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Advertência jurídica importante

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61994C0286

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 20 de Março de 1997. - Garage Molenheide BVBA (C-286/94), Peter Schepens (C-340/95), Bureau Rik Decan-Business Research & Development NV (BRD) (C-401/95) e Sanders BVBA (C-47/96) contra Belgische Staat. - Pedidos de decisão prejudicial: Hof van beroep Antwerpen, Rechtbank van eerste aanleg Brussel, Rechtbank van eerste aanleg Brugge - Bélgica. - Sexta Directiva 77/388/CEE - Âmbito de aplicação - Direito à dedução do IVA - Retenção do saldo do IVA devido - Princípio da proporcionalidade. - Processos apensos C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-07281


Conclusões do Advogado-Geral


1 Nos presentes processos prejudiciais, cuja apensação foi decidida, solicita-se ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a compatibilidade com o direito comunitário, em especial, com a Sexta Directiva IVA, de uma forma de arresto conservatório, praticado por uma autoridade fiscal nacional, sobre o reembolso de montantes de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») que aparentemente tinham sido pagos em excesso por um contribuinte relativamente a certos períodos de declaração (1). Ficará o referido arresto sob a alçada da Sexta Directiva ou deve antes ser classificado entre as medidas de cobrança do imposto que são da competência exclusiva dos Estados-Membros? A questão da aplicação eventual do princípio da proporcionalidade consagrado pelo direito comunitário desempenha um papel essencial em todos estes reenvios prejudiciais.

I - Contexto jurídico

A - Legislação comunitária

2 As disposições pertinentes da Sexta Directiva integram essencialmente o seu título XI, intitulado «Deduções», que inclui os artigos 17._ a 20._ Por força do artigo 17._, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do IVA de que é devedor em relação a bens ou serviços tributados o IVA devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo. As disposições que regulam o «exercício do direito à dedução», que citaremos desde que sejam pertinentes, constam do artigo 18._ O artigo 18._, n._ 1, trata das exigências formais em matéria de prova, como a obrigação de possuir uma factura. O artigo 18._, n._ 2, tem a seguinte redacção:

«O sujeito passivo efectuará a dedução subtraindo do montante total do imposto devido num determinado período fiscal o montante do imposto em relação ao qual, durante o mesmo período, o direito à dedução surge e é exercido por força do n._ 1.»

Quando as exigências do artigo 18._, n.os 1 e 2, não estiverem preenchidas, o artigo 18._, n._ 3, permite que os Estados-Membros fixem «as condições e as regras segundo as quais o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder a uma dedução...». O n._ 4, que desempenha um papel fundamental nos presentes processos, tem a seguinte redacção:

«Quando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido num determinado período fiscal, os Estados-Membros podem operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respectivo reembolso, nas condições por eles fixadas.

Todavia, os Estados-Membros podem recusar o transporte ou o reembolso quando o excedente for insignificante.»

3 O título XIII da Sexta Directiva é relativo às «obrigações dos devedores do imposto». O artigo 22._ trata as «obrigações no regime interno» e inclui as obrigações em matéria de registo das operações, de declarações e de contabilidade. O primeiro parágrafo do artigo 22._, n._ 4, dispõe que os sujeitos passivos devem «apresentar uma declaração em prazo a fixar pelos Estados-Membros», prazo esse que «não pode exceder em mais de dois meses o termo de cada período fiscal». O segundo parágrafo do n._ 4 do artigo 22._ está redigido nos seguintes termos:

«Da declaração devem constar todos os dados necessários ao apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efectuar, incluindo, se for o caso, e na medida em que se afigure necessário para a determinação da matéria colectável, o montante global das operações relativas a este imposto e a essas deduções, e bem assim o montante das operações isentas.»

Por força do artigo 22._, n._ 5, os sujeitos passivos devem, em princípio, «pagar o montante líquido do imposto sobre o valor acrescentado no momento da apresentação da declaração periódica», salvo se o Estado-Membro tiver fixado outro prazo para o pagamento. O artigo 22._, n._ 6, confere aos Estados-Membros a faculdade de exigirem dos sujeitos passivos «a apresentação... de uma declaração de que constem todos os dados referidos no n._ 4, relativamente à totalidade das operações efectuadas no ano anterior [declaração essa que] deve incluir igualmente todos os documentos necessários para efeitos de ajustamentos eventuais». O artigo 22._, n._ 8, que é particularmente importante no que toca às medidas nacionais de cobrança do imposto, tem a seguinte redacção:

«Sem prejuízo das disposições que venham a ser adoptadas por força do n._ 4 do artigo 17._, os Estados-Membros podem estabelecer outras obrigações que considerem necessárias no sentido de assegurar a cobrança correcta do imposto e de evitar a fraude» (o sublinhado é nosso).

4 O artigo 27._, único artigo do título XV, intitulado «Medidas de simplificação», prevê um processo pelo qual os Estados-Membros podem pedir que sejam derrogadas disposições da Sexta Directiva. O artigo 27._, n._ 1, tem a seguinte formulação:

«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente directiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais. As medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não devem influir, a não ser de modo insignificante, sobre o montante do imposto devido no estádio de consumo final.»

B - Legislação belga

5 O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva foi transposto para direito belga, essencialmente, pelo artigo 47._ do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir «código»), que dispõe que, quando o montante das deduções autorizadas ultrapassar o do imposto devido em relação a um dado período, o excedente é transferido para o período seguinte. O artigo 76._, n._ 1, primeiro parágrafo, do código, alterado pela lei de 28 de Dezembro de 1992 (2), prevê que o excedente existente no final do ano civil seja restituído, nas condições fixadas pelo Rei, a pedido do sujeito passivo. Por força do segundo parágrafo, o Rei pode prever a restituição do excedente, mesmo antes do final do ano civil, nas condições que fixar. O terceiro parágrafo desempenha um papel essencial nos litígios que estão na origem dos presentes reenvios prejudiciais e tem a seguinte redacção:

«No que respeita às condições constantes dos primeiro e segundo parágrafos, o Rei pode determinar, em favor da administration de la TVA, de l'enregistrement et des domaines (administração do IVA, do registo e do património) (3), uma retenção que terá o valor de arresto conservatório na acepção do artigo 1445._ do Código Judiciário.»

6 A nova forma de arresto foi introduzida pelo artigo 7._ do decreto real de 29 de Dezembro de 1992 (4), que inseriu, designadamente, um novo artigo 8._1, n._ 3, no que é conhecido, na Bélgica, como o Decreto real n._ 4, de 20 de Dezembro de 1969, relativo às restituições em sede de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «Decreto real n._ 4») (5). Para efeitos dos presentes reenvios prejudiciais, as duas modificações mais importantes são as dos quarto e quinto parágrafos do artigo 8._1, n._ 3.

7 No entanto, é importante observar que, por força do primeiro parágrafo do artigo 8._1, n._ 3, do Decreto real n._ 4, quando um sujeito passivo pede a restituição de um excedente que aparece em seu favor na sua declaração, essa restituição deve ser pedida, sem prejuízo do pagamento de qualquer dívida fiscal não paga. O artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, está formulado nos seguintes termos:

«Se a dívida de imposto a que se refere o primeiro parágrafo não constituir um crédito da administração, certo, líquido e exigível, no todo ou em parte, o que acontecerá, designadamente, quando for contestado ou haja dado origem à emissão do título executivo a que se refere o artigo 85._ do código cuja execução seja suspensa pela oposição prevista no artigo 89._ do mesmo diploma, o crédito de imposto será retido até ao montante correspondente ao crédito da administração. Esta retenção terá a natureza de arresto conservatório até que o litígio haja terminado definitivamente quer no plano administrativo, quer mediante decisão judicial transitada em julgado. Para se proceder a esta retenção, tem de estar satisfeita a condição estabelecida pelo artigo 1413._ do Código Judiciário» (6).

O artigo 8._1, n._ 3, quinto parágrafo, do Decreto real n._ 4 está formulado nos seguintes termos:

«Se, relativamente ao saldo restituível que resultar da declaração a que se refere o artigo 53._, primeiro parágrafo, 3._, do código, quer o sujeito passivo haja optado ou não pela sua restituição, existirem suspeitas sérias ou provas de que a referida declaração ou as declarações relativas a períodos anteriores contêm dados inexactos, e essas suspeitas ou provas apontarem para a existência de uma dívida de impostos, sem que, no entanto, a sua realidade possa ser demonstrada antes da referida ordem de pagamento ou da operação equivalente a um pagamento, a ordem de pagamento desse saldo ou o seu transporte para o período de declaração seguinte não terão lugar e o crédito de imposto será retido a fim de permitir à administração verificar a veracidade daqueles dados.»

A retenção efectuada ao abrigo do quarto ou do quinto parágrafo tem por efeito o arresto conservatório do crédito de IVA que, se assim não fosse, seria transferido para o período seguinte ou reembolsado ao sujeito passivo de acordo com o artigo 8._1, n._ 2.

8 Por força do sexto parágrafo, os indícios sérios ou as provas referidas no quinto parágrafo devem figurar em «autos» (7) conformes com o artigo 59._, n._ 1, do código (8). O sétimo parágrafo dispõe que a retenção referida nos quarto e quinto parágrafos vale como arresto conservatório até ao momento em que a prova, contida nos autos referidos no sexto parágrafo, for refutada ou até ao momento em que a veracidade das transacções resultar dos dados obtidos junto de outros Estados-Membros graças aos mecanismos de cooperação instituídos pelo direito comunitário. Os oitavo e nono parágrafos dizem respeito à notificação e à entrada em vigor da retenção. O sujeito passivo em questão pode opor-se à retenção perante o órgão jurisdicional competente para conhecer dos arrestos (9), de acordo com o artigo 1420._ do Código Judiciário. No entanto, por força do décimo parágrafo, o referido órgão jurisdicional só pode ordenar a suspensão do arresto se a prova feita pelos autos não tiver sido contestada ou se as informações pedidas aos outros Estados-Membros não tiverem sido obtidas durante uma investigação conduzida pelo Ministério Público ou uma instrução do juiz de instrução. Por força do décimo primeiro parágrafo, quando for levantada a retenção do crédito fiscal, a dívida fiscal que constitui uma dívida, certa, líquida e exigível relativamente à administração, é apurada de acordo com o segundo parágrafo, sem que deva ser realizada qualquer formalidade.

