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Advertência jurídica importante

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61994C0166

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 26 de Outubro de 1995. - Pezzullo Molini Pastifici Mangimifici SpA contra Ministero delle Finanze. - Pedido de decisão prejudicial: Corte d'appello di Salerno - Itália. - Regime do aperfeiçoamento activo - Legislação nacional que prevê juros de mora sobre os direitos niveladores agrícolas e o IVA relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva. - Processo C-166/94.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-00331


Conclusões do Advogado-Geral


++++

1 Este processo, apresentado pela Corte d'Apello di Salerno, levanta a questão da interpretação do Regulamento n._ 2727/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (a seguir «regulamento») (1) e da Directiva 69/73/CEE do Conselho, de 4 de Março de 1969, relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao regime do aperfeiçoamento activo (a seguir «directiva») (2). Este processo também levanta uma questão relativa à interpretação da Sexta Directiva IVA (3).

2 Em 21 de Maio de 1982 a Pezzullo Pastifici Mangimifici SpA (a seguir «Pezzullo») importou, a título temporário, 1 000 toneladas de trigo duro do Canadá com o objectivo de o transformar em sêmola destinada a ser reexportada. Após a reexportação da sêmola, a Pezzullo colocou no mercado em Itália os subprodutos da transformação (sêmola fina, farelo e farinha), que foram assim definitivamente importados em 15 de Janeiro de 1985.

3 Pela importação definitiva destes subprodutos, as autoridades aduaneiras de Salerno reclamaram o pagamento de um direito nivelador e do imposto sobre o valor acrescentado. Reclamaram igualmente, nos termos do artigo 191._ da Lei Aduaneira italiana (Decreto Presidencial n._ 43, de 23 de Janeiro de 1973), o pagamento de juros de mora relativamente ao período que decorreu entre a importação temporária e a importação definitiva. O montante total dos juros devidos foi calculado em 18 315 610 LIT, isto é, 17 382 352 LIT relativamente ao direito nivelador e 933 258 LIT relativamente ao IVA.

4 A Pezzullo pagou o direito nivelador e o IVA, bem como os juros de mora. No entanto, considerando que as disposições do direito italiano com base nas quais os juros foram cobrados eram incompatíveis com o direito comunitário, apresentou ao Tribunale di Salerno, em 18 de Outubro de 1988, uma acção para restituição dos juros pagos, à qual foi negado provimento, o que levou a Pezzullo a recorrer para o tribunal que ora consulta o Tribunal de Justiça.

5 Neste órgão jurisdicional, a Pezzullo alegou que os juros de mora reclamados nos termos do artigo 191._ da Lei Aduaneira italiana constituíam uma imposição interna ou um encargo de efeito equivalente incompatível com os artigos 9._, 12._, 13._, 30._ e 38._ do Tratado. Invocou também a violação do Regulamento n._ 19/62 do Conselho (4) e do Regulamento n._ 120/67 do Conselho (5), com o fundamento de que esses regulamentos proíbem a cobrança de qualquer direito aduaneiro ou encargo de efeito equivalente no comércio com países terceiros. A administração italiana das Finanças alegou que, na altura em que a importação temporária se verificou, os Regulamentos n.os 19/62 e 120/67 não estavam em vigor, uma vez que tinham sido revogados pelo Regulamento n._ 2727/75 (6). Alegou também que o artigo 191._ de Lei Aduaneira italiana estava em conformidade com a Directiva 69/73/CEE do Conselho, relativa ao aperfeiçoamento activo (7).

6 Perante estes argumentos, o órgão jurisdicional nacional apresentou a seguinte questão:

«A imposição de juros de mora, prevista no artigo 191._ da Lei Aduaneira italiana em caso de importação definitiva, estava, aquando da importação em causa neste processo (1982), em contradição com disposições de direito comunitário que primam sobre a norma nacional?»

7 Nas suas observações escritas, a Comissão suscita a questão de uma eventual inadmissibilidade do pedido pelo facto de o órgão jurisdicional nacional não indicar claramente as disposições do direito comunitário que considera aplicáveis no presente caso. Também salienta que o órgão jurisdicional nacional apenas indica, de forma breve, os argumentos das partes, sem os discutir pormenorizadamente.

