desde que se apliquem a todos os operadores interessados que exerçam a sua actividade no território nacional e afectem da mesma maneira, de direito como de facto, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-Membros» (269). Esta jurisprudência foi entretanto várias vezes confirmada (270). Este acórdão deve ser entendido no sentido de que apenas abrange normas sobre modalidades de venda. Disposições nacionais referentes à apresentação da mercadoria e semelhantes devem ser analisadas, como antes, por referência ao artigo 30._, mesmo quando se apliquem indistintamente a mercadorias nacionais e importadas (271). Foi, assim, restringido, pelo Tribunal de Justiça, o âmbito de aplicação do artigo 30._ Põe-se por isso a questão de saber se, perante isso, parece oportuno o alargamento do âmbito de aplicação do artigo 48._ Vários dos intervenientes no processo em apreço sustentaram este ponto de vista.

205 Em meu entender, a mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 30._ não contraria o meu entendimento sobre a interpretação do artigo 48._ Partilho da opinião de que o âmbito do artigo 30._ foi, no passado, por vezes, excessivamente ampliado (272). A mais recente jurisprudência trouxe alguma ajuda, ainda que possamos perguntar-nos se a abordagem seguida pelo Tribunal de Justiça foi a melhor solução. Não pode no entanto esquecer-se que o ponto de partida no domínio do artigo 48._ é totalmente diferente, uma vez que não existe, até ao momento, jurisprudência assente nos termos da qual esta disposição abrange também medidas aplicáveis indistintamente. A interpretação ampla que proponho para esta disposição não significa também de modo algum que todas as medidas não discriminatórias que efectivamente ou potencialmente restrinjam a liberdade de circulação devam estar sujeitas necessariamente às mesmas condições estritas de justificação. Pretendendo fazer apelo à jurisprudência sobre o artigo 30._ neste sentido, poder-se-ia pensar em distinguir entre medidas que regulam o acesso à actividade e medidas que incidem mais sobre o exercício dessa actividade (273).

206 Considero todavia poder apoiar-me também na própria jurisprudência do Tribunal de Justiça. Como vimos, a minha opinião sobre a interpretação do artigo 48._ assenta, em boa parte, no paralelo com o artigo 59._ e na jurisprudência resultante desta disposição. Como esta jurisprudência foi desenvolvida com apoio na jurisprudência sobre o artigo 30._, poder-se-ia considerar que o acórdão Keck e Mithouard não podia deixar de ter alguma influência sobre ela. Todavia, tal não aconteceu até aqui.

No acórdão Schindler, proferido em 1994, o Tribunal de Justiça confirmou mais uma vez que medidas não discriminatórias podiam ser abrangidas pelo artigo 59._ (274). Um conflito expresso com a nova jurisprudência sobre o artigo 30._ encontramo-lo no acórdão Alpine Investments (275), recentemente proferido. Trata-se de uma medida das autoridades neerlandesas que proibiu a uma sociedade especializada em contratos a termo sobre mercadorias de contactar possíveis clientes pelo telefone nos Países Baixos e no estrangeiro sem destes receber autorização escrita. Pôs-se a questão de esta proibição do «cold calling» violar o artigo 59._ Os Países Baixos e o Reino Unido, remetendo para o acórdão Keck e Mithouard, sustentaram que esta proibição não é abrangida pelo artigo 59._, dado tratar-se de uma medida de aplicação geral e não discriminatória e que não tem por objectivo nem por efeito favorecer o mercado interno.

O Tribunal de Justiça desatendeu esta argumentação. Em seu entender, o fundamento do decidido no acórdão Keck e Mithouard deve compreender-se no sentido de que a regulamentação nele apreciada não era de molde a «impedir» o acesso ao mercado de produtos estrangeiros «ou dificultá-lo mais do que dificulta o dos produtos nacionais». Ao invés, a proibição a analisar no caso Alpine Investments «condiciona directamente o acesso ao mercado dos serviços nos outros Estados-Membros. Assim, é susceptível de entravar o comércio intracomunitário de serviços» (276).

Estas considerações aplicam-se ao domínio do artigo 48._ Deve, em especial, ter-se em atenção que a regulamentação das transferências a examinar no presente caso influencia directamente a entrada no mercado do trabalho noutros Estados-Membros (277).

207 Um outro argumento contra a interpretação extensiva dos artigos 48._ e 52._ apoia-se na jurisprudência sobre o artigo 34._, que proíbe restrições quantitativas à exportação, bem como todas as medidas de efeito equivalente. O Tribunal de Justiça decidiu, como se sabe, que o artigo 34._ se refere a medidas que «têm por objecto ou por efeito restringir especificamente as correntes de exportação» e, dessa forma, asseguram à produção nacional uma «vantagem particular» (278). Se considerarmos que medidas de um Estado-Membro, aplicáveis indistintamente, que dificultam aos nacionais ou terceiros o uso do direito de livre circulação, são abrangidas pelo artigo 48._, encontrar-nos-emos, segundo vários autores, em contradição com esta jurisprudência (279). Ainda que assim fosse, não se poderia tirar a conclusão de que o artigo 48._ deve ser interpretado restritivamente. Melhor seria antes reflectir na jurisprudência sobre o artigo 34._ Uma restrição ao exercício do direito de livre circulação é, por isso, sempre de examinar relativamente ao artigo 48._ (280).

208 Quanto à importância do princípio da subsidiariedade para o caso em apreço, já tomei posição (281).

ee) Aplicação à regulamentação das transferências

209 Ainda que se considere que a regulamentação das transferências na Comunidade é aplicável indistintamente a transferências no interior de um Estado-membro e para outro Estado-Membro, continua a ser verdade que restringe a liberdade de circulação. Ao contrário do que exige o artigo 48._, um jogador profissional de futebol não pode, efectivamente, nos termos destas disposições, deslocar-se para outro Estado-Membro, terminado o seu anterior contrato, para exercer a sua actividade num outro clube. É ao invés necessário, em cada caso, que ao seu antigo clube seja paga uma indemnização de transferência. Como já referi, a circunstância de a actual regulamentação da UEFA ou da FIFA não fazer depender a qualificação no novo clube do pagamento da indemnização de transferência, não altera nada neste contexto (282). Trata-se, portanto, de uma clara restrição do direito de livre circulação de pessoas abrangido pelo artigo 48._ O facto de esta regulamentação restringir simultaneamente a possibilidade da livre transferência de clube no interior de um único Estado-Membro não contraria o entendimento acima referido.

210 A regulamentação das transferências restringe, assim, directamente a entrada no mercado de trabalho noutros Estados-Membros. Distingue-se, pois, fundamentalmente de outras regulamentações aplicáveis indistintamente e que respeitam ao exercício da profissão. Bastará um exemplo para ilustrar a diferença. Foi recentemente posta de novo a questão de uma associação profissional poder ter, por exemplo, dezasseis, dezoito ou mais clubes. É manifestamente evidente que o número de clubes exerce influência sobre as perspectivas de um jogador encontrar ocupação num deles. Quanto mais restrito for o seu número mais difícil será em regra obter um lugar. Também não me parece que disposições desta natureza possam suscitar considerações relativamente ao artigo 48._ Não respeitam à possibilidade do acesso de jogadores estrangeiros, enquanto tal, mas ao exercício da actividade. Diferente é a situação quanto à regulamentação das transferências. Segundo as normas aplicáveis, um jogador só poderá efectivamente transferir-se para o estrangeiro se o novo clube (ou o próprio jogador) puder pagar a indemnização de transferência exigida. Se assim não for, o jogador não pode transferir-se para o estrangeiro. Trata-se de uma restrição directa da entrada no mercado de trabalho. Uma vez que a indemnização de transferência é exigida pelo antigo clube e que o obstáculo à transferência, ainda que simultaneamente seja condicionado pelas regulamentações das federações internacionais, é proveniente da esfera do Estado de origem, pode, por isso, fazer-se uma comparação com o caso Alpine Investments.

211 A URBSFA, para fundamentação da sua tese de que o artigo 48._ não é aplicável ao caso, apoiou-se, além do mais, numa decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem de 1983 (283). Este caso respeitava a um jogador profissional de futebol neerlandês que invocou especificamente a violação, pela regulamentação das transferências, do artigo 4._, n._ 2, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 4 de Novembro de 1950. Nos termos desta disposição, ninguém pode ser constrangido a realizar «um trabalho forçado ou obrigatório». A Comissão Europeia dos Direitos do Homem desatendeu a queixa (284). Apoiou-se, para tanto, em duas considerações. Por um lado, o queixoso decidiu livremente ser jogador profissional de futebol, sabendo que ficaria sujeito às regulamentações em causa. Por outro, tais regulamentações não respeitavam directamente à liberdade contratual do jogador.

Estas considerações não interessam para o caso em apreço. Na verdade, a regulamentação das transferências não obriga o jogador «directamente» a prestar «um trabalho forçado ou obrigatório». Todavia, as disposições comunitárias têm um objectivo totalmente diferente. O artigo 48._ do Tratado CEE protege, em geral, o direito da liberdade de transposição de fronteiras na Comunidade. Além disso, a afirmação da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, que exclui a existência de violação do direito, porque o interessado, ao escolher aquela profissão, se conformou com eventuais restrições a ela ligadas, também me parece questionável. Especialmente significativa é a decisão tomada pelo Landesarbeitsgericht Berlin, em 1979, sobre caso semelhante, com base no direito alemão. O LAG considerou que as regulamentações das transferências restringiam a liberdade de escolha da profissão, violando por isso o artigo 12._ da Lei Fundamental. No entender do LAG, acordos privados também não podiam contrariar esta disposição, de modo que a eventual aceitação pelo jogador de tais regras era irrelevante (285).

212 Entendo, por isso, em sintonia com J.-M. Bosman, que a regulamentação das transferências viola o artigo 48._ e apenas seria legal se justificada por imperiosas razões de interesse público e desde que não excedesse o necessário para atingir este objectivo. O representante da Dinamarca sustentou, na audiência no Tribunal de Justiça, o mesmo entendimento. A Comissão, efectivamente, numa primeira altura, nas observações escritas que apresentou, deixou em aberto esta questão. Na audiência no Tribunal de Justiça, todavia, reportando-se à posição assumida por ela no processo Vlassopoulos, afirmou expressamente que partilha o entendimento aqui defendido.

213 Também a maioria dos restantes intervenientes no processo, que entendem que o artigo 48._ não pode ser aplicado a restrições não discriminatórias ao direito de livre circulação de pessoas, se pronunciaram no sentido de que efectivamente a regulamentação das transferências devia ser considerada justificada com base em determinadas considerações (286). Passaremos agora a examinar estes possíveis fundamentos de justificação.

ff) Possíveis fundamentos de justificação

1) Generalidades

214 Devemos, todavia e antes de mais, voltar à questão abordada no contexto das cláusulas de nacionalidade e referente aos aspectos em que devem ser analisados os possíveis fundamentos de justificação. Como já dissemos, o Tribunal de Justiça referiu já (287), nos acórdãos Walrave e Donà, neste contexto, fundamentos de natureza não económica que diziam exclusivamente respeito ao desporto. Da jurisprudência sobre o artigo 30._, por um lado, e sobre o artigo 59._, por outro, retira-se, todavia, que restrições abrangidas por estas disposições podem ser justificadas não apenas por razões não económicas. Também considerações de natureza económica podem, portanto, ser relevantes, desde que se trate de razões imperiosas de interesse geral. Isto resulta, em especial, dos já referidos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica, em que o Tribunal de Justiça decidiu que restrições da liberdade de circulação podiam justificar-se se necessárias para garantir «a coerência do regime fiscal» (288).

215 Com a formulação adoptada nos acórdãos Walrave e Donà, pretendeu, possivelmente, dizer-se outra coisa. Em meu entender, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça apoiou-se em regulamentações que são de natureza exclusivamente desportiva e por isso não abrangidas pelo direito comunitário. Para o direito de livre circulação previsto no artigo 48._, é, na realidade, sem interesse que, por exemplo, um desafio dure 90 ou apenas 80 minutos e que a vitória se obtenha por dois ou três pontos. Diferentemente será no caso das regulamentações das transferências. Estas limitam directamente o direito de livre circulação e, por isso, apenas se justificam se existirem razões imperiosas de interesse geral.

216 Neste contexto, parece-me adequado passar a um argumento fundamental, utilizado para justificar a utilização desta e de outras normas. Sustenta-se, efectivamente, que as federações desportivas podem apoiar-se no direito de livre associação. Este direito pode entrar em conflito com o de livre circulação de cada desportista e por isso deve ser com ele compatibilizado (289). É seguramente incontestável que as federações desportivas têm o direito e a função de elaborar normas para o exercício e a organização do desporto e que esta actividade faz parte da autonomia das federações protegida como seu direito fundamental (290). Isto não significa, todavia, que, para a solução de conflitos entre o direito à livre circulação e a liberdade de associação, baste uma mera ponderação de interesses (291). A ser assim, a importância fundamental do artigo 48._ para o mercado único, que o Tribunal de Justiça por várias vezes expressamente salientou (292), não seria suficientemente tida em conta. É, por isso, de defender o entendimento de que apenas um «interesse da federação, extraordinariamente importante», pode justificar uma restrição da liberdade de circulação (293). Em meu entender, tais interesses podem, se for o caso, ser subsumidos ao conceito de razão imperiosa de interesse público.

217 Deve fundamentalmente referir-se que a questão da possibilidade de justificação da regulamentação das transferências tem ainda um papel importante em relação às regras da concorrência e foi apreciada pelas partes neste contexto. Na medida do necessário para o exame da questão em apreço, voltarei, pois, às considerações feitas a propósito dos artigos 85._ e 86._

2) Manutenção do equilíbrio financeiro e desportivo

218 Para justificação da regulamentação das transferências foram tecidas várias considerações. Das mais importantes, é, em minha opinião, o entendimento de que a regulamentação das transferências é necessária para, numa certa medida, manter o equilíbrio financeiro e desportivo dos clubes. Através desta regulamentação, pretender-se-ia garantir a sobrevivência dos pequenos clubes. Na audiência do Tribunal de Justiça, a URBSFA sustentou expressamente neste contexto que as indemnizações de transferências pagas garantiam a sobrevivência dos clubes amadores.

Esta argumentação leva-nos ao entendimento de que o sistema da regulamentação das transferências seria necessário para garantir a organização do futebol, como tal. Se não tivesse de ser paga uma indemnização de transferência pelos jogadores, os clubes mais ricos garantiriam sem problemas a obtenção dos melhores jogadores, ao passo que os mais pequenos e os clubes amadores se veriam a braços com problemas económicos, devendo possivelmente cessar a sua actividade. Dessa forma, desenhar-se-ia o perigo de os clubes mais ricos ficarem ainda mais ricos e de os menos afortunados ainda mais pobres.

219 Se este entendimento fosse válido, em minha opinião e na realidade, deveria considerar-se que a regulamentação das transferências era compatível com o artigo 48._ O futebol tem na Comunidade a maior importância e isto tanto do ponto de vista económico como ideal. Como já referi, muitas pessoas se interessam na Comunidade pelo futebol. O número de espectadores nos estádios e perante a televisão demonstra-o expressamente. Em muitas cidades, a equipa de futebol conta-se entre as grandes atracções locais que contribuem decisivamente para o seu conhecimento. Assim, poucos contemporâneos existirão na República Federal da Alemanha que não associem a cidade de Mönchengladbach ao futebol. Os maiores clubes são, por isso, desde há muito, um importante factor económico. Assim, poder-se-ia, em minha opinião, considerar a manutenção de uma associação de profissionais viável um interesse geral susceptível de justificar restrições à liberdade de circulação. Neste contexto, deve observar-se que - como também os outros intervenientes no processo - partilho da opinião de que uma associação profissional apenas poderá prosperar se entre os clubes participantes não existir grande desequilíbrio. Se um campeonato for dominado por uma equipa, perder-se-á a necessária emoção. Em consequência, o interesse do espectador diminuiria em curto prazo.

