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Advertência jurídica importante

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61995C0037

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 11 de Julho de 1996. - Belgische Staat contra Ghent Coal Terminal NV. - Pedido de decisão prejudicial: Hof van cassatie - Bélgica. - Imposto sobre o valor acrescentado - Sexta Directiva - Artigo 17. - Direito à dedução - Ajustamento das deduções. - Processo C-37/95.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-00001


Conclusões do Advogado-Geral


1 A Hof van Cassatie van België apresentou ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial sobre a interpretação do n._ 2 do artigo 17._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (1) (a seguir «Sexta Directiva»).

2 A questão prejudicial tem por objecto determinar o conteúdo e o âmbito do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago por uma empresa industrial em função de investimentos efectuados para a preparação de terrenos que não chegaram a ser utilizados para a finalidade inicialmente prevista.

3 A pergunta dirigida ao Tribunal é a seguinte:

«O artigo 17._ da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que se mantém o direito à dedução relativamente ao imposto sobre o valor acrescentado sobre investimentos, que inicialmente se destinavam a ser utilizados pela empresa, mas que, por motivos alheios à sua vontade, nunca foram por ela efectivamente utilizados?»

Os factos e o processo principal

4 O despacho de reenvio limita-se a expor, de modo muito sucinto, os três seguintes factos relevantes do litígio:

a) A sociedade Ghent Coal Terminal (a seguir «Ghent Coal») comprou terrenos na zona portuária de Gand, em 1980;

b) A empresa procedeu a investimentos nesses terrenos e deduziu imediatamente o IVA na declaração correspondente ao período de 1 de Janeiro de 1981 a 31 de Dezembro de 1983;

c) Por iniciativa da cidade de Gand, em 1 de Março de 1983, a Ghent Coal permutou os terrenos comprados e, por essa razão, nunca utilizou as obras de investimento que realizara.

5 O despacho de reenvio admite que as partes não discutem o facto - admitido pelo acórdão proferido em segunda instância - de que «os bens investidos se destinavam normalmente a realizar actos tributáveis, que a permuta não foi previamente prevista, nem planeada, pela recorrida, que a recorrida não a podia evitar de um ponto de vista económico e que a mesma constituía, economicamente, um caso de força maior».

6 A análise dos diversos documentos juntos pelas partes no processo principal permite, além disso, conhecer outros factos e a tramitação do processo perante os órgãos jurisdicionais nacionais, elementos estes que se revestem de particular interesse para a melhor compreensão do processo que passamos a descrever sumariamente.

7 A Ghent Coal, que tinha decidido ampliar as suas instalações portuárias, comprou em 1980 diversas parcelas de terreno em Imsakkerlaan, ao largo do molhe petrolífero de Gand, para nelas construir um terminal de armazenamento de carvão e uma instalação fabril de ensacamento de carvão.

8 A Ghent Coal iniciou os trabalhos necessários à referida construção, para o que incorreu em determinadas despesas de investimento, que consistiram, em especial, na realização de um estudo prévio a cargo de uma empresa de construção, outro estudo sobre as características físicas do solo, bem como a instalação de um cabo de alta tensão e operações de terraplanagem. O custo destes trabalhos foi superior a 50 milhões de BFR.

9 Em 1 de Março de 1983, as autoridades municipais de Gand impuseram à Ghent Coal a permuta dos referidos terrenos, em parte já preparados, por outros pertencentes ao município. A Ghent Coal recebeu também uma indemnização adicional.

10 A Ghent Coal, que durante os exercícios de 1981, 1982 e 1983 tinha deduzido 9 354 677 BFR do IVA pago em relação com as despesas de preparação dos terrenos, foi notificada pela administração fiscal belga para devolver os montantes correspondentes a essas deduções, a que, segundo a administração fiscal belga, não tinha direito.

11 Em Setembro de 1984, a Ghent Coal e a administração fiscal assinaram um acordo, ou transacção, no qual a empresa se comprometia a pagar a soma de 9 379 000 BFR de IVA (acrescido de juros e de coima). O pagamento foi efectuado em 31 de Janeiro de 1985 por compensação com outros créditos a favor da Ghent Coal.