II - Contexto factual e tramitação processual

A - Factos

9 Os contextos factuais dos vários reenvios prejudiciais são diferentes. Por razões de clareza, farei em seguida uma breve descrição de cada um desses processos.

i) Processo C-286/94, Garage Molenheide

10 A sociedade recorrente explora uma garagem em Antuérpia. Apresentou uma declaração de IVA, correspondente ao período de 1 de Janeiro de 1993 a 31 de Março de 1993, na qual reivindicava um direito a dedução que recaía sobre a quantia de 2 598 398 BFR. No entanto, uma inspecção efectuada nas instalações da recorrente levou a administração local do IVA a ter dúvidas sérias quanto à veracidade dessa declaração. A recorrente foi informada, por auto que lhe foi enviado por carta registada em 15 de Junho de 1993, de que, devido às dúvidas surgidas, o recebedor procederia à retenção do IVA, aparentemente, susceptível de ser restituído com base na declaração. Em 16 de Junho de 1993, o recebedor competente notificou à recorrente um aviso de retenção, mencionando os motivos graves que o faziam duvidar da exactidão de uma ou de várias das suas declarações. Essencialmente, a administração do IVA suspeita que a recorrente tenha procedido a vendas fictícias (sistema do «carrossel»), que geraram artificialmente um crédito aparente para o primeiro trimestre de 1993. A retenção que recai sobre a soma reivindicada pela recorrente enquanto crédito é apresentada como tendo carácter preventivo. De facto, congela a soma até que a autoridade administrativa ou judicial se tenha pronunciado sobre a realidade do crédito presumido. A base jurídica da retenção era a versão alterada do artigo 8._1, n._ 3, quinto parágrafo, do Decreto real n._ 4.

11 Em 23 de Julho de 1993, a recorrente interpôs, em vão, no Rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen, recurso da retenção, destinado a obter o levantamento do arresto. Depois, interpôs recurso na Décima Terceira Secção Cível da Hof van beroep te Antwerpen (a seguir «órgão jurisdicional nacional»). Sustentou que a retenção prevista no artigo 76._, n._ 1, terceiro parágrafo, do código e no Decreto real n._ 4 era contrária aos artigos 18._, n._ 4, e 27._ da Sexta Directiva. Após ter ouvido os argumentos em contrário apresentados pelo advogado do Estado belga, o órgão jurisdicional nacional decidiu submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite que um Estado-Membro não reembolse aos particulares excedentes consideráveis de IVA nem os transporte para o período fiscal seguinte, mas que, de acordo com modalidades fixadas pelo direito interno, os retenha com carácter preventivo por existirem sérias suspeitas de fraude fiscal, sem criar para o efeito um título definitivo e sem que o Estado-Membro tenha obtido uma autorização nos termos do artigo 27._ da Sexta Directiva IVA?»

ii) Processo C-340/95, Schepens

12 O recorrente possui uma garagem. Apresentou uma declaração de IVA, relativa ao período de 1 de Janeiro de 1993 a 31 de Março de 1993, pela qual reivindicava o reembolso de um pretenso crédito no valor de 3 311 438 BFR. Na sequência do controlo da contabilidade do recorrente, efectuada em Maio de 1993 por um inspector-chefe e por um verificador da administração do IVA, esta última considerou que existiam motivos sérios para duvidar da veracidade da declaração do recorrente e provas de que esta declaração continha dados inexactos e/ou incompletos. Em consequência, em 15 de Junho de 1993, foi lavrado auto das verificações feitas aquando dos controlos. Em 16 de Junho de 1993, o recorrente foi informado das conclusões dos controlos, por carta registada. Recebeu também uma cópia do auto e a administração comunicou-lhe que, por força do artigo 8._1, n._ 3, quinto parágrafo, do Decreto real n._ 4, tencionava proceder à retenção das quantias que, eventualmente, lhe deveriam ser restituídas. O parecer de retenção em questão foi redigido e enviado ao recorrente em 18 de Junho de 1993. A administração seguiu um processo análogo quanto à declaração de IVA apresentada pelo recorrente para o segundo trimestre de 1993, que, à primeira vista, revelava um crédito de IVA de 2 419 078 BFR. Após um controlo efectuado em 15 de Setembro de 1993, a administração, em 20 de Setembro de 1993, lavrou um auto que indicava de novo que havia razões sérias para suspeitar que a declaração se baseava em dados inexactos. O recorrente foi informado deste segundo auto por carta registada de 22 de Setembro de 1993 e, no mesmo dia, foi-lhe enviado um parecer de retenção baseado no artigo 8._1, n._ 3, quinto parágrafo, do Decreto real n._ 4 (10).

13 A administração do IVA suspeita essencialmente que o recorrente tenha participado em vendas fraudulentas (sistema do «carrossel»). No seu caso, a operação consistia, alegadamente, na compra de vários carros (caros) com base em facturas que revelavam quantias elevadas de IVA, pagáveis pelo recorrente enquanto elemento do preço de compra - montantes que nenhum documento detido pela administração indica terem sido pagos por nenhum dos fornecedores do recorrente -, e na venda dos mesmos carros a compradores instalados noutros Estados-Membros com base em facturas indicando que não fora pago IVA algum. Daqui resultava que as declarações de IVA apresentadas pelo recorrente revelavam créditos substanciais de imposto a seu favor, embora fosse incapaz de provar, por exemplo, que algum dos carros vendidos a compradores não belgas tivesse, de facto, alguma vez, saído da Bélgica.

14 O recorrente interpôs um recurso para o juiz competente para conhecer dos arrestos do Rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen, que, por decisão de 8 de Maio de 1994, recusou levantar o arresto. O recorrente interpôs, em seguida, recurso para a Terceira Secção Cível da Hof van beroep te Antwerpen (a seguir «órgão jurisdicional nacional»), que, à luz do conflito existente entre o recorrente e o advogado do Estado belga, quanto à compatibilidade da legislação belga com os artigos 18._, n._ 4, e 27._ da Sexta Directiva, submeteu as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

«1) Os artigos 18._, n._ 4, e 27._ da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (Directiva 77/388/CEE sobre o IVA), produzem efeito directo no ordenamento jurídico dos Estados-Membros, no presente caso, no da Bélgica?

2) Em caso de resposta afirmativa, proíbe o n._ 4 do artigo 18._ da referida directiva que um Estado-Membro não reembolse ao sujeito passivo o excedente do IVA correspondente ao período ou aos períodos a que esse excedente se refere ou não opere o seu transporte para o período seguinte, mas, em vez disso, o conserve através da figura jurídica belga da retenção, que opera como um arresto conservatório na acepção do artigo 1445._ do Código Judiciário belga, até que a esse respeito seja adquirido um título definitivo correspondente ao montante de uma liquidação adicional referente ao dito período tributário ou a períodos anteriores, tendo o sujeito passivo do IVA impugnado essa tributação?

3) O n._ 4 do artigo 18._ da referida directiva é aplicável por, como defende o Estado belga, a retenção constituir uma medida de cobrança?

Em caso de resposta afirmativa: o artigo 27._ da referida directiva é aplicável por a retenção fazer parte das medidas que estão em conformidade com o `critério' (modalidades)?

Em caso de resposta negativa: o artigo 27._ é aplicável por a retenção constituir uma medida de cobrança?

4) Caso o n._ 4 do artigo 18._ da referida directiva seja aplicável à retenção, infringe esta figura jurídica belga o princípio da proporcionalidade, como foi configurado pelo Tribunal de Justiça?»

iii) Processo C-401/95, BRD Decan

15 Contrariamente aos processos Garage Molenheide e Schepens, este processo é relativo a uma retenção efectuada com base no artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, do Decreto real n._ 4. O despacho de reenvio indica que, por carta registada de 26 de Setembro de 1995, a administração do IVA informou a sociedade BRD Decan (a seguir «recorrente») que, de acordo com o artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, se dispunha a reter o crédito de IVA presumido de 705 404 BFR, que lhe era devido com base na declaração de IVA que apresentara para o período de 1 a 30 de Junho de 1995. A recorrente interpôs recurso para o Rechtbank van eerste aanleg te Brussel (a seguir «órgão jurisdicional nacional») destinado a obter o levantamento do arresto. Segundo o órgão jurisdicional nacional, o arresto tinha por objecto um crédito contestado pela recorrente e retomado num auto de 26 de Maio de 1994, em virtude do qual a administração, em 10 de Outubro de 1995, notificou uma interpelação para pagamento de 784 305 BFR, a que acresciam 130 500 BFR de multa e 232 064 BFR de juros (calculados até 20 de Outubro de 1995).

16 Resulta das observações escritas da recorrente e do Estado belga que o montante de IVA de que, presumivelmente, a recorrente é devedora diz respeito ao período de 1 de Setembro de 1990 a 30 de Agosto de 1992. O Estado belga argumenta que a recorrente utilizou uma percentagem geral demasiado elevada para calcular as deduções solicitadas. Foi aprovado, em 30 de Agosto de 1993, pela administração do IVA, um parecer de regularização indicando que a recorrente era, de facto, devedora de uma quantia de 784 306 BFR (acrescida de uma multa e de juros). No entanto, a recorrente contestou formalmente este parecer, em 16 de Setembro de 1993. Em consequência, a administração, em 26 de Maio de 1994, lavrou o auto a que se refere o órgão jurisdicional nacional. Em 26 de Setembro de 1995, foi finalmente aprovado um parecer de retenção relativo a uma quantia de 705 404 BFR (e, aparentemente, notificado no mesmo dia), de acordo com o artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, do Decreto real n._ 4 (11).