Ainda mais importante é o domínio do desporto amador. Existe hoje um grande número de clubes amadores em que jovens e adultos têm a oportunidade de exercer uma actividade desportiva. Sobre a relevância que esta oferta tem, enquanto tal, para a socialmente importante ocupação dos tempos livres, não preciso de fazer mais amplas considerações. Se a regulamentação das transferências fosse necessária para garantir a sobrevivência destes clubes amadores, constituiria, sem dúvida, um imperioso fundamento de interesse público relevante para efeitos do artigo 48._

220 Há, portanto, que averiguar se as cláusulas de transferência, efectivamente, têm a importância que a URBSFA e a UEFA e outros lhes atribuem. Neste campo, há que distinguir entre os efeitos nos clubes amadores, por um lado, e nos profissionais, por outro.

221 Quanto aos clubes amadores, não há argumentos concretos ou mesmo números apresentados para alicerçar a opinião de que a abolição da regulamentação das transferências teria para eles, ou pelo menos para alguns deles, consequências que ameaçassem a sua existência.

Apesar disso, a problemática deve ser examinada mais de perto. A questão prejudicial correspondente formulada pela cour d'appel de Liège respeita à situação que resulta da regulamentação das transferências para um jogador cujo contrato chega ao fim. Trata-se, portanto, da transferência de um jogador profissional de futebol para outro clube. Como já referi (294), não há portanto que esclarecer, no processo em análise, se é compatível com o direito comunitário o pagamento de uma indemnização de transferência por um jogador amador para um clube profissional. O pedido de decisão prejudicial em análise restringe-se, assim, ao futebol profissional. Não há, portanto, que decidir que influência pode ter a resposta à questão da legalidade das cláusulas de transferência, neste domínio, sobre os clubes amadores.

222 Também relativamente aos clubes profissionais, forneceram as federações interessadas pouco material concretamente relevante para sustentar as suas teses. Em minha opinião, o mais importante para a análise a fazer é o estudo, a que já fiz referência, de Touche Ross sobre o futebol inglês, apresentado pela UEFA. Como se sabe, existe em Inglaterra quatro divisões profissionais que compreendem, de cima para baixo, a Premier League e as primeira, segunda e terceira divisões. Dos números constantes do referido estudo resulta que os clubes da Premier League, no período objecto do mesmo (295), despenderam, no seu conjunto, a importância líquida (e portanto deduzida das indemnizações de transferência por eles recebida) de cerca de 18,5 milhões de UKL por novos jogadores. Deduzido este montante do conjunto dos montantes recebidos, restou ainda para estes clubes um lucro conjunto de 11,5 milhões. Os clubes da primeira divisão obtiveram, ao invés, nas operações de transferência, um excedente de uns bons 9,3 milhões, os da segunda divisão, de aproximadamente 2,4 milhões e os da terceira divisão, de aproximadamente 1,6 milhões. É a este respeito digno de atenção que as três últimas divisões sofreram um prejuízo nas suas actividades habituais que foi mais do que coberto pelas receitas provindo de transferências (296).

Estes números demonstram expressivamente o importante papel que as divisões inferiores desempenham como reserva de talentos para as divisões superiores. Demonstram, também, que as receitas por transferências representam um posto importante no seu balanço. Se a regulamentação das transferências for considerada ilegal e estes montantes deixarem de ser pagos, é de esperar que estes clubes venham a cair em grandes dificuldades.

223 Partilho, pois, inteiramente a opinião da URBSFA e da UEFA expressa na audiência no Tribunal de Justiça, mais uma vez, de que é de importância fundamental a distribuição das receitas, de forma equitativa, entre os clubes. Sou, todavia, igualmente de opinião de que a regulamentação das transferências, na sua forma actual, não pode ser justificada por estas considerações. É já duvidoso que a regulamentação das transferências possa preencher o referido objectivo das federações. De qualquer modo, existe outro meio para obtenção deste resultado menos restritivo ou nem sequer restritivo da liberdade de circulação.

224 Quanto à adequação desta regulamentação para o preenchimento dos fins estabelecidos, haverá, em primeiro lugar, que referir que a regulamentação vigente, na altura, repetidamente levava os pequenos clubes profissionais a separarem-se de jogadores para desta maneira obterem receitas das transferências e garantirem a sobrevivência. Dado que os jogadores transferidos para os maiores clubes são, em regra, os melhores dos pequenos clubes, são estes dessa forma desportivamente enfraquecidos. É efectivamente verdade que estes clubes, através das receitas das transferências, são colocados na situação de contratar novos jogadores na medida do permitido pela sua situação financeira geral. Como vimos, as indemnizações de transferência são, todavia e em regra, calculadas com base na remuneração do jogador. Uma vez que são os maiores clubes que pagam maiores salários, dificilmente os mais pequenos estarão na situação de obter bons jogadores destes clubes. Neste ponto de vista, a regulamentação das transferências reforça, portanto, a desigualdade que, apesar de tudo, subsiste entre os clubes ricos e os menos ricos. A Comissão e J.-M. Bosman invocaram, com razão, esta consequência.

225 J.-M. Bosman sustentou ainda, com alguma razão, que as regras de transferência não impedem os clubes ricos de contratar os melhores jogadores, razão por que só muito condicionalmente se podem considerar adequadas para garantir o equilíbrio desportivo. Na realidade, a obrigação de, para contratar um novo jogador, despender uma importante soma em dinheiro, não constitui restrição relevante para um clube rico ou para uma equipa com um patrocinador endinheirado. O exemplo do AC de Milão e dos Blackburn Rovers demonstra-o expressivamente (297).

Também o equilíbrio financeiro entre os clubes não é necessariamente fortalecido pelas regras de transferência. Se um clube contrata jogadores de clubes de outros Estados-Membros ou de Estados terceiros, o dinheiro necessário para este efeito sai para o estrangeiro, sem que os restantes clubes que participem como este num campeonato tirem daí proveito.

226 É, acima de tudo, claro que existem alternativas para a regulamentação das transferências, através das quais se podem atingir estes objectivos. Trata-se de possibilidades de dois tipos, ambas referidas por J.-M. Bosman. Por um lado, a de as retribuições a pagar pelos clubes aos jogadores ter limites convencionalmente estabelecidos. Esta possibilidade é desenvolvida por J.-M. Bosman nas suas observações. Referiu, todavia, que não é tão efectiva como a alternativa a seguir analisada. Atentas as considerações que se seguem, não há necessidade da sua análise mais aprofundada. Por outro lado, poder-se-ia encarar a distribuição das receitas entre os clubes. Em concreto, isto significa que uma parte das receitas resultantes da venda de bilhetes para jogos no seu campo obtidas por um clube seria repartida pelos outros clubes. Da mesma forma, as receitas obtidas pela concessão de direitos de transmissão de jogos na televisão deveriam ser repartidas entre todos os clubes.

Para evitar todos os mal-entendidos, gostaria de afirmar expressamente, neste contexto, que não considero um apoio resultante de ajudas estatais como parte das alternativas aqui a analisar. Isto porque tais ajudas destruiriam o quadro das possibilidades das federações dentro da sua própria autonomia. O futebol profissional seria desta forma colocado numa situação diversa daquela que temos hoje de examinar.

227 Não podem também existir dúvidas de que a partilha das receitas, do ponto de vista económico, parece adequada e legítima. A própria UEFA referiu, com razão, que o futebol se caracteriza pela recíproca dependência económica dos clubes. Este desporto é praticado mediante encontros entre duas equipas que medem forças. Cada clube necessita portanto do outro para o seu sucesso. Por esta razão, cada clube tem interesse no sucesso do outro. Os clubes que jogam num campeonato profissional não têm por isso o objectivo de afastar os seus concorrentes do mercado. Existe, pois, tal como a UEFA e J.-M. Bosman muito justamente referiram, uma importante diferença relativamente às relações de competição entre as empresas noutros mercados. É do mesmo modo certo que o sucesso económico de um campeonato não depende menos da existência de um certo equilíbrio entre os seus clubes. Se o campeonato for substancialmente dominado por um clube, está aberto o caminho, segundo toda a experiência, para o desinteresse.

Se cada clube tivesse de financiar a sua actividade desportiva exclusivamente através das receitas que obtém com a venda de bilhetes, contratos com a rádio e a televisão e de outras fontes (como, por exemplo, a publicidade, as quotas dos sócios ou os apoios de patrocinadores privados), o equilíbrio entre os clubes seria rapidamente posto em perigo. Grandes clubes, como o FC Bayern de Munique ou o FC de Barcelona, gozam de uma especial força de atracção que se traduz num número de espectadores elevado. Por isso, esses clubes são do maior interesse para as emissões de televisão e a actividade publicitária. As elevadas receitas que daí resultam permitem-lhes contratar os melhores jogadores e, assim, fortalecer ainda mais o seu sucesso, tanto desportivo como económico. Quanto aos pequenos clubes, a sua evolução processa-se exactamente ao contrário. A falta de atractivos de uma equipa leva à correspondente diminuição de receitas, de que resulta a diminuição das possibilidades de a fortalecer.

J.-M. Bosman referiu, efectivamente, que existem vozes no sentido de que o desejável equilíbrio resultará do mesmo modo, automaticamente, uma vez que, atentos os já referidos dados, nenhum clube pode estar interessado em obter uma superioridade dominante na sua divisão. A experiência mostra, todavia, que os dirigentes dos clubes nem sempre assim pensam, mas antes podem ser levados por considerações diversas das meramente desportivas ou económicas. Haverá, a meu ver, que, através de determinadas medidas, procurar a obtenção de um determinado equilíbrio entre as equipas. Uma dessas possibilidades é oferecida pelo actual sistema de pagamento de transferências. Uma outra consiste na partilha de uma parte das receitas.

228 J.-M. Bosman apresentou uma série de estudos realizados por peritos em economia de que resulta que a partilha das receitas constitui um meio adequado para se promover o desejado equilíbrio (298). A configuração completa de um tal sistema dependerá naturalmente dos dados dos campeonatos em causa e de outras considerações. Deve em especial ficar claro que uma tal partilha apenas faz sentido e será adequada se se restringir a uma pequena parte das receitas. Se, efectivamente, fosse partilhada com os outros clubes metade das receitas ou mesmo mais, reduzir-se-ia o interesse desse clube em realizar boas prestações (299).

229 Nem a URBSFA nem a UEFA contestaram que esta solução constitui uma possibilidade realista que permite promover o equilíbrio financeiro e desportivo entre os clubes. Se não me engano muito, nada fizeram para contrariar os argumentos de J.-M. Bosman neste contexto.

230 E isto não me parece um acaso. Também as federações podiam efectivamente contestar vigorosamente que esta possibilidade constituísse uma alternativa adequada e razoável. O melhor exemplo reside na circunstância de já hoje se utilizarem modelos correspondentes no futebol profissional. No campeonato da taça alemã, por exemplo, segundo sei, ambas as equipas em competição partilham a metade das receitas após dedução da parte que cabe à DFB. As receitas resultantes da concessão de direitos para a transmissão televisiva e por rádio dos jogos são repartidas entre os clubes pela DFB segundo determinado esquema (300). Nas federações dos restantes Estados-Membros, poderia agir-se de forma semelhante.

Uma partilha das receitas verifica-se, também, na área da UEFA. Nos termos do artigo 18._ dos estatutos da UEFA (edição de 1990), esta tem direito a uma parte das receitas dos campeonatos por ela organizados, bem como de determinados jogos nacionais. Um bom exemplo oferece o regulamento da taça da UEFA para a época de 1992/1993 apresentado pela URBSFA. Segundo os seus termos, a UEFA recebe por cada jogo eliminatório uma parte de 4% das receitas brutas resultantes da venda de bilhetes, bem como de 10% das resultantes da venda de direitos de rádio e televisão. Para ambos os jogos finais, as partes da UEFA elevam-se a, respectivamente, 10% e 25% (301).

231 Enquanto este regulamento visa a cobertura das despesas da UEFA e, por isso, apenas indirectamente, através de subvenções a determinadas federações ou clubes (302), leva a uma partilha de receitas, diferentemente se passa na «UEFA Champions League». Este campeonato, que substitui a anterior taça europeia dos campeões foi criado pela UEFA em 1992. Um documento desta federação apresentado por J.-M. Bosman dá uma explicação sobre o objectivo e a organização deste campeonato. Segundo ele, o objectivo desta organização consiste na promoção do futebol. Ali se refere expressamente que a solução é não só vantajosa para os clubes participantes mas também para todas as federações que dele recebem uma parte.

Um balanço da época de 1992/1993 demonstra-o. Segundo este balanço, oito clubes que participaram nesta competição receberam, cada um, as receitas resultantes da venda dos bilhetes para o respectivo jogo no seu campo. A competição proporcionou receitas resultantes da venda de direitos à televisão e de publicidade, no montante de 70 milhões de SFR, que foram partilhadas como se segue: os clubes participantes receberam 38 milhões de SFR (54%). Mais 12 milhões de SFR (18%) foram atribuídos a todos os clubes eliminados nas primeiras duas voltas dos três campeonatos da UEFA. 5,8 milhões de SFR (8%) foram partilhados entre as 42 federações membros da UEFA. Os restantes 14 milhões de SFR (20%) reverteram para a UEFA, que deverá investi-los em benefício do futebol, sobretudo para fomento do futebol juvenil e feminino.

232 Em especial, o exemplo da Champions League demonstra claramente o meu entendimento de que os clubes e federações interessados reconheceram e fundamentalmente aceitaram a existência da possibilidade de, através da partilha de uma parte das receitas, defenderem os interesses próprios e os do futebol no seu conjunto. Não vejo por isso qualquer obstáculo insuperável para a introdução deste método também a nível nacional ou de cada uma das federações. Através de uma adequada configuração deste sistema, poder-se-ia evitar que o estímulo para boas prestações fosse enfraquecido e que os pequenos clubes fossem sustentados pelos clubes ricos. Eventuais efeitos negativos sobre o amor próprio de alguns clubes não me parece existirem. Mesmo que existissem, seriam de natureza meramente psicológica e, por isso, não adequados a justificar a continuação da restrição da liberdade de circulação através do sistema de transferências.

233 Deve finalmente referir-se que a partilha de parte das receitas me parece fundamentalmente melhor adequada para atingir o objectivo visado que o actual sistema da indemnização de transferência. Efectivamente, oferece aos clubes interessados uma base segura de administração. Se um clube puder contar com determinada importância de base a receber em cada caso, a solidez do clube será melhor garantida que com a possibilidade de obter uma grande quantia com um dos seus jogadores. Como J.-M. Bosman com razão referiu, a descoberta de um jogador dotado nas suas próprias fileiras, que possa ser transferido por elevado montante para um grande clube, é muitas vezes obra do puro acaso. Todavia, o sucesso do futebol não depende somente da prosperidade de tal clube mas também da sobrevivência de todos os outros pequenos clubes. Ora, isto não é garantido através da regulamentação das transferências em vigor.

234 Mesmo que a regulamentação das transferências tenha a finalidade de garantir o equilíbrio económico e desportivo dos clubes, existe, no entanto, uma alternativa que permite prosseguir este fim, pelo menos tão bem, e que não restringe a liberdade de circulação do jogador. A regulamentação das transferências não é, portanto, indispensável para atingir este objectivo, não respeitando por isso o princípio da proporcionalidade.

3) Compensação pelas despesas de formação

235 O segundo importante argumento com que as federações em causa defendem que o sistema de transferências é legal consiste na afirmação de que as indemnizações de transferência constituem apenas a compensação dos custos suportados pela preparação e formação de um jogador. Também os Governos italiano e francês fizeram seu este argumento, que naturalmente está relacionado com o primeiro que acabamos de examinar.