12 A Ghent Coal considerou, mais tarde, que o reembolso efectuado era ilegal, tal como o acordo celebrado com a administração fiscal. Por isso, em 10 de Março de 1986 exigiu da administração belga a restituição de 2 751 085 BFR, quantia essa que, em seu entender, tinha o direito de deduzir após ajustamento, em função das despesas de investimento.

13 Tendo obtido resposta negativa da administração fiscal, a Ghent Coal reclamou aquela quantia no Rechtbank van eerste aanleg te Gent. O pedido foi rejeitado por decisão de 4 de Abril de 1990, tendo o referido órgão jurisdicional considerado que as partes estavam validamente vinculadas pelo acordo por ambas celebrado em Setembro de 1984.

14 Em recurso de apelação, a Hof van beroep te Gent revogou a decisão da primeira instância por decisão de 26 de Outubro de 1992, por considerar ilegal a transacção efectuada, visto tratar-se de dívidas fiscais que só podem ser determinadas em aplicação dos preceitos legais. Segundo o tribunal de apelação, o direito à dedução fora correctamente exercido e o pedido da Ghent Coal devia proceder. Condenou, por consequência, a administração fiscal a restituir a quantia de 2 751 085 BFR.

15 Em 23 de Fevereiro de 1993, o advogado do Estado belga recorreu em cassação da sentença da Hof van beroep. No decurso do processo de cassação, a Hof van Cassatie decidiu apresentar a questão prejudicial.

As normas comunitárias aplicáveis

16 O IVA, enquanto imposto sobre as entregas de bens ou prestações de serviços, tende a ser um imposto geral sobre o consumo, exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, seja qual for o número de transacções que se efectuem no circuito de produção e de distribuição anterior à fase de tributação.

17 O imposto é cobrado sobre cada transacção, fazendo incidir sobre a matéria colectável (o preço dos bens ou dos serviços tributados) a taxa aplicável, com dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

18 O princípio da dedução permite, pois, que o sujeito passivo deduza, do IVA devido pelas operações que efectue, o IVA que tenha pago ao adquirir bens ou receber serviços no quadro da exploração de uma actividade económica. A Sexta Directiva contém, no título XI (artigos 17._ a 20._), as normas reguladoras (2) deste mecanismo de dedução.

19 Segundo o n._ 1 do artigo 17._ da Sexta Directiva: «O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

20 De acordo com o n._ 2 do artigo 10._: «O facto gerador do imposto ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que se efectuam a entrega do bem ou a prestação de serviços...».

21 O n._ 2 do artigo 17._ dispõe o seguinte:

«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

...»

22 O n._ 1 do artigo 20._ refere-se ao ajustamento das deduções operadas, nos seguintes termos:

«A dedução inicialmente operada é ajustada segundo as modalidades fixadas pelos Estados-Membros, designadamente:

a) Quando a dedução for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito;

b) Quando, posteriormente à declaração, se verificarem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, designadamente no caso de anulação de compras ou de obtenção de redução nos preços...».

23 O n._ 2 do artigo 20._ estabelece normas específicas para o ajustamento das deduções relativas aos bens de investimento:

«No que diz respeito aos bens de investimento, o ajustamento deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos. Anualmente, esse ajustamento é efectuado apenas sobre a quinta parte do imposto que incidiu sobre os bens em questão. Tal ajustamento é realizado em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos.

Em derrogação do disposto no parágrafo anterior, os Estados-Membros podem tomar como base, no momento do ajustamento, um período de cinco anos completos a contar do início da utilização dos bens em questão.

No que diz respeito aos bens de investimento imobiliário, o período que serve de base ao cálculo dos ajustamentos pode ser alargado até dez anos.»

24 Por último, o n._ 3 do artigo 20._ contempla a situação dos bens de investimento entregues durante o período de ajustamento.

A formulação da questão prejudicial

25 A decisão de reenvio contém uma palavra-chave (a «manutenção» do direito à dedução de IVA) que, aplicada ao presente processo, se reveste de certa dose de ambiguidade. A Hof van Cassatie, ao perguntar se a dedução «se mantém» no caso de investimentos destinados a bens que posteriormente não são utilizados, parece admitir implicitamente que esse direito já nasceu (3), referindo-se a dúvida apenas à sua eventual continuidade no tempo.