8 É certo que o despacho de reenvio é lacónico. Teria sido útil se o órgão jurisdicional nacional tivesse fornecido mais pormenores. Considero, no entanto, que a questão apresentada é suficientemente precisa e que lhe deve ser dada resposta. Atendendo à natureza da questão, as informações contidas no despacho de reenvio e nas observações escritas apresentadas pelo Governo italiano e pela Comissão são suficientes para que o Tribunal de Justiça possa responder de forma útil ao órgão jurisdicional nacional. O presente processo pode ser distinguido de outros em que o Tribunal de Justiça julgou o pedido de decisão prejudicial inadmissível (8). A questão apresentada no presente processo é clara, a importância da resposta à questão para o resultado do processo nacional é evidente, e é possível dar-lhe uma resposta útil sem ser necessário solicitar informações complementares sobre os factos. No contexto deste processo, não considero que a concisão do despacho de reenvio seja susceptível de prejudicar os Estados-Membros e todos aqueles que, nos termos do artigo 20._ do Estatuto do Tribunal de Justiça, têm o direito de apresentar observações. Deve, portanto, responder-se à questão apresentada. Esta perspectiva é confirmada pelo acórdão do Tribunal de Justiça no processo Vaneetveld (9).

9 Não é relevante o facto de a questão apresentada não especificar as disposições do direito comunitário que podem ser aplicáveis. O despacho de reenvio menciona as disposições do direito comunitário que foram invocadas pelas partes no processo principal. Além disto, o Tribunal de Justiça afirmou que, num processo prejudicial, destinado a auxiliar o órgão jurisdicional nacional, o Tribunal pode analisar disposições do direito comunitário que o órgão jurisdicional nacional não tenha referido na sua questão (10). Passo portanto a examinar a questão apresentada.

10 Como se viu, as autoridades italianas cobraram juros de mora tanto sobre o direito nivelador como sobre o IVA. Examinarei, em primeiro lugar, se a cobrança dos juros de mora sobre o direito nivelador é compatível com o direito comunitário e, em seguida, a compatibilidade da cobrança dos juros de mora sobre o IVA.

Juros de mora sobre os direitos niveladores

11 É evidente que os artigos 12._, 13._ e 30._ do Tratado, invocados pela Pezzullo no processo principal, não se aplicam neste caso uma vez que se referem ao comércio intracomunitário e não ao comércio com países terceiros. De igual modo, os artigos 9._ e 38._ do Tratado, também mencionados pela Pezzullo no processo principal, não são directamente relevantes para o processo em apreço.

12 A norma comunitária de base aplicável na altura dos factos aos produtos em causa era o Regulamento (CEE) n._ 2727/75 (11). Este regulamento, que substituiu o Regulamento n._ 120/67/CEE (12), cria um sistema de preços únicos que é suportado por um sistema de protecção externa. Em particular, prevê a cobrança de direitos niveladores sobre as importações provenientes de países terceiros, com o objectivo de cobrir a diferença entre os preços dos países terceiros e os preços comunitários (13).

13 O artigo 18._, n._ 2, que está incluído no Título II do regulamento, intitulado «Regime de trocas comerciais com países terceiros», enuncia:

«Salvo disposições em contrário do presente regulamento ou derrogação decidida pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, são proibidas:

- a cobrança de qualquer direito aduaneiro ou encargo de efeito equivalente,

- a aplicação de qualquer restrição quantitativa ou medida de efeito equivalente...»

14 O órgão jurisdicional nacional interroga-se apenas sobre a compatibilidade com o direito comunitário dos juros de mora cobrados relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva. Não põe em causa a compatibilidade com o direito comunitário do próprio direito nivelador exigido pelas autoridades aduaneiras italianas à Pezzullo relativamente à importação definitiva dos subprodutos da transformação. O problema levantado pela questão apresentada reside em saber se os juros de mora são um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro e, nesse caso, se são abrangidos pela derrogação prevista no artigo 18._, n._ 2, do regulamento.

15 O Tribunal de Justiça interpretou de modo lato o conceito de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro enunciado nos artigos 9._ e seguintes do Tratado. Afirmou que um encargo pecuniário, por mais reduzido que seja, imposto de forma unilateral, quaisquer que sejam a sua denominação e técnica, que incida sobre mercadorias devido ao facto de atravessarem a fronteira, quando não é um direito aduaneiro propriamente dito, constitui um encargo de efeito equivalente, mesmo que não seja cobrado em benefício do Estado, que não exerça qualquer efeito discriminatório ou proteccionista e que o produto tributado não se encontre em concorrência com uma produção nacional (14).