236 Este entendimento quanto mais repetido é no decurso do processo menos convincente se revela.

237 As indemnizações de transferência não podem ser consideradas uma compensação pelos eventuais encargos de formação, uma vez que o seu montante não depende de tais encargos mas da remuneração do jogador. Também não se pode argumentar seriamente que, por exemplo, um jogador que é transferido do seu clube por uma indemnização de um milhão de ecus determinou, para o seu antigo clube, encargos de formação deste enorme montante. Um bom argumento para a não aceitação desta tese sustentada pelas federações encontra-se na já referida regulamentação das transferências da DFB, para o caso de uma transferência de um jogador amador para um clube profissional. Como vimos, um clube da primeira divisão tem de pagar uma indemnização de transferência de 100 000 DM, ao passo que um clube da segunda, pelo mesmo jogador, apenas pagará 45 000 DM (303). Isto mostra que o montante da indemnização de transferência não se calcula manifestamente com base nos custos da formação de um jogador.

Contra o entendimento de que a indemnização de transferência constitui uma compensação pelos custos de formação, milita, em segundo lugar, o facto de tal montante - em muitos casos, extraordinariamente elevado - ser também exigido no caso de transferências de jogadores profissionais. Nestes casos, não se pode falar de «formação» e de compensação dos seus custos. Também o facto de, em tais casos, frequentemente se falar de uma «indemnização de promoção» (e não de uma indemnização de formação) nada altera ao que vem dito. É certo que todo o clube cuidadoso procurará dar aos seus jogadores a desejável promoção. Trata-se, no entanto, de uma actuação no seu próprio interesse e que o jogador retribui com as suas prestações. Não se vê por que razão tal clube terá direito, por este motivo, a receber uma indemnização de transferência. Os regulamentos da federação francesa bem como da espanhola, pelo menos a partir de certa altura, retiraram daqui o corolário de que, neste caso, já não era exigível qualquer indemnização de transferência (304).

238 Finalmente, é notório que a formação de um jogador implica despesas. A sua compensação deveria por isso depender da sua transferência para outro clube. Também isto mostra que a fundamentação invocada pelas partes interessadas não é atendível.

239 Isto não significa, contudo, que a exigência de uma indemnização de transferência deva, em meu entender, ser sempre considerada ilegal. A afirmação de que um clube deve ser compensado pelo seu trabalho de formação e que os grandes clubes ricos não devem poder colher os frutos desse esforço sem para ele contribuírem tem, em meu entender, algum peso. Por tal razão, é de ponderar se uma regulamentação objectivamente justificada das transferências aplicável aos jogadores profissionais de futebol não seria aceitável. O próprio J.-M. Bosman concedeu que uma tal regulamentação seria eventualmente adequada relativamente à transferência de jogadores amadores para clubes profissionais. Não há, no entanto, que apreciar esta questão no presente processo, uma vez que aqui se trata simplesmente da transferência de jogadores profissionais de futebol. A Comissão, ao invés, considerou, em geral, que uma indemnização de transferência adequada podia justificar-se.

Tal regulamentação deveria, em meu entender, satisfazer duas exigências. Em primeiro lugar, a indemnização de transferência deveria ser restringida efectivamente ao montante que o antigo clube (ou os antigos clubes) despendeu na formação do jogador. Em segundo lugar, tal indemnização apenas seria aceitável quando se tratasse da primeira transferência de clube e o antigo clube tivesse formado o jogador. Tal como se verifica na regulamentação das transferências na República Francesa, esta indemnização deveria ser proporcionalmente reduzida por cada ano que, após a formação, o jogador passou neste clube, uma vez que o clube formador, durante esse período, teve a oportunidade de aproveitar do seu investimento no jogador.

A regulamentação das transferências, agora em análise, não corresponde a tais exigências ou, quando muito, apenas em parte. Além disso, não se vê que, também a propósito desta regulamentação de transferências, se possa refutar o argumento de J.-M. Bosman, de que o objectivo por ela prosseguido poderia ser levado a cabo através de um sistema de partilha de parte das receitas, sem, para o efeito, ter de se restringir o direito de livre circulação do jogador. As federações nada adiantaram que possa refutar esta opinião. Deve ainda referir-se que, eventualmente, a já citada regulamentação da DFB parece ter seguido, no essencial, semelhante entendimento ao estabelecer variados montantes fixos na transferência de jogadores amadores para clubes profissionais.

4) Outros argumentos

240 A par dos argumentos que acabamos de analisar, foram ainda tecidas outras considerações com o objectivo de justificar a regulamentação das transferências e que agora examinaremos.

241 A UEFA sustentou que o pagamento de indemnizações de transferência possibilitava aos clubes a procura de talentos, vital para o futebol, estimulando-os mesmo a isso. Ainda que assim fosse, não vejo por que razão relacionar este objectivo com o pagamento de uma indemnização de transferência de jogadores. Também neste caso, a já repetidas vezes mencionada possibilidade de partilha das receitas daria aos clubes os meios financeiros para a descoberta e a formação de jovens talentos. Tal sistema de partilha poderia ser estruturado de forma a permitir manter o estímulo à procura de talentos e um bom trabalho de formação (305).

242 O argumento igualmente utilizado pela UEFA de que as indemnizações de transferência possibilitavam aos clubes a contratação de pessoal - não significando com isto apenas jogadores - não o considero convincente. Como já demonstrei, os clubes têm outras possibilidades de financiamento que não restringem a liberdade de circulação dos jogadores.

243 Discussão mais aprofundada não necessita o argumento de que o pagamento de indemnizações de transferência deveria ser permitido para indemnizar os clubes das despesas por eles suportadas com o pagamento de tais indemnizações na contratação de jogadores. Esta afirmação contém uma petitio principii (petição de princípio), tal como o argumento de que as mesmas indemnizações têm o objectivo de compensar a perda sofrida pelo clube com a saída do jogador em causa. Efectivamente, isto suporia que um jogador pudesse ser tratado como uma mercadoria por cuja substituição deva ser recebido um preço. Tal entendimento pode corresponder à realidade actual, tal como resulta da regulamentação das transferências em que se fala de «compra» e «venda» de jogadores. Este facto não deve, no entanto, obscurecer-nos no entendimento de que se trata de uma forma de ver sem fundamento jurídico e incompatível com o direito à livre circulação.

244 J.-M. Bosman defendeu que a regulamentação das transferências visa proporcionar que os clubes fiquem com os montantes em causa. Em seu entender, a supressão da regulamentação das transferências levaria efectivamente a um aumento geral da retribuição dos jogadores. Este entendimento tem algum peso. Efectivamente, se a regulamentação das transferências tivesse como base - também - este objectivo (económico), ele não seria em todo o caso adequado para justificar a restrição à liberdade de circulação que dele resulta, uma vez que não se vê que seja digno de protecção jurídica o interesse dos clubes em pagar menores retribuições que as que teriam de pagar em circunstâncias normais e na ausência da regulamentação das transferências, tornando assim menos onerosa a manutenção dos jogadores.

245 A URBSFA sustentou que a actual regulamentação das transferências prossegue o objectivo de garantir a qualidade do futebol e promover a actividade e o espírito desportivos. Esta argumentação parece-me, no essencial, virada para o domínio do desporto amador que, repito-o mais uma vez, não é objecto deste processo. Além disso, não se vê que a regulamentação das transferências possa atingir este objectivo tão genericamente formulado. De resto, tenho sérias dúvidas de que um sistema que se traduz, em última análise, em tratar o jogador como uma mercadoria seja adequado para fomentar o espírito desportivo.

246 Mais importante é a consideração de que a manutenção desta regulamentação é necessária para garantir a manutenção da organização do futebol a nível mundial. A questão da compatibilidade desta regulamentação com o direito comunitário só é importante para o futebol a nível mundial, na medida em que tem a ver com as federações na Comunidade. É, pois, claro que o acórdão a proferir no processo em apreço apenas é válido para estas. Se o Tribunal de Justiça seguir o meu entendimento, a transferência, no território comunitário, de um jogador profissional de futebol, cujo contrato haja terminado e que seja nacional de um Estado-Membro, para outro clube noutro Estado-Membro, deixará de depender do pagamento de uma indemnização de transferência. As federações de Estados terceiros continuam ao invés livres de não respeitar esta regra. Tal conduzirá a que um clube da Comunidade, que pretenda contratar um jogador que até ao momento exercesse a sua actividade num clube de um Estado terceiro, continuará a ter de pagar uma indemnização de transferência, mesmo que este jogador tenha a nacionalidade de um Estado-Membro da Comunidade, o que poderá criar dificuldades.

Tais dificuldades não devem, no entanto, ser exageradas. O exemplo da República Francesa (e, em certa medida, da Espanha) mostra que já actualmente se pode prescindir, no interior de um Estado-Membro, do sistema do pagamento de indemnizações de transferência, quando, nas relações com o estrangeiro, continua a utilizar-se. Nada impede que, na Comunidade, vista como um todo, se eliminem as indemnizações de transferência, mantendo-se nas transferências para ou de Estados terceiros. Isto corresponde, além disso, em meu entender, à lógica do mercado único.

247 Finalmente, examinemos o receio de que a eliminação da actual regulamentação das transferências conduziria a dramáticas convulsões no futebol, ou mesmo a uma expropriação (306). O entendimento que perfilho significa seguramente que a organização do futebol profissional na Comunidade ficaria sujeito a graves alterações. A médio e a longo prazo, não haveria, no entanto, dificuldades invencíveis. Como a introdução da Champions League pela UEFA demonstra, as federações estão em condições de dar os passos necessários para o bem do futebol. A curto prazo, a eliminação das indemnizações de transferência ocasionaria seguramente algumas dificuldades e isto em especial para os clubes que recentemente investiram no seu pagamento. Não se pode no entanto falar de uma expropriação. Quem considerou os jogadores como mercadoria avaliável em dinheiro e eventualmente contabilizou mesmo esse valor no seu balanço, fê-lo por sua própria conta e risco. Deve ter-se em conta que a eliminação das indemnizações de transferência traz também vantagens para um clube na medida em que lhe proporciona a possibilidade de contratar novos jogadores sem ter de pagar tais indemnizações. Relativamente aos clubes que «obtiveram» recentemente novos jogadores, deve ter-se em conta que o contrato com eles celebrado tem uma certa duração, durante a qual o jogador só poderá deixar o clube com o seu acordo. A eliminação das indemnizações de transferência apenas virá a ser sentida por estes clubes terminado aquele prazo.

5) Síntese

248 De tudo isto resulta, assim, em meu entender, que a regulamentação das transferências actualmente em vigor não se justifica com base no interesse geral. Os fins legítimos que prossegue podem também ser obtidos através de alternativas que não restringem ou quase não restringem o direito dos jogadores à livre circulação. A regulamentação das transferências não é por isso indispensável para atingir esses objectivos. A mais importante destas alternativas consiste na distribuição de uma parte das receitas obtidas pelos clubes. Este método é já hoje utilizado em determinados domínios pelas federações e clubes. Não se trata, portanto, de modo algum, de uma alternativa hipotética ou desconhecida, imposta ao futebol de fora. Continua da competência dos clubes e federações a criação do regime de substituição da regulamentação das transferências com o seu sistema de indemnizações de transferência. A única exigência que o direito comunitário põe na matéria consiste no dever de tal regulamentação respeitar o princípio da liberdade de circulação do jogador, garantido pelo artigo 48._ do Tratado CE.

249 A questão formulada pela cour d'appel de Liège e referente à regulamentação das transferências, no que se refere ao artigo 48._, deve ser respondida no sentido de que não é compatível com esta disposição a exigência, pelo anterior clube, de uma indemnização de transferência ao novo clube, por um jogador profissional de futebol cujo contrato haja terminado.

250 Isto corresponde não apenas à tese defendida por J.-M. Bosman mas também ao afirmado pela Comissão na audiência.

251 Especialmente importante me parece todavia que também um Estado-Membro - isto é, o Reino da Dinamarca - exprimiu esta opinião. Isto mostra que a manutenção deste regime de transferências não constitui um interesse inerente aos Estados-Membros.

252 O entendimento aqui sustentado encontra-se em sintonia com o ponto de vista desde há muito partilhado pelo Parlamento Europeu. Contentar-me-ei, neste aspecto, com uma remissão para o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos sobre a liberdade de circulação dos profissionais do futebol na Comunidade, de 1 de Março de 1989 (307), e para o relatório da Comissão da Juventude, da Cultura, da Educação e da Informação sobre «a Comunidade Europeia e o desporto», de 27 de Abril de 1994 (308), bem como as decisões do Parlamento Europeu de 11 de Abril de 1989 (309) e de 21 de Novembro de 1991, também sobre este assunto (310).

V - Interpretação dos artigos 85._ e 86._

1. Relação com o artigo 48._

253 Nas observações escritas, a Comissão sustentou que à regulamentação das transferências apenas eram aplicáveis as disposições sobre concorrência do Tratado CE, mas não o artigo 48._ No entanto, na audiência, alterou com razão este entendimento. Não se vê qualquer fundamento para que a regulamentação em apreço não esteja também sob a alçada das disposições aplicáveis às empresas em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas (311). O Tratado CE regulou, em várias partes, a relação entre as suas disposições em termos de âmbito de aplicação (312). Tal não se verifica quanto aos artigos 48._ e 85._ e seguintes, razão por que, em princípio, o respectivo âmbito de aplicação pode abranger a mesma matéria.

2. Aplicabilidade do artigo 85._

a) Empresas e associações de empresas

254 O n._ 1 do artigo 85._ aplica-se a todos os acordos entre empresas, a todas as decisões de associações de empresas e a todas as práticas concertadas. Há portanto que verificar, em primeiro lugar, se os clubes de futebol e, eventualmente, as respectivas federações podem ser considerados, respectivamente, empresas e associações de empresas para efeitos desta disposição.

255 O conceito de empresa, não definido no Tratado CE, tem o mesmo conteúdo para efeitos da aplicabilidade dos artigos 85._ e 86._ (313). Nos termos da jurisprudência, o conceito de empresa abrange «qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento» (314). Atento o que já foi dito sobre esta questão (315), não pode contestar-se seriamente que os clubes profissionais exercem uma verdadeira actividade económica. O argumento da URBSFA de que isto apenas é válido para os grandes clubes, mas não para os pequenos, objecto deste processo, dado que estes apenas exercem uma actividade económica insignificante, não resiste ao mínimo exame. A dimensão da empresa não tem qualquer importância (316). As actividades dos clubes US de Dunquerque e RC de Liège não se distinguem pela sua natureza das dos maiores clubes. Diferente é apenas o resultado económico que cada clube obtém da respectiva actividade. Esta circunstância, todavia, não tem qualquer interesse para a questão da sua qualidade de empresa. Por isso, também a afirmação do Governo italiano de que os clubes de futebol não tinham fim lucrativo fica, pela mesma razão, vazia de sentido. Ainda que - o que me parece muito duvidoso - este entendimento fosse aceitável, não teria qualquer importância, uma vez que o conceito de empresa, para efeitos das disposições aplicáveis às empresas em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas, não pressupõe um fim lucrativo (317).

256 É do mesmo modo indubitável que cada federação de futebol deve ser considerada uma associação de empresas para efeitos do artigo 85._ A circunstância de estas abrangerem, ao lado dos clubes profissionais, também um certo número de clubes amadores, nada altera.

Além disso, também associações de empresas podem ser consideradas «empresas» para os mesmos efeitos, desde que elas próprias exerçam uma actividade económica (318).