26 As alegações das partes divergem, no entanto, quanto ao conteúdo do reenvio prejudicial. Para a Ghent Coal, a redacção dada à pergunta pela Hof van Cassatie implica, com efeito, que o direito à dedução já tenha nascido: assim o demonstra o facto de a Hof van Cassatie não ter feito sua a redacção proposta pelo Estado belga no recurso de cassação (4). A questão prejudicial distingue, pois, entre a origem do direito à dedução, por um lado, e a sua posterior subsistência, por outro.

27 A perspectiva do Governo belga é diferente: em seu entender, a não utilização das obras de investimento levadas a cabo pela Ghent Coal determina que «a dedução deva ser excluída ab initio, de uma só vez e integralmente». Por outras palavras, nunca teria nascido, juridicamente, o direito à dedução.

28 O problema agrava-se ao ser conjugado com o mecanismo da revisão ou ajustamento (5) das deduções. O ajustamento constitui precisamente o mecanismo através do qual a Sexta Directiva (artigo 20._) permite que sejam introduzidas alterações ulteriores às deduções operadas.

29 A norma comunitária dispõe que as deduções inicialmente operadas pelos sujeitos passivos têm de ser ajustadas quando se verifique que foram superiores ou inferiores às deduções que o sujeito passivo tinha o direito de praticar, ou quando se verificarem posteriormente alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do seu montante.

30 Poderia pensar-se, em princípio, que a Hof van Cassatie, ao interrogar o Tribunal de Justiça sobre a «manutenção» do direito à dedução, pretende saber se é possível aplicar, ou não, ao caso dos autos, o processo de ajustamento das deduções, dado que esse processo parece ser, justamente, o previsto na Sexta Directiva para alterar as deduções já operadas. Nenhuma das duas partes no processo principal defende, no entanto, este ponto de vista.

31 Segundo o Governo belga, «não se pode confundir a exclusão ab initio do direito à dedução com o ajustamento da dedução do IVA», e, visto que o direito à dedução não chegou a ser criado no presente caso, não se pode falar de ajustamento dessa dedução.

32 A Ghent Coal, por seu lado, afirma que a questão do ajustamento não foi objecto de controvérsia entre as partes nem foi submetido à Hof van Cassatie. Essa questão, portanto, deve ser excluída do âmbito do processo entre as referidas partes. No entanto, partindo do princípio de que a dedução inicial era correcta e de que os acontecimentos posteriores privaram os investimentos do fim a que se destinavam, a Ghent Coal propõe ao Tribunal de Justiça que responda à Hof van Cassatie declarando ser possível, em princípio, o ajustamento dentro dos limites e condições determinados pela Sexta Directiva (6).

33 Por nosso lado, consideramos que a resposta do Tribunal de Justiça à Hof van Cassatie deve cingir-se, essencialmente, aos próprios termos da pergunta formulada, que não se referem directamente - embora também não os excluam - aos problemas do ajustamento.

34 Analisaremos, portanto, em primeiro lugar, as condições necessárias para o nascimento do direito à dedução das despesas empresariais efectuadas para dar início ao projecto da Ghent Coal. Essa análise será ampliada à eventual influência do abandono do projecto inicialmente previsto sobre o direito à dedução.

35 Em segundo lugar, se o resultado da referida análise for - como parece à primeira vista - favorável à existência do direito à dedução, suscitaremos a questão de saber até que ponto a resposta do Tribunal de Justiça seria mais útil se analisasse, além disso, os problemas de ajustamento das deduções.

O direito à dedução

36 Na dinâmica do IVA, a dedução do imposto regulada pelo artigo 17._ da Sexta Directiva converte-se na peça-chave de todo o sistema. Da sua regulamentação depende que o imposto pago pelas empresas não represente qualquer carga fiscal para elas, respeitando-se, deste modo, o princípio da neutralidade que está na base do IVA, que é um imposto sobre o consumo final e não sobre as fases económicas prévias. Sem direito à dedução do imposto pago, este converte-se num encargo fiscal adicional para as empresas, violando o princípio da neutralidade.