16 Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro tem, nos regulamentos agrícolas, o mesmo conteúdo que nas disposições do Tratado (15). Além disso, o conceito deve ser interpretado da mesma forma quer o comércio em causa seja efectuado no interior da Comunidade ou com países terceiros (16). O Tribunal afirmou, no entanto, que os objectivos e a base jurídica da eliminação de encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros no comércio com países terceiros são diferentes dos que subjazem e justificam a proibição de tais encargos no comércio intra-comunitário (17). No que se refere ao comércio intra-comunitário, a proibição está prevista no artigo 9._ do próprio Tratado e é incondicional e absoluta porque visa estabelecer a livre circulação de mercadorias na Comunidade. Por outro lado, no que se refere ao comércio com países terceiros, a questão de saber se é necessário abolir, manter, alterar ou introduzir encargos de efeito equivalente deve ser relacionada tanto com as exigências da política comercial comum, como com as exigências, na sequência da introdução da pauta aduaneira comum, de harmonização das condições de importação de países terceiros. Deste modo, a proibição não é absoluta no que se refere ao comércio com países terceiros e, quando impõe esta proibição, o Conselho pode prever excepções ou derrogações. Como se viu, o artigo 18._, n._ 2 refere-se expressamente a tais derrogações.

17 Mesmo que se considere que os juros de mora em causa são um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, ainda assim são compatíveis com o direito comunitário dado que são abrangidos pela derrogação enunciada no artigo 18._, n._ 2 pelas palavras «Salvo... derrogação decidida pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão». Isto porque a directiva (18) que se aplicava na altura dos factos autorizava os Estados-Membros a cobrarem juros de mora.

18 A directiva foi revogada a partir de 1 de Janeiro de 1987 pelo Regulamento (CEE) n._ 1999/85 do Conselho, de 16 de Julho de 1985, relativo ao regime do aperfeiçoamento activo (19). Este regulamento foi revogado a partir de 1 de Janeiro de 1994 pelo Código Aduaneiro Comunitário (20). Nem o Regulamento n._ 1999/85 nem o Código Aduaneiro Comunitário eram aplicáveis na altura em que ocorreram os factos do presente processo.

19 A directiva enuncia as regras comuns relativamente ao regime do aperfeiçoamento activo, sendo seu objectivo atingir um nível limitado de harmonização que garanta uma aplicação uniforme da pauta aduaneira comum (21). O artigo 2._ define o regime do aperfeiçoamento activo como o regime aduaneiro segundo o qual as mercadorias importadas, que não preencham as condições referidas nos artigos 9._ e 10._ do Tratado, podem ser submetidas a determinadas operações sem ficarem sujeitas ao pagamento dos direitos aduaneiros, dos encargos de efeito equivalente e dos direitos niveladores agrícolas, quando tais mercadorias se destinarem a ser exportadas do território aduaneiro da Comunidade, na sua totalidade ou em parte, sob a forma de produtos compensadores (22).

20 Nos termos do artigo 3._, a isenção dos direitos aduaneiros, dos encargos de efeito equivalente e dos direitos niveladores agrícolas deve realizar-se segundo uma de duas modalidades. As mercadorias podem ser submetidas a um regime aduaneiro suspensivo dos direitos durante o período em que permanecerem no território aduaneiro da Comunidade. Em alternativa, o montante dos direitos aplicáveis às mercadorias importadas pode ser depositado, sendo o respectivo reembolso efectuado aquando da exportação dos produtos compensadores obtidos. A escolha da modalidade é reservada às competentes autoridades do Estado-Membro e, no caso de ser escolhida a primeira modalidade, as autoridades podem exigir a constituição de uma garantia.