257 Neste sentido vão também a jurisprudência e a prática da Comissão. Em decisão de 27 de Outubro de 1992 (319), a Comissão analisou a compatibilidade do artigo 85._ com determinadas práticas em matéria de venda de bilhetes de entrada para o Campeonato do Mundo de 1990 em Itália, decidindo que, entre outros, a FIFA e a federação italiana de futebol exerciam actividades económicas e, nessa medida, deviam ser consideradas empresas (320). Esta decisão não foi entretanto impugnada. O Tribunal de Primeira Instância teve há pouco que decidir um recurso da federação escocesa de futebol (321). Este tinha por objecto uma decisão da Comissão, proferida nos termos do artigo 11._ do Regulamento n._ 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85._ e 86._ do Tratado (322). Esta disposição permite à Comissão a obtenção de informações das empresas e das associações de empresas. A federação escocesa de futebol invocou determinados fundamentos contra a decisão da Comissão. Não contestou todavia o direito de, em relação a ela, se servir desta disposição. Por isso, também o Tribunal não conheceu desta questão. O acórdão proferido transitou em julgado.

b) Acordos entre empresas ou decisões de associações de empresas

258 As cláusulas de nacionalidade e a regulamentação das transferências constam dos regulamentos das federações em causa. Isto constitui, de imediato, um argumento no sentido de que, neste caso, estamos perante decisões de associações de empresas. A URBSFA objectou, no entanto, que os referidos regulamentos reflectem apenas fielmente o desejo dos membros das federações. Parece, assim, entender que se trata de acordos entre os clubes interessados. Todavia, dado que o artigo 85._ se aplica do mesmo modo a uma e a outra forma de actuação concertada, a distinção não tem qualquer importância (323).

259 Salvo uma excepção, nenhuma das partes contestou seriamente que, no presente caso, se estivesse perante acordos ou decisões a analisar face ao artigo 85._ Apenas o Governo francês se pronunciou a este respeito, nas observações escritas, no sentido de que a regulamentação das transferências não pode ser reconduzida a um acordo ou a uma decisão. A restrição à liberdade de circulação, que J.-M. Bosman contesta, não resulta da circunstância de dever ser paga uma indemnização de transferência, mas antes de serem exigidos montantes exorbitantes. Daqui não resulta, todavia, a existência de qualquer actuação concertada. Trata-se antes e simplesmente de uma consequência de uma situação de facto («la conséquence d'une situation de fait»).

Devo dizer que não consigo acompanhar este raciocínio. Em meu entender, é manifesto que a regulamentação das transferências não é nenhum fenómeno da natureza, mas antes uma criação dos clubes e suas federações.

c) Restrições ao comércio entre os Estados-Membros

260 Os acórdãos e decisões que tenham por objectivo ou efeito restringir a concorrência só são abrangidos pelo artigo 85._ se forem susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros. São assim abrangidos apenas os acordos ou práticas concertadas «que sejam susceptíveis de pôr em causa a liberdade do comércio entre Estados-Membros, de forma a prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados-Membros» (324). Além disso, estas restrições devem ser relevantes (325). Ambos os pressupostos se verificam neste caso. Isto é óbvio quanto às cláusulas sobre estrangeiros. Também a regulamentação das transferências influencia as transacções económicas entre os Estados-Membros de forma considerável. Os números já referidos a propósito da Itália são disso esclarecedores (326). Bastaria, além disso, que o comércio entre os Estados-Membros fosse potencialmente restringido (327). É este seguramente o caso.

261 Os argumentos apresentados especialmente pela UEFA contra este entendimento não convencem. Quando pretende que as transferências de jogadores não dizem respeito ao «comércio», não tem em conta que esta expressão constante dos artigos 85._ e 86._ não se restringe ao comércio de mercadorias mas abrange o conjunto das transacções económicas entre os Estados-Membros (328). Também a pretensão de que apenas poucos jogadores se transferem para o estrangeiro não invalida este entendimento. Como já se disse, basta que exista um efeito potencial considerável para que se verifique a restrição do comércio entre os Estados-Membros. Além disso, tendo em conta os referidos números, é claro que já hoje estas cláusulas exercem um efeito considerável sobre o comércio entre os Estados-Membros. Também a afirmação da URBSFA, de que já actualmente existe um considerável número de jogadores estrangeiros no campeonato belga, nada diz contra a opinião de que a regulamentação em questão restringe o comércio entre os Estados-Membros. Parece-me antes demonstrar que existe entre os jogadores um considerável interesse nestas transferências para o estrangeiro. Como já referi, as cláusulas de nacionalidade foram introduzidas nos anos 60 - isto é, após a entrada em vigor do Tratado. A introdução desta regulamentação e a sua veemente defesa pelas federações no processo agora pendente não se compreenderia se efectivamente não tivessem uma influência considerável no comércio entre os Estados-Membros. As cláusulas de nacionalidade, tal como a regulamentação das transferências, são um meio adequado para impedir a realização daquelas pretensões.

d) Restrições à concorrência

262 Em meu entender, é também claro que a regulamentação agora analisada constitui uma restrição da concorrência para efeitos do artigo 85._, n._ 1. As cláusulas de nacionalidade restringem a possibilidade de cada clube fazer concorrência a outros clubes através da contratação de jogadores. Isto constitui uma restrição da concorrência entre estes clubes (329). A Comissão sustentou, com razão, que estas cláusulas levam a uma «repartição das... fontes de abastecimento», para efeitos do artigo 85._, n._ 1, alínea c). O mesmo é válido quanto à regulamentação das transferências. Como a Comissão referiu, esta regulamentação institui, em vez do sistema normal da oferta e da procura, um mecanismo unitário que mantém uma dada situação de concorrência e retira aos clubes a possibilidade de utilizarem as hipóteses de contratação de jogadores que, numa situação de concorrência normal, lhes seriam oferecidas. Se não houvesse obrigação do pagamento de uma indemnização de transferência, um jogador poderia, uma vez terminado o seu contrato, transferir-se livremente, procurando o clube que melhores condições lhe oferecesse. Assim, só poderia ser exigível uma indemnização de transferência se jogador e clube contratualmente o acordassem previamente. O regime de transferências actual conduz, ao invés, a que o jogador, mesmo após o termo do seu contrato, continue dependente do antigo clube. Dado que uma transferência só é possível contra o pagamento de uma indemnização de transferência, este regime favorece a tendência para a manutenção da situação de concorrência existente. A obrigação do pagamento de uma indemnização de transferência não desempenha por isso, de modo algum, um «papel neutro» em matéria de concorrência, como pretende a UEFA. Sendo assim, também a regulamentação das transferências restringe a concorrência (330). Igual entendimento foi também sustentado pelo representante do Governo dinamarquês na audiência.

A previsão do artigo 85._, n._ 1, encontra-se preenchida quando a restrição da concorrência traduz o objectivo e o efeito do acordo correspondente. No presente caso, é evidente que a restrição da concorrência constitui não só o efeito da respectiva regulamentação como ainda o objectivo visado pelos clubes e federações.

263 A concorrência restringida por esta regulamentação é a dos clubes entre si. Na verdade, J.-M. Bosman defendeu que a regulamentação em causa restringe ainda a liberdade dos jogadores e, em seu entender, contribui para que o nível das suas remunerações seja inferior ao que seria se ela não existisse. A isto se opôs, todavia, que o próprio jogador não pode ser considerado como uma empresa para efeitos das disposições do Tratado em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas. Efectivamente não se exclui que pessoas individuais possam ser consideradas empresas se a sua actividade consistir numa prestação de serviços remunerada (331). Como já referi, há actualmente mais razões para que o jogador profissional de futebol seja antes considerado trabalhador por conta de outrem que prestador de serviços (332). Tenho, por isso, certas dúvidas de que as considerações de J.-M. Bosman possam eventualmente ser relevantes para a verificação da existência dos pressupostos do artigo 85._, n._ 1.

O mesmo vale para a tese de J.-M. Bosman de que a regulamentação das transferências estabelece uma barreira à entrada no mercado, constituindo assim uma restrição da concorrência. A barreira que esta regulamentação erige é de natureza meramente financeira. Quem tiver dinheiro suficiente pode fazer de uma equipa fraca ou insignificante uma equipa de alto nível. Existem disso alguns exemplos. É assim questionável se este aspecto é relevante para a questão da existência de uma restrição à concorrência.

264 Contra este entendimento foram formulados, no presente processo, no essencial, considerações de três tipos. Referem-se, em primeiro lugar, à possibilidade de a regulamentação das transferências restringir a concorrência, uma vez que é válida para todos os clubes e por isso factor neutral para este efeito. Já me pronunciei sobre este aspecto. Essencialmente mais importantes são os dois outros argumentos. Foi dito que as restrições em causa visam, em princípio, o desenvolvimento da concorrência e são por isso compatíveis com o n._ 1 do artigo 85._ Acrescentou-se ainda que se trata de um domínio do direito do trabalho em que, genericamente, aquela disposição não pode ter qualquer aplicação.

265 No que se refere ao primeiro destes argumentos, é dificilmente contestável que essa afirmação é, em princípio, correcta. Se uma regulamentação, que à primeira vista parece conter uma restrição à concorrência, é necessária precisamente para possibilitar essa concorrência, deve, em princípio, considerar-se que não viola o artigo 85._, n._ 1. Não seria convincente contrapor que, de qualquer modo, o n._ 3 do artigo 85._ prevê a possibilidade da não aplicação da proibição constante do n._ 1.

266 A UEFA e o Governo italiano invocaram a este propósito o conceito de «rule of reason». Trata-se de uma teoria desenvolvida no direito americano sobre acordos de empresas. No fulcro do regime jurídico dos acordos de empresas dos Estados Unidos, encontra-se a proibição de acordos que possam restringir a concorrência, prevista na Section 1 do Sherman Act (333). Diferentemente do artigo 85._, o direito americano não prevê excepções à aplicação da regra de proibição de acordos, decisões e práticas concertadas de empresas. Dado que, em princípio, todos os contratos, em apreciação meramente formal, contêm uma restrição à concorrência, torna-se, na prática, difícil decidir que contratos são abrangidos por esta disposição e os que não o são. A jurisprudência até agora desenvolvida distingue entre acordos que, sem mais (per se), caem no âmbito desta disposição e aqueles em que assim não acontece. Quanto a estes, os tribunais devem aplicar uma «rule of reason» que, em especial, os obriga à ponderação de quais os elementos de um contrato restritivos da concorrência e quais os aspectos do mesmo contrato que a favorecem (334).

267 Foi por várias vezes argumentado que tal «rule of reason» deveria ser também aplicada no direito comunitário em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas de empresas (335). A isto se contrapôs com razão que a diferença entre os sistemas jurídicos americano e comunitário tornava impossível a transposição desta teoria (336). Assim, até ao momento, a jurisprudência excluiu tal transposição. Em acórdão proferido no ano transacto, o Tribunal de Primeira Instância considerou expressamente que não existe no direito comunitário qualquer violação per se da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas de empresas constante do n._ 1 do artigo 85._, que não possa ser isenta pelo n._ 3 da mesma disposição (337). Em alguns dos acórdãos daquele Tribunal proferidos em Abril do ano em curso, no processo da rede electrossoldada para betão, não foi resolvida a questão de a «rule of reason» se poder aplicar no direito comunitário, uma vez que as restrições à concorrência em causa deviam ser interpretadas, de qualquer modo, como violações per se (338).

268 Um ligeiro exame à jurisprudência mostra que, na interpretação do artigo 85._, n._ 1, o Tribunal de Justiça nunca partiu da existência de um conceito formal de restrição da concorrência, tendo sempre procedido a uma análise valorativa. Assim, considera não constituírem restrições à concorrência para efeitos desta decisão as cláusulas objectivamente necessárias para o cumprimento de determinado contrato que, em si, não é objecto de contestação. Isto é válido, por exemplo, para proibições de concorrência (proporcionadas) no caso da venda de uma empresa (339). Neste caso, o Tribunal de Justiça considera que restrições à concorrência podem, também, ser compatíveis com o artigo 85._, n._ 1, se, ponderadas todas as circunstâncias do caso concreto, se concluir que sem tais restrições a concorrência digna de protecção não seria possível (340). Um bom exemplo desta jurisprudência constitui o acórdão referido pela UEFA na audiência e proferido pelo Tribunal de Justiça em 15 de Dezembro de 1994 (341). Neste caso, tratava-se de restrições inseridas nos estatutos de uma cooperativa, pelas quais se proibia aos membros de fazerem parte de outras formas de colaboração organizada que com ela estivessem directamente em concorrência. O Tribunal de Justiça entendeu que a compatibilidade das referidas cláusulas com as regras comunitárias da concorrência não podia ser avaliada «em abstracto», dependendo do conteúdo de cada disposição e «das condições económicas nos mercados em causa». Chegou à conclusão de que a participação numa sociedade cooperativa concorrente causava perturbações ao bom funcionamento da cooperativa e ao seu poder contratual em relação aos produtores. A proibição de uma dupla associação «não constituía, portanto, necessariamente uma restrição da concorrência na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado» e podia «mesmo produzir efeitos positivos na concorrência» (342).

269 Casos como o acima referenciado mostram que o Tribunal de Justiça tem em conta as considerações que estão na base da teoria da «rule of reason». Se se pode por isso dizer que a jurisprudência tem uma certa tendência para seguir esta teoria também no direito comunitário, pode deixar-se em aberto (343). Em todo o caso, o acórdão referido em último lugar mostra claramente quais as fronteiras desta jurisprudência. O Tribunal de Justiça efectivamente acrescentou que apenas não eram abrangidas pelo n._ 1 do artigo 85._ as restrições «necessárias» para o bom funcionamento da cooperativa e o seu poder negocial. Deve, por isso, verificar-se se as sanções previstas nos estatutos para a violação das referidas disposições «não eram desproporcionadas» e se o período mínimo de associação, previsto nos estatutos, «não carecia de razoabilidade» (344).

Isto mostra que apenas não são abrangidas pelo n._ 1 do artigo 85._ as restrições à concorrência indispensáveis para obter os fins legítimos que visam.

270 Como já referi, o domínio do desporto profissional distingue-se pela circunstância de que os clubes estão em situação de dependência recíproca, relativamente aos outros mercados (345). Atenta esta especificidade, não se verifica pois que determinadas restrições possam ser necessárias para garantir o bom funcionamento deste sector. Não foi todavia sustentado neste processo que exactamente as cláusulas sobre estrangeiros e a regulamentação das transferências, aqui em análise, seriam necessárias e inevitáveis para atingir este objectivo. A avaliação dos possíveis efeitos positivos destas disposições só pode, por isso, fazer-se no âmbito do n._ 3 do artigo 85._

No que se refere à regulamentação das transferências, já referi, no quadro da análise do artigo 48._, por que razão não são necessárias para prosseguirem os seus objectivos, quando legítimos. Existem alternativas, como, por exemplo, a partilha de uma parte das receitas, que permitem pelo menos tão bem a realização de tal objectivo. Posso, por isso, limitar-me agora a remeter para aquelas considerações (346).

O mesmo é válido para as cláusulas de nacionalidade. Em relação a estas, é ainda mais fácil chegar à conclusão de que não são necessárias, nem mesmo indispensáveis, para atingir os objectivos que lhes são atribuídos (347). Também neste caso se pode remeter para aquela discussão.

271 O último argumento a examinar apoia-se na consideração de que estamos num domínio do direito do trabalho. No entender da UEFA, trata-se, no caso em apreço, de um «conflito em matéria de convenções colectivas dissimulado». A relação entre a entidade patronal e o trabalhador não está, todavia, sujeita às regras da concorrência. A UEFA apoia-se ainda, a este propósito, no modelo do direito americano.

272 Na realidade, a regulamentação das transferências aplica-se directamente às relações entre o jogador e a sua (antiga ou futura) entidade patronal. Se o domínio do direito do trabalho não estiver sujeito às regras da concorrência, poderia argumentar-se que isto deve ser igualmente aplicável à regulamentação das transferências.

É duvidoso que o mesmo possa dizer-se relativamente às cláusulas de nacionalidade. Atento o que adiante será dito, não tenho agora que me ocupar da questão.

