Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

Advertência jurídica importante

|

61995C0018

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 30 de Abril de 1998. - F.C. Terhoeve contra Inspecteur van de Belastingdienst Particulieren/Ondernemingen buitenland. - Pedido de decisão prejudicial: Gerechtshof 's-Hertogenbosch - Países Baixos. - Livre circulação dos trabalhadores - Imposição conjugada que inclui o imposto sobre o rendimento e as contribuições para a segurança social - Não aplicação aos trabalhadores que transferem a sua residência de um Estado-Membro para outro de um limite máximo das contribuições para a segurança social aplicável aos trabalhadores que não exerceram o seu direito de livre circulação - Compensação eventual com benefícios em matéria do imposto sobre o rendimento - Incompatibilidade eventual com o direito comunitário - Consequências. - Processo C-18/95.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-00345


Conclusões do Advogado-Geral


1. As questões prejudiciais sobre as quais deve pronunciar-se o Tribunal de Justiça neste processo foram submetidas pelo Gerechtshof te 's-Hertogenbosch dos Países Baixos (a seguir «Gerechtshof») e suscitaram-se no âmbito de um recurso interposto por F. C. Terhoeve de uma decisão do hoofd van de eenheid particulieren/ondernemingen buitenland van de Rijksbelastingdienst (chefe da secção particulares, empresas, estrangeiro, da Administração da Fazenda Pública) referente à cobrança conjugada do imposto sobre o rendimento e da contribuição para a segurança social de que foi objecto no que toca ao ano de 1990, durante o qual teve a qualidade de contribuinte não residente nos Países Baixos.

I - Os factos do litígio na causa principal

2. Conforme se depreende dos documentos constantes dos autos, o recorrente é um nacional neerlandês que, entre 1 de Janeiro e 6 de Novembro de 1990, residiu e trabalhou no Reino Unido, enviado pela sua empresa, que está estabelecida nos Países Baixos. A partir de 7 de Novembro de 1990 e até ao final desse ano, F. C. Terhoeve residiu e trabalhou nos Países Baixos.

3. De acordo com o previsto na convenção bilateral celebrada entre esses Estados para evitar a dupla tributação, os rendimentos do trabalho auferidos no Reino Unido por F. C. Terhoeve não foram sujeitos ao imposto sobre o rendimento nos Países Baixos. Contudo, esses rendimentos foram-lhe computados para o estabelecimento da base de cálculo das contribuições para a segurança social referentes ao período em que trabalhou no Reino Unido, durante o qual continuou a estar sujeito à legislação de segurança social dos Países Baixos.

Enquanto trabalhou no estrangeiro, foi considerado nos Países Baixos como contribuinte não residente, pelo que ficaram sujeitos a imposto nesse Estado apenas os rendimentos auferidos no interior do país. A partir de 7 de Novembro de 1990, voltou a ser considerado como sujeito passivo residente nos Países Baixos.

4. Tendo em conta o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), F. C. Terhoeve continuou sujeito, com carácter obrigatório e durante todo o ano de 1990, à legislação de segurança social dos Países Baixos, apesar de ter trabalhado no Reino Unido a maior parte do tempo.

5. Em 29 de Abril de 1992, foi objecto nos Países Baixos de uma liquidação conjugada do imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social referentes ao período compreendido entre 7 de Novembro e 31 de Dezembro de 1990, durante o qual tinha tido a qualidade de sujeito passivo residente. Os rendimentos auferidos nesse período e sujeitos a tributação ascenderam a 15 658 HFL, aos quais foram deduzidos 9 136 HFL, redução que lhe era aplicável à época, com o resultado de uma matéria colectável no montante de 6 522 HFL.

Aplicando a esse montante uma taxa de 13%, correspondente ao imposto sobre o rendimento, e uma taxa de 22,1%, correspondente às contribuições para a segurança social, obteve-se um montante global de 2 288 HFL, decomposto nas parcelas de 847 HFL e 1 441 HFL, respectivamente. Segundo informa o Gerechtshof no seu despacho de reenvio, F. C. Terhoeve, que tinha apresentado uma reclamação contra essa liquidação, retirou-a posteriormente, pelo que ela se tornou definitiva.

6. O litígio ora pendente no Gerechtshof tem origem na liquidação conjugada do imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social à qual procedeu a Administração da Fazenda Pública em 30 de Junho de 1992 e referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 6 de Novembro de 1990, durante o qual F. C. Terhoeve teve a qualidade de sujeito passivo não residente.

7. A liquidação do imposto sobre o rendimento foi feita com base numa matéria colectável de 16 201 HFL, proveniente, exclusivamente, dos rendimentos auferidos nos Países Baixos e consistentes nos rendimentos do seu trabalho e nos do seu capital imobiliário.

Para a liquidação das contribuições para a segurança social, pelo contrário, computaram-se, além desses rendimentos, os salários auferidos no Reino Unido, o que teve por resultado uma base de cálculo, para esse efeito, no montante de 98 201 HFL. Dado que a taxa de 22,1% correspondente às contribuições se aplica unicamente sobre o primeiro escalão dos rendimentos, que para esse período se situava em 42 123 HFL, o montante que tinha de pagar a esse respeito foi fixado em 9 309 HFL, que era, para o ano 1990, o limite máximo de contribuição.

8. Conforme se depreende das observações que foram apresentadas na causa principal, a fixação de um limite máximo de contribuição para a segurança social explica-se pelo facto de o montante das prestações concedidas pelas entidades gestoras da segurança social ser independente das quantias com que o interessado contribui. Ao fixar este limite, o legislador neerlandês pretendeu evitar que uma pessoa que aufira rendimentos muito altos se veja obrigada a pagar contribuições muito elevadas, calculadas em termos de uma percentagem sobre os seus rendimentos globais, sem que possa, em contrapartida, beneficiar de prestações proporcionais a essas contribuições.

9. A divergência entre as partes no litígio no processo principal centra-se no cálculo da contribuição para a segurança social referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 6 de Novembro de 1990. O tribunal nacional deve esclarecer, em primeiro lugar, se a Administração da Fazenda Pública procedeu em conformidade com o direito, ao considerar os rendimentos provenientes do exercício de uma actividade assalariada no Reino Unido como rendimentos sujeitos ao pagamento da contribuição durante esse período. Em seguida e em caso de resposta afirmativa, terá de decidir se a taxa de 22,1% se deve aplicar ao montante de 42 123 HFL, o que significaria que F. C. Terhoeve teria de pagar a quantia máxima de contribuição, isto é, 9 309 HFL, ou se, seguindo a tese do interessado, esse montante deve ser reduzido proporcionalmente, em razão dos dias de 1990 sobre os quais incide a liquidação.

10. F. C. Terhoeve alega que, em 1990, não auferiu os seus rendimentos na totalidade nem na quase totalidade nos Países Baixos e considera-se vítima de uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, proibida pelo artigo 48.° do Tratado CE. No seu recurso, pede a anulação da liquidação recorrida e a redução da base de cálculo das contribuições para o montante 16 201 HFL, quantia a que ascendem os rendimentos obtidos nos Países Baixos no período controvertido e, a título subsidiário, para o de 35 804 HFL, que correspondente à parte proporcional da base de cálculo máxima, que era nesse ano de 42 123 HFL, tendo em conta os dias de 1990 a que se refere a liquidação, ou seja, os compreendidos entre 1 de Janeiro e 6 de Novembro.