21 O artigo 15._ prevê que, quando as circunstâncias o justifiquem e, especialmente, quando se trate de empresas que tenham correntes contínuas de produção, destinadas simultaneamente ao mercado da Comunidade e aos mercados externos, as autoridades competentes podem permitir que os produtos compensadores ou as mercadorias submetidas ao regime do aperfeiçoamento activo sejam colocados no mercado (23). O artigo 16._ tem a seguinte redacção:

«No caso de entrada no consumo autorizada nas condições previstas na alínea a) ou no primeiro travessão, alínea b), do n._ 1 do artigo 15._, os direitos aduaneiros, os encargos de efeito equivalente e os direitos niveladores agrícolas a cobrar sobre os produtos compensadores, sobre os produtos intermédios ou sobre as mercadorias no seu estado inalterado serão os respeitantes às mercadorias importadas, consoante a taxa ou o montante aplicável na data de aceitação pelas autoridades competentes do documento aduaneiro que lhes diga respeito e tomando por base o valor aduaneiro e outros elementos de tributação reconhecidos ou admitidos nessa data, sem prejuízo dos juros de mora eventualmente exigíveis» (24) (sublinhado meu).

22 Assim, o artigo 16._ da directiva autoriza expressamente que os Estados-Membros cobrem juros de mora sobre o pagamento dos direitos de importação e dos direitos niveladores agrícolas relativos aos produtos submetidos ao regime do aperfeiçoamento activo. Convém salientar que, de acordo com um relatório especial do Tribunal de Contas relativo ao Regime Comunitário do Aperfeiçoamento Activo (25), que examinou a situação em oito Estados-Membros, apenas a Itália cobrava regularmente juros de mora e, ao fazê-lo, utilizava uma taxa de juro inferior às taxas de mercado (26).

23 A directiva é uma medida de derrogação nos termos do artigo 18._, n._ 2, do regulamento. O facto de a directiva ter sido adoptada antes do regulamento não obsta a que se possa classificá-la desse modo. Esta opinião é suportada pelo acórdão Land de Berlim/Wigei do Tribunal de Justiça (27). Nesse processo, foi submetida ao Tribunal a questão de saber se os encargos relativos aos controlos sanitários na importação de carne fresca de aves de capoeira proveniente da Hungria eram encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros incompatíveis com o artigo 11._, n._ 2 do Regulamento (CEE) n._ 2777/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira (28). O texto do artigo 11._, n._ 2 era idêntico ao do artigo 18._, n._ 2 do regulamento. O Tribunal de Justiça salientou que, apesar de o artigo 11._, n._ 2 proibir a cobrança de direitos aduaneiros além dos previstos na pauta aduaneira comum ou de encargos nacionais de efeito equivalente, essa proibição aplicava-se sem prejuízo de disposições contrárias do Regulamento n._ 2777/75, ou de qualquer derrogação decidida pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão. O Tribunal afirmou que uma disposição de uma directiva anterior, concretamente, o artigo 15._ da Directiva 71/188/CEE do Conselho, de 15 de Fevereiro de 1971, relativa a problemas sanitários em matéria de comércio de carnes frescas de aves de capoeira (29), era uma derrogação, na acepção do artigo 11._, n._ 2, do Regulamento n._ 2777/75, à proibição de os Estados-Membros cobrarem encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros.

24 Saliente-se que o artigo 18._, n._ 2, do regulamento se refere a derrogações decididas pelo Conselho deliberando «por maioria qualificada», enquanto a directiva foi adoptada por unanimidade com base no artigo 100._ do Tratado. No entanto, uma vez que, nos termos do artigo 18._, n._ 2, o Conselho pode adoptar derrogações deliberando por maioria qualificada, a fortiori estas podem ser adoptadas pelo Conselho deliberando por unanimidade. No acórdão Land de Berlim/Wigei, já referido, o Tribunal admitiu que a Directiva 71/118 previa uma derrogação na acepção do artigo 11._, n._ 2, do Regulamento n._ 2777/75, apesar de a directiva ter sido adoptada pelo Conselho por unanimidade nos termos dos artigos 100._ e 43._ do Tratado.

25 De qualquer modo, mesmo que, por qualquer razão, não se aceitasse que a directiva constitui uma medida derrogatória nos termos do artigo 18._, n._ 2, poderia sempre ser uma excepção válida à proibição de direitos de importação e de medidas de efeito equivalente imposta pelo regulamento. Independentemente da derrogação expressa prevista no artigo 18._, n._ 2, esta proibição deve ser interpretada à luz de outras medidas comunitárias. O regulamento é uma medida geral que estabelece uma organização comum do mercado dos cereais e não pode ser interpretada de forma a tornar inaplicável o artigo 16._ da directiva, que contém uma regra específica relativamente ao regime do aperfeiçoamento activo.