273 Não há, em meu entender, nenhuma disposição que afaste, em geral e totalmente, do âmbito das regras da concorrência do Tratado CE, acordos que tenham por objecto relações de trabalho. Tal disposição também não existe, além disso, no direito dos Estados Unidos, a que a UEFA fez referência. Não há portanto necessidade de analisar em detalhe os princípios e as variedades de aplicação da conhecida «labor exemption» (348). Dos próprios acórdãos de tribunais americanos apresentados pela UEFA resulta que estas excepções são válidas para convenções colectivas entre sindicatos e organizações patronais, bem como para os acordos anteriores entre as partes para tanto necessários (349). A exclusão do desporto do basebol da aplicação das regras da concorrência é manifestamente uma excepção que não tem importância para o caso que nos ocupa, dado que o direito comunitário não tem qualquer disposição correspondente aplicável ao futebol (nem a qualquer outro desporto).

J.-M. Bosman invocou em especial o acórdão do United States Court of Appeals, Eighth Circuit, no processo Mackey v National Football League (350). Este acórdão tinha por objecto disposições de uma federação desportiva que têm fortes semelhanças com a regulamentação das transferências aqui em análise. O tribunal chegou à conclusão de que as normas em questão não podiam beneficiar da «labor exemption» e desenvolveu uma teoria que é bastante próxima da por mim já sustentada. Não há no entanto que a examinar em mais pormenor, dado que esta decisão reflecte o regime jurídico americano aplicável.

274 Do direito americano apenas se pode efectivamente, e em meu entender, retirar a conclusão para o direito comunitário de que a garantia da autonomia das entidades patronais e dos sindicatos para a realização de convenções colectivas pode exigir que estas sejam excluídas das regras da concorrência na medida do necessário para aquele efeito. Uma restrição equivalente do âmbito do artigo 85._ - tal como existe no direito de alguns Estados-Membros (351) -, podia efectivamente ser aceite (352). Ela seria de natureza restritiva (353).

275 De toda a maneira, esta questão não tem importância para o caso que nos ocupa. Como a Comissão referiu na audiência, não se trata de convenções colectivas mas simplesmente de acordos horizontais entre os clubes. Só por esta razão não colhem as considerações da UEFA. Não se vê efectivamente qualquer razão para que tais acordos ou decisões não estejam sob a alçada do artigo 85._ (354).

276 Como já referi, a regulamentação das transferências em Espanha é feita por convenção colectiva. De idêntica natureza parece ser a «charte de football professionnel» aplicável em França (355). Estes documentos regulam, todavia, simplesmente as transferências de clubes no interior das correspondentes federações. Para a transferência para clubes de outros Estados-Membros, agora em análise, aplicam-se os regulamentos da UEFA ou, se for o caso, da FIFA, que seguramente não constituem convenções colectivas.

O mesmo vale para a circunstância de a legislação de alguns Estados-Membros permitir a adopção de regras que imponham o pagamento de uma indemnização de transferência. A este propósito, haverá apenas que dizer que as referidas legislações apenas possibilitam a adopção de tais regras, mas não obrigam os clubes e as federações a adoptá-las.

e) Artigo 85._, n._ 3

277 Não temos que averiguar se a regulamentação das transferências e as cláusulas de nacionalidade podiam ser abrangidas pela excepção do n._ 3 do artigo 85._ Tal excepção apenas podia ser concedida pela Comissão, o que suporia a apresentação do correspondente pedido (356).

278 Apenas para ser exaustivo, adiantarei que, no caso de tal lhe ser pedido, é teoricamente imaginável que a Comissão concedesse uma isenção à proibição prevista no artigo 85._, n._ 1, para os regulamentos que violem o artigo 48._ Uma vez que tal isenção em nada alteraria a mencionada violação do artigo 48._, fazia sentido que a Comissão já a tivesse em conta no processo de isenção. Seria desejável, em cada caso, um resultado coerente (357). Isto significa que a isenção prevista no n._ 3 do artigo 85._ não devia ser concedida (358).

3. Interpretação do artigo 86._

279 Finalmente, deve ainda esclarecer-se se as cláusulas de nacionalidade e a regulamentação das transferências, de que aqui se trata, são compatíveis com o artigo 86._ do Tratado CE. Nos termos desta disposição, é incompatível com o mercado comum e proibido «na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum».

280 Afirmei já, no âmbito da análise do artigo 85._, que os clubes profissionais podiam ser considerados como empresas para efeitos desta disposição. O mesmo é válido para as federações na medida em que elas próprias exercem uma actividade económica. Ali foi já esclarecido que a regulamentação agora em análise restringe o comércio entre os Estados-Membros (359).

281 A questão mais importante agora a examinar consiste em ver se, no caso em apreço, se pode falar de uma posição dominante para efeitos do artigo 86._ Com este conceito, pretende-se, nos termos da jurisprudência, «designar uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe dá a possibilidade de se opor à continuação de uma concorrência efectiva no mercado em causa e lhe dá a possibilidade de comportamentos independentes em medida apreciável face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores» (360). Como o mostra a formulação utilizada no artigo 86._, também várias empresas podem, em conjunto, ter uma posição dominante.

282 Há, assim, que esclarecer de seguida se, no presente contexto, haverá que partir dos clubes ou das suas federações. Uma vez que a regulamentação em causa consta do regulamento de cada federação, é lógico averiguar qual a posição desta no mercado. Se, por exemplo, tivermos em conta, no caso em apreço, a questão da venda dos direitos de transmissão por televisão para a UEFA Champions League, é claro que deverá analisar-se a posição no mercado da UEFA, que organiza este campeonato e o comercializa. No entanto, no caso que nos ocupa, trata-se de regulamentação aplicável à contratação de jogadores. A Comissão salientou, com justeza, que a contratação de jogadores é matéria dos clubes e não das federações. Em seu entender, esta regulamentação deve por isso considerar-se como acordos entre clubes. Na situação em apreço, tratar-se-ia, por isso, de uma posição dominante dos clubes e não das federações. Considero isto convincente. Este entendimento justifica também o ponto de vista da Comissão e da URBSFA de que a regulamentação em causa não é uma imposição das federações, traduzindo antes fielmente a vontade dos clubes.

Neste processo não há assim que apreciar se a UEFA ocupa em relação aos clubes membros uma posição dominante, ou se, necessariamente, em cada Estado-Membro, só poderá haver, em princípio, uma única federação.

283 As cláusulas de nacionalidade constam dos regulamentos de cada federação, ao passo que a regulamentação das transferências para outros Estados-Membros consta dos regulamentos da UEFA e da FIFA. Pergunta-se portanto se, no primeiro caso, os clubes profissionais da respectiva federação e, no segundo, os clubes profissionais da Comunidade têm, no seu conjunto, uma posição dominante. A resposta a esta questão depende das condições em que é possível falar-se de uma posição dominante colectiva no mercado.

284 Nas decisões que tem tomado, a Comissão já por várias vezes considerou existir este tipo de posição dominante colectiva (361). O Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância tiveram poucas vezes a oportunidade de se confrontar com esta questão. No acórdão Centre d'insémination de La Crespelle (362), proferido em 1994, tratava-se de uma regulamentação francesa que concedia a cerca de 50 centros de inseminação artificial de bovinos o direito exclusivo de exercer a sua actividade na parte do território que lhes fora atribuída. O Tribunal de Justiça considerou que, através da constituição deste monopólio, com fronteiras territoriais, mas que abrangia no seu conjunto todo o território francês, se instituiu uma posição dominante para efeitos do artigo 86._ (363). Fundamentalmente mais importante para o caso que nos ocupa é o acórdão do Tribunal de Primeira Instância no caso SIV (364), que entretanto transitou em julgado. O Tribunal salientou além do mais:

«Não se pode excluir, por princípio, que duas ou mais entidades económicas independentes estejam, num mercado específico, unidas por tais laços económicos que, de facto, detenham em conjunto uma posição dominante sobre os outros operadores no mesmo mercado... Deve, no entanto, sublinhar-se que, para se apurar uma infracção ao artigo 86._ do Tratado não basta... `reciclar' os factos constitutivos de uma infracção ao artigo 85._, daí retirando a constatação de que as partes num acordo ou numa prática ilícita detêm, em conjunto, uma parte de mercado importante, que por esse simples facto detêm uma posição dominante colectiva e que o seu comportamento ilícito constitui abuso dela» (365).

285 Em meu entender, pode retirar-se daqui que os clubes de uma associação profissional «estão de tal modo relacionados em termos económicos» que devem ser considerados no seu conjunto como constituindo uma posição dominante no mercado. A este respeito, é válido, em especial, o facto, já várias vezes referenciado, de que estes clubes dependem uns dos outros se pretenderem ter sucesso (366). Tal comunidade natural de interesses dificilmente se encontraria noutro ramo.

286 Esta questão não tem, no entanto, que ser aqui aprofundada. No caso em apreço, não se trata, efectivamente, de um poder de mercado que os clubes, no seu conjunto, detenham em relação aos concorrentes, fornecedores ou clientes (367). Os jogadores não pertencem, em meu entender, a nenhuma destas categorias. Esta questão pôr-se-ia, no referido sentido, em contrapartida, se - para utilizar um exemplo já referido - os próprios clubes, enquanto grupo, procedessem à venda dos direitos televisivos sobre os seus jogos. O presente caso, todavia, respeita a regulamentações que restringem a possibilidade de contratação dos jogadores. Esta regulamentação conduz a uma restrição da concorrência entre os clubes. Não se verifica, no entanto, uma violação do artigo 86._, uma vez que apenas as relações entre os clubes e os seus jogadores estão em causa.

Em conclusão, entendo, tal como a UEFA, a URBSFA, a Comissão e os Governos italiano e francês, que não há violação do artigo 86._

C - Conclusões

287 Em meu entender, a resposta a dar às questões formuladas pela cour d'appel de Liège deve ser a seguinte:

«1. O artigo 48._ do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que proíbe

a) que um clube de futebol, aquando da contratação por outro clube de um seu jogador cujo contrato terminou, possa exigir e receber o pagamento de uma quantia em dinheiro;

b) a restrição da participação de jogadores com a nacionalidade de um dos Estados-Membros em competições organizadas pelas federações nacionais e internacionais para clubes.

2. O artigo 85._ do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que é contrário a acordos entre clubes e a decisões de federações desportivas, que tenham o conteúdo referido nas alíneas 1.a) ou 1.b).»

(1) - Artigo 1._, n._ 6, do estatuto da FIFA de 1992.

(2) - Artigo 2._, alínea e), em conjugação com o artigo 13._ do regulamento da UEFA (edição de 1990).

(3) - Artigo 1._, n._ 4, do regulamento da UEFA.

(4) - Artigo 42._, alínea a), n._ 1, do regulamento da URBSFA de 1982. A este propósito devo referir que apenas tenho em meu poder o regulamento da URBSFA na versão francesa. Também das partes da regulamentação da FIFA e da UEFA, a analisar adiante, apenas existem, em parte, traduções autorizadas pelas federações. Na sua falta fiz as citações das normas em causa no original e, as mais das vezes, numa tradução livre.

(5) - Artigo 42._, alínea a), n._ 1, do regulamento da URBSFA de 1982.

(6) - Artigo 44._, n._ 1, do regulamento da URBSFA de 1982.

(7) - Artigo 44._, n._ 2, do regulamento da URBSFA de 1982.

(8) - Trata-se manifestamente de uma possibilidade de intervenção concedida à federação em determinas circunstâncias («circonstances spéciales»), v. artigo 46._-A, n._ 1, do regulamento da URBSFA de 1982.

(9) - Para distinção entre jogador de futebol profissional e não amador, v. os artigos 39._ e 40._ do regulamento da URBSFA de 1982.

(10) - V. artigo 48._-B, n.os 2 e 3, do regulamento da URBSFA de 1982.

(11) - Artigo 40._, n._ 3, do regulamento da URBSFA de 1982.

(12) - Artigos 39._, n._ 4, e 40._, n._ 4, do regulamento da URBSFA de 1982.

(13) - Artigo 36._-B, n._ 4, do regulamento da URBSFA de 1982.

(14) - Artigo 46._, n._ 1, segundo parágrafo, do regulamento da URBSFA.

(15) - Artigo 46._, n._ 2, do regulamento da URBSFA de 1982.

(16) - Artigo 46._, n._ 3, do regulamento da URBSFA de 1982.

(17) - Para os clubes da primeira divisão este período prolonga-se até 31 de Dezembro do ano em causa, v. artigo 46._, n._ 4, do regulamento da URBSFA de 1982.

(18) - V. artigo 45._, n._ 2, do regulamento da URBSFA de 1982.

(19) - V. artigo 45._, n._ 6, em conjugação com o artigo 128._, n._ 3, do regulamento da URBSFA de 1982.

(20) - Artigo 46._, n._ 5, alínea a), do regulamento da URBSFA de 1982.

(21) - Artigo 46._, n._ 5, alínea b), do regulamento da URBSFA de 1982.

(22) - Artigo IV/85.321 do regulamento da URBSFA de 1993.

(23) - Artigo IV/85.322 do regulamento da URBSFA de 1993.

(24) - Artigo IV/70.121 do regulamento da URBSFA de 1993.

(25) - V. artigos IV/70.122 e 123 do regulamento da URBSFA de 1993.

(26) - Artigo 12._ do regulamento de transferências da UEFA de 1990.

(27) - Artigo 13._ do regulamento de transferências da UEFA de 1990.

(28) - Artigo 1._, alínea e), do anexo ao regulamento de transferências da UEFA de 1990.

(29) - Artigo 14._ do regulamento de transferências da UEFA de 1990.

(30) - Artigo 3._ do anexo ao regulamento de transferências da UEFA de 1990.

(31) - V. artigo 3._ do anexo ao regulamento de transferências da UEFA de 1992. Esta regulamentação contém todavia (artigo 5._ do anexo) um montante máximo de 600 000 SFR para a indemnização de formação, aplicável apenas ao jogador amador.

(32) - Artigo 1._, n.os 1 e 2, do regulamento de transferências da UEFA de 1993.

(33) - Artigo 2._ do regulamento de transferências da UEFA de 1993.

(34) - O coeficiente 0 aplica-se aos jogadores com, no mínimo, 39 anos de idade. Por isso, podem mudar de clube sem indemnização de transferência.

(35) - V. artigo 8._, n._ 2, do regulamento de transferências da UEFA de 1993, sobre o cálculo do rendimento bruto determinante.

(36) - Artigo 1._ do regulamento da FIFA de 1986.

(37) - Artigo 12._, n._ 5, do regulamento da FIFA de 1986: «Com a entrega do certificado de desvinculação, a antiga federação reconhece que foram cumpridas todas as obrigações de ordem financeira, incluindo uma eventual indemnização de transferência».

(38) - Artigo 12._, n._ 1, terceiro parágrafo, do regulamento da FIFA de 1986.

(39) - N._ 1 do preâmbulo do regulamento da FIFA de 1994.

(40) - Artigo 7._, n._ 1, do regulamento da FIFA de 1994.

(41) - Artigo 8._, n._ 1, do regulamento da FIFA de 1994.

(42) - Artigo 7._, n._ 2, do regulamento da FIFA de 1994.

(43) - Artigo 7._, n.os 2, 3 e 4, do regulamento da FIFA de 1994.

(44) - Artigo 14._, n._ 2, do regulamento da FIFA de 1994.

(45) - Artigo 16._, n._ 1, do regulamento da FIFA 1994.

(46) - Trata-se das já referidas confederações no interior da FIFA (v., supra, n._ 5).

(47) - Artigo 16._, n.os 2 a 4, do regulamento da FIFA de 1994.

(48) - V., supra, n._ 19.

(49) - V. § 32, n._ 1, do Lizenzspielerstatuts.

(50) - V. § 9, n._ 1, do Spielordnung.

(51) - V. § 28, n._ 3, do Lizenzspielerstatut.

(52) - V. artigos 2._ e 7._ da secção 3 do contrato-tipo.

(53) - Artigo 4._ da secção 3 do contrato-tipo.

(54) - Artigo 7._ da secção 3 do contrato-tipo.

(55) - Artigo 14._, n._ 1, do decreto.