II - A legislação nacional

11. No seu despacho de reenvio, o Gerechtshof expõe que, em 1990, foi radicalmente alterado o regime da cobrança do imposto sobre o rendimento e das contribuições para o regime de segurança social, a fim de o simplificar. A partir desse ano, tanto esse imposto como as referidas contribuições são cobrados mediante uma liquidação conjugada. Regra geral, a base de cálculo das contribuições coincide com a matéria colectável do imposto sobre o rendimento, estando ambas as cobranças estreitamente relacionadas, já que as contribuições só se cobram sobre os rendimentos abrangidos pelo primeiro escalão do imposto sobre o rendimento.

12. O artigo 62.° da Wet op de inkomstenbelasting (lei do imposto sobre os rendimentos) dispõe que, quando, no decurso de um ano civil, um sujeito passivo tenha sucessivamente a qualidade de contribuinte residente e de contribuinte não residente se procederá a duas liquidações separadas deste imposto, uma para a totalidade dos rendimentos obtidos na qualidade de contribuinte residente e a outra para os rendimentos obtidos nos Países Baixos durante o período em que se é considerado contribuinte não residente. Se durante todo esse ano o contribuinte esteve sujeito à legislação da segurança social nos Países Baixos, deve proceder-se também a duas liquidações no que toca às contribuições para o regime geral da segurança social. Não se prevê qualquer redução, proporcional ao período a que corresponde a liquidação, sobre o primeiro escalão do imposto sobre o rendimento e que constitui a base de cálculo das contribuições.

13. A cobrança das contribuições para o regime geral da segurança social rege-se pela Wet financiering volksverzekeringen (lei do financiamento da segurança social). De acordo com o disposto no seu artigo 8.° , os rendimentos sujeitos a contribuição coincidem com a totalidade dos rendimentos sujeitos a imposto ou, consoante o caso, com os rendimentos auferidos nos Países Baixos e sujeitos a imposto. Esta disposição não regula a cobrança das contribuições no caso de a pessoa segurada com carácter obrigatório auferir rendimentos que não estão sujeitos a imposto nos Países Baixos. Contudo, o artigo 6.° do Uitvoeringsregeling premieheffing volksverzekeringen de 1990, decreto que dá execução a essa lei, amplia o conceito dos rendimentos sujeitos a contribuição, ao dispor que a pessoa que esteja segurada em virtude de actividades cujos rendimentos não estejam sujeitos ao imposto sobre o rendimento será considerada, para efeitos de cobrança das contribuições, como estando sujeita ao imposto sobre o rendimento também em relação a esses rendimentos. Para essas pessoas, os rendimentos líquidos obtidos com as actividades pelas quais estão seguradas são acrescentados aos rendimentos de origem interna que estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento.

14. Na prática, esta regulamentação tem como consequência serem efectuadas duas liquidações conjugadas para as pessoas que, no decurso de um ano civil, estiveram sujeitas ao imposto sobre o rendimento nos Países Baixos, sucessivamente, como sujeito passivo residente e como sujeito passivo não residente, ou vice-versa. Para os contribuintes que permanecem segurados no regime obrigatório da segurança social durante todo o ano, em cada uma dessas liquidações ter-se-á em conta a base de cálculo máxima aplicável às contribuições. Consoante as circunstâncias de cada caso concreto, este regime pode ter como consequência que a importância total que se exige do interessado a título das contribuições supere a quantia máxima que se obtém aplicando a taxa das contribuições ao primeiro escalão de rendimentos. O exemplo de F. C. Terhoeve ilustra bem estes efeitos perversos: para o ano de 1990, pretende-se que contribua, no que toca ao período em que foi sujeito passivo não residente, com 9 309 HFL, que era a quantia máxima a que podiam ascender as contribuições de um ano e que se obtém aplicando a taxa de 22,1% ao primeiro escalão de rendimentos, fixado, para esse ano, em 42 123 HFL, e, para o período em que foi sujeito passivo residente, uma quantia adicional de 1 441 HFL. Ora bem, se F. C. Terhoeve tivesse tido durante todo esse ano a qualidade de sujeito passivo residente, sujeito ao mesmo regime da segurança social neerlandesa, só lhe teriam sido exigidos, no máximo, 9 309 HFL a título das contribuições. É certo que este inconveniente pode ser compensado, segundo as circunstâncias, pelo facto de os rendimentos de cada período serem sujeitos ao imposto sobre o rendimento de forma separada, o que pode ter como resultado a aplicação de taxas de imposição menos elevadas.

III - As questões prejudiciais submetidas

15. A fim de decidir deste litígio, o Gerechtshof submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) As disposições do direito comunitário em matéria de livre circulação de trabalhadores são aplicáveis a uma pessoa que tem a nacionalidade de um Estado-Membro, que no decurso do ano transfere a sua residência de outro Estado-Membro para o Estado-Membro de que é nacional e que durante o referido ano exerceu sucessivamente uma actividade assalariada em cada um destes Estados-Membros quando não tenha obtido no referido ano a maior parte dos seus rendimentos em apenas um destes Estados-Membros?

2) a) Resulta das normas do direito comunitário e, em especial, dos artigos 7.° e 48.° , n.° 2, do Tratado CEE e do artigo 7.° , n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 , no que toca à aplicação de uma regulamentação que prejudica os emigrantes e imigrantes no que respeita às contribuições para a segurança social, que se deve partir da presunção de que o referido prejuízo afecta principalmente os nacionais de outros Estados-Membros?

b) Em caso de resposta afirmativa à questão n.° 2, alínea a), trata-se de uma presunção iuris tanto ou iuris et de iure?

c) Caso se trate de uma presunção iuris tanto, os meios para a ilidir são exclusivamente regulados pelo direito processual interno, em especial pelas normas em matéria de direito probatório do Estado-Membro em questão, ou o direito comunitário estabelece também requisitos a este respeito?

d) Caso o direito comunitário estabeleça requisitos quanto à possibilidade de ilidir esta presunção, que significado têm então, nos presentes autos, as seguintes circunstâncias:

- o organismo público recorrido afirmou que quase metade da categoria muito mais ampla dos sujeitos passivos residentes no estrangeiro é constituída pelos próprios nacionais, sem trazer aos autos os dados em que baseia essa afirmação;

- o recorrente, que invoca uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, não negou a exactidão da afirmação do organismo público; e

- o organismo público recorrido encontra-se numa situação consideravelmente melhor do que a do interessado para recolher dados que, eventualmente, podem servir para ilidir a referida presunção?

3) Existe qualquer norma de direito comunitário que, independentemente de se verificar ou não uma discriminação (indirecta) em razão da nacionalidade, se oponha a que um Estado-Membro cobre a um trabalhador assalariado, que no decurso do ano civil transfira a sua residência do referido Estado-Membro para outro Estado-Membro ou vice-versa, uma contribuição para o regime geral da segurança social correspondente ao ano de migração superior à que cobrará a um trabalhador assalariado que se encontre nas mesmas circunstâncias durante todo esse ano de referência mas mantenha a sua residência apenas num único Estado-Membro?