26 Em conclusão, mesmo se se aceitar que os juros de mora em questão são um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, não são proibidos pelo regulamento, pelo que, ao solicitarem à Pezzullo o pagamento de juros de mora, as autoridades italianas não violaram o direito comunitário.

27 À luz da conclusão anterior, não é, em bom rigor, necessário examinar se os juros de mora em causa são um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro. Quanto a isto, basta adiantar as seguintes observações.

28 Do meu ponto de vista, é duvidoso que, no caso de produtos importados temporariamente para a Comunidade, em regime de aperfeiçoamento activo e de posterior colocação em livre circulação dos subprodutos resultantes da transformação, os juros de mora sobre o direito nivelador de importação devidos relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva possam ser considerados um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros.

29 O regulamento deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de pagar um direito nivelador de importação surge na altura da importação dos produtos para a Comunidade. Consequentemente, em princípio, quando os direitos niveladores de importação não são pagos no momento da importação dos produtos, são devidos juros de mora. Como afirma o Governo italiano, a obrigação de pagar juros de mora é a consequência natural do atraso no pagamento dos direitos niveladores, tendo por objectivo anular a vantagem financeira de que beneficiaria o importador com esse atraso e garantir que são atingidos os objectivos dos direitos de importação. Assim, os juros de mora não podem ser considerados encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros. Será diferente se a taxa de juro for excessiva.

30 Aplicam-se considerações diferentes quando as mercadorias são importadas para a Comunidade sob o regime do aperfeiçoamento activo? Em meu entender, não. Os objectivos do regime do aperfeiçoamento activo permitem concluir que os juros de mora não são encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros. O objectivo subjacente a tal regime, quer tenha sido estabelecido a nível nacional quer a nível comunitário, é garantir que as barreiras pautais destinadas a proteger um mercado nacional não funcionam de forma a criar dificuldades à indústria de exportação. Em especial, o regime do aperfeiçoamento activo pretende garantir que um exportador que utiliza mercadorias de países terceiros para o fabrico de produtos para exportação não esteja em desvantagem do ponto de vista internacional, dando ao exportador a possibilidade de adquirir essas mercadorias em condições idênticas às das empresas de países terceiros (30). O objectivo do regime do aperfeiçoamento activo não é, manifestamente, permitir que um importador coloque em livre circulação na Comunidade produtos provenientes de países terceiros sem pagar a totalidade dos direitos niveladores de importação previstos pelo regulamento para protecção dos mercados agrícolas comunitários.

31 A directiva também é clara neste sentido. Como se viu, a directiva permite, em certas circunstâncias, a colocação em livre circulação de materiais importados em regime de aperfeiçoamento activo ou de produtos obtidos por transformação. Prevê a colocação em livre circulação «se as circunstâncias o justificarem», mas não especifica critérios nem fixa limites. O relatório especial do Tribunal de Contas relativo ao regime comunitário do aperfeiçoamento activo salienta que, de acordo com o espírito da directiva, a colocação no mercado comunitário deve entender-se como uma situação excepcional justificada por modificação das condições do mercado (31). O relatório afirma:

«Não se concebe que o legislador tenha pretendido favorecer as empresas que vendem no mercado comunitário produtos resultantes da transformação de matérias-primas de países terceiros, concedendo-lhes, em detrimento da Comunidade, um prazo de vários meses para pagamento dos direitos de importação. Para evitar esta situação, convém adoptar uma regulamentação mais rigorosa para limitar ao mínimo estas situações ou, em alternativa, encarar a hipótese de cobrar juros...» (32).

32 É interessante salientar que, no entender do Tribunal de Contas, a aplicação de juros à taxa de mercado deve ser obrigatória sempre que os produtos transformados são colocados em livre circulação. Isto compensaria as vantagens de cash flow inerentes ao sistema suspensivo (33), e os produtores que beneficiam do regime de aperfeiçoamento activo encontrar-se-iam assim na mesma situação das outras empresas no que se refere às vendas no mercado comunitário mas não seriam afectados quando exportam para fora da Comunidade, que é o objectivo da directiva (34).