17 Em 13 de Outubro de 1995, a recorrente interpôs recurso para o órgão jurisdicional nacional, que, à luz dos argumentos de direito comunitário expostos, decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as questões seguintes:

«1) O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite que um Estado-Membro não devolva ao sujeito passivo do IVA o saldo de determinado período fiscal nem o transporte para o período fiscal seguinte, mas que o retenha na medida em que detém contra o referido sujeito passivo um crédito relativo a um período fiscal anterior e se apesar de deter o referido crédito esse sujeito passivo o contestar e, portanto, o mesmo não constituir assim título definitivo, quando esse Estado não obteve qualquer autorização nos termos do artigo 27._ da Sexta Directiva IVA?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva IVA deve ser interpretado, à luz do princípio da proporcionalidade, no sentido de que um Estado-Membro pode determinar que não se pode impugnar de modo algum a necessidade ou a urgência da retenção e que esta não pode ser substituída de modo algum por uma garantia nem pode ser anulada enquanto não houver uma decisão judicial definitiva sobre o crédito do IVA impugnado?»

iv) Processo C-47/96, Sanders

18 Embora, inicialmente, se tivesse presumido existir uma fraude, este processo também diz respeito a uma retenção efectuada ao abrigo do artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, do Decreto real n._ 4 (12). Segundo o despacho de reenvio, a inspecção especial dos impostos lavrou, em 30 de Janeiro de 1992, um auto em que afirmava que a sociedade recorrente devia ao Estado belga uma quantia de IVA no valor de 370 791 BFR (acrescida de uma multa de 741 582 BFR e de juros a contar de 21 de Janeiro de 1988). Este auto é relativo, em primeiro lugar, à compra, sem facturas, de 227 000 kg de farinha a outra sociedade e, em segundo lugar, à intervenção no fornecimento de 403 710 kg de farinha, por esta sociedade, a terceiros. Presume-se que estas operações tenham tido lugar em 1987. Por carta registada de 23 de Novembro de 1994, o recebedor competente notificou a recorrente de que procedia à retenção de um saldo credor de 236 215 BFR, surgido em 31 de Outubro de 1994 em benefício desta. Resulta das observações escritas da recorrente e do Estado belga - às quais foram anexadas cópias da carta e do parecer de retenção - que a administração efectuou esta retenção ao abrigo do artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, do Decreto real n._ 4 (13). Em 5 de Janeiro de 1995, a recorrente interpôs um recurso destinado a obter, designadamente, o levantamento do arresto. Este recurso era endereçado ao juiz competente para conhecer dos arrestos do Rechtbank van eerste aanlag te Brugge (a seguir «órgão jurisdicional nacional»), que, perante os argumentos divergentes das partes no que respeita ao direito comunitário e tendo em consideração o reenvio pendente no processo Garage Molenheide, decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1) O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite que um Estado-Membro não devolva ao sujeito passivo do IVA o saldo de determinado período fiscal nem o transporte para o período fiscal seguinte, mas que `o retenha' através de um arresto conservatório e com base numa liquidação adicional referente ao período tributário anterior quando essa liquidação adicional tenha sido impugnada judicialmente e, portanto, não constitua ainda um título de dívida definitivo, e isto sem que o Estado-Membro tenha sido habilitado a fazê-lo através de uma autorização, na acepção do artigo 27._ da Sexta Directiva IVA?

2) Na hipótese de a primeira questão merecer resposta afirmativa:

Permitem o princípio da proporcionalidade, como é entendido em direito comunitário, e as disposições do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva IVA que o Estado-Membro estabeleça:

1) que o sujeito passivo do imposto apenas se possa opor ao arresto (organizado como uma medida de `retenção') através da contraprova dos factos aduzidos no auto da Fazenda Pública e não possa contestar a própria necessidade e a urgência da medida de retenção;

2) que a retenção não pode ser substituída por outra garantia e, menos ainda, possa ser levantada enquanto não for definitivamente decidida a contestada exigência da dívida da Fazenda Pública?»

B - Processo no Tribunal de Justiça

19 Dado que a fase escrita no processo Garage Molenheide já estava numa fase avançada quando foi apresentado o pedido prejudicial no processo Schepens e que as questões de direito comunitário suscitadas nestes dois processos eram muito semelhantes, o processo foi suspenso neste último, a aguardar que o Tribunal se pronunciasse sobre o primeiro. No entanto, na fase oral no processo Garage Molenheide (a seguir «primeira audiência»), o advogado da recorrente afirmou que a prática da administração belga do IVA e a circunstância de os juízes encarregados de conhecer dos arrestos considerarem não ter o poder de decidir quanto ao levantamento das retenções em questão, conjugadas com a chegada iminente dos dois outros reenvios prejudiciais, relativos a outro tipo de retenção efectuada pela administração belga do IVA, criavam dúvidas quanto à proporcionalidade do conjunto do sistema de retenções previsto pela nova versão do artigo 8._1, n._ 3, do Decreto real n._ 4. A recorrente indicou que não levantava objecções ao atraso que acarretaria a apensação dos vários reenvios prejudiciais. Em consequência, por despachos de 22 de Março de 1996, o Tribunal de Justiça ordenou a reabertura da fase oral no processo Garage Molenheide, enquanto o presidente do Tribunal de Justiça ordenou, em primeiro lugar, a apensação dos três outros reenvios, para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão, e, em segundo lugar, a apensação do processo Garage Molenheide aos três outros, para efeitos da fase oral e do acórdão (14). Por comodidade, quando o contexto o exigir, os vários órgãos jurisdicionais nacionais e os vários recorrentes nos quatro processos prejudiciais em questão serão designados colectivamente por «órgãos jurisdicionais nacionais» e «recorrentes».

III - Síntese das questões apresentadas

20 As questões apresentadas nos quatro processos sobrepõem-se em larga medida, o que não surpreende. Em meu entender, as questões essenciais aqui suscitadas em matéria de direito comunitário são três. São relativas ao efeito directo dos artigos 18._, n._ 4, e 27._ da Sexta Directiva; à validade e ao alcance da retenção preventiva efectuada nas circunstâncias previstas no artigo 8._1, n._ 3, do Decreto real n._ 4 e à sua compatibilidade com o direito à dedução, conferido aos sujeitos passivos pelo artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva; ao alcance da referida retenção e, em especial, à questão de saber se os fundamentos aparentemente limitados, com base nos quais ela pode ser provisoriamente suspensa, são compatíveis com o princípio da proporcionalidade consagrado pelo direito comunitário.

IV - Observações

21 Foram apresentadas observações escritas e alegações em nome de todos os recorrentes, com excepção de P. Schepens. Foram apresentadas observações escritas pelos Reinos da Bélgica (15) e da Suécia, pelas Repúblicas Helénica e Italiana e pela Comissão, que, com excepção do Reino da Suécia, também apresentaram alegações (16). Por comodidade, essas observações podem, no essencial, ser resumidas da seguinte forma.

A - Recorrentes

22 Os recorrentes argumentam que as disposições do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva são suficientemente claras, precisas e incondicionais para produzirem um efeito directo nas ordens jurídicas nacionais dos Estados-Membros. Além disso, afirmam, no essencial, que a retenção prevista pela legislação belga é incompatível com o direito conferido pelo artigo 18._, n._ 4. Uma vez que o direito à dedução surgiu ao abrigo do disposto nos artigos 17._ e 18._, n.os 1 a 3, as administrações nacionais do IVA não o podem submeter a outras condições, antes devendo proceder ao seu reembolso ou à transferência do excedente para o período seguinte.

23 BRD Decan e Sanders afirmam também que, por força do artigo 18._, n._ 2, da Sexta Directiva, o saldo de IVA dedutível deve ser calculado por referência a um período de declaração específico. A administração não pode assim sustentar não ser devido nenhum reembolso, pois, relativamente a um período inteiramente distinto, o sujeito passivo tem, pretensamente, uma dívida para com ela. Indicam que a administração não tem obrigação de aceitar o montante do excedente unilateralmente determinado pelo sujeito passivo na sua declaração, mas que, pelo contrário, pode verificar se essa declaração é correcta (17). Além disso, todos os recorrentes consideram que, embora o primeiro parágrafo do artigo 18._, n._ 4, permita aos Estados-Membros fixar as modalidades do reembolso, estes não podem submeter o direito ao reembolso a condições substanciais suplementares. Afirmam que o texto inglês, que utiliza a palavra «conditions», se afasta das outras versões linguísticas em que são utilizados termos equivalentes em inglês à noção de «details» ou «arrangements» (18). Dado que é necessário adoptar uma interpretação desta disposição que esteja em harmonia e seja compatível com o direito comunitário, referem que, apesar da eventual ambiguidade do texto inglês, os Estados-Membros não têm competência para definir condições de fundo que regulem o reembolso, as quais são definidas de maneira exaustiva nos artigos 17._ e 18._, n.os 1 a 3. Em consequência, os recorrentes consideram que o sistema de retenções posto em prática na Bélgica implica uma condição suplementar inadmissível. Além disso, afirmam que, ainda que o sistema belga de retenções esteja sujeito às competências atribuídas aos Estados-Membros quanto à administração do sistema do IVA, deve, no entanto, estar em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no direito comunitário (19). Sustentam que o sistema constitui uma restrição desproporcionada do direito à dedução garantido pela Sexta Directiva. Em primeiro lugar, é assim porque as autoridades podem reter, quase automaticamente, o saldo em benefício do sujeito passivo, sem terem de provar a necessidade desta retenção e sem serem obrigadas a aceitar do sujeito passivo garantias ou compromissos de substituição, em circunstâncias em que não é paga qualquer indemnização se a retenção, afinal, se revelar injustificada e porque, nessa eventualidade, os juros só são pagos com efeito a partir de 1 de Abril do ano seguinte àquele em que a retenção foi efectuada. Em segundo lugar, o sujeito passivo não dispõe de qualquer possibilidade efectiva de recurso contra a retenção, porque o juiz encarregado de conhecer dos arrestos não tem competência para apreciar verdadeiramente a sua necessidade ou o seu fundamento. Na segunda fase oral (a seguir «segunda audiência»), os recorrentes sustentaram que, ainda que, contrariamente à posição adoptada pela maioria, se não pela totalidade, da jurisprudência belga pertinente, e com fundamento na formulação aparentemente desprovida de ambiguidade do Decreto real n._ 4, o juiz dos arrestos pudesse, como afirma a Bélgica, suspender o arresto até que o tribunal se tenha pronunciado quanto ao mérito, a incerteza decorrente dessa via de recurso implicava uma violação do princípio da segurança jurídica.

B - Bélgica e outros Estados-Membros

24 A Bélgica, apoiada pela República Helénica, pela República Italiana e pelo Reino da Suécia, considera que, embora o artigo 18._, n._ 4, trate dos reembolsos de IVA, uma retenção de créditos de imposto recai simplesmente no âmbito da cobrança do imposto e é estranha ao âmbito de aplicação da Sexta Directiva. Indica que o artigo 76._, n._ 1, do código trata separadamente noções jurídicas diferentes, que são a restituição e a retenção de créditos de imposto. Enquanto a restituição se rege pelo artigo 76._, n._ 1, primeiro e segundo parágrafos, e deve preencher certas condições de mérito e de forma, a retenção de créditos de imposto regula-se pelo artigo 76._, n._ 1, terceiro parágrafo, do código e pelo Decreto real n._ 4 e corresponde a uma noção jurídica autónoma. Segundo a Bélgica, a Sexta Directiva prossegue dois objectivos essenciais: i) a harmonização do imposto; ii) a interpenetração das economias com o objectivo de acelerar a realização do mercado comum em sede de livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Esta harmonização é realizada graças a uma delimitação uniforme do âmbito de aplicação do IVA em toda a Comunidade. Cada Estado-Membro pode organizar o seu próprio sistema de cobrança, desde que esses objectivos sejam alcançados.