4) Caso uma contribuição de montante mais elevado, como a referida na questão anterior, seja, em princípio, contrária ao disposto no artigo 7.° ou no artigo 48.° , n.° 2, do Tratado CEE ou em qualquer outra norma do direito comunitário, pode essa medida ser justificada por uma ou várias das seguintes circunstâncias, consideradas ou não em conjugação mútua:

- a medida resulta de uma regulamentação que, para simplificar a cobrança, faz coincidir em grande medida, senão na sua totalidade, a cobrança do imposto sobre o rendimento com a da contribuição para o regime geral da segurança social;

- soluções que, sem prejuízo da referida coincidência, podem contrariar a referida contribuição de montante mais elevado, conduzem a problemas técnicos de execução ou à possibilidade de uma compensação excessiva;

- em certos casos, mas não no presente, a carga conjunta do imposto sobre o rendimento e da contribuição para o regime geral da segurança social, correspondentes ao ano de migração, será inferior para os emigrantes e imigrantes do que para as pessoas que nas mesmas circunstâncias mantêm todo o ano a mesma residência?

5) a) Caso uma contribuição de montante mais elevado, como a referida na questão n.° 3, seja contrária ao artigo 7.° ou ao n.° 2 do artigo 48.° do Tratado CEE ou a qualquer outra norma do direito comunitário, para determinar se, efectivamente, no caso concreto se verifica uma contribuição mais elevada, devem ter-se apenas em conta os rendimentos do trabalho ou também outros rendimentos do interessado, como as rendas de bens imóveis?

b) Caso não haja que tomar em consideração outros rendimentos distintos dos da remuneração do trabalho, de que modo se deve determinar se e em que medida a contribuição cobrada sobre os rendimentos do trabalho conduz a um prejuízo para o trabalhador migrante em questão?

6) a) Se no presente caso se verifica uma infracção a qualquer norma do direito comunitário, está o tribunal nacional obrigado a anular a referida infracção, ainda que para tal tenha que optar entre várias alternativas que têm todas vantagens e inconvenientes?

b) Caso, para esse efeito, deva o tribunal nacional no presente caso anular uma infracção ao direito comunitário, oferece este direito indícios quanto à opção que esse tribunal deve fazer entre as soluções possíveis?»

IV - A legislação comunitária

16. O artigo 7.° do Tratado CEE, que passou a ser o artigo 6.° do Tratado CE , dispõe no seu primeiro parágrafo:

«No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

O n.° 2 do artigo 48.° do Tratado estabelece:

«2. A livre circulação dos trabalhadores [dentro da Comunidade] implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.»

17. O título II do Regulamento n.° 1408/71 contém um sistema completo de normas de conflito destinadas a determinar a legislação aplicável às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação. Segundo dispõe o artigo 13.° :

«1. Sem prejuízo do disposto no artigo 14.° -C, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-Membro. Esta legislação será determinada em conformidade com as disposições do presente título.

2. Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° a 17.° :

a) A pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação deste Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro ou se a empresa ou a entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado-Membro;

...»

No que aqui interessa, o seu artigo 14.° , ao estabelecer as regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma actividade assalariada, não sendo pessoal do mar, dispõe:

«A regra enunciada no n.° 2, alínea a), do artigo 13.° é aplicada tendo em conta as seguintes excepções e particularidades:

1. a) A pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro, ao serviço de uma empresa de que normalmente depende, e que seja destacada por esta empresa para o território de outro Estado-Membro a fim de aí efectuar um trabalho por conta desta última continua sujeita à legislação do primeiro Estado-Membro, desde que o período previsível desse trabalho não exceda doze meses e que não seja enviada em substituição de outra pessoa que tenha terminado o período do seu destacamento;

b) Se o período do trabalho a efectuar se prolongar, devido a circunstâncias imprevisíveis, para além do período inicialmente previsto e vier a exceder doze meses, a legislação do primeiro Estado-Membro continua a ser aplicável até à conclusão desse trabalho, desde que a autoridade competente do Estado-Membro em cujo território o interessado estiver destacado ou o organismo designado por esta autoridade tenha dado o seu consentimento; este consentimento deve ser solicitado antes do fim do período inicial de doze meses. Todavia, o referido consentimento não pode ser dado por um período superior a doze meses;

...»

18. Por outro lado, o artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68 prevê:

«1. O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

...»

V - Exame das questões prejudiciais

19. Apresentaram observações escritas neste processo o recorrente na causa principal, o Governo dos Países Baixos e a Comissão. A administração recorrida informou o Tribunal de Justiça de que fazia suas e aderia às observações apresentadas pelo seu governo. Na audiência, celebrada em 17 de Março de 1998, compareceram os representantes do recorrente na causa principal, do Governo dos Países Baixos e da Comissão.

Quanto à primeira questão

20. Deduzo das considerações que faz o Gerechtshof no seu despacho de reenvio que, com a primeira questão, pretende saber se um trabalhador tem legitimidade para invocar as disposições do direito comunitário em matéria de livre circulação contra o Estado-Membro de que é nacional quando, estando empregado numa empresa estabelecida nesse Estado, tenha sido destacado por um período inferior a um ano para o território de outro Estado-Membro a fim de aí efectuar um trabalho por conta dessa empresa. O Gerechtshof acrescenta que os rendimentos obtidos por esse trabalhador ao longo do período considerado não o foram na sua maior parte num só desses Estados-Membros.

21. O recorrente no processo principal afirma que os cidadãos de um Estado-Membro podem invocar o direito comunitário contra o seu próprio Estado, caso exerçam ou tenham exercido actividades económicas noutro Estado-Membro. Tal é precisamente o seu caso, já que, cidadão dos Países Baixos, residiu e trabalhou no Reino Unido.

22. O Governo neerlandês propõe uma resposta afirmativa a esta questão; acrescenta que a precisão que faz o tribunal nacional, relativamente ao facto de o interessado não ter recebido em 1990 a maior parte dos seus rendimentos num dos dois Estados-Membros, carece de relevância para a resposta a esta questão.

23. A Comissão é de opinião que, numa situação como a de F. C. Terhoeve, existem, a priori, pontos suficientes de conexão com o direito comunitário. Ao deslocar-se para o Reino Unido para aí residir e trabalhar, o interessado exerceu o seu direito de livre circulação e tanto basta para diferenciar a sua situação da de outros nacionais comunitários que nunca usaram desse direito.

24. Estou de acordo com a opinião expressa pela Comissão. A possibilidade de um nacional de um Estado-Membro, que exerceu uma das liberdades que lhe concede o Tratado, invocar o direito comunitário contra o Estado do qual é nacional foi reconhecida, efectivamente, por este Tribunal em numerosas decisões. Assim, já no acórdão Knoors , no qual estava em causa um nacional neerlandês que desejava estabelecer-se nos Países Baixos fazendo valer a habilitação profissional que tinha adquirido na Bélgica, declarou que, se é verdade que as disposições do Tratado em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços não podem ser aplicadas a situações puramente internas, não pode interpretar-se a referência que o artigo 52.° faz aos «nacionais de um Estado-Membro» que pretendam estabelecer-se no «território de outro Estado-Membro» de modo a excluir do âmbito de aplicação do direito comunitário os próprios nacionais de um determinado Estado-Membro, quando estes, pelo facto de terem regularmente residido no território de outro Estado-Membro e de aí terem adquirido uma qualificação profissional, se encontram, relativamente ao seu Estado-Membro de origem, numa situação equiparável à de todas as outras pessoas que beneficiam dos direitos e liberdades garantidos pelo Tratado.