37 A dedução do imposto pago é possível na medida em que os correspondentes bens ou serviços (isto é, aqueles cuja aquisição ou afectação determina o direito à dedução) sejam adquiridos e utilizados pelo sujeito passivo para realizar, por seu lado, operações integradas no âmbito da sua actividade económica (7).

38 Basta, pois, que os bens ou serviços sejam adquiridos e utilizados por uma empresa, no quadro de uma actividade económica, para que o montante do IVA já pago ou devido seja susceptível de dedução. Quando o n._ 2 do artigo 17._ da Sexta Directiva emprega a expressão «[os bens e os serviços sejam] utilizados» para «os fins das próprias operações tributáveis», quer sublinhar que a utilização tem de ter como destino, precisamente, a actividade empresarial, e não outro tipo de actividades.

39 Isto não implica, no entanto, que o fim ou objectivo para o qual tende a normal utilização dos bens adquiridos ou dos serviços prestados tenha efectivamente de ser atingido sempre e em todos os casos. Pelo contrário, é perfeitamente possível que determinadas operações empresariais, para cuja realização se adquiriram bens ou serviços, se frustrem ulteriormente. Nem por isso desaparece o direito à dedução do imposto pago.

40 Os termos em que a jurisprudência do Tribunal se pronunciou sobre as deduções do IVA e, designadamente, as considerações dos acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (8); de 11 de Julho de 1991, Lennartz (9); e de 29 de Fevereiro de 1996, INZO (10), são suficientes, segundo cremos, para decidir o presente processo. Consideramos, por isso, ser necessário transcrever algumas dessas considerações antes de analisar a sua aplicabilidade ao presente caso.

41 O acórdão Lennartz começa por recordar: «Nos termos do artigo 17._, n._ 1, da Sexta Directiva, com a epígrafe `Origem e âmbito do direito à dedução', o direito à dedução do IVA surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Em consequência, só a qualidade em que o particular actua nesse momento pode decidir da existência de um direito à dedução. Resulta do artigo 17._, n._ 2, que, na medida em que os bens sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis pelo sujeito passivo, agindo nessa qualidade, este é autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação a esses bens» (11).

42 Quanto ao âmbito do direito à dedução dos montantes devidos, o acórdão Lennartz invoca o acórdão Rompelman para reiterar:

«... as actividades económicas referidas no artigo 4._, n._ 1, da Sexta Directiva podem consistir numa sucessão de vários actos, como sugere a própria letra do n._ 2 nesta mesma disposição. Entre esses factos, as actividades preparatórias, como a aquisição de meios de exploração, devem ser consideradas actividades económicas na acepção desse artigo» (12).

«... um particular que adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4._, actua na qualidade de sujeito passivo, mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para essas actividades económicas» (13).

43 Em consequência, precisa o acórdão Lennartz, é a aquisição de bens por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, portanto, do mecanismo da dedução. A utilização que é dada às mercadorias, ou a que lhes é destinada, apenas determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 17._, e o âmbito dos eventuais ajustamentos durante os períodos seguintes (14).

44 Recentemente, no referido acórdão INZO, o Tribunal resolveu uma questão prejudicial submetida por outro órgão jurisdicional belga (Rechtbank van eerste aanleg te Brugge) muito semelhante à presente questão.

45 No processo INZO, tratava-se de determinar se uma empresa, que tinha adquirido determinados bens de equipamento e encomendado um estudo sobre a rentabilidade de um projecto de construção de uma instalação de dessalinização (entregas de bens e prestações de serviços pelas quais pagou IVA), podia ou não deduzir os montantes pagos (15), apesar de ter abandonado posteriormente o projecto sem iniciar a actividade prevista devido à existência de problemas de rentabilidade e à retirada de alguns investidores.

46 No acórdão INZO, o Tribunal recorda ter já declarado (no acórdão Rompelman) que mesmo as primeiras despesas de investimento efectuadas para a formação de uma empresa podem ser consideradas actividades económicas na acepção do artigo 4._ da Sexta Directiva e que, neste contexto, a administração fiscal deve ter em consideração a intenção declarada da empresa.