Juros de mora sobre o IVA

33 Em meu entender, a Comissão afirma correctamente que, neste ponto, as normas sobre o IVA diferem das aplicáveis aos direitos de importação. Segundo o artigo 10._, n._ 3, da Sexta Directiva IVA (35):

«Nas importações, o facto gerador ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que o bem entra no território do país, na acepção do artigo 3._

Quando os bens importados estão sujeitos a direitos aduaneiros, a direitos niveladores agrícolas ou a encargos de efeito equivalente, estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador e a exigibilidade do imposto podem ficar sujeitos às normas vigentes para tais direitos comunitários.

Nos casos em que os bens não se encontram sujeitos a nenhum destes direitos comunitários, os Estados-Membros podem aplicar as disposições em vigor para os direitos aduaneiros no que diz respeito ao facto gerador e à exigibilidade do imposto.

Quando os bens fiquem sujeitos, desde o momento da respectiva importação, a um dos regimes previstos, em A), 1, do artigo 16._ ou a um regime de admissão temporária ou de trânsito, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que os bens deixam de estar sujeitos a tal regime e são declarados para introdução no consumo».

34 Por força do artigo 16._, n._ 1, A), alínea e), o último parágrafo do artigo 10._, n._ 3 aplica-se aos regimes do aperfeiçoamento activo (36).

35 Assim, a Sexta Directiva IVA prevê expressamente que o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que os bens deixam de estar sujeitos a tal regime e são declarados para introdução no consumo. Por força do artigo 10._, n._ 1, alínea b), entende-se por exigibilidade do imposto o direito que o fisco pode fazer valer face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser deferido. É, portanto, a partir deste momento que podem começar a vencer-se juros pelo não pagamento do imposto.

36 O facto de o IVA só se tornar exigível quando os bens em questão deixam de estar sujeitos ao regime do aperfeiçoamento activo pode talvez ser explicado pelas características do sistema do IVA. Ao contrário dos direitos de importação, o IVA não representa um custo irrecuperável para os importadores. Nos termos do artigo 17._, n._ 2, da Directiva IVA, o sujeito passivo está autorizado a deduzir o IVA de que é devedor relativamente a bens utilizados para os fins das próprias operações tributáveis. O artigo 17._, n._ 1, prevê que o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Desde que utilize os bens para os fins das próprias operações tributáveis, um importador que paga imposto no momento da importação tem, portanto, direito a dedução total e imediata do imposto. Um importador que beneficia de um regime de aperfeiçoamento activo só pode efectuar a dedução quando o imposto se tornar exigível, após a cessação do regime. Seria, assim, injustificada a cobrança de juros a partir do momento da importação inicial.

Conclusão

37 Deste modo, considero que à questão apresentada deve responder-se da seguinte forma:

«No momento em que se verificou a importação em causa no processo principal, o direito comunitário não impedia a cobrança de juros de mora sobre direitos de importação relativamente ao período compreendido entre a importação temporária e a importação definitiva, mas impedia a cobrança de tais juros sobre o IVA referente à importação».

(1) - JO L 281, de 1.11.1995, p. 1; EE 03 F9 p. 13.

(2) - JO L 58, de 8.3.1969, p. 1; EE 02 F1 p. 19.

(3) - 77/388/CEE: Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios -- sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, de 13.06.77, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

(4) - Regulamento, de 20 de Abril de 1962, relativo ao estabelecimento gradual de uma organização comum de mercado no sector dos cereais (JO 1962, 30, de 20.4.62, p. 933).

(5) - Regulamento n._ 120/67/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1967, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 117, de 19.6.67, p. 2269).

(6) - V. supra, nota 1.

(7) - V. supra, nota 2.

(8) - V. acórdão de 26 de Janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo e o., C-320/90, C-321/90 e C-322/90, Colect. p. I-393; despachos de 19 de Janeiro de 1993, Banchero, C-157/92, Colect. p. I-1085; de 9 de Agosto de 1994, La Pyramide, C-378/93, Colect. p. I-3999, de 23 de Março de 1995, Saddik, C-458/93, Colect. p. I-511 e de 7 de Abril de 1995, Grau Gomis e o., C-167/94, Colect. p. I-1023, rectificado pelo despacho de 6 de Junho de 1995, ainda não publicado na Colectânea.