Esta afirmação foi reiterada nos acórdãos Bouchoucha , Kraus , em que o Tribunal acrescentou que o mesmo raciocínio devia ser seguido no que toca ao artigo 48.° do Tratado, Scholz , no qual confirmou que qualquer nacional comunitário, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha usado do direito da livre circulação de trabalhadores e que tenha exercido uma actividade profissional noutro Estado-Membro, é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 48.° do Tratado, e Asscher , no qual considerou esta jurisprudência aplicável a um nacional de um Estado-Membro que exercia uma actividade não assalariada noutro Estado-Membro, no qual residia, pelo que podia invocar o artigo 52.° do Tratado contra o seu Estado de origem, em cujo território exercia outra actividade não assalariada.

25. No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Broekmeulen que a livre circulação de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços, garantidas pelo artigo 3.° , alínea c), e pelos artigos 48.° , 52.° e 59.° do Tratado, que constituem liberdades fundamentais no âmbito do sistema comunitário, não poderiam ser plenamente atingidas se os Estados-Membros pudessem negar a fruição das disposições do direito comunitário aos seus nacionais que tenham feito uso das facilidades existentes em matéria de circulação e de estabelecimento.

26. Diferentemente do que sucedia no caso do Sr. Werner, nacional alemão que tinha obtido na Alemanha os seus diplomas e a sua habilitação profissional e cujas actividades laborais se tinham desenvolvido sempre nesse país e em relação ao qual o único elemento de carácter estrangeiro era constituído pela sua residência nos Países Baixos, razão pela qual o Tribunal de Justiça interpretou que se tratava de uma situação puramente interna a que não se aplicava o artigo 52.° do Tratado , no processo que estou a examinar, F. C. Terhoeve, de nacionalidade neerlandesa, exerceu o seu direito à livre circulação que lhe é reconhecido pelo Tratado a partir do momento em que se deslocou para o Reino Unido para aí trabalhar, entre 1 de Janeiro e 6 de Novembro de 1990, por conta da sua empresa, estabelecida nos Países Baixos, regressando a seguir a esse Estado-Membro para aí continuar a exercer uma actividade assalariada.

27. Por esta razão, considero que F. C. Terhoeve tem o direito de invocar, contra o seu Estado de origem, as normas do Tratado relativas à livre circulação de trabalhadores, carecendo de relevância, para esse efeito, que o interessado tenha ou não obtido, durante o período considerado, a maior parte dos seus rendimentos num só desses Estados.

Quanto à segunda questão

28. Com esta questão, entendo que o tribunal nacional pergunta, em substância, se a legislação neerlandesa controvertida produz uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade que afecta principalmente os cidadãos de outros Estados-Membros. Esta legislação prevê que a um trabalhador na situação em que se encontrou F. C. Terhoeve em 1990 será efectuada uma liquidação conjugada do imposto sobre o rendimento e das contribuições para o regime geral da segurança social no que toca ao período durante o qual tenha tido a qualidade de sujeito passivo residente e outra, para os mesmos fins, referente ao período durante o qual teve a qualidade de sujeito passivo não residente, o que pode acarretar que as suas contribuições relativas a esse ano superem o limite máximo a que estaria sujeito caso tivesse tido a qualidade de sujeito passivo residente durante todo o ano.

29. O recorrente no processo principal sustenta que essa legislação, que se aplica independentemente da nacionalidade mas que estabelece uma distinção em função da residência, é discriminatória. Afirma que a obrigação de pagar no decurso de um ano, em termos das contribuições para o regime geral da segurança social, um montante superior ao limite máximo anual é imposta devido à mudança de domicílio do interessado, que implica uma alteração da sua situação fiscal, por deixar de ser contribuinte residente e se converter em contribuinte não residente, ou vice-versa. Essa alteração não deveria ter qualquer incidência sobre as contribuições, já que o interessado esteve, no decurso de todo o ano, inscrito com carácter obrigatório no regime geral da segurança social neerlandesa. Apesar disso, e pelo facto de ter sido sujeito passivo residente e sujeito passivo não residente no decurso do mesmo ano, em relação ao qual teve que pagar 1 441 HFL e 9 309 HFL a título das contribuições, recebeu pior tratamento do que uma pessoa que foi sujeito passivo residente durante todo o ano e à qual não se pôde exigir o pagamento de mais do que 9 309 HFL, que era o limite máximo da contribuição para o ano de 1990.

Em sua opinião, é principalmente aos trabalhadores migrantes, categoria constituída na sua maioria por cidadãos de outros Estados-Membros, que se aplica a legislação controvertida, sendo estes que deverão pagar contribuições para o regime geral da segurança social superiores ao limite máximo anual.

30. O Governo neerlandês expõe que os trabalhadores migrantes só sofrem um tratamento desfavorável quando estejam reunidas determinadas circunstâncias e que a cobrança das contribuições para o regime geral da segurança social deve ser examinada no seu contexto, em relação ao qual há que tomar em conta a cobrança conjunta do imposto sobre o rendimento e das contribuições. Ao contrário do que sucede com as contribuições para o regime da segurança social dos trabalhadores assalariados, as contribuições para o regime geral da segurança social baseiam-se no princípio da solidariedade e apresentam algumas afinidades com os impostos. Assim, cobram-se conjuntamente com o imposto sobre o rendimento e a base de cálculo, que não se limita aos salários mas compreende todo o tipo de rendimentos, coincide nos dois casos.

Afirma, seguidamente, que o que está em jogo neste caso é a necessidade de garantir a coerência do regime fiscal, do qual fazem parte as normas que regem a cobrança de fundos com destino ao regime geral da segurança social e que, em função de múltiplas circunstâncias individuais, o sistema pode ter consequências favoráveis, quando, por exemplo, devido ao facto de se efectuarem duas liquidações num ano, a progressividade do imposto sobre o rendimento é atenuada, ou desfavoráveis. Conclui afirmando que não está de forma nenhuma demonstrado que os inconvenientes deste sistema de cobrança afectem principalmente os nacionais de outros Estados-Membros e que, na realidade, as pessoas afectadas são, na sua maioria, nacionais neerlandeses.

31. A Comissão é de opinião que a legislação neerlandesa examinada não produz qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

32. Posso dizer, desde já, que estou de acordo com a Comissão quando afirma que a legislação neerlandesa controvertida não produz uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade.

33. A título preliminar, quero recordar que, tendo em conta a jurisprudência reiterada deste Tribunal, o artigo 6.° do Tratado, que consagra o princípio geral que proibe a discriminação em razão da nacionalidade, apenas tem vocação para se aplicar de modo autónomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação . Ora bem, no âmbito da livre circulação de trabalhadores, o princípio da igualdade de tratamento foi aplicado e concretizado pelo n.° 2 do artigo 48.° do Tratado, que estabelece a abolição de toda e qualquer discriminação no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

É, portanto, desnecessário, neste caso, recorrer ao artigo 6.° do Tratado para dar resposta às questões prejudiciais submetidas pelo Gerechtshof.