(56) - À transferência para o estrangeiro aplica-se o artigo 14._, n._ 2, do decreto acima referido. Nos termos desta disposição, serão aplicáveis nestes casos, se as normas dos outros Estados divergirem das espanholas, «critérios de reciprocidade».

(57) - Para melhor compreensão, há que ter em conta que, nos termos do artigo 3._, n._ 1, deste capítulo, o primeiro contrato como jogador profissional tem uma duração de quatro anos.

(58) - V., a este propósito (e para mais pormenores), o artigo 15._, n.os 3 e segs., deste capítulo.

(59) - Trata-se, segundo tudo indica, do artigo 12._ do regulamento da FIFA de 1986, portanto o regulamento anterior. Sendo assim, a federação neerlandesa de futebol possivelmente ainda não harmonizou o seu regulamento com o novo regulamento da FIFA de 1994.

(60) - V., nomeadamente, § 22, n._ 2, alínea b, do Spielordenung des Deutschen Fußballbundes (DFB) que entrou em vigor em 30 de Agosto de 1994, e segundo o qual um jogador que, «não tendo a nacionalidade alemã, tenha jogado nos últimos cinco anos, dos quais pelo menos três como júnior, sem interrupção, para um clube alemão» é equiparado a um jogador alemão.

(61) - Acórdão 13/76 (Colect., p. 545).

(62) - A inscrição na relação de jogadores (ficha técnica) significa que os cinco jogadores estrangeiros podem jogar ao mesmo tempo. Se for substituído um destes jogadores, não pode, no entanto, entrar em seu lugar um outro estrangeiro (sexto).

(63) - V., supra, n._ 5.

(64) - O texto desta decisão foi amavelmente enviado pela Cour de cassation ao Tribunal de Justiça.

(65) - Touche Ross & Co. - Survey of Football Club Accounts, Manchester, 1994 (realizado por Gerry Boon, Dale Thorpe e Anuh Shah).

(66) - Süddeutsche Zeitung, número 183, de 10 de Agosto de 1995, p. 31.

(67) - Trata-se da transferência de Gianluigi Lentini do Torino para o AC de Milão, em Julho de 1992 (v. The Economist, edição de 17 de Junho de 1995, p. 96).

(68) - Isto compreender-se-á se recordarmos que as cláusulas de nacionalidade têm na sua maior parte por base um conceito de nacionalidade para efeitos desportivos (v., a este respeito, n._ 37).

(69) - O terceiro parágrafo do artigo 177._ do Tratado CE, que tem por objecto a obrigatoriedade do pedido de decisão, a título prejudicial, por um tribunal cujas decisões não sejam objecto de recurso, segundo o direito interno, não é relevante no caso pendente.

(70) - V., a título de exemplo, o acórdão de 3 de Março de 1994, Eurico Italia e o. (C-332/92, C-333/92 e C-335/92, Colect., p. I-711, n._ 17).

(71) - Jurisprudência constante, v. acórdão de 29 de Novembro de 1978, Pigs Marketing Board (83/78, Recueil, p. 2347, n._ 25).

(72) - V., nomeadamente, o acórdão de 8 de Novembro de 1990, Gmurzynska-Bscher (C-231/89, Colect., p. I-4003, n._ 20).

(73) - Exemplo deste caso, o acórdão de 17 de Maio de 1994, Corsica Ferries (C-18/93, Colect., p. I-1783), em que o Tribunal de Justiça apenas respondeu a uma parte das questões formuladas (loc. cit., n._ 16).

(74) - V., nomeadamente, o acórdão de 12 de Julho de 1979, Union laitière normande (244/78, Recueil, p. 2663, n._ 5), e o acórdão de 10 de Março de 1981, Irish Creamery Milk Suppliers Association (36/80 e 71/80, Recueil, p. 735, n._ 6).

(75) - Acórdão de 16 de Dezembro de 1981, Foglia/Novello (244/80, Recueil, p. 3045, n._ 17). A apontada necessidade compreender-se-á se tivermos presentes os casos do segundo grupo acima referido.

(76) - Acórdão de 3 de Fevereiro de 1977, Benedetti (52/76, Colect., p. 67, n._ 22) (relativamente a uma parte das questões prejudiciais).

(77) - C-320/90, C-321/90 e C-322/90, Colect., p. I-393.

(78) - Loc. cit. (nota 77), n._ 6.

(79) - Loc. cit. (nota 77), n.os 7 a 10.

(80) - Conclusões do advogado-geral C. Gulmann de 6 de Outubro de 1992 (Colect., pp. I-409, 417).

(81) - Despacho de 19 de Março de 1993, Banchero (C-157/92, Colect., p. I-1085, n.os 4 e segs.); despacho de 26 de Abril de 1993, Monin Automobiles (C-386/92, Colect., p. I-2049, n.os 6 e segs.); despacho de 9 de Agosto de 1994, La Pyramide (C-378/93, Colect., p. I-3999, n.os 14 e segs.); despacho de 23 de Março de 1995, Saddik (C-458/93, Colect., p. I-511, n._ 12); despacho de 7 de Abril de 1995, Grau Gomis e o. (C-167/94, Colect., p. I-1023, n._ 8). V. também acórdão de 3 de Março de 1994, Vaneetveld (C-316/93, Colect., p. I-763), em que este princípio foi atenuado num domínio restrito (loc. cit., n.os 13 e 14).

(82) - V. despachos proferidos nos processos Saddik (nota 81), n._ 10 e Grau Gomis e o. (nota 81), n._ 10, e jurisprudência ali referida.

(83) - 126/80, Recueil, p. 1563.

(84) - Loc. cit. (nota 83), n._ 6 (sublinhado meu).

(85) - Despacho de 26 de Janeiro de 1990 (C-286/88, Colect., p. I-191).

(86) - V. o enunciado no despacho acima citado (nota 85), n._ 5.

(87) - Loc. cit. (nota 85), n.os 8 e segs.

(88) - Acórdão de 26 de Setembro de 1985, Thomasdünger (166/84, Recueil, p. 3301, n._ 11); acórdão de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi (C-297/88 e C-197/89, Colect., p. I-3763, n._ 40); acórdão Gmurzynska-Bscher, loc. cit. (nota 72), n._ 23; acórdão de 11 de Julho de 1991, Crispoltoni (C-368/89, Colect., p. I-3695, n._ 11); acórdão de 28 de Novembro de 1991, Durighello (C-186/90, Colect., p. I-5773, n._ 9); acórdão de 16 de Julho de 1992, Asociación Española de Banca Privada e o. (C-67/91, Colect., p. I-4785, n._ 26); acórdão Eurico Italia, loc. cit. (nota 70), n._ 17. Neste contexto cabe ainda referir o despacho de 16 de Maio de 1994 proferido no processo Automobiles Monin (II) (C-428/93, Colect., p. I-1707), em que o Tribunal de Justiça afirmou, reportando-se ao acórdão Salonia e ao despacho Falciola, que era «claramente» incompetente para responder às questões formuladas (loc. cit., n._ 16). Ainda o acórdão de 16 de Setembro de 1982, Vlaeminck (132/81, Recueil, p. 2953), em que o tribunal nacional considerou erradamente serem aplicáveis disposições de direito comunitário.

(89) - Acórdão de 16 de Julho de 1992, Lourenço Dias (C-343/90, Colect., p. I-4673, n._ 18); acórdão Corsica Ferries, loc. cit. (nota 73), n._ 14, e despacho La Pyramide, loc. cit. (nota 81), n._ 12.

(90) - Despacho Monin Automobiles (II) loc. cit. (nota 88), n._ 16.

(91) - Acórdão Foglia/Novello (104/79, Recueil, p. 745, n._ 10).

(92) - Acórdão Foglia/Novello (II) loc. cit. (nota 75).

(93) - Loc. cit. (nota 75), n.os 15 e 16.

(94) - Loc. cit. (nota 75), n._ 18.

(95) - Loc. cit. (nota 75), n._ 19.

(96) - Loc. cit. (nota 75), n._ 20.

(97) - V. acórdão de 3 de Fevereiro de 1983, Robards (149/82, Recueil, p. 171, n._ 19); acórdão Lourenço Dias, loc. cit. (nota 89), n._ 17; acórdão de 16 de Julho de 1992, Meilicke (C-83/91, Colect., p. I-4871, n._ 25); despacho La Pyramide, loc. cit. (nota 81), n._ 11; despacho Saddik, loc. cit. (nota 81), n._ 17.

(98) - Loc. cit. (nota 72), n._ 23.

(99) - Loc. cit. (nota 88), n._ 40. Na versão alemã fala-se, abertamente, em vez de um litígio «artificial», de um litígio «fictício».

(100) - V., supra, n._ 77.

(101) - Loc. cit. (nota 89).

(102) - Loc. cit. (nota 89), n._ 42.

(103) - Loc. cit. (nota 89), n.os 24 e 25, e 40 e 41.

(104) - Loc. cit. (nota 88), n.os 12 a 15.

(105) - Loc. cit. (nota 73).

(106) - Loc. cit. (nota 73), n.os 15 e 16.

(107) - Loc. cit. (nota 81), n._ 17.

(108) - V., supra, n._ 76.

(109) - V., supra, a passagem do acórdão Foglia/Novello, referida no n._ 82.

(110) - V., supra, n._ 82.

(111) - Loc. cit. (nota 75), n._ 18.

(112) - Loc. cit. (nota 97).

(113) - Loc. cit. (nota 97), n.os 29 a 34.

(114) - Conclusões de 8 de Abril de 1992 (Colect., pp. I-4897, I-4900).

(115) - Loc. cit. (nota 75), n._ 19.

(116) - Em resposta a uma pergunta escrita apresentada por um deputado do Parlamento Europeu, a Comissão esclareceu, em 18 de Dezembro de 1991, por exemplo, que uma acção por incumprimento do Tratado contra um Estado-Membro lhe parecia neste caso «problemática» uma vez que as eventuais restrições à livre circulação «constituem essencialmente um acto de particulares e não das autoridades públicas» (JO 1992, C 102, p. 41).

(117) - Não têm aqui cabimento os casos em que a violação das cláusulas de nacionalidade, por uma ou outra razão, não teve consequências. É o caso, em primeiro lugar, do jogo ganho pelo Ajax de Amsterdão por dois a um contra o FC de Utrecht, em 21 de Agosto de 1977, em que o clube vencedor fez intervir um estrangeiro a mais do que o permitido no regulamento. A reclamação da reavaliação do resultado do encontro apresentada pelo FC de Utrecht foi indeferida pela federação (Giltay Veth, V. N. J. P. - «Uitsluiting van buitenlandse voetballers: mogelijk binnen de EEG?», NJB 1978, pp. 504, 505). A violação pelo 1. FC de Colónia das cláusulas de nacionalidade no jogo contra o Eintracht Frankfurt, em 29 de Janeiro de 1977, ficou sem consequências uma vez que o clube de Colónia, apesar disso, perdeu o desafio por quatro a zero [v. Schweitzer, Michael - «Die Freizügigkeit des Berufssportlers in der Europäischen Gemeinschaft» in Dieter Reuter (editor), Einbindung des nationalen Sportrechts in internationale Bezüge, Heidelberg, 1987, p. 71]. O caso mais espectacular até ao presente respeita ao VfB de Estugarda que ganhou por três a zero contra o Leeds United, no Outono de 1992, o jogo da primeira mão da primeira volta da Taça da Europa dos Clubes Campeões. Na segunda mão, venceram os ingleses por quatro a um, o que no entanto possibilitava ao clube alemão a sua qualificação para a segunda volta nos termos do regulamento. Todavia, o clube de Estugarda tinha feito intervir um quarto jogador estrangeiro em substituição, razão por que o jogo da segunda mão foi reavaliado pela UEFA e atribuída a vitória ao Leeds por três a zero, tendo seguidamente este clube vencido o jogo decisivo. Este caso não releva, todavia, para o processo que nos ocupa, uma vez que os jogadores estrangeiros que intervieram eram nacionais de um Estado terceiro.

(118) - Giltay Veth, loc. cit. (nota 117), p. 510.

(119) - Nesta matéria refere-se a afirmação de Alessandra Giardini de que os clubes prosseguem um tipo de «quiete sportiva» («Diritto comunitario e libera circolazione dei calciatori», in Diritto comunitario e degli scambi internazionali, 1988, pp. 437, 444).

(120) - No acórdão do Hof van Beroep Brüssel de 16 de Março de 1994 (Te Velde) apresentado pela UEFA, relativo ao basquetebol, a questão não foi efectivamente discutida. Num acórdão do Landegericht Frankfurt, cujo objecto era a cláusula de nacionalidade da federação alemã de ténis de mesa, as cláusulas de nacionalidade foram consideradas conformes com o direito comunitário e recusada a apresentação de um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça com a duvidosa fundamentação de que tal questão tinha já sido decidida «de forma suficientemente clara» por este Tribunal (acórdão de 18 de Janeiro de 1994, EWS 1994, p. 405).

(121) - Loc. cit. (nota 114), p. 4901.

(122) - V. matéria de facto do acórdão, loc. cit. (nota 61), pp. 1334 e segs.

(123) - Neste sentido, Meinhard Hilf - «Die Freizügigkeit des Berufsfußballspielers innerhalb der Europäischen Gemeinschaft», NJW, 1984, pp. 517, 520; Marticke, Hans-Ulrich - «Ausländerklauseln und Spielertransfert aus europarechtlicher Sicht», in Michael R. Will (editor), Sport und Recht in Europa, Saarbrücken, 1988, pp. 53, 54.

(124) - Acórdão de 12 de Dezembro de 1974 (36/74, Colect., p. 595).

(125) - Loc. cit. (nota 124), n.os 4 a 9.

(126) - Loc. cit. (nota 124), n._ 10.

(127) - Loc. cit. (nota 124), n._ 11.

(128) - Loc. cit. (nota 124), n.os 17 a 19.

(129) - Loc. cit. (nota 124), n.os 23 e 24.

(130) - V., supra, n._ 119.

(131) - Loc. cit. (nota 61), n.os 17 e 18.

(132) - Loc. cit. (nota 61) n.os 12 a 16; v. também n._ 19.

(133) - V. acórdão de 28 de Janeiro de 1992, Steen (C-332/90, Colect., p. I-341, n._ 9).

(134) - JO L 257, p. 2 (rectificado no JO L 295, p. 12; EE 05 F1 p. 77).

(135) - V., também, Arno Petzold, Hans; Safaris, Athanase - «Europäische Freizügigkeit von Berufsfußballspielern aus deutscher und griechischer Sicht», EuR, 1982, pp. 76, 80; Ruiz-Navarro Pinar, José Luis - «La libre circulación de deportistas en la Comunidad Europea», Boletín de Derecho de las Comunidades Europeas, 1989, pp. 169, 180, 181; Weatherill, Stephen - «Discrimination on Grounds of Nationality in Sport», Yearbook of European Law 9 (1989), Oxford, 1990, pp. 55, 66 («plainly in breach of Article 48»).

(136) - Neste sentido também, Hilf, loc. cit. (nota 123), p. 521; Marticke, loc. cit. (nota 123), p. 65; Castellaneta, Maria - «Libera circolazione dei calciatore e disposizioni della FIGC», Diritto comunitário e degli scambi internazionali, 1994, pp. 635, 643.

(137) - Também estes têm limites. Assim, os clubes financeiramente mais poderosos da federação alemã, o FC Bayern de Munique e Borussia Dortmund, na época 1995/1996 e até ao momento (incluindo os contratados como amadores), têm contratados, respectivamente, seis e cinco jogadores estrangeiros. Para termo de comparação: o quadro do clube de Dortmund para aquela época abrange 25 jogadores, o clube de Munique 21 jogadores (v. Sonderheft Bundesliga 1995/1996 do Kicker Sportmagazin, pp. 67 e 71).

(138) - Hilf, loc. cit. (nota 123), p. 521 (sublinhado meu).