(9) - Acórdão de 3 de Março de 1994, Vaneetveld, C-316/93, Colect., p. I-763.

(10) - V., por exemplo, acórdão de 2 de Fevereiro de 1994, Verband Sozialer Wettbewerb, C-315/92, Colect. p. I-317, n._ 7.

(11) - V. supra, nota 1. O regulamento foi entretanto alterado.

(12) - V. supra nota 5.

(13) - V. décimo considerando do preâmbulo e artigos 13._ a 20._

(14) - Acórdão de 1 de Julho de 1969, Diamantarbeiders/Brachfeld, 2/69 e 3/69, Colect. 1969-1970, p. 63, n.os 15 a 18; Acórdão de 25 de Janeiro de 1977, Bauhuis/Países Baixos, 46/76, Recueil p. 5, n._ 10.

(15) - V. acórdão de 10 de Outubro de 1973, Variola/Administração das Finanças italiana, 34/73, Colect., p. 365, n._ 3.

(16) - Acórdão de 5 de Outubro de 1995, Aprile/Administração das Finanças do Estado, C-125/94, Colect. p. 0000, n.os 39 e 41.

(17) - Acórdão de 28 de Junho de 1978, Simmenthal, 70/77, Recueil p. 1453, n.os 21 a 23.

(18) - V. supra, nota 2.

(19) - JO L 188, de 20.7.1985, p. 1; EE 02 F14 p. 35. V. também o Regulamento (CEE) n._ 2228/91 da Comissão, de 26 de Junho de 1991, que estabelece certas disposições de execução do Regulamento (CEE) n._ 1999/85 do Conselho, relativo ao regime do aperfeiçoamento activo, JO L 210, de 31.7.1991, p. 1.

(20) - Regulamento (CEE) n._ 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, JO L 302, de 19.10.92, p. 1.

(21) - V. o segundo considerando da directiva.

(22) - Os produtos compensadores são definidos nos artigos 2._, n._ 3 e 24._ da directiva. Incluem os produtos obtidos através de aperfeiçoamento de mercadorias, incluindo montagem, reunião ou adaptação a outras mercadorias.

(23) - V. artigo 15._, n._ 1, alínea a) e alínea b), primeiro travessão.

(24) - Por derrogação, o artigo 18._ prevê que o Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, estabelecerá a lista dos produtos compensadores e dos produtos intermédios cuja entrada no consumo se deve efectuar, por derrogação das disposições previstas nos artigos 16._ e 17._, mediante a aplicação dos direitos aduaneiros, encargos de efeito equivalente e direitos niveladores agrícolas que lhes competem e não dos referentes às mercadorias importadas.

(25) - JO C 88 de 1983, p. 3.

(26) - Ibidem, n._ 19.

(27) - Acórdão de 22 de Janeiro de 1980, 30/79, Recueil p.151.

(28) - JO L 282, de 1.11.75, p. 77; EE 03 F9 p. 151.

(29) - JO L 55 de 8.3.71, p. 23; EE 03 F4 p. 131.

(30) - V. Relatório do Tribunal de Contas, já referido na nota 25, n._ 2; v. também o acórdão de 29 de Junho de 1995, Hauptzollamt Heilbronn/Temic Telefunken Microelectronic, C-437/93, Colect. p. I-1687, n.os 18 e 19.

(31) - V. supra nota 25, n._ 17 do Relatório.

(32) - Ibidem.

(33) - Nos termos da directiva, a isenção dos direitos aduaneiros, dos encargos de efeito equivalente e dos direitos niveladores agrícolas é concedida de acordo com o sistema suspensivo ou com o sistema de reembolso, reservando-se às autoridades nacionais a escolha da modalidade: v. artigo 3._

(34) - Relatório do Tribunal de Contas, supra nota 25, n._ 19. V., contudo, as respostas da Comissão às observações do Tribunal de Contas sobre o regime comunitário do aperfeiçoamento activo, JO 1983, C 88, p. 9, n.os 17 e 19.

(35) - Já referida na nota 3 supra.

(36) - A versão inglesa é ambígua, mas o sentido é claro em outras versões linguísticas da disposição.