34. Em minha opinião, tão-pouco é necessário recorrer ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, a que também se refere o órgão jurisdicional nacional que submeteu as questões prejudiciais que estou a examinar. Com efeito, esta disposição obriga os Estados-Membros a conceder aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros as mesmas vantagens sociais e fiscais que aos seus próprios nacionais. Contudo, no presente processo, discute-se o montante que deve pagar F. C. Terhoeve a título da contribuição para o regime geral da segurança social nos Países Baixos, a qual, apesar de se calcular tendo em conta o primeiro escalão da matéria colectável para efeitos do imposto sobre o rendimento, nem por isso deixa de se tratar da contribuição para um sistema de segurança social de um dos Estados-Membros. Por essa razão, no caso de se ter de recorrer, para dar resposta às questões, a uma disposição diferente da do artigo 48.° do Tratado, sou da opinião de que seria mais pertinente referir-se ao n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71, que formula o princípio fundamental da não discriminação em matéria de segurança social.

35. Como decorre também da jurisprudência do Tribunal de Justiça, as normas sobre a igualdade de tratamento do Tratado não proíbem apenas as discriminações manifestas com base na nacionalidade, mas ainda qualquer forma de discriminação dissimulada que, aplicando outros critérios de diferenciação, conduza, de facto, ao mesmo resultado. Portanto, não se exclui que os efeitos práticos de critérios tais como o lugar de proveniência ou o domicílio de um trabalhador possam conduzir, segundo as circunstâncias, a uma discriminação em razão da nacionalidade proibida pelo Tratado .

36. Nos processos em que o Tribunal de Justiça apreciou a existência de uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, foi com frequência o critério da residência que conduziu à discriminação, ao tratar-se de uma condição que, normalmente, satisfazem com maior facilidade os próprios nacionais do que os trabalhadores migrantes nacionais de outros Estados-Membros . Esta é a razão que subjaz às reflexões que faz o tribunal nacional no seu despacho de reenvio e às observações que, sobre esta questão, apresentou o recorrente no processo principal.

37. Observo, contudo, que, para que um trabalhador que faz uso do seu direito de livre circulação saia prejudicado pela aplicação da legislação neerlandesa controvertida, deve cumprir duas condições, a saber, que no decurso de um ano civil seja primeiro um sujeito passivo residente e seguidamente um sujeito passivo não residente nos Países Baixos, ou vice-versa, e que, last but not least, apesar de trabalhar e residir noutro Estado-Membro, não deixe de estar sujeito à legislação neerlandesa sobre o regime geral de segurança social.

38. A regra geral pela qual se determina a legislação de segurança social aplicável a um trabalhador migrante consta da alínea a) do n.° 1 do artigo 13.° do Regulamento n.° 1408/71, e consiste em sujeitar a pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro à legislação deste Estado, mesmo de residir no território de outro Estado-Membro ou ainda se a empresa ou a entidade patronal que o emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado-Membro.

39. Pela aplicação desta regra geral, o trabalhador migrante está sujeito à legislação de segurança social do Estado-Membro em que trabalha. Daí deduzo que os nacionais de outros Estados-Membros que trabalham nos Países Baixos durante uma parte do ano, deslocando-se a seguir por motivos de trabalho para outro Estado-Membro, não serão prejudicados pela legislação controvertida, já que deixarão de estar sujeitos à legislação de segurança social neerlandesa no momento em que começarem a trabalhar nesse outro Estado, devendo pagar as contribuições unicamente para o período em que estiveram sujeitos a ela. O mesmo sucederá com aqueles trabalhadores que, tendo trabalhado uma parte do ano noutro Estado-Membro, se deslocam por motivos de trabalho para os Países Baixos. São estes os casos mais típicos de trabalhadores migrantes que serão, na sua maioria, nacionais de outros Estados-Membros.

40. A situação do nacional de um Estado-Membro que é destacado pela sua empresa, nas condições em que foi F. C. Terhoeve, vem prevista expressamente como excepção a essa regra geral no n.° 1 do artigo 14.° do Regulamento n.° 1408/71. Como decorre do terceiro considerando da Decisão n.° 162 da Comissão Administrativa das Comunidades Europeias para a Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes , esta excepção tem por objectivo «...evitar, tanto aos trabalhadores como às entidades patronais e às instituições de segurança social, as dificuldades administrativas que resultariam da aplicação da regra geral consagrada no n.° 2, alíneas a) ou c), do artigo 13.° do referido regulamento [n.° 1408/71], quando se trate de um período de emprego de curta duração num Estado-Membro... que não aquele em que a empresa tem a sua sede ou um estabelecimento».

41. Em minha opinião, os trabalhadores migrantes que podem ser prejudicados pela aplicação da legislação neerlandesa controvertida serão, na sua maior parte, trabalhadores assalariados empregados no território dos Países Baixos ao serviço de uma empresa radicada nesse Estado que sejam destacados para o território de outro Estado-Membro pela sua entidade patronal para ali efectuar um trabalho por conta desta e por um período de tempo limitado e relativamente curto.

Isso acontecerá quando, por aplicação do n.° 1 do artigo 14.° do Regulamento n.° 1408/71, continuarem sujeitos à legislação de segurança social neerlandesa durante o período de tempo em que trabalham noutro Estado-Membro, o que terá como consequência que, por aplicação da legislação vigente a partir de 1990, serão efectuadas duas liquidações conjugadas, uma para o imposto sobre o rendimento e outra para as contribuições para a segurança social, podendo ser obrigados, como aconteceu a F. C. Terhoeve, a pagar contribuições superiores ao limite máximo que lhes teria sido exigível, para o mesmo fim, se não tivessem feito uso do seu direito de livre circulação.

42. Concluo que, regra geral, serão trabalhadores de nacionalidade neerlandesa os que se encontrarão nessa situação. Em todo caso, nada leva a pensar que se trata de uma disposição nacional que possa, sequer potencialmente, prejudicar em maior medida os trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros. Por essa razão, não se pode dizer que produza uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade.

43. Mas poderá um Estado-Membro obrigar um trabalhador na situação de F. C. Terhoeve a pagar contribuições para o seu regime de segurança social que ultrapassam o limite máximo que lhe seria exigível caso, no período considerado, não tivesse feito uso do seu direito de livre circulação? Este é, precisamente, o objecto da terceira questão.

Quanto à terceira questão

44. Com esta questão, entendo que o tribunal nacional pretende saber se o direito comunitário se opõe a que um Estado-Membro imponha a um nacional comunitário, incluindo a um dos seus próprios cidadãos, que tenha feito uso do seu direito de livre circulação, o pagamento de uma contribuição para um regime de segurança social que ultrapasse o limite máximo que se exige aos trabalhadores que não fizeram uso desse direito.

45. O recorrente no processo principal considera que um aumento dos encargos financeiros pode constituir um obstáculo ao exercício do direito de livre circulação.

46. O Governo neerlandês sustenta que o trabalhador hipotético a que se refere a questão prejudicial, que transfere a sua residência, não fica sujeito ao pagamento de contribuições mais elevadas em todos os casos e que, mesmo quando assim seja, os efeitos desfavoráveis não são permanentes, mas produzem-se unicamente no ano em que residiu, temporariamente, no estrangeiro.

47. A Comissão é de opinião que a legislação neerlandesa controvertida, ou, pelo menos, a maneira como se aplica, suprime, no que se refere aos trabalhadores que, no decurso do ano civil, exerceram o seu direito de livre circulação, uma vantagem de segurança social como é o direito de que goza um trabalhador que tenha trabalhado durante todo o ano nos Países Baixos, de não pagar, a título de contribuições para o regime geral de segurança social, mais do que o limite máximo estabelecido para o período considerado. Conclui afirmando que esta situação pode ter como efeito impedir que um trabalhador exerça o seu direito de livre circulação e que a legislação neerlandesa, ou a forma como se aplica, constitui um obstáculo à liberdade de circulação de trabalhadores, incompatível com as disposições constantes dos artigos 48.° a 51.° do Tratado.