25 Os Estados-Membros regulam livremente a cobrança do IVA, designadamente, estabelecendo medidas destinadas a combater a evasão e a fraude fiscais. A Bélgica invoca o artigo 22._, n._ 8, da Sexta Directiva (citado no n._ 3, supra), que permite aos Estados-Membros adoptar as medidas necessárias para assegurar a «cobrança» do imposto. Esta interpretação é conforme com o princípio da subsidiariedade enunciado no artigo 3._-B do Tratado. A título subsidiário, se a Sexta Directiva devesse ser interpretada como abrangendo as questões relativas à cobrança, a Bélgica considera que a retenção aqui em questão fica sob a alçada do artigo 18._, n._ 4, que confere um vasto poder de apreciação aos Estados-Membros quanto à determinação das condições que regulam os reembolsos (20).

26 O processo de retenção não funciona de maneira a tornar praticamente impossível aos sujeitos passivos o exercício dos direitos conferidos pelo artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, limitando-se antes a diferir o reembolso do IVA pago em excesso, até que a veracidade da declaração de que resulta o pagamento pretensamente indevido possa ser verificada. Não é contrário ao artigo 18._, n._ 4, porque apenas conduz ao congelamento provisório de uma quantia que já é reconhecida como sendo um «bem» do sujeito passivo e que continua susceptível de restituição, a menos que a declaração do sujeito passivo se revele, afinal, falsa ou inexacta. Em consequência, a Bélgica considera que o artigo 27._ da Sexta Directiva é desprovido de pertinência, visto que a cobrança do IVA não recai no âmbito de aplicação da Sexta Directiva.

27 A Bélgica formulou as observações precedentes e as suas explicações relativas ao artigo 8._1, n._ 3, nas suas observações escritas referentes aos reenvios posteriores. Como não permite os arrestos provisórios, o processo tradicional do arresto não confere uma protecção suficiente à administração em circunstâncias em que créditos de imposto presumidos devam ser restituídos ou transferidos durante um período de três meses a partir da entrega da declaração de IVA em questão, mesmo quando haja uma dívida impugnada para com a administração do IVA em relação a um período anterior. Sem implicar uma verdadeira contestação da veracidade do crédito de imposto presumido, a nova retenção «preventiva» torna este crédito provisoriamente indisponível. Tem, pois, manifestamente por objecto garantir que o IVA eventualmente devido pelo sujeito passivo seja efectivamente pago. Na segunda audiência, a Bélgica, apoiada pelas Repúblicas Italiana e Helénica, sustentou que, para poderem assegurar adequadamente a cobrança do IVA, as autoridades fiscais devem estar habilitadas a conceber a sua relação com o sujeito passivo sob a forma de conta corrente, pois, se se considerar cada período separadamente, ignorar-se-ia o facto de que um crédito actual (mesmo não contestado) pode aparecer apenas devido a declarações anteriores falsas ou inexactas.

28 A Bélgica admite que as medidas de cobrança do imposto não devem, na prática, pôr em perigo os direitos conferidos pela Sexta Directiva, mas, com o apoio das Repúblicas Italiana e Helénica e do Reino da Suécia, afirma que as medidas belgas contestadas estão em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Em resposta às questões que lhe foram apresentadas na primeira audiência, a Bélgica sustentou que, qualquer que pudesse ter sido a prática dominante, os juízes encarregados de conhecer dos arrestos podiam, ao abrigo do Decreto real n._ 4, levantar, a título provisório, mesmo retenções fundadas no artigo 8._1, n._ 3, quinto parágrafo, se não estivessem convencidos pelas alegações de fraude ou de irregularidades substanciais. Posteriormente, a Bélgica desenvolveu essas observações iniciais. Afirma que, por força do quarto parágrafo do artigo 8._1, n._ 3, o juiz dos arrestos tem não só de verificar se todas as regras de processo destinadas a proteger os sujeitos passivos foram observadas (21) como também pode apreciar se as alegações nas quais se baseia a retenção são, à primeira vista, fiáveis. Tem, como disse a Bélgica, o direito de proceder a um controlo «marginal» da retenção. Quanto às retenções baseadas em presunções sérias de fraude, a que se refere o quinto parágrafo do artigo 8._1, n._ 3, a Bélgica admitiu que o poder de que o juiz dos arrestos dispunha para levantar a referida retenção era consideravelmente mais limitado; de facto, o levantamento da retenção só pode ser ordenado se o juiz dos arrestos, após ter tomado conhecimento de todas as informações pertinentes relativas ao caso em apreço, estiver convencido de que a sua manutenção já não se justifica (22). Aquando da segunda audiência, no entanto, a Bélgica sublinhou que isso não impedia que pudesse ter lugar o levantamento provisório da retenção efectuado ao abrigo do quinto parágrafo do artigo 8._1, n._ 3. De uma maneira geral, sustentou que, apesar da formulação possivelmente «enganadora» do sétimo parágrafo do artigo 8._1, n._ 3, o juiz dos arrestos podia levantar provisoriamente uma retenção.

C - Comissão

29 A Comissão afirma que a Sexta Directiva confia a luta antifraude aos Estados-Membros, o que provam vários textos que fazem referência ao seu poder de adoptar medidas nesse sentido (23). Quanto ao artigo 18._, n._ 4, e, em especial, à interpretação da expressão «montante das deduções autorizadas», a Comissão considera que o exercício do direito à dedução só pode ser submetido às condições enunciadas pela Sexta Directiva; não pode ser sujeito à aprovação das autoridades nacionais competentes em matéria de IVA. No entanto, a Comissão afirma que as medidas de retenção belgas constituem medidas de cobrança e, portanto, não ficam sob a alçada da Sexta Directiva. Em consequência, a Bélgica não era obrigada a solicitar a autorização referida no artigo 27._, n._ 1.

30 Contudo, as medidas de pagamento do imposto adoptadas pelos Estados-Membros não podem ir contra os princípios que estão na base do sistema comum de IVA em vigor na Comunidade. A Comissão estabelece uma aproximação com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 27._ da Sexta Directiva (24). No âmbito deste processo, a Comissão tem a vantagem de estar já plenamente informada das medidas propostas, podendo assim zelar para que sejam conformes com o princípio da proporcionalidade (25), que, em seu entender, é também aplicável às medidas de cobrança em questão no presente processo. No entender da Comissão, o Tribunal deve limitar-se a definir certos critérios cuja aplicação concreta deve ser deixada ao órgão jurisdicional nacional. Em caso de retenções efectuadas para garantir o pagamento de uma anterior dívida fiscal contestada, pode-se presumir que as medidas são desproporcionadas. No entanto, esse não seria o caso das retenções baseadas em presunções sérias ou em provas de fraude. Nas suas observações escritas, a Comissão enumera um certo número de critérios que, em seu entender, o órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração quando aplica o princípio da proporcionalidade. Trata-se, essencialmente, da existência de garantias processuais para o período que antecede a retenção; da existência de uma via de recurso judiciária efectiva contra a retenção; da relação entre a soma retida e a dívida fiscal presumida; e da possibilidade de as autoridades aceitarem em substituição outras garantias que tenham uma segurança comparável. À luz das observações contraditórias apresentadas sobre a competência do juiz dos arrestos, a Comissão, na segunda audiência, indicou que um critério importante era o da questão de saber se, quando impõe a retenção, a administração do IVA tem a obrigação de iniciar um processo quanto ao mérito sobre a pretensa dívida fiscal. No entanto, declarou que seria de um formalismo excessivo exigir que as autoridades fiscais nacionais tratem separadamente cada período de declaração.

V - Análise

A - Efeito directo

31 No processo Schepens, o juiz de reenvio pergunta expressamente ao Tribunal de Justiça se os artigos 18._, n._ 4, e 27._ da Sexta Directiva têm efeito directo. Dado o conflito possível entre o sistema de retenção preventivo utilizado na Bélgica e o direito conferido aos sujeitos passivos pelo artigo 18._, n._ 4, a importância desta questão é evidente e, em meu entender, é necessário que o Tribunal de Justiça lhe dê uma resposta (26). No entanto, a questão de saber se o artigo 27._ tem ou não efeito directo, que não foi evocada pela Bélgica, é de uma pertinência menos evidente para a solução do processo Schepens. Não penso que o Tribunal de Justiça deva responder a esta questão.

32 O Tribunal considerou constantemente que, ainda que o prazo de transposição tenha expirado, uma directiva não transposta ou incorrectamente transposta deve ser, simultaneamente, suficientemente precisa e incondicional para que as suas disposições possam ser invocadas directamente por um particular nos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro (27). O direito de os particulares invocarem a Sexta Directiva foi constantemente confirmado na jurisprudência do Tribunal de Justiça (28). No acórdão BP Soupergaz, o Tribunal de Justiça exprimiu-se da seguinte forma (29):

«Resulta dessa jurisprudência que, apesar da margem de manobra relativamente importante dos Estados-Membros para a execução de determinadas disposições da Sexta Directiva, os particulares podem utilmente invocar perante o tribunal nacional as disposições da directiva que forem suficientemente claras, precisas e incondicionais.»

O Tribunal considerou, designadamente, que as disposições do artigo 17._, n.os 1 e 2, relativas ao direito à dedução «preenchem os critérios referidos e conferem, por isso, aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com elas» (30). Estas disposições têm um nexo estreito com o artigo 18._, n._ 4, que, em meu entender, preenche os mesmos critérios, pelas razões a seguir expostas.

33 Quando, para um dado sujeito passivo, o montante das deduções autorizadas ultrapassa o do imposto devido, os Estados-Membros, por força do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, devem «operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respectivo reembolso», salvo «quando o excedente for insignificante». Nas suas observações escritas, a Garage Molenheide diz que esse texto é absolutamente claro. Desde que a soma em questão não seja insignificante, a autoridade fiscal é obrigada a proceder a uma das duas operações acima referidas: embora o Estado belga tenha inicialmente contestado o efeito directo do artigo 18._, n._ 4, no órgão jurisdicional nacional ao qual o processo Garage Molenheide foi submetido, não manteve essa posição nas observações que apresentou no Tribunal de Justiça. Em resposta à questão expressa apresentada no processo Schepens, a Comissão diz, de um modo absolutamente exacto, que o artigo 18._, n._ 4, é suficientemente claro e preciso para ter um efeito directo e pode ser invocado directamente nos órgãos jurisdicionais nacionais.