(139) - Ainda, a título de exemplo, Castellaneta, loc. cit. (nota 136), p. 644 («solo un mutamento della violazione del Trattato»).

(140) - V., supra, n._ 124.

(141) - Muito crítica, Forlati Picchio, Laura - «Discriminazioni nel settore sportivo e Comunità Europee», in Rivista di Diritto Internazionale 59 (1976), p. 745, que fala de uma «escamoteação» (loc. cit., p. 757); Hilf, loc. cit. (nota 123), p. 520, refere-se à existência de duas «decisões sibilinas»; Palme, Christoph; Hepp-Schwab, Hermann; Wilske, Stephan - «Freizügigkeit im Profisport - EG-rechtliche Gewährleistungen und prozessuale Durchsetzbarkeit», JZ, 1994, pp. 343, 344, falam de «declarações manifestamente vagas e obscuras».

(142) - Neste sentido, Schweitzer, loc. cit. (nota 117), p. 83.

(143) - Neste sentido, Marticke, loc. cit. (nota 123), p. 58.

(144) - Assim, justamente, Castellaneta, loc. cit. (nota 136), p. 653. No mesmo sentido, Zuleeg, Manfred - «Der Sport im europäischen Gemeinschaftsrecht», in Michael R. Will (editor), Sportrecht in Europa, Heidelberg, 1993, pp. 1, 6.

(145) - V., todavia, infra, n.os 214 e segs. Remete-se, por exemplo, para a fundamentação do advogado-geral J.-P. Warner no caso Walrave (conclusões de 24 de Outubro de 1974, Colect., pp. 604, 607 e 608 - Teste do «espectador demasiado curioso»), e de Hilf, loc. cit. (nota 123), p. 521 (foram determinantes «ainda os pontos de vista desportivos»).

(146) - Neste sentido e com razão, Fischer, Hans Georg - «EG-Freizügigkeit und Sport. Zur EG-rechtlichen Zulässigkeit von Ausländerklauseln im bezahlten Sport», in SpuRT, 1994, pp. 174, 176.

(147) - Conclusões de 6 de Julho de 1976 (Colect., pp. 553, 554).

(148) - Neste sentido, Steindorff, Ernst - «Berufssport im Gemeinsamen Markt», RIW, 1975, pp. 253, 254.

(149) - Neste sentido também, Forlati Picchio, loc. cit. (nota 141), p. 759.

(150) - Acórdão de 15 de Outubro de 1987, Heylens (222/86, Colect., p. 4097).

(151) - Neste sentido, por exemplo, Kahlenberg, Harald - «Zur EG-rechtlichen Zulässigkeit von Ausländerklauseln im Sport», in EWS, 1994, pp. 423, 429.

(152) - Também, neste sentido, Zäch, Roger - «Wettbewerbsrecht und Freizügigkeit für Arbeitnehmer im Bereich des Sports nach dem Recht der EG», in Walter R. Schluep e o. (editor), Festschrift für Arnold Koller, Berna, Estugarda, Viana, 1993, pp. 837, 847 e segs.

(153) - V., supra, n._ 40.

(154) - Apenas para citar dois conhecidos exemplos de jogadores cujas carreiras começaram por pequenos clubes de amadores: Franz Beckenbauer começou no SC de Munique 1906; Gerd Müller marcou o seu primeiro golo para o TSV 1861 Nördlingen.

(155) - Neste sentido, Giardini, loc. cit. (nota 119), p. 454.

(156) - Palme, Hepp-Schwab e Wilske, loc. cit. (nota 141), p. 345.

(157) - Nada se pode concluir em contrário do facto de a selecção da Escócia desde há largo tempo ter obtido pouco sucesso. Efectivamente, também as equipas escocesas não têm obtido grande sucesso nas competições europeias. Há que esperar que um dia isto se altere de novo.

(158) - V., supra, n._ 19.

(159) - V., supra, n._ 15.

(160) - V., supra, n._ 21 e o texto da disposição pertinente do regulamento da FIFA de 1986, citada na nota 37.

(161) - O caso da transferência de Heiko Herrlich do Borussia Mönchengladbach para o Borussia Dortmund, no Verão de 1995, não contraria este entendimento. Efectivamente, este jogador, segundo tudo indica, tinha assinado um contrato com o seu novo clube, sem eventualmente as negociações entre os clubes sobre uma eventual transferência terem começado. A especialidade do caso reside portanto em o jogador, segundo o entendimento do seu anterior clube, ainda estar a este vinculado e, por isso, ao assinar um novo contrato, ter violado o anterior.

(162) - V., supra, n._ 52.

(163) - V., nomeadamente, acórdão de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia (305/87, Colect., p. 1461, n._ 12).

(164) - Acórdão de 23 de Fevereiro de 1994, Scholz (C-419/92, Colect., p. I-505, n._ 7).

(165) - V., supra, n._ 30.

(166) - V. n._ 33.

(167) - V., nomeadamente, acórdão de 9 de Dezembro de 1993, Lepore e Scamuffa (C-45/92 e C-46/92, Colect., p. I-6497, n._ 21).

(168) - Acórdão de 7 de Julho de 1992, Singh (C-370/90, Colect., p. I-4265, n._ 16).

(169) - V., supra, n._ 32.

(170) - V., supra, n._ 31.

(171) - V., supra, n._ 43.

(172) - J.-M. Bosman forneceu ao Tribunal uma acta da reunião de uma «comissão dos profissionais e não amadores» cuja autenticidade não foi posta em causa pela UEFA. Segundo este documento, um dos presentes defendeu que, através dos acórdãos do Tribunal de Justiça, a situação jurídica relativa às cláusulas de nacionalidade tinha sido esclarecida. Do contexto resulta que o interessado entendia que os jogadores podiam, sem mais, transferir-se para outro Estado-Membro, nos termos do artigo 48._ Doravante haveria que tornear esta disposição («tourner la loi»).

(173) - V., o texto no n._ 15.

(174) - V., supra, n._ 23.

(175) - V., supra, n._ 23.

(176) - Artigo 7._, n._ 4, terceiro parágrafo, do regulamento da FIFA 1994 (sublinhado nosso).

(177) - A este respeito, no artigo 58._, determinadas sociedades são equiparadas às pessoas singulares nacionais dos Estados-Membros.

(178) - Acórdão de 28 de Outubro de 1975 (36/75, Colect., p. 415).

(179) - Loc. cit. (nota 178), n._ 7.

(180) - Acórdão de 28 de Abril de 1977 (71/76, Colect., p. 277).

(181) - Loc. cit. (nota 180) n.os 15 a 19.

(182) - Conclusões de 29 de Março de 1977 no processo Thieffry (já referido, na nota 180).

(183) - Acórdão de 28 de Junho de 1978 (1/78, Recueil, p. 1489).

(184) - Loc. cit. (nota 183), n._ 18.

(185) - Acórdão de 28 de Novembro de 1978 (16/78, Recueil, p. 2293).

(186) - Loc. cit. (nota 185), n.os 7 e 8.

(187) - Loc. cit. (nota 185), n._ 8.

(188) - Acórdão de 12 de Julho de 1984 (107/83, Recueil, p. 2971).

(189) - Loc. cit. (nota 188), n._ 14.

(190) - Loc. cit. (nota 188), n.os 18 e 19.

(191) - Loc. cit. (nota 188), n._ 20.

(192) - Loc. cit. (nota 188), n._ 21.

(193) - Acórdão de 30 de Abril de 1986, Comissão/França (96/85, Colect., p. 1475).

(194) - Loc. cit. (nota 193), n._ 11.

(195) - Loc. cit. (nota 193), n._ 12.

(196) - Loc. cit. (nota 193), n._ 13.

(197) - Acórdão de 16 de Junho de 1992, Comissão/Luxemburgo (C-351/90, Colect., p. I-3945, n._ 14); diferentemente do processo Comissão/França, este litígio abrangia também a actividade dos veterinários. A apreciação do Tribunal limitava-se efectivamente, neste caso, aos artigos 48._ e 52._

(198) - Acórdão de 12 de Fevereiro de 1987, Comissão/Bélgica (221/85, Colect., p. 719).

(199) - Loc. cit. (nota 198), n._ 5.

(200) - Loc. cit. (nota 198), n.os 10 a 12.

(201) - Loc. cit. (nota 150).

(202) - Loc. cit. (nota 201), n._ 12.

(203) - Loc. cit. (nota 201), n.os 13 e 14.

(204) - Loc. cit. (nota 201), n._ 14.

(205) - Acórdão de 19 de Janeiro de 1988 (292/86, Colect., p. 111).

(206) - Loc. cit. (nota 205), n.os 28 e 29.

(207) - Acórdão de 7 de Julho de 1988 (143/87, Colect., p. 3877).

(208) - Loc. cit. (nota 207), n._ 9.

(209) - Loc. cit. (nota 207), n.os 11 a 14.

(210) - Acórdão de 7 de Julho de 1988 (154/87 e 155/87, Colect., p. 3897).

(211) - Acórdão de 27 de Setembro de 1988 (81/87, Colect., p. 5483).

(212) - Loc. cit. (nota 211), n._ 16.

(213) - Acórdão de 28 de Novembro de 1989 (C-397/87, Colect., p. 3967).

(214) - Loc. cit. (nota 213), n._ 19.

(215) - Acórdão de 13 de Dezembro de 1989 (C-49/89, Colect., p. 4441).

(216) - Loc. cit. (nota 215), n._ 8.

(217) - Acórdão de 8 de Maio de 1990 (C-175/88, Colect., p. I-1779).

(218) - Loc. cit. (nota 217), n._ 14.

(219) - Knobbe-Keuk, Brigitte - «Niederlassungsfreiheit: Diskriminierungs- oder Beschränkungsverbot?», in DB, 1990, pp. 2573, 2576.

(220) - Acórdão de 7 de Maio de 1991 (C-340/89, Colect., p. I-2357).

(221) - Loc. cit. (nota 220), n._ 15.

(222) - Loc. cit. (nota 220), n._ 19.

(223) - Acórdão de 20 de Maio de 1992 (C-106/91, Colect., p. I-3351).

(224) - Loc. cit. (nota 223), n._ 24.

(225) - Loc. cit. (nota 223), n._ 28.

(226) - Loc. cit. (nota 223), n._ 29.

(227) - Loc. cit. (nota 223), n._ 30.

(228) - Loc. cit. (nota 223), n._ 31.

(229) - Segundo tudo indica, o Sr. Ramrath era alemão.

(230) - Loc. cit. (nota 168).

(231) - Acórdão de 31 de Março de 1993 (C-19/92, Colect., p. I-1663).

(232) - Loc. cit. (nota 231), n._ 29.

(233) - Loc. cit. (nota 231), n._ 31.

(234) - Loc. cit. (nota 231), n._ 32.

(235) - Neste sentido, Steindorff, Ernst - «Reichweite der Niederlassungsfreiheit», in EuR, 1988, pp. 19, 24.

(236) - V., neste sentido, também, Bleckmann, Albert - «Die Personenverkehrsfreiheit im Recht der EG», in DVBl, 1986, pp. 69, 71.

(237) - De opinião diversa, todavia, Carvalho Moitinho de Almeida, José Carlos de - «La libre circulation des travailleurs dans la jurisprudence de la Cour de justice (article 48 CEE/article 28 EEE)», in Olivier Jacot-Guillarmod (editor), Accord EEE, Zurique, 1992, pp. 179, 188, segundo a qual aquela regulamentação não era nem directa nem indirectamente discriminatória.

(238) - Neste sentido, e com razão, Moitinho de Almeida, José Carlos - «Les entraves non discriminatoires à la libre circulation des personnes; leur compatibilité avec les articles 48 et 52 du traité CE», in Festskrift til Ole Due, Copenhaga, 1994, pp. 241, 247.

(239) - Neste sentido, também, Wulf-Henning, Roth - «Grundlagen des gemeinsamen europäischen Versicherungsmarktes», in RabelsZ 54 (1990), pp. 63, 81.

(240) - Acórdão Stanton, já referido (nota 207), n._ 15; acórdão Wolf, já referido (nota 210), n._ 15.

(241) - Neste sentido, Everling, Ulrich - «Das Niederlassungsrecht in der Europäischen Gemeinschaft», in DB, 1990, pp. 1853, 1855 (quanto ao acórdão Klopp); Nachbaur, Andreas - «Art. 52 EWGV - Mehr als nur ein Diskriminierungsverbot?», in EuZW, 1991, pp. 470, 471.

(242) - V., por exemplo, supra, n.os 155 e segs., as discriminações ali analisadas.

(243) - V., supra, n._ 172.

(244) - No processo Kraus, o advogado-geral W. Van Gerven sustentou, nas suas conclusões de 13 de Janeiro de 1993, que se tratava de uma discriminação proibida pelo artigo 48._, n._ 2 (Colect. 1993, pp. I-1674, I-1677).

(245) - V., supra, n._ 169.

(246) - V., supra, n._ 172.

(247) - Loc. cit. (nota 235), n.os 20 e segs.

(248) - Steindorff, Ernst, loc. cit. (nota 235), p. 21 (sobre o artigo 52._, n._ 2).

(249) - Neste sentido, Knobbe-Keut, Brigitte, loc. cit. (nota 219), p. 2574 (do mesmo modo, em relação ao artigo 52._, n._ 2).

(250) - Bleckmann, Albert, loc. cit. (nota 236), p. 72.

(251) - Uma excepção ao que vem dito consta do artigo 48._, n._ 3, alínea c), que se refere às «disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais».

(252) - Acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe-Zentrale (120/78, Recueil, p. 649).

(253) - Acórdão de 24 de Novembro de 1993 (C-267/91 e C-268/91, Colect., p. I-6097).

(254) - Acórdão de 25 de Julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda (C-288/89, Colect., p. I-4007).

(255) - Acórdão de 25 de Julho de 1991 (C-76/90, Colect., p. I-4221).

(256) - Loc. cit. (nota 255), n.os 12 e 15.

(257) - V., supra, o ponto de vista constante do acórdão Walrave, citado no n._ 122.

(258) - Neste sentido, o título programático do artigo de Behrens, Peter, in EuR, 1992, p. 145.

(259) - Também neste sentido, Mattera, Alfonso - «La libre circulation des travailleurs à l'intérieur de la Communauté européenne», in Revue du marché unique européen 4/1993, pp. 47, 68.

(260) - Diga-se, de passagem, que estas considerações me parecem especialmente apropriadas no contexto do exame da regulamentação das transferências.

(261) - Assim, por exemplo, o FC Bayern de Munique, no princípio deste ano, e devido à falta de vários jogadores, alugou o jogador de uma equipa espanhola para a 2.a volta da época de 1994/1995 da Bundesliga.

(262) - Quando, no passado Outono, o campeonato de hóquei no gelo norte-americano estava paralisado devido a uma greve, dirigentes inventivos de clubes alemães contrataram algumas estrelas desse campeonato para intervenção nalguns jogos do mesmo campeonato alemão.

(263) - V., supra, n._ 122, e o acórdão Donà, loc. cit. (nota 61), n._ 19.

(264) - V. apenas o acórdão de 20 de Outubro de 1993, Spotti (C-272/92, Colect., p. I-5185, n._ 18). V., sobre esta questão, Martin, Denis - «Réflexions sur le champ d'application matériel de l'article 48 du traité CE (à la lumière de la jurisprudence récente de la Cour de justice)», in CDE, 1993, pp. 555, 577 e segs.

(265) - Acórdão de 28 de Janeiro de 1992 (C-204/90, Colect., p. I-249, n._ 27, conjuntamente com os n.os 32 e 33).

(266) - Acórdão de 28 de Janeiro de 1992 (C-300/90, Colect., p. I-305, n._ 20, conjuntamente com o n._ 23).

(267) - V. a já citada passagem do acórdão Heylens (supra, n._ 174).

(268) - Conclusões de 9 de Dezembro de 1992, acórdão de 30 de Março de 1993 (C-168/91, Colect., pp. I-1191, I-1198, I-1212).