48. Também a este respeito, sou da mesma opinião que a Comissão. De acordo com uma jurisprudência consolidada, a livre circulação de trabalhadores constitui um dos princípios fundamentais da Comunidade e as disposições do Tratado que garantem essa liberdade produzem efeito directo a partir do termo do período transitório . Este Tribunal também considerou que o conjunto das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visa facilitar aos nacionais comunitários o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da Comunidade e opõe-se às medidas nacionais que possam desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma actividade económica no território de outro Estado-Membro .

49. E no âmbito da segurança social dos trabalhadores migrantes também existe jurisprudência consolidada no mesmo sentido. Assim, no acórdão proferido no processo Masgio , o Tribunal afirmou que o n.° 2 do artigo 48.° do Tratado e o n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71, que estabelece o princípio da igualdade de tratamento no âmbito de aplicação desse regulamento, «... devem ser interpretad[os] à luz do respectivo objectivo, que é o de contribuir, designadamente em matéria de segurança social, para o estabelecimento de uma liberdade tanto quanto possível completa da circulação de trabalhadores migrantes, que constitui um dos princípios fundamentais da Comunidade» e que «... os artigos 48.° a 51.° do Tratado, bem como os actos comunitários para sua aplicação, e designadamente o referido Regulamento n.° 1408/71, visam impedir que os trabalhadores que, fazendo uso do seu direito de livre circulação, exerceram actividade em mais do que um Estado-Membro sejam tratados de forma menos favorável que aqueles cuja carreira decorreu integralmente num único Estado-Membro».

50. A este propósito, o Tribunal de Justiça acrescentou, no mesmo acórdão Masgio, que «... o objectivo dos artigos 48.° a 51.° do Tratado não seria alcançado caso os trabalhadores migrantes, ao exercerem o respectivo direito de livre circulação, perdessem as vantagens da segurança social proporcionadas pela legislação de um Estado-Membro . Na verdade, tal consequência poderia dissuadir os trabalhadores comunitários de exercerem aquele direito, constituindo assim um obstáculo a esta liberdade» .

51. De acordo com o estabelecido pelo n.° 1 do artigo 14.° do Regulamento n.° 1408/71, um trabalhador empregado nos Países Baixos que faça uso do seu direito de livre circulação ao ser destacado pela sua empresa para outro Estado-Membro por um período de tempo limitado e relativamente curto e que regresse para trabalhar nos Países Baixos no mesmo ano ou, no máximo, no ano seguinte continuará a estar sujeito à legislação de segurança social neerlandesa. Depreende-se dos documentos constantes dos autos que, por aplicação da legislação nacional controvertida e se a deslocação ocorrer dentro do mesmo ano civil, a este trabalhador poderão ser efectuadas duas liquidações conjugadas, uma para o imposto sobre o rendimento e a outra para as contribuições para o regime geral da segurança social, ou seja, uma para o período em que foi sujeito passivo residente e outra para o período em que foi sujeito passivo não residente, ao passo que, se a deslocação se distribuir entre dois anos civis, podem ser-lhe efectuadas até quatro liquidações pelos mesmos motivos. O primeiro caso é o de F. C. Terhoeve, que, como já se viu, deve pagar, a título das contribuições, um montante mais elevado que o máximo que lhe teria sido exigível se tivesse sido sujeito passivo residente durante todo o ano, isto é, se não tivesse feito uso do seu direito de livre circulação. No segundo caso, o trabalhador pode ver-se obrigado a pagar, pela mesma razão, um montante mais elevado que esse máximo durante dois anos consecutivos. Tudo isso sem que lhe seja garantida, em contrapartida, uma protecção social mais elevada.

52. Dado que esta consequência se reproduzirá, em minha opinião, cada vez que um trabalhador seja destacado pela sua empresa nas circunstâncias descritas, é difícil acreditar que esse trabalhador aceite de bom grado ir trabalhar para outro Estado-Membro. Em qualquer caso, não acredito que tenha interesse em ser destacado mais de uma vez ao longo da sua carreira profissional, depois de ter sofrido as consequências económicas negativas que isso lhe acarreta.

53. À luz destas considerações, sou da opinião que a legislação neerlandesa controvertida, que se aplica independentemente da nacionalidade dos trabalhadores afectados, prejudica, em matéria de segurança social, os trabalhadores que exercem o seu direito de livre circulação nas condições previstas pelo n.° 1 do artigo 14.° do Regulamento n.° 1408/71 ao tratá-los de modo menos favorável do que àqueles que não fazem uso desse direito, e que pode, por isso, constituir um obstáculo à livre circulação de trabalhadores. Com efeito, a perspectiva de ter que fazer face a contribuições para a segurança social mais elevadas se for destacado pela sua empresa para o território de outro Estado-Membro do que no caso de ficar a trabalhar nos Países Baixos pode dissuadir um trabalhador de exercer o seu direito de livre circulação.

Quanto à quarta questão

54. Com esta questão, o tribunal nacional pretende saber, no caso de a resposta à questão anterior ser afirmativa, se essas contribuições mais elevadas podem ser justificadas por alguma ou por várias das circunstâncias que refere: a vontade do legislador de simplificar a cobrança, os problemas técnicos de aplicação que implicam as soluções que podem corrigir essa contribuição mais elevada e, por último, o facto de, em determinadas circunstâncias, a aplicação desta legislação poder ter como resultado que a pressão conjunta do imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social seja inferior para os trabalhadores que tenham feito uso do seu direito de livre circulação do que para os trabalhadores sedentários. O Governo dos Países Baixos acrescenta que essa legislação é justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime tributário.

55. Estou de acordo com a Comissão quando afirma, a este propósito, que, na sua jurisprudência relativa à livre circulação de trabalhadores em geral e à coordenação dos regimes de segurança social em particular, o Tribunal de Justiça aplicou critérios diferentes para apreciar o valor das justificações avançadas. Assim, no seu acórdão Masgio , adoptou uma posição muito rigorosa, assinalando que «... o artigo 48.° , n.° 3, do Tratado apenas autoriza limitações à livre circulação dos trabalhadores que se justifiquem por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública. Sendo assim, fora destas hipóteses expressamente previstas no Tratado, não se justifica qualquer obstáculo à livre circulação dos trabalhadores».

É evidente que nenhuma das razões justificativas avançadas pelo tribunal nacional e tão-pouco o que defende o Governo dos Países Baixos preenche as condições estabelecidas nessa jurisprudência, tendo em conta a estreita margem de manobra que deixa aos Estados-Membros o texto da Directiva 64/221/CEE .