34 Divergências de opinião quanto à questão de saber quando é que um excedente pode ser «insignificante» não podem, em meu entender, impedir que um órgão jurisdicional nacional esteja, na maior parte dos casos, em condições de identificar um excedente significativo que deve ser reembolsado ou reportado. Além disso, visto que, quanto às deduções, a Sexta Directiva tem por objectivo fazer com que «o direito à dedução sur[ja] no momento em que o imposto dedutível se torna exigível» (31), é evidente que a possibilidade de um Estado-Membro recusar o reembolso de excedentes «insignificantes» é muito limitada. Em consequência, em meu entender, se se invocasse o segundo parágrafo do artigo 18._, n._ 4, para negar um efeito directo a esse artigo, confundir-se-ia «o problema do efeito directo e o do poder discricionário de que dispõem os Estados com vista à transposição da directiva» (32).

35 Todos os recorrentes consideram que o poder discricionário conferido aos Estados-Membros pelo primeiro parágrafo do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva não lhes permite submeter a condições substanciais o exercício do direito à restituição. Considero que a primeira frase do artigo 18._, n._ 4, autoriza simplesmente os Estados-Membros a definirem os processos ou modalidades necessárias relativamente a essas restituições (33). Com efeito, mesmo o facto de existir uma «multiplicidade de soluções possíveis» (34) para concretizar uma obrigação imposta por uma directiva não impede que esta tenha efeito directo, visto que o seu «conteúdo pode ser determinado com precisão suficiente com base apenas nas disposições da directiva» (35). Em consequência, estou convencido de que a obrigação imposta pelo artigo 18._, n._ 4, é clara, precisa e incondicional e susceptível de ter efeito directo.

B - Âmbito de aplicação do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva

i) Introdução

36 O sistema do IVA foi frequentemente qualificado de «neutro» (36). Apenas o consumidor final suporta a totalidade do custo do imposto e esse sistema baseia-se no princípio segundo o qual o IVA «só é exigível depois de ter sido deduzido o montante de IVA que incidiu directamente sobre o custo dos vários elementos constitutivos do preço» (37). Cada operador que intervém no processo repercute o elemento de IVA que incide sobre as suas compras no operador seguinte (ou no consumidor). Nesse sistema, o direito de deduzir o IVA relativo às operações efectuadas a montante desempenha um papel essencial (38). A longo prazo, cada operador neutraliza o IVA pago sobre as operações efectuadas a montante, deduzindo-o, e recupera o imposto sobre o valor acrescentado que lhe é cobrado, acrescentando-o ao preço facturado aos seus clientes. O fluxo de liquidez pode funcionar em favor do operador, ou em sua desvantagem, mas, em princípio, de maneira apenas temporária. Quando, para um dado período de declaração, as suas entradas excedem as saídas, a sua tesouraria é afectada negativamente, visto que tem de suportar o encargo do IVA pago sobre os fornecimentos que lhe foram feitos até o recuperar junto dos seus clientes, numa parte, e das autoridades fiscais, noutra. Os pedidos de reembolso devem ser pouco frequentes; implicam perdas ou, pelo menos, um excedente de entradas relativamente às saídas, num período contabilístico determinado, com eventuais consequências graves para a tesouraria. O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva dá aos Estados-Membros, essencialmente, a opção entre duas possibilidades, uma vez que o direito à restituição está adquirido para um dado período de declaração. Podem proceder imediatamente ao reembolso ou adiá-lo até ao fim do período de declaração seguinte. Em muitos casos, este adiamento torna o reembolso inútil, porque o operador voltou a encontrar-se numa situação beneficiária no decurso do período seguinte. O direito conferido aos sujeitos passivos pelo artigo 18._, n._ 4, impede, no entanto, os Estados-Membros de reterem o reembolso durante mais de um período e, certamente, de procederem assim definitivamente, na esperança ou na simples perspectiva de verem o operador voltar a encontrar-se numa situação beneficiária.

ii) A minha opinião

37 Não penso que o efeito directo do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, considerado em si mesmo, baste para tornar incompatíveis as medidas belgas impugnadas. Os recorrentes argumentam, com razão, que o direito às «deduções autorizadas», na acepção do artigo 18._, n._ 4, tem por fundamento os artigos 17._ e 18._, n.os 1 a 3, e que, «na falta de qualquer disposição que autorize os Estados-Membros a limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos», o contribuinte deve poder exercer esse direito «imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante» (39). Os Estados-Membros não estão pois autorizados a limitar o direito à dedução, a não ser que «possam prevalecer-se de uma das derrogações previstas na Sexta Directiva» (40). Quando o montante das deduções autorizadas excede o do imposto devido, a neutralidade do sistema comunitário de IVA significa que o sujeito passivo tem direito ao reembolso. No entanto, os Estados-Membros não estão proibidos de adoptar medidas preventivas destinadas a garantir que as deduções aparentemente excessivas, resultantes das informações contidas na declaração apresentada pelo sujeito passivo, correspondam à realidade. Um sistema de controlo destinado a verificar as deduções «autorizadas», na acepção do artigo 18._, n._ 4, antes de efectuar o pagamento, não tem por efeito privar o sujeito passivo do seu direito à dedução.

38 No acórdão Jeunehomme e outros (41), o Tribunal de Justiça, referindo-se ao artigo 22._, n._ 8, considerou que os Estados-Membros, quando exigem que uma factura contenha certas informações, além das impostas pelos artigos 18._, n._ 1, alínea a), e 22._, n._ 3, alínea b), não têm de recorrer ao processo previsto no artigo 27._ «para assegurar a correcta cobrança do imposto sobre o valor acrescentado, bem como a sua fiscalização pela administração fiscal» (42). Embora os Estados-Membros tenham a faculdade de especificar as informações que devem conter as facturas nas quais se funda o direito à dedução, devem também ter a faculdade de adoptar as medidas preventivas necessárias destinadas a assegurar a exacta cobrança do imposto.

39 Esta concepção foi ainda confirmada pelo recente acórdão Reisdorf (43). Neste processo, também relativo a facturas, o Tribunal de Justiça confirmou a compatibilidade com a Sexta Directiva do «poder... [dos] Estados-Membros... de assegurar a cobrança do IVA e a sua fiscalização pela administração fiscal» (44). Além disso, também considerou que «o artigo 18._ da Sexta Directiva, conforme o respectivo título indica, trata apenas do exercício do direito à dedução e não regula a prova do mesmo direito após este ter sido exercido pelo sujeito passivo» (45). Estou convencido de que, no âmbito dos seus sistemas nacionais de cobrança do IVA, os Estados-Membros estão habilitados a adoptar medidas destinadas a protegê-los contra o risco de proceder a reembolsos sem que existam verdadeiros créditos de IVA. A adopção de medidas preventivas de controlo permite fazer com que sejam ponderados os interesses do tesouro público e o interesse que um sujeito passivo tem de que um montante, que, por força do artigo 18._, n._ 4, parece, à primeira vista, ser seu, lhe seja pago rapidamente. Penso que esta interpretação do artigo 18._, n._ 4, é compatível com a referência feita à obrigação que têm os Estados-Membros de proceder à dedução «nas condições por eles fixadas». Subsidiariamente, o artigo 22._, n._ 8, permite que os Estados-Membros estabeleçam «outras obrigações que considerem necessárias no sentido de assegurar a cobrança correcta do imposto e de evitar a fraude». Não me parece que seja importante saber se as normas belgas estão fora do âmbito das matérias harmonizadas pela Sexta Directiva, ou se, em princípio, são abrangidas nesse âmbito, mas estão autorizadas pelo artigo 22._, n._ 8. Tanto num caso como no outro, devem ser submetidas ao teste de proporcionalidade, na medida em que são susceptíveis de violar a directiva (v. n.os 42 a 54, infra).

40 Na segunda audiência, o advogado representante da BRD Decan e da Sanders disse que o artigo 18._, n._ 4, devia ser interpretado à luz do artigo 18._, n._ 2, e que, em consequência, tendo um Estado-Membro verificado que era realmente devido um crédito relativamente a um dado período de declaração, tinha o dever de permitir que o sujeito passivo exercesse imediatamente o seu direito à dedução quanto a esse crédito. Concordo com o parecer da Comissão, cujo agente considerou essa concepção demasiado formalista. É mais realista considerar a relação entre o sujeito passivo e a administração nacional do IVA como assemelhando-se a uma conta corrente. Os recorrentes referem-se, designadamente, ao acórdão de 21 de Setembro de 1988, Comissão/França (46), em que o Tribunal considerou que, «na ausência de uma disposição que permita aos Estados-Membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante» (47). Neste processo, o decreto francês impugnado só permitia que se deduzisse uma fracção do imposto sobre o valor acrescentado que incidiu sobre a aquisição ou a construção de um imóvel, quando o montante anual das receitas provenientes do respectivo arrendamento fosse inferior a 1/15 avos do valor desse imóvel. Em contrapartida, as normas belgas em matéria de retenção não restringem o direito à dedução; prevêem simplesmente o adiamento provisório do reembolso. Se fosse absolutamente proibido aos Estados-Membros diferir o reembolso de créditos de imposto, mesmo incontestados, relativos a um período, por existir um litígio sério quanto ao período anterior, os seus juros financeiros poderiam frequentemente ser gravemente postos em perigo. Também não penso que o artigo 18._, n._ 4, deva ser interpretado como limitando o direito de os Estados-Membros se oporem ao reembolso no caso de terem obtido uma decisão definitiva quanto à dívida de um sujeito passivo relativa a um período anterior ou quanto à natureza fraudulenta de um crédito de IVA presumido. Além disso, não penso que a contabilidade da retenção provisória de um pagamento devido ao abrigo do artigo 18._, n._ 4, deva depender da prova de um nexo causal com uma dívida ou um pagamento insuficiente relativo a um período anterior.