(269) - Loc. cit. (nota 253), n._ 16.

(270) - V., por último, o acórdão de 11 de Agosto de 1995, Belgapom (C-63/94, Colect., p. I-2467, n._ 12).

(271) - V. o acórdão de 6 de Julho de 1995, Mars (C-470/93, Colect., p. I-1923, n.os 12 a 17).

(272) - Basta recordar as dificuldades que a questão do tratamento da proibição de vendas ao domingo trouxe à jurisprudência.

(273) - Talvez nos pudéssemos apoiar na distinção efectuada no artigo 48._, n._ 3, alíneas a) e c).

(274) - Acórdão de 24 de Março de 1994, Schindler (C-275/92, Colect., p. I-1039, n._ 43).

(275) - Acórdão de 10 de Maio de 1995 (C-384/93, Colect., p. I-1141).

(276) - Loc. cit. (nota 275), n.os 37 e 38.

(277) - V., infra, n._ 210.

(278) - Acórdão de 8 de Novembro de 1979, Groenveld (15/79, Recueil, p. 3409, n._ 7) (sublinhado meu).

(279) - Neste sentido, nomeadamente, Moitinho de Almeida, loc. cit. (nota 238), pp. 251 e segs.

(280) - A conclusão idêntica chegou o advogado-geral F. G. Jacobs, quanto à questão da aplicação do artigo 59._, nas conclusões apresentadas em 26 de Janeiro de 1995 no processo Alpine Investments (Colect. 1995, pp. I-1141, I-1144, n.os 52 e segs.).

(281) - V., supra, n._ 130.

(282) - V., supra, n._ 150.

(283) - Decisão de 3 de Maio de 1983, proferida no processo n._ 9322/81 (X/Países Baixos), European Commission of Human Rights, Decisions and Reports 32, p. 180.

(284) - Esta queixa foi desatendida por manifesta falta de fundamento determinante da sua inadmissibilidade (v. Nederlandse Jurisprudentie, 1984, pp. 977, 978 - ainda não publicada na colectânea oficial).

(285) - NJW, 1979, pp. 2582, 2583.

(286) - Neste sentido, a URBSFA, a UEFA e a Itália. A República Federal da Alemanha não se pronunciou sobre esta questão, mas sustentou o entendimento de que tais fundamentações jurídicas podiam ser aplicáveis às cláusulas de nacionalidade. Apenas a República Francesa não tomou posição sobre esta questão.

(287) - V., supra, n.os 122 e 124.

(288) - Acórdão Bachmann, já referido (nota 265), n.os 21 e segs.; acórdão Comissão/Bélgica, já referido (nota 266), n.os 14 e segs.

(289) - Neste sentido, Schroeder, Werner - Sport und Europäische Integration, Munique, 1989, pp. 191 e segs.

(290) - V, em relação ao direito alemão, o acórdão do Bundesgerichtshof de 28 de Novembro de 1994 (NJW, 1995, pp. 583, 584).

(291) - Neste sentido, porém, Schroeder, loc. cit. (nota 289), p. 199.

(292) - V., supra, passagem citada do acórdão Heylens (n._ 174).

(293) - Hilf, loc. cit. (nota 123), p. 522.

(294) - V., supra, n._ 60.

(295) - Trata-se (com algumas excepções) da época de 1992/1993.

(296) - Loc. cit. (nota 65), anexos 1 a 4.

(297) - Segundo o estudo de Touche Ross, os Blackburn Rovers terminaram a época de 1992/1993, para eles coroada de sucesso desportivo (os Rovers subiram à Premier League), com uma perda, antes de impostos, de 6,4 milhões de UKL (loc. cit., nota 65, anexo 1). O AC de Milão, segundo as informações em meu poder, fechou a época de 1992/1993 com uma perda de 1,7 mil milhões de LIT; no período abrangido pelas contas anteriores, a perda tinha sido de 8,3 mil milhões de LIT [Neue Zürcher Zeitung (edição internacional) n._ 196, de 25 de Agosto de 1995, p. 46].

(298) - V. Késenne, Stefan - «De economie van de sport. Een overzichtsbijdrage», in Economisch en Sociaal Tijdschrift, 1993, pp. 359, 376.

(299) - Cairns, J.; Jennet, N.; Sloane, P. J. - «The Economics of Professional Team Sports: A Survey of Theory and Evidence», in Journal of Economic Studies (1986), p. 3, sustentam (apoiando-se no professor Noll) o entendimento de que seria adequada a seguinte solução: O «clube da casa» receberia 50% e o «clube hóspede» 25% das receitas. Os restantes 25% iriam para a federação que os repartiria entre todos os clubes da divisão. Interessantes são, neste contexto também, as considerações que o professor R. Noll, em Julho de 1992, teceu no processo McNeil v NFL, pendente no District Court of Minnesota, 4th Division, e das quais J.-M. Bosman apresentou cópia. Segundo aquelas afirmações, no período em causa, foram partilhadas, nos Estados Unidos, 60% (e, por isso, mais do que em todos os outros tipos de desporto) das receitas obtidas no desporto americano do futebol. No entendimento do professor Noll, esta partilha é demasiado elevada, uma vez que esvazia o incentivo para o esforço (loc. cit., colunas 2654 e segs.).

(300) - V. § 3, n._ 5, do Lizenzspielerstatuts da DFB.

(301) - V. artigos 18._ e 21._ do regulamento.

(302) - Talvez seja de referir o apoio que a UEFA dá a determinadas federações da Europa Oriental e à ex-União Soviética, o que permite aos países contemplados participar nos jogos de qualificação para o campeonato europeu de futebol.

(303) - V., supra, n._ 29.

(304) - V., supra, n.os 31 e segs.

(305) - Pode, por exemplo, pensar-se num sistema em que a partilha dos correspondentes montantes pelos clubes tivesse em conta o número de jogadores destes clubes, contratados pelos grandes clubes ou por clubes de maior nível desportivo.

(306) - V. Lacomble, Jean-Paul - «De quelques problèmes de cohabitation entre le monde sportif et le monde civil», in Journal des tribunaux de travail, 1992, pp. 461, 463 («une véritable expropriation»).

(307) - Documento PE 127.478/final do Parlamento Europeu.

(308) - Documento PE 206.671/final do Parlamento Europeu.

(309) - JO C 120, p. 33.

(310) - JO C 322, p. 208.

(311) - Quanto à aplicabilidade do artigo 85._ e segs., v., todavia, n._ 271.

(312) - V., nomeadamente, o artigo 42._ e o artigo 60._, primeiro parágrafo.

(313) - Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão (T-68/89, T-77/89 e T-78/89, Colect., p. II-1403, n._ 358).

(314) - Acórdão de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser (C-41/90, Colect., p. I-1979, n._ 21); no mesmo sentido, acórdão de 17 de Fevereiro de 1993, Poucet e Pistre (C-159/91 e C-160/91, Colect., p. I-637, n._ 17).

(315) - V., supra, n.os 125 e 126 e segs.

(316) - Gleiss/Hirsch (Hirsch, Martin; O. J. Burkert, Thomas), Kommentar zum EG-Kartellrecht, volume 1, 4.a edição, Heidelberg, 1993, ponto 26 sobre o artigo 85._, n._ 1.

(317) - V. acórdão de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n._ 88).

(318) - Schröter, Helmuth, in Groeben/Thiesing/Ehlermann, Kommentar zum EWG-Vertrag, 4.a edição, Baden-Baden, 1991, nota aos artigos 85._ a 89._, n._ 17.

(319) - JO L 326, p. 31.

(320) - Loc. cit. (nota 319), n.os 47 e 53.

(321) - Acórdão de 9 de Novembro de 1994, Scottish Football Association/Comissão (T-46/92, Colect., p. II-1039).

(322) - JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22.

(323) - V., porém, infra, n.os 278 e segs.

(324) - Acórdão de 31 de Maio de 1979, Hugin/Comissão (22/78, Recueil, p. 1869, n._ 17).

(325) - V., nomeadamente, o acórdão de 20 de Junho de 1978, Tepea (28/77, Recueil, p. 1391, n.os 46 e 47).

(326) - V. n._ 57.

(327) - Acórdão de 1 de Fevereiro de 1978, Miller/Comissão (19/77, Recueil, p. 131, n.os 14 e 15).

(328) - V., nomeadamente, o acórdão de 14 de Julho de 1981, Züchner (172/80, Recueil, p. 2021, n._ 18). Para mais amplas considerações, Whish, Richard - Competition Law, 3.a edição, Londres, Edimburgo, 1993, pp. 220 e segs.

(329) - Neste sentido, também, Giardini, Alessandra, - loc. cit. (nota 119), p. 452; Vidiri, Guido - «La circolazione dei calciatori professionisti negli stati comunitari ed il trattato istitutivo della CEE», in Il rapporto di lavoro sportivo, Rimini, 1989, pp. 41, 52; Ruiz-Navarro Pinar, loc. cit. (nota 135), p. 181.

(330) - Com igual entendimento, v. Zäch, loc. cit. (nota 152), p. 852, que considera a regulamentação das transferências como «típico acordo de empresas» para efeitos do artigo 85._, n._ 1, alínea c).

(331) - V., nomeadamente, Ritter, Lennart; Rawlinson, Francis; Braun, W. David - EEC Competition Law, Deventer, Boston, 1991, p. 32; Gleiss/Hirsch, loc. cit. (nota 316), n._ 23, em relação ao artigo 85._, n._ 1.

(332) - V., supra, n.os 134 e 201.

(333) - 15 USCA § 1. A correspondente passagem tem a seguinte redacção: «Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy in restraint of trade or commerce... is hereby declared to be illegal».

(334) - V., nomeadamente, Whish, loc. cit. (nota 328), pp. 19 e segs., com considerações complementares.

(335) - A título representativo, remete-se apenas para a conhecida obra de Joliet, René - The Rule of Reason in Antitrust Law; American, German and Common Market Laws in Comparative Perspective, Liège, 1967.

(336) - V., nomeadamente, Schröter, loc. cit. (nota 318), artigo 85._, n._ 75; Whish, loc. cit. (nota 328), p. 209.

(337) - Acórdão de 15 de Julho de 1994, Matra Hachette/Comissão (T-17/93, Colect., p. II-595, n._ 85).

(338) - Acórdãos de 6 de Abril de 1995, Société métallurgique de Normandie/Comissão (T-147/89, Colect., p. II-1057, n._ 90), e Société des treillis et panneaux soudés/Comissão (T-151/89, Colect., p. II-1191, n._ 90).

(339) - V. acórdão de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, Recueil, p. 2545, n._ 20).

(340) - V., em especial, o acórdão de 30 de Junho de 1966, LTM/Maschinenbau Ulm (56/65, Colect. 1965-1968, p. 381).

(341) - Acórdão DLG (C-250/92, Colect., p. I-5641).

(342) - Loc. cit. (nota 341), n.os 31 a 34.

(343) - Neste sentido, nomeadamente, Bellamy & Child, Common Market Law of Competition, editor Vivien Rose, 4.a edição, Londres, 1993, n._ 2-063.

(344) - Loc. cit. (nota 341), n.os 35 e 36.

(345) - V., supra, n._ 227.

(346) - V., supra, n.os 218 e segs.

(347) - V., supra, n.os 137 e segs.

(348) - Informações mais detalhadas encontram-se, por exemplo, no artigo de Roberts, Gary R. - «Antitrust Issues in Professional Sports», in Gary A. Uberstine (editor), Law of Professional and Amateur Sports, 2.a parte, Deerfield, New York, Rochester, 1994, p. 19-1 (em especial, pp. 19 a 45 e segs.).

(349) - V. acórdão do United States Court of Appeals, Second Circuit, de 24 de Janeiro de 1995, National Basketball Association v Williams [45 F. (Federal Reporter) 3d 684], em que se confirmou o entendimento do tribunal a quo de que as regras sobre a concorrência não eram aplicáveis às negociações colectivas («collective bargaining negotiations»); também o acórdão do United States Court of Appeals for the District of Columbia Circuit, de 21 de Março de 1995, Brown v Pro Football, Inc. (50 F. 3d 1041), refere que, segundo a jurisprudência do Supreme Court, a «labor exemption» (desde que «nonstatutory», isto é, não constante de diploma legal) constitui uma excepção limitada à aplicação das leis da concorrência a algumas convenções colectivas («some union-employer agreements»).

(350) - Acórdão de 18 de Outubro de 1976 (543 F. 2d 606).

(351) - Para o direito alemão, v., nomeadamente, Bunte, Hermann-Josef, in Langen/Bunte, Kommentar zum deutschen und europäischen Kartellrecht, 7.a edição, Neuwied, 1994, n.os 155 e segs., sobre o § 1.

(352) - Ponto de vista diverso, Weatherill, loc. cit. (nota 135), p. 69, que entende não existir excepção correspondente na lei.

(353) - V. Gleiss/Hirsch, loc. cit. (nota 316), n._ 20, sobre o artigo 85._, n._ 1.

(354) - Ponto de vista diverso é sustentado francamente por Zäch, loc. cit. (nota 152), que, sem qualquer análise da matéria, considera que a regulamentação das transferências faz parte do direito do trabalho e, por tal razão, não está abrangida pelo artigo 85._

(355) - V., supra, n.os 31 e 32. Não é por acaso que a regulamentação das transferências destes dois países é mais vantajosa para os jogadores que a das demais federações da Comunidade.

(356) - Castellaneta, loc. cit. (nota 136), p. 659, que refere, com razão, que no «gentlemen's agreement» entre a Comissão e a UEFA de 1991, em relação à nova regulamentação da UEFA, não se descortina uma excepção nos termos do n._ 3 do artigo 85._ Tal excepção suporia uma decisão formal, que todavia não existe, como o Tribunal de Justiça declarou em recurso interposto por J.-M. Bosman (v. despacho de 4 de Outubro de 1991, Bosman/Comissão (C-117/91, Colect., p. I-4837, n.os 13 a 15).

(357) - Neste sentido, também, Marticke, loc. cit. (nota 123), p. 74. V. também as interessantes considerações de Weatherill, loc. cit. (nota 135), pp. 88 e segs.

(358) - Neste sentido, quanto às cláusulas de nacionalidade, também, Giardini, loc. cit. (nota 119), p. 455; do mesmo modo, Karpenstein, Peter - «Der Zugang von Ausländern zum Berufsfußball innerhalb der Europäischen Gemeinschaft», in Michael R. Will (editor), Sportrecht in Europa, Heidelberg, 1993, pp. 171, 188.

(359) - V., supra, n.os 255 e segs., por um lado, e n.os 260 e segs., por outro.

(360) - Acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão (85/76, Recueil, p. 461, n._ 38); jurisprudência assente.

(361) - V., nomeadamente, Decisão 89/93/CEE, de 7 de Dezembro de 1988, «Vidro plano» (JO 1989, L 33, p. 44, n.os 78 e segs.); Decisão 92/262/CEE, de 1 de Abril de 1992, «Associação de armadores franceses e da África Ocidental» (JO L 134, p. 1, n.os 55 e segs.), e Decisão 93/82/CEE, de 23 de Dezembro de 1992, «CEWAL e o.» (JO 1993, L 34, p. 20, n._ 57). V. também as decisões proferidas em matéria de fusões, por exemplo, a Decisão 92/553/CEE, de 22 de Julho de 1992, «Nestlé/Perrier» (JO L 356, p. 1, n.os 108 e segs).

(362) - Acórdão de 5 de Outubro de 1994 (C-323/93, Colect., p. I-5077).

(363) - Loc. cit. (nota 362), n._ 17.

(364) - Loc. cit. (nota 313). Este acórdão foi proferido em recurso interposto da decisão da Comissão de 7 de Dezembro de 1988, referida na nota 361.

(365) - Loc. cit. (nota 313), n.os 358 e 360.

(366) - V., nomeadamente, supra, n._ 227.

(367) - V. o acórdão referido no n._ 281.