56. Contudo, noutros acórdãos mais recentes e para examinar se existia ou não justificação para um obstáculo à livre circulação de trabalhadores, o Tribunal de Justiça serviu-se da sua jurisprudência firmada em matéria da livre prestação de serviços. Assim, no seu acórdão Kraus , declarou que «... os artigos 48.° e 52.° opõem-se a qualquer medida nacional... que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, é susceptível de afectar ou de tornar menos atraente o exercício pelos nacionais comunitários, incluindo os do Estado-Membro autor da medida, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado. Só assim não seria se essa medida prosseguisse um objectivo legítimo compatível com o Tratado e se justificasse por razões imperiosas de interesse geral... Mas, mesmo em tal caso, seria preciso que a aplicação da regulamentação nacional em questão fosse adequada para garantir a realização do objectivo por ela prosseguido e não ultrapassasse o necessário para atingir esse objectivo» .

Desta forma, a abordagem utilizada pelo Tribunal de Justiça para o artigo 48.° do Tratado é alinhada pela já utilizada para o artigo 59.° , pelo que, se, por um lado, a proibição se torna extensiva a qualquer medida que, mesmo sendo aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, constitua um obstáculo à liberdade de circulação, por outro, é aumentado o número de razões justificativas, que passam a acrescer às já previstas pelo n.° 3 do artigo 48.° do Tratado.

57. Creio que as possíveis razões justificativas avançadas pelo tribunal nacional tão-pouco satisfazem os requisitos estabelecidos por essa jurisprudência menos rigorosa.

58. Em primeiro lugar e embora a vontade de o legislador simplificar a cobrança não tenha que resultar incompatível com o Tratado, não pode afirmar-se, contudo, que essa vontade de simplificação se baseie em razões imperiosas de interesse geral.

59. Em segundo lugar e no que se refere aos problemas técnicos de aplicação decorrentes das soluções que evitam que a contribuição seja mais elevada, é claro que, no quadro do direito comunitário, problemas de tipo administrativo ou dificuldades na execução não podem justificar que os trabalhadores que tenham exercido o seu direito de livre circulação recebam um tratamento pior do que os trabalhadores que não fizeram uso desse direito, tendo declarado o Tribunal de Justiça que, «embora a aplicação destas disposições possa originar dificuldades de ordem prática, essa circunstância... não pode afectar os direitos conferidos aos particulares pelos princípios da legislação social da Comunidade» .

60. Por último e em relação às vantagens de tipo fiscal que o trabalhador migrante pode obter e que podem chegar a compensar o prejuízo ocasionado pela obrigação de pagar contribuições mais elevadas, basta dizer que não é esse o fim prosseguido pela legislação controvertida e que essas vantagens, quando existam, dependem das circunstâncias concretas de cada caso. A este propósito, o Tribunal de Justiça já declarou que a discriminação resultante de uma norma que confere um tratamento desfavorável a alguns trabalhadores migrantes não pode ser eliminada nem compensada pela circunstância de outros trabalhadores migrantes, em situações distintas, poderem gozar de algumas vantagens graças a ela .

61. Em minha opinião, a regulamentação controvertida, cuja aplicação produz os efeitos que expus, tão-pouco é justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime tributário.

62. Em dois acórdãos de 1992 , o Tribunal de Justiça considerou que a necessidade de garantir a coerência do regime tributário constituía razão justificativa de uma regulamentação belga em matéria de seguros que, na falta dessa necessidade, seria contrária ao artigo 48.° do Tratado. Esta regulamentação subordinava a dedução de determinados prémios de seguros do total dos rendimentos profissionais à condição de esses prémios terem sido pagos na Bélgica.

O Tribunal de Justiça considerou que nessa regulamentação existia uma ligação entre o carácter dedutível dos prémios de seguro de vida e a tributação das somas devidas pelas seguradoras em execução dos contratos de seguro de velhice e por morte, já que as pensões, rendas, capitais ou valores de remissão de contratos de seguro de vida estão isentos do imposto quando não se tenha obtido a dedução desses prémios. Num regime tributário com essas características, a perda de receitas que resulta da dedução dos prémios de seguro de vida do rendimento total tributável é compensada pela tributação das pensões, rendas ou capitais devidos pelas seguradoras e, quando não se tenha obtido a dedução desses prémios, estas somas estão isentas de imposto.

A coerência desse regime pressupunha que, no caso de um Estado ser obrigado a aceitar a dedução dos prémios de seguro de vida pagos noutro Estado-Membro, o primeiro Estado pudesse cobrar o imposto sobre as somas devidas pelas seguradoras. Dado que o direito comunitário no seu estado à época não podia assegurar a coerência desse regime por disposições menos restritivas do que as que impunha a legislação belga, isto é, que, para ter direito à dedução dos prémios, estes deviam ter sido pagos na Bélgica, o Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que essa medida era justificada.

63. Pelo contrário, num acórdão de 1995 , o Tribunal rejeitou a argumentação que no mesmo sentido desenvolveu o Governo luxemburguês para justificar que a concessão de uma bonificação de juros a título de ajuda social ficasse subordinada ao requisito de os empréstimos destinados ao financiamento da construção, aquisição ou beneficiação de uma habitação tenham sido contraídos junto de uma instituição de crédito reconhecida no Luxemburgo, o que significava que estava estabelecida nesse Estado. O Tribunal de Justiça considerou, nessa ocasião, que não existia qualquer nexo directo entre a concessão da bonificação de juros aos mutuários e o seu financiamento através do imposto cobrado sobre os lucros das instituições financeiras.

64. Apesar de o Governo neerlandês aludir, no ponto 21 das suas observações escritas, à necessidade de garantir a coerência do regime tributário como razão justificativa da legislação controvertida, que compreende as normas que regem a cobrança de fundos com destino ao regime geral da segurança social, não avança qualquer explicação a esse respeito. Também não encontrei nos documentos que figuram nos autos explicação alguma para esclarecer por que razão é que a coerência do regime tributário neerlandês exige que um trabalhador que fez uso do seu direito de livre circulação seja sujeito ao pagamento de contribuições para a segurança social mais elevadas do que um trabalhador sedentário.

Quanto à quinta questão

65. Para o caso de este Tribunal entender que as normas de direito comunitário se opõem a que se exijam contribuições para a segurança social mais elevadas dos trabalhadores que fizeram uso do seu direito de livre circulação do que dos trabalhadores sedentários, o Gerechtshof pergunta se, para apreciar se o nível de contribuições é mais elevado, se devem ter em conta unicamente os rendimentos do trabalho ou também outros rendimentos do interessado, como os rendimentos do capital imobiliário. No caso de ter que prescindir dos outros rendimentos, o tribunal nacional pretende também saber como se deve apreciar, e em que medida, se as contribuições sobre os rendimentos do trabalho implicam desvantagens para o trabalhador migrante em causa.

66. Sabe-se que o artigo 51.° do Tratado prevê uma coordenação das legislações dos Estados-Membros, e não uma harmonização, e que deixa subsistir diferenças de fundo e de procedimento entre os regimes de segurança social dos Estados-Membros e nos direitos das pessoas que neles trabalham . Em execução deste artigo, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 1408/71 e o Regulamento (CEE) n.° 547/72, que estabelece as modalidades de aplicação deste , e que têm como principal objectivo coordenar as diferentes legislações nacionais na matéria, de forma a garantir que a livre circulação de trabalhadores não redundará em detrimento daqueles que a exercem em comparação com os que desenvolvem a sua actividade num só Estado-Membro .