41 Como o Tribunal reconheceu no acórdão BP Soupergaz, os Estados-Membros dispõem de um largo poder de apreciação quanto à execução das disposições do sistema do IVA. Este poder implica dois aspectos. Em primeiro lugar, os pormenores de pura rotina das disposições relativas à cobrança do imposto, que figuram geralmente na legislação nacional, não são regulados, de forma alguma, pela Sexta Directiva. Diria, quase a título de observação lateral, por exemplo, que poderia haver circunstâncias em que um Estado-Membro, sem pôr em questão a aplicação do artigo 18._, n._ 4, não deveria, em estrito rigor, reembolsar um crédito provado. Com efeito, quando o sujeito passivo tem uma dívida de IVA claramente determinada, correspondente à da administração para com ele próprio, dado que se está em presença de duas dívidas recíprocas, líquidas e certas, seria absurdo proceder ao reembolso, quando uma destas dívidas pode ser compensada pela outra. Tal situação pode ocorrer, se uma declaração anterior, que não suscita qualquer contestação, mostra que foi efectuado um pagamento insuficiente, por acidente ou porque o sujeito passivo dispunha de liquidez insuficiente. De uma maneira mais geral, os Estados-Membros são responsáveis pela gestão do sistema de IVA na sua totalidade. Como já disse (n._ 39, supra), não é necessário decidir se esse é o caso, porque estas matérias não recaem no âmbito da Sexta Directiva ou porque são objecto de uma autorização expressa contida, por exemplo, no artigo 22._, n._ 8. No entanto, medidas com o alcance autorizado pelo artigo 22._, n._ 8, podem inevitavelmente ter um impacto na obrigação de o Estado-Membro proceder a um reembolso imediato ao abrigo do artigo 18._, n._ 4, caso em que (pelas razões expostas) será necessário ver se essas medidas são proporcionadas como exige o direito comunitário; noutros termos, será necessário ver se são adequadas ao objectivo prosseguido.

C - Aplicação do princípio da proporcionalidade

42 Embora o funcionamento de uma retenção do tipo da impugnada no âmbito dos presentes reenvios prejudiciais não implique, em si mesmo, uma violação do artigo 18._, n._ 4, isso não tem necessariamente por consequência que seja compatível com o direito comunitário. Apesar de os Estados-Membros poderem continuar a ser competentes para definir os seus próprios sistemas de cobrança de IVA, têm, no entanto, a obrigação de executar esses sistemas de uma maneira que seja compatível com a Sexta Directiva e, especialmente, com as suas disposições fundamentais, tais como as relativas ao direito à dedução.

i) Objectivo das medidas de retenção

43 Considero que é notório que medidas de retenção do tipo das que estão em causa no âmbito dos presentes reenvios prejudiciais prosseguem um objectivo legítimo. Os Estados-Membros que apresentaram observações sublinham, com razão, que, dado que as receitas de IVA beneficiam quase exclusivamente os Estados-Membros, estes têm evidentemente um interesse legítimo em adoptar as medidas apropriadas para proteger os seus interesses financeiros. Em meu entender, é também essencialmente esta ideia que está subjacente ao artigo 22._, n._ 8, da Sexta Directiva. Como já disse (n._ 38), o artigo 22._, n._ 8, não autoriza os Estados-Membros a violar outras disposições da Sexta Directiva com objectivo de evitar a fraude ou de garantir a cobrança exacta do imposto. A este propósito, o artigo 27._ prevê expressamente um processo que permite aos Estados-Membros solicitar ao Conselho a autorização para aplicar, designadamente, medidas nacionais destinadas a neutralizar as «fraudes ou evasões fiscais» contrárias à Sexta Directiva. O Tribunal de Justiça considerou constantemente que essas medidas devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade. Assim, por exemplo, no acórdão de 10 de Abril de 1984, Comissão/Bélgica (48), considerou que as medidas comunicadas de acordo com o artigo 27._ devem ser susceptíveis de «evitar frades ou evasões fiscais, mas, em princípio, só podem revogar o respeito da matéria colectável do IVA, referida pelo artigo 11._, nos limites estritamente necessários para atingir esse objectivo» (49). Considero, portanto, que é adequadamente que a Comissão sustenta que medidas nacionais que, embora não sendo fundadas numa autorização acordada ao abrigo do artigo 27._, são susceptíveis de afectar os direitos conferidos pela Sexta Directiva, devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade. Em síntese, quando é necessário resolver conflitos potenciais entre a aplicação de medidas nacionais de cobrança do imposto, tais como a retenção preventiva utilizada na Bélgica, e o direito fundamental de deduzir os excedentes de IVA garantido pela Sexta Directiva, as medidas nacionais em questão não devem ir além do que é necessário à realização do objectivo que prosseguem.

44 Esta tese é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Assim, por exemplo, no acórdão Balocchi, considerou que a faculdade que o artigo 22._, n._ 5, reconhece aos Estados-Membros, de obrigar os sujeitos passivos a pagar quantias provisórias de IVA no decurso de um período, não lhes permite exigir o pagamento de uma percentagem fixa (65 %) do imposto exigível relativo a um período ainda não decorrido (50). Os Estados-Membros não gozam pois de um poder discricionário ilimitado na gestão dos seus sistemas de cobrança do imposto.

ii) Controlo jurisdicional eficaz

45 Em tal situação, a primeira condição para que o controlo jurisdicional exigido pelo direito comunitário seja eficaz é que as autoridades dos Estados-Membros tenham a obrigação de dar a conhecer os fundamentos das suas decisões (51). No caso em apreço, essa exigência é satisfeita pelo «auto» que deve ser levantado e devidamente comunicado ao sujeito passivo, para que a administração do IVA possa exercer o seu direito de reter o pagamento. Na medida em que a lei belga obriga a administração do IVA a notificar a sua decisão ao sujeito passivo cujo direito à dedução é diferido e a fundamentá-la adequadamente, ela é conforme, quanto a este aspecto, com as exigências do direito comunitário. Na segunda audiência, o advogado que representa a BRD Decan e a Sanders contestou que as garantias processuais que precederam a retenção tenham sido suficientes na prática. Trata-se, no entanto, de uma questão da competência do órgão jurisdicional nacional, que é o único habilitado a interpretar a regulamentação belga pertinente e tem a possibilidade de o fazer.

46 A obrigação de os Estados-Membros garantirem a eficácia do controlo jurisdicional requer, além disso, que os órgãos jurisdicionais nacionais tenham competências suficientemente vastas para assegurar um equilíbrio adequado entre os direitos do sujeito passivo e os direitos e interesses da administração do IVA. Evidentemente, a natureza e o alcance do recurso jurisdicional estão condicionados pelo contexto e pelo tipo de perigo em relação ao qual uma medida se destina a proteger. Por exemplo, nos processos Werner e Leifer (52), o advogado-geral F. G. Jacobs, tratando de um assunto inteiramente diferente, considerou que «a natureza dos problemas que se colocam quando a segurança externa de um Estado-Membro está em jogo impede, normalmente, os órgãos jurisdicionais de efectuarem um controlo de proporcionalidade estrito». Dado que as apreciações em questão se baseavam em informações que não podiam ser verificadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, pensava que era difícil assegurar plenamente o controlo jurisdicional. Os presentes processos não fazem parte desta categoria excepcional.

47 Os quarto e quinto parágrafos do artigo 8._1, n._ 3, do Decreto real n._ 4 têm por objecto uma certa gama de casos e de situações práticas. Num dos extremos, referido pelo quinto parágrafo, figuram os casos em que existem presunções sérias de fraude, baseadas em elementos objectivos e fiáveis. No outro, figuram os casos em que existe uma verdadeira controvérsia relativa a questões de facto ou de interpretação jurídica, que conduz, quando muito, a um pedido das autoridades fiscais susceptível de contestação. Em processos do tipo do aqui em causa, em que o órgão jurisdicional nacional, no essencial, pede ao Tribunal de Justiça que lhe faculte critérios devendo permitir-lhe apreciar, no exercício da sua missão de controlo jurisdicional, se a aplicação das medidas nacionais impugnadas é susceptível, na prática, de privar da sua eficácia o direito conferido pelo artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça, em meu entender, não deve enunciar regras pormenorizadas. Deve antes formular directivas gerais relativas à natureza do poder de apreciação que deve ser conferido aos órgãos jurisdicionais nacionais em questão.

iii) A minha opinião

48 Em primeiro lugar, queria sublinhar que o direito comunitário não deve impor de maneira rígida que a legislação nacional preveja, a partir da fase do controlo jurisdicional da decisão de retenção, um exame completo quanto ao mérito das pretensões da administração fiscal relativa à relação entre os factos e o direito. Tal como decorre, nos presentes processos, nomeadamente, dos termos do quarto parágrafo do artigo 8._1, n._ 3, do Decreto real n._ 4, só haverá uma decisão definitiva sobre as pretensões da administração fiscal através de uma decisão judiciária que tenha transitado em julgado. Esta decisão implica uma análise pormenorizada das questões de facto e de direito controversas e é susceptível de recurso em instâncias hierarquicamente superiores na ordem jurídica nacional. Esse processo leva, necessariamente, tempo e, com efeito, na segunda audiência, o advogado que representa a Garage Molenheide insistiu no facto de muitos recursos deste tipo ficarem pendentes durante anos. Tal não é surpreendente. Os presentes processos, no entanto, dizem respeito a disposições que prevêem a retenção provisória de um pagamento efectuada a título conservatório. Devido à natureza desse tipo de medida, neste contexto, não se pode responder definitivamente às questão colocadas. Não penso que se possa esperar que o juiz dos arrestos se pronuncie definitivamente sobre as questões de facto e de direito completas objecto de contestação, mas antes que lhes dê uma solução provisória devido à urgência.

49 No entanto, o juiz dos arrestos deve, em princípio, ter competência para levantar a retenção. Nas observações formuladas, especialmente na segunda audiência, havia divergências consideráveis de pontos de vista entre os advogados dos recorrentes, por um lado, e os da Bélgica, por outro, quanto ao alcance ou à existência do poder discricionário conferido ao juiz dos arrestos. De facto, esta situação de incerteza parece reflectir-se, até um certo ponto, no comportamento variável dos diversos juízes dos arrestos. Alguns foram descritos como interpretando muito estritamente o alcance das suas competências, enquanto que outros parecem ter feito delas uma interpretação mais vasta. O Tribunal de Justiça não pode evidentemente resolver estas questões de direito belga; pode apenas indicar, como acima disse, qual é a natureza do poder de apreciação que deve existir e cuja existência deve ser geralmente conhecida, se os direitos conferidos pelo direito comunitário forem adequadamente protegidos.