47 Em seguida, o acórdão afirma que, no caso de a administração fiscal ter admitido a qualidade de sujeito passivo do IVA de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que daria origem a operações tributáveis, a realização de um estudo sobre a rentabilidade da actividade projectada pode, assim, ser considerada como uma actividade económica na acepção do artigo 4._ da Sexta Directiva, mesmo que esse estudo tenha por objectivo analisar em que medida a actividade projectada é rentável.

48 Segundo o Tribunal de Justiça, daqui resulta que, sob estas mesmas condições, o IVA pago por esse estudo de rentabilidade pode, em princípio, ser deduzido, nos termos do artigo 17._ da Sexta Directiva, mesmo que, posteriormente, seja decidido, perante os resultados desse estudo, não passar à fase operacional e colocar a sociedade em liquidação, de modo que a actividade económica não dê origem a operações tributáveis (16).

49 Em consonância com os fundamentos jurídicos transcritos, o Tribunal de Justiça respondeu às questões prejudiciais submetidas no processo INZO afirmando que:

- quando a administração fiscal admitiu a qualidade de sujeito passivo do IVA de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma actividade económica que daria origem a operações tributáveis, a encomenda de um estudo de rentabilidade para a actividade projectada pode ser considerada uma actividade económica na acepção desse artigo, mesmo que esse estudo tenha por objectivo analisar em que medida a actividade projectada é rentável, e que,

- excepto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroactivos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não deu origem a operações tributáveis.

A aplicação desta jurisprudência ao presente processo

50 Aplicando a jurisprudência dos acórdãos Rompelman, Lennartz e INZO ao presente processo, restam poucas dúvidas de que a tese da Ghent Coal sobre o direito à dedução - sustentada também pela Comissão e, com certos cambiantes, pelo Governo alemão - está mais bem fundamentada do que a do Governo belga.

51 Com efeito, se as condições para o direito à dedução devem ser apreciadas no momento em que o imposto é exigível, a Ghent Coal gozava daquele direito quando adquiriu, para as suas actividades empresariais, determinados bens e serviços, todos eles sujeitos a IVA. Nesse momento, os correspondentes agentes económicos (fornecedores ou vendedores em geral) forçaram-na a pagar um IVA que a Ghent Coal tinha o direito de deduzir, para garantir a neutralidade fiscal do imposto, segundo os termos da Sexta Directiva, como efectivamente fez.

52 Por outras palavras, quando a Ghent Coal adquiriu os terrenos de Imsakkerlaan, contratou os serviços de outras empresas para estudar a sua preparação e neles realizou determinadas obras de investimento para a construção de um terminal de carvão, tinha o direito de deduzir do IVA devido pelas suas operações o IVA que, segundo as correspondentes facturas, lhe fora repercutido em função da realização dessas obras e da prestação daqueles serviços.

53 Era irrelevante, para o nascimento do direito à dedução, que o processo de urbanização e de preparação dos terrenos para construir a central de carvão, necessariamente lento, não tivesse ainda terminado na data em que as autoridades municipais de Gand impuseram a permuta dos terrenos. O importante, para efeitos do IVA, é que os montantes pagos à medida que eram recebidos os bens ou serviços pudessem também ser deduzidos no correspondente período de tempo.

54 A condição para que surja o direito à dedução do IVA é que os bens e os serviços sejam adquiridos e prestados no quadro da actividade empresarial do sujeito passivo, isto é, com a finalidade de serem incorporados na sua actividade económica.

55 Em conformidade com a jurisprudência já referida, a Ghent Coal podia deduzir o IVA pago ao comprar os bens ou ao pagar os serviços relativos à construção da central de carvão, na medida em que:

a) não é necessário que os bens e serviços adquiridos no decurso das operações preparatórias ao desempenho de uma actividade sejam imediatamente utilizados para operações sujeitas a IVA (acórdão Rompelman), sem que exista qualquer dúvida quanto à finalidade prosseguida pela Ghent Coal com essas aquisições, directamente ligadas ao desempenho da sua actividade empresarial;

b) em rigor, nem sequer é necessário que tais bens e serviços sejam utilizados para levar a cabo operações ulteriores, sujeitas a IVA, quando tenham sido adquiridos no decurso das fases prévias ao desempenho de uma actividade prevista que, mais tarde e por razões legítimas, não chegou a ser executada (acórdão Inzo);

c) está excluída, neste caso, qualquer suspeita de fraude ou abuso, porque, na prática, a Ghent Coal foi inevitavelmente forçada a desistir do projecto de construção já iniciado, devido a exigências da administração pública actuando no exercício das suas funções.