67. É certo que, no estado actual do direito comunitário, cabe à legislação de cada Estado-Membro determinar os requisitos do direito ou da obrigação de inscrição nos seus sistemas de segurança social, bem como as suas condições . Contudo, em minha opinião, ao fazer uso dessa competência, os Estados-Membros devem não só respeitar o princípio da igualdade de tratamento, aplicando essas normas sem discriminação entre os próprios nacionais e os nacionais de outros Estados-Membros, mas, além disso, devem certificar-se de que as disposições nacionais em matéria de segurança social não constituem um obstáculo ao exercício efectivo da liberdade fundamental garantida pelo artigo 48.° do Tratado.

68. Com excepção do artigo 14.° -D do Regulamento n.° 1408/71, que contém disposições diversas, muito específicas e não aplicáveis ao caso vertente, o direito comunitário aplicável à livre circulação de trabalhadores não regula a composição da base de cálculo das contribuições para os regimes nacionais de segurança social.

69. Como sucede com a determinação dos requisitos do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social ou num ou noutro ramo do referido regime, entendo que, na falta de uma disposição comunitária aplicável, cabe à legislação de cada Estado-Membro estabelecer os elementos que devem integrar a base de cálculo das contribuições para os seus regimes de segurança social, desde que, como consequência disso, não se faça qualquer discriminação entre os próprios cidadãos e os nacionais dos demais Estados-Membros e que o trabalhador que fez uso do seu direito de livre circulação não seja prejudicado em relação ao trabalhador sedentário.

Quanto à sexta questão

70. Com esta questão, a última das submetidas, o tribunal nacional pretende saber o que deve fazer se chegar à conclusão de que está perante uma violação do direito comunitário, pois que, no processo dos autos, essa violação é consequência da aplicação conjugada de distintas normas legais e que existem também várias alternativas para eliminá-la sem que nenhuma delas lhe pareça totalmente satisfatória.

Não é esta a primeira vez que um tribunal nacional se depara com este dilema, tendo-se o Tribunal de Justiça pronunciado sobre esta matéria em várias ocasiões.

71. Como já indiquei nas conclusões que apresentei no processo C-358/95, Morellato , existe uma jurisprudência clara, estabelecida por este Tribunal para resolver o conflito entre as normas internas e as normas comunitárias. O melhor exemplo desta jurisprudência continua a ser, até ao presente, o acórdão Simmenthal , no qual o Tribunal de Justiça afirmou que, por força do princípio do primado do direito comunitário, as disposições do Tratado e os actos das instituições directamente aplicáveis têm por efeito, nas suas relações com o direito interno dos Estados-Membros, tornar inaplicável de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor, qualquer norma de direito interno que lhes seja contrária. Nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça considerou, além disso, que é incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito comunitário qualquer norma da ordem jurídica interna ou prática administrativa, legislativa ou judicial que tenha por consequência a diminuição da eficácia do direito comunitário, pelo facto de negar ao juiz competente para a aplicação deste direito o poder de, no próprio momento dessa aplicação, fazer tudo o que seja necessário para afastar as disposições legislativas nacionais que constituam, eventualmente, um obstáculo, ainda que seja apenas temporário, à plena eficácia das normas comunitárias . A este propósito, concluiu que o juiz nacional responsável, no âmbito das suas competências, pela aplicação das disposições de direito comunitário tem a obrigação de garantir o pleno efeito de tais normas, decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação de qualquer norma de direito interno que as contrarie, ainda que tal norma seja posterior, sem que tenha de solicitar ou esperar a prévia eliminação da referida norma por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional .

72. Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou no seu acórdão Van Duyn que o artigo 48.° do Tratado, que consagra o princípio da livre circulação de trabalhadores e que impõe aos Estados-Membros uma obrigação precisa, que não depende da prática de qualquer acto posterior, quer das instituições comunitárias, quer dos Estados-Membros, não deixando a estes qualquer poder de apreciação quanto à sua execução, é directamente aplicável e confere aos particulares direitos que estes podem invocar em juízo num Estado-Membro.

73. Além disso e segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais, por aplicação do princípio da cooperação enunciado no artigo 5.° do Tratado, garantir a protecção jurídica decorrente, para os particulares, do efeito directo das disposições do direito comunitário .

74. Tendo em conta as respostas que proponho que sejam dadas às questões precedentes e esta jurisprudência do Tribunal de Justiça que acabo de referir, creio que há que responder à sexta questão submetida pelo Gerechtshof no sentido de que o tribunal nacional encarregado de aplicar o direito comunitário no litígio perante ele pendente tem a obrigação de resolvê-lo garantindo a plena eficácia dos artigos 48.° a 51 do Tratado, de forma a que o trabalhador que tenha feito uso do seu direito de livre circulação não seja privado de uma vantagem de segurança social, como o direito de não pagar mais do que o limite máximo estabelecido para os trabalhadores sedentários, evitando assim que o trabalhador seja dissuadido de exercer o seu direito de livre circulação.

VI - Conclusão

À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Gerechtshof te 's-Hertogenbosch da seguinte forma:

«1) Um nacional de um Estado-Membro tem legitimidade para invocar as disposições do direito comunitário em matéria de livre circulação de trabalhadores contra o Estado-Membro do qual é nacional quando, estando empregado numa empresa estabelecida nesse Estado, tenha sido destacado por um período inferior a um ano para o território de outro Estado-Membro com a finalidade de aí efectuar um trabalho por conta da empresa. O facto de o trabalhador ter ou não obtido a maior parte dos seus rendimentos num só desses Estados ao longo do período considerado carece de relevância para esse efeito.

2) A legislação neerlandesa controvertida não produz discriminação em razão da nacionalidade.

3) Os artigos 48.° a 51.° do Tratado opõem-se a que um Estado-Membro imponha a um nacional comunitário, incluindo a um dos seus próprios cidadãos, que fez uso do seu direito de livre circulação, o pagamento de uma contribuição para o regime geral da segurança social que ultrapassa o limite máximo que é exigido aos trabalhadores que não fizeram uso desse direito.

4) A legislação neerlandesa controvertida, na medida em que cria um obstáculo à livre circulação de trabalhadores, não pode ser justificada por nenhuma das circunstâncias avançadas pelo tribunal nacional, ou seja, a vontade do legislador de simplificar a cobrança, os problemas técnicos de aplicação que implicam as soluções que podem corrigir essa contribuição mais elevada e o facto de, em determinadas circunstâncias, a aplicação desta legislação poder resultar em a pressão conjunta do imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social ser inferior para os trabalhadores que fizeram uso do seu direito de livre circulação do que para os trabalhadores sedentários.

5) Na falta de disposição comunitária aplicável, cabe à legislação de cada Estado-Membro estabelecer os elementos que devem integrar a base de cálculo das contribuições para os seus regimes de segurança social, desde que, como consequência disso, não se faça qualquer discriminação entre os próprios cidadãos e os nacionais dos demais Estados-Membros e que o trabalhador que fez uso do seu direito de livre circulação não seja prejudicado em relação ao trabalhador sedentário.

6) O tribunal nacional encarregado de aplicar o direito comunitário no litígio perante ele pendente tem a obrigação de resolvê-lo garantindo a plena eficácia dos artigos 48.° a 51.° do Tratado, de forma a que o trabalhador que tenha feito uso do seu direito de livre circulação não seja privado de uma vantagem de segurança social, como o direito de não pagar mais do que o limite máximo estabelecido para os trabalhadores sedentários, evitando assim que o trabalhador seja dissuadido de exercer o seu direito de livre circulação.»