50 O critério fundamental consiste, evidentemente, em que a medida adoptada seja proporcional ao objectivo prosseguido. Noutros termos, não deve exceder o que é necessário à prossecução deste objectivo, ou seja, a protecção da própria administração do IVA no exercício da sua missão de garantir a integridade financeira do sistema e de cobrar o imposto. Aplicarei, por analogia, o princípio enunciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Bélgica (53), num caso de derrogação autorizada ao abrigo do artigo 27._ da Sexta Directiva, princípio segundo o qual medidas destinadas «a evitar fraudes ou evasões fiscais» só podem derrogar a base de imposição do IVA referida pelo artigo 11._ «dentro de limites estritamente necessários para atingir esse objectivo». Esta concepção permite formular algumas orientações de alcance geral. Adiro à tese defendida pela Comissão na segunda audiência, que consistia em dizer que, em casos como os referidos pelo quarto parágrafo do artigo 8._1, n._ 3, do Decreto real n._ 4 - casos que, de uma maneira geral, se podem designar como de dívidas contestadas -, se deve presumir a ausência de proporcionalidade e que, do mesmo modo, em casos como os referidos pelo quinto parágrafo, especialmente aqueles em que existem presunções sérias de fraudes, a presunção deve funcionar em sentido inverso.

51 A decisão que o órgão jurisdicional nacional deve proferir quanto à manutenção ou ao levantamento do arresto deve, como para todas as medidas provisórias, ser função das circunstâncias específicas do processo. Tentarei indicar qual é a atitude correcta a adoptar quanto a um certo número dessas circunstâncias. Penso que o interesse predominante deve ser o que respeita a salvaguarda das receitas de IVA. Parece que a disposição relativa à retenção constante do artigo 8._1, n._ 3, do Decreto real n._ 4 ignora a condição que normalmente deve ser preenchida, em direito belga, para que se possa considerar que há urgência, isto é, no presente caso, que há urgência em salvaguardar a receita. Em minha opinião, a administração do IVA deve, em todos os casos, ter a possibilidade de justificar as medidas adoptadas, provando a sua necessidade, isto é, demonstrando que há verdadeiramente uma urgente necessidade de salvaguardar as receitas fiscais. Nos casos objecto do quinto parágrafo, o auto deve provar que, à primeira vista, existem presunções sérias de fraude ou, subsidiariamente, provas de que foram declarados, quanto a períodos anteriores, montantes substancialmente insuficientes, o que deixa antever uma dívida à administração do IVA. É evidente que esta dívida presumida deve ter uma amplitude tal que justifique a retenção do pagamento. Com esta reserva, a existência de provas baseadas numa fraude ou a declaração de montantes substancialmente insuficientes (mesmo na ausência de fraude) podem, razoavelmente, levar um órgão jurisdicional nacional a considerar que os interesses do fisco devem ser protegidos. Essa necessidade deve também, no entanto, ter em conta outras circunstâncias pertinentes. Por exemplo, a dimensão da empresa gerida pelo sujeito passivo e a sua estabilidade financeira podem ser susceptíveis de convencer um órgão jurisdicional de que não há nenhuma necessidade de proceder a uma retenção. Se, por outro lado, se mostrar que essa empresa corre o risco de se tornar insolvente, ou de falir, pode-se dizer razoavelmente que, numa situação incerta, não deve ser paga uma dívida a uma empresa, quando o montante pago corre o risco de beneficiar a massa dos credores e de deixar de estar disponível para satisfazer o pedido da administração fiscal.

52 Na segunda audiência, os recorrentes contestaram várias vezes a afirmação da Bélgica segundo a qual um juiz dos arrestos podia levantar um arresto, especialmente, nos casos objecto do quinto parágrafo. É evidente que, apesar das ambiguidades aparentes da lei belga, o princípio da proporcionalidade consagrado pelo direito comunitário exige que seja oferecida ao sujeito passivo uma verdadeira possibilidade de controlo jurisdicional. Assim, «compete aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, em aplicação do princípio da cooperação enunciado no artigo 5._ do Tratado, assegurar a protecção jurídica que decorre, para os particulares, do efeito directo do direito comunitário» (54). Visto que não existem normas comunitárias que regulem a cobrança do IVA, incumbe à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro «designar os órgãos jurisdicionais competentes e definir as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que, para os particulares, decorrem do efeito directo do direito comunitário» (55). Nas circunstâncias dos presentes reenvios prejudiciais, os órgãos jurisdicionais belgas e, em especial, os juízes dos arrestos, quando ponderam os direitos do sujeito passivo e os do Tesouro, no âmbito do artigo 18._, n._ 4, não devem «tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária» (56).

53 Quando o juiz dos arrestos tiver de se pronunciar sobre processos do tipo dos visados no quarto parágrafo, considero que não deve autorizar que se mantenha o arresto, a não ser que existam provas convincentes da necessidade de proteger os interesses do tesouro público. Essa possibilidade não deve ser limitada aos casos de insolvência iminente, embora este aspecto revista uma grande importância. De resto, não penso que os interesses do Tesouro requeiram a adopção de despachos de arresto destinados não apenas a garantir o pagamento de dívidas fiscais presumidas (acrescidas de juros) mas também o pagamento de sanções administrativas impostas em consideração dessas dívidas presumidas. Uma retenção desse tipo constitui um obstáculo injustificável ao exercício do direito à dedução.

54 Em minha opinião, o juiz dos arrestos, baseando-se na avaliação de múltiplos elementos de facto que pode esperar encontrar, deve poder formular uma opinião equilibrada relativa à medida em que a salvaguarda dos interesses da administração do IVA requer a retenção, isto tomando em consideração a solidez e a seriedade aparentes das provas de fraude ou de declaração de quantias insuficientes, a probabilidade da cobrança da soma reclamada depois de o litígio estar completamente resolvido, a estabilidade financeira do sujeito passivo e o tempo susceptível de decorrer antes da solução do litígio, e concedendo a devida importância à necessidade de o sujeito passivo recuperar a quantia que lhe é devida para poder prosseguir os seus negócios. Como o Tribunal declarou no acórdão de 19 de Junho de 1990, Factortame e outros (57), «a plena eficácia do direito comunitário seria igualmente afectada se uma regra do direito nacional pudesse impedir o juiz a que é submetido um litígio regulado pelo direito comunitário de conceder medidas provisórias para garantir a plena eficácia da decisão jurisdicional a tomar sobre a existência dos direitos invocados com base no direito comunitário». Além disso, um sujeito passivo, a cujo recurso no processo principal contra a administração do IVA é finalmente dado provimento, deve poder obter uma reparação efectiva da Bélgica, incluindo, designadamente, o pagamento de juros a partir da data em que o montante retido lhe teria normalmente sido pago na ausência da retenção.

VI - Conclusão

55 À luz das considerações que antecedem, recomendo ao Tribunal de Justiça que responda, nos termos seguintes, às várias questões apresentadas pelos três órgãos jurisdicionais nacionais que submeteram questões no âmbito dos quatro processos apensos aqui em questão:

«1) O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, é suficientemente claro, preciso e incondicional para que os sujeitos passivos o possam invocar directamente nas ordens jurídicas internas dos Estados-Membros.

2) Disposições nacionais que autorizem a retenção preventiva de créditos de IVA que se presumem ser devidos a um sujeito passivo relativamente a um dado período não são, em princípio incompatíveis com o artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva.

3) No entanto, medidas de retenção do IVA não devem exceder o que é estritamente necessário à salvaguarda dos interesses fiscais dos Estados-Membros, implicando a cobrança exacta do IVA, e os órgãos jurisdicionais nacionais devem assegurar que, a um sujeito passivo, cujo exercício do direito de dedução concedido pelo artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva é afectado por essas medidas de retenção, seja garantida a protecção processual efectiva antes da adopção da medida, o que deve incluir, designadamente, a notificação adequada dos fundamentos da retenção proposta e a possibilidade de solicitar um controlo jurisdicional eficaz da medida após a sua adopção pela administração do IVA. Em caso de retenção de um crédito de IVA incontestado, baseada numa dívida de IVA anterior impugnada, as disposições legais nacionais presumindo a urgência e/ou a necessidade da medida de retenção devem ser excluídas pelo órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido um pedido de levantamento provisório da retenção; este órgão jurisdicional deve estar habilitado a decidir, por si mesmo, com base em todos os elementos de prova disponíveis e em todas as circunstâncias do processo, incluindo a existência de outras formas de protecção eficaz à disposição da administração do IVA, se existe uma necessidade urgente de proceder à retenção. No entanto, a referida necessidade urgente não pode exigir mais do que uma garantia do pagamento da dívida impugnada (acrescida de juros). No caso de uma retenção fundada em presunções sérias de fraude ou de outras irregularidades graves nos processos do sujeito passivo reivindicando o direito a um crédito de IVA, o órgão jurisdicional ou o juiz que se pronuncia sobre um pedido de suspensão provisória da retenção, quando não estão convencidos, com base em elementos de prova contraditórios que devem ser apresentados pelo sujeito passivo, de que as dúvidas emitidas pela administração do IVA são justificadas, devem estar habilitados a levantar a retenção, submetendo esta medida às condições que considerarem apropriadas. Em todos os processos de retenção preventiva, caso seja finalmente dado provimento ao recurso no processo principal interposto pelo sujeito passivo contra a retenção, a administração do IVA deve comprometer-se a pagar juros sobre a quantia retida, a partir do momento em que, por força das regras normais de dedução aplicadas nesse Estado-Membro de acordo com a Sexta Directiva, essa quantia tivesse sido paga ao sujeito passivo.»

(1) - Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).

(2) - Moniteur belge de 31 de Dezembro de 1992.

(3) - A seguir «administração do IVA».

(4) - Moniteur belge (quarta edição) de 30 de Dezembro de 1992. O texto francês foi posteriormente alterado e é a versão contida no artigo 6._ do decreto real de 14 de Abril de 1993 (Moniteur belge de 30 de Abril de 1993) que está actualmente em vigor. A versão alterada do Decreto real n._ 4 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1993, de acordo com o artigo 13._ do decreto real de 29 de Dezembro de 1992.

(5) - Moniteur belge de 31 de Dezembro de 1969.

(6) - O artigo 1413._ do Código Judiciário parece ser relativo à obrigação de provar a urgência das medidas provisórias solicitadas.

(7) - Nota sem objecto na versão portuguesa das presentes conclusões.

(8) - Por força do artigo 59._ do código, os autos fazem fé até prova em contrário.

(9) - Nota sem objecto na versão portuguesa das presentes conclusões.

(10) - Um outro auto, relativo à declaração apresentada pelo recorrente para o segundo trimestre e contendo observações complementares, foi lavrado em 26 de Outubro de 1993.

(11) - As observações escritas do Estado belga também fazem referência a outra (primeira) retenção efectuada em 15 de Junho de 1994 ao abrigo do artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, e notificada à recorrente por carta registada de 16 de Junho de 1994, e que era relativa a uma quantia de 118 984 BFR que aparecia como crédito seu numa conta especial correspondente ao período de 31 de Janeiro de 1992 a 30 de Abril de 1992.

(12) - A recorrente indica que, inicialmente, foi instaurado um processo penal contra o gerente da Sanders. No entanto, o Ministério Público decidiu, posteriormente, requerer a extinção da instância, o que obteve do tribunal em 10 de Dezembro de 1991. Só nesse momento é que teve início o processo de retenção.

(13) - A recorrente, nas suas observações escritas, indica que, em 7 de Março de 1996, a administração do IVA também reteve (aparentemente, com base no artigo 8._1, n._ 3, quarto parágrafo, do Decreto real n._ 4), em consideração da mesma dívida presumida que a que é objecto do litígio principal, um montante de 121 106 BFR, que correspondia ao saldo credor aparecido em seu benefício em Dezembro de 1995.

(14) - Estes despachos foram proferidos com base, respectivamente, nos artigos 61._ e 43._ do Regulamento de Processo.

(15) - De facto, o «Estado belga» é formalmente o recorrido em todos os presentes processos prejudiciais. No entanto, por comodidade, passarei a falar simplesmente da «Bélgica».

(16) - A República Helénica e o Reino da Suécia apresentaram observações escritas nos processos Schepens, BRD Decan e Sanders, enquanto a República Italiana, que inicialmente apresentara observações escritas no processo Garage Molenheide, também apresentou observações escritas nos processos Schepens e BRD Decan.

(17) - O acórdão proferido pela High Court no processo Regina/Customs and Excise Commissioners, ex parte Strangewood Ltd [1987] STC 502, foi citado em apoio da tese segundo a qual as autoridades competentes em matéria de IVA devem proceder a essa verificação num prazo razoável.

(18) - Os recorrentes referem-se às versões neerlandesa («regeling»), alemã («Einzelheiten»), francesa («modalités»), italiana («modalità») e espanhola («modalidades»). A versão inglesa utiliza este mesmo termo «conditions», simultaneamente, nos n.os 3 e 4 do artigo 18._, enquanto várias outras versões linguísticas utilizam termos diferentes em cada uma destas disposições.

(19) - Os recorrentes fazem referência, designadamente, aos acórdãos (relativos ao IVA) de 2 de Agosto de 1993, Comissão/França (C-276/91, Colect., p. I-4413), e de 20 de Outubro de 1993, Balocchi (C-10/92, Colect., p. I-5105).

(20) - No processo Garage Molenheide, a Bélgica sustentou que era esse poder de apreciação que impedia o artigo 18._, n._ 4, de ter efeito directo. Nas suas observações relativas aos três reenvios posteriores, não manteve esta afirmação (pelo menos expressamente).

(21) - Por exemplo, não é o serviço local do IVA a que pertence o contribuinte que conduz o inquérito e decide proceder à retenção, mas sim funcionários especializados da administração do IVA alheios a esse serviço local.

(22) - Embora o quinto parágrafo não utilize o termo «fraude», o advogado da Bélgica, na segunda audiência, indicou que as retenções baseadas no quinto parágrafo, na prática, estavam limitadas aos casos de fraude. São relativas aos casos em que a administração suspeita que foram comunicados «dados inexactos», o que torna possível a existência de uma dívida fiscal cuja extensão não pode ser determinada fácil e rapidamente. Segundo o advogado, esse não seria o caso para dívidas potenciais fundadas em simples imprecisões ou erros de cálculo constantes de declarações fiscais anteriores, dívidas cujo nível poderia ser calculado com relativa facilidade.

(23) - A Comissão refere-se, em particular, ao artigo 22._, n._ 8, e também aos artigos 13._, parte A, n._ 1, e parte B, n._ 1, 14._, n._ 1, e 15._

(24) - A Comissão refere-se, em especial, aos acórdãos de 10 de Abril de 1984, Comissão/Bélgica (324/82, Recueil, p. 1861), e de 7 de Abril de 1987, Comissão/França (196/85, Colect., p. 1597).

(25) - É igualmente referida a jurisprudência relativa à proporcionalidade das sanções infligidas por violação da regulamentação em matéria de IVA: acórdãos de 25 de Fevereiro de 1988, Drexl (299/86, Colect., p. 1213), e Comissão/França, já referido na nota 19. Na segunda audiência, foi também invocado o recente acórdão de 23 de Janeiro de 1997, Pastoors e Trans-Cap (C-29/95, Colect., p. I-285).

(26) - Embora o artigo 76._, n._ 1, primeiro e segundo parágrafos, do código pareça dar execução, na Bélgica, ao direito conferido pelo artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, o alcance destas disposições é limitado pelo artigo 76._, n._ 1, terceiro parágrafo, do código e pelo Decreto real n._ 4.

(27) - V., nomeadamente, acórdãos de 5 de Abril de 1979, Ratti (148/78, Recueil, p. 1629), e (mais recentemente) de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori (C-91/92, Colect., p. I-3325).

(28) - V., por exemplo, acórdãos de 19 de Janeiro de 1982, Becker (8/81, Recueil, p. 53), e de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz (C-62/93, Colect., p. I-1883).

(29) - N._ 34.

(30) - Acórdão BP Soupergaz (já referido na nota 28, n._ 35).

(31) - V. artigo 17._, n._ 1, da Sexta Directiva.

(32) - V. as conclusões do advogado-geral F. Mancini relativas ao processo Federatie Nederlandse Vakbeweging (acórdão de 4 de Dezembro de 1986, 71/85, Colect., p. 3855, especialmente n._ 3, p. 3867).

(33) - No processo Países Baixos/Federatie Nederlandse Vakbeweging, o órgão jurisdicional de reenvio perguntava ao Tribunal de Justiça se o artigo 4._, n._ 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 9 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174), tinha efeito directo. O que suscitava dúvidas era essencialmente o princípio da não discriminação enunciado pela directiva, porque só os Países Baixos tinham (pelo menos) quatro maneiras diferentes de o executarem. No entanto, o Tribunal de Justiça afastou a tese segundo a qual essa possibilidade de opção privava do seu carácter incondicional a obrigação imposta pela disposição em questão.

(34) - São estes os termos utilizados pelo Tribunal de Justiça para descrever a objecção suscitada pela Irlanda contra o efeito directo da Directiva 79/7 no âmbito do processo McDermott e Cotter (acórdão de 24 de Março de 1987, 286/85, Colect., p. 1453, n._ 15).

(35) - Acórdão de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o. (C-6/90 e C-9/90, Colect., p. I-5357, n._ 17). No acórdão BP Soupergaz (já referido na nota 28), o Tribunal de Justiça considerou que os artigos 11._, parte A, n._ 1, e parte B, n.os 1 e 2, e 17._, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva tinham efeito directo «apesar de o artigo 11._, parte B, n._ 2, conferir aos Estados-Membros a faculdade de adoptarem como matéria colectável o valor definido no Regulamento n._ 803/68» (conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs, n._ 48), porque «não deixam aos Estados-Membros nenhuma margem de apreciação quanto à sua aplicação» (n._ 35 do acórdão).

(36) - V., por exemplo, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655, n._ 16), e de 21 de Setembro de 1988, Comissão/França (50/87, Colect., p. 4797, n._ 15).

(37) - V. acórdão de 5 de Maio de 1982, Schul (15/81, Recueil, p. 1409, n._ 10).

(38) - É apresentado como um «elemento de base» do sistema no acórdão Rompelman (já referido na nota 36, n._ 16).

(39) - V. acórdão de 11 de Julho de 1991, Lennartz (C-97/90, Colect., p. I-3795, n._ 27).

(40) - V. acórdão Lennartz (já referido na nota 39, n._ 29).

(41) - Acórdão de 14 de Julho de 1988 (123/87 e 330/87, Colect., p. 4517).

(42) - Acórdão Jeunehomme e outros (já referido na nota precedente, n._ 16). O advogado-geral Sir Gordon Slynn reconheceu expressamente que «a Sexta Directiva não realizou uma harmonização completa de todas as normas relativas à administração do sistema do IVA» e que «o Conselho deixou aos Estados-Membros a possibilidade de exigir que constem da factura outros elementos necessários para o bom funcionamento do sistema, desde que as medidas adoptadas prossigam os objectivos visados pela directiva, não derroguem o regime comunitário e não lhe limitem o alcance» (conclusões no mesmo processo, Colect., p. 4533).

(43) - Acórdão de 5 de Dezembro de 1996 (C-85/95, Colect., p. I-6257).

(44) - Acórdão Reisdorf (já referido na nota precedente, n._ 24).

(45) - Acórdão Reisdorf (já referido na nota 43, n._ 26).

(46) - Acórdão já referido na nota 36.

(47) - Mesmo acórdão (n._ 16).

(48) - 324/82, Recueil, p. 1861.

(49) - Mesmo acórdão (n._ 29). Observe-se que as medidas em causa nesse processo existiam já em 1 de Janeiro de 1977, de modo que são abrangidas pelas disposições transitórias do artigo 27._, n._ 5. No entanto, não há motivo para supor que o Tribunal de Justiça teria adoptado uma posição diferente se o artigo 27._, n._ 5, não tivesse sido aplicável; v., quanto a este aspecto, as conclusões que apresentei em 27 de Fevereiro de 1997 no processo Skripalle (acórdão de 29 de Maio de 1997, C-63/96, Colect., p. I-2847), especialmente os n.os 25 a 28.

(50) - Acórdão referido na nota 19.

(51) - Acórdão de 15 de Outubro de 1987, Heylens (222/86, Colect., p. 4097, n.os 14 e 15).

(52) - V. o n._ 65 das conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs relativas aos processos Werner (C-70/94, Colect. 1995, p. I-3189) e Leifer e o. (C-83/94, Colect. 1995, p. I-3231).

(53) - Acórdão já referido na nota 24 (n._ 29).

(54) - Acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck (C-312/93, Colect., p. I-4599, n._ 12).

(55) - Ibidem.

(56) - Ibidem.

(57) - C-213/89, Colect., p. 2433, n._ 21.