56 A conclusão decorrente do que foi exposto é a de que, nos termos do n._ 2 do artigo 17._ da Sexta Directiva, uma empresa como a Ghent Coal tem direito à dedução do IVA pago pela aquisição de bens e pela prestação de serviços correspondentes a obras de investimento destinadas, em princípio, a ser utilizadas para a sua actividade empresarial, mas que, por circunstâncias ulteriores alheias à sua vontade, nunca foram efectivamente utilizadas.

O eventual ajustamento das deduções efectuadas

57 Nos n.os 28 a 32 das presentes conclusões, expusemos a tese das duas partes no processo principal sobre o tratamento do eventual ajustamento das deduções, questão essa que, segundo a Ghent Coal, é alheia àquele processo, na medida em que não foi submetida à Hof van Cassatie, nem apresentada pelo referido órgão jurisdicional no quadro do presente reenvio prejudicial.

58 É certo que a questão prejudicial se limita a solicitar a interpretação do n._ 2 do artigo 17._ da Sexta Directiva, sem conter qualquer referência ao artigo 20._, preceito que estabelece o sistema de ajustamento das deduções a posteriori.

59 O mecanismo de cooperação instituído pelo artigo 177._ do Tratado CEE permite, não obstante, que o Tribunal de Justiça forneça ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de interpretação das normas de direito comunitário que entenda serem aplicáveis ao caso, mesmo que o órgão jurisdicional nacional não se tenha referido expressamente a qualquer dessas normas.

60 Seria difícil admitir que o ajustamento é alheio ao problema suscitado no processo principal: de facto, o pedido dirigido pela Ghent Coal à administração belga para obter o reembolso de 2 751 085 BFR, bem como a petição de 27 de Março de 1987 apresentada ao órgão jurisdicional de primeira instância, qualificam esse montante como devido pelas despesas de investimento, depois de efectuado o correspondente ajustamento (17).

61 Também não é possível afirmar ser o problema alheio ao recurso de cassação: neste, como argumento, o advogado do Estado belga alegou que o órgão jurisdicional de apelação cometeu um erro de direito ao afirmar, entre outras coisas, que o direito à dedução já fora criado e que o único correctivo procedente era o do ajustamento (18).

62 Quanto ao mais, tanto a Comissão nas suas observações (19) perante o Tribunal de Justiça, como a Ghent Coal nas suas (20), propõem uma resposta às questões prejudiciais que inclua, expressamente, a afirmação da possibilidade de ajustamento.

63 Em nossa opinião, esta é a atitude mais razoável. Se a resposta do Tribunal de Justiça se limitasse a manter a aplicabilidade da dedução, sem mais, poderia induzir em confusão, porque só abordaria uma parte do problema (a validade da dedução originária), e não o problema no seu conjunto.

64 É, pois, conveniente que o acórdão faça referência expressa à possibilidade de ajustamento da dedução inicial, devido à existência de circunstâncias supervenientes que afectaram os factores considerados para o estabelecimento daquela dedução.

65 No entanto, não cremos que a resposta do Tribunal de Justiça deva ir muito além da remissão para o artigo 20._ da Sexta Directiva. Mais concretamente, não cremos que deva interferir na polémica sobre o âmbito efectivo do ajustamento (número de anos a ter em conta, possível isenção da entrega de terrenos segundo a legislação belga, diferentes regimes aplicáveis às entregas de bens de investimento e aos serviços prestados, normas aplicáveis no caso de bens de investimento transmitidos durante o período de ajustamento, etc.).

66 Uma resposta que entrasse na análise detalhada dessas questões extravasaria, em nossa opinião, os termos em que foi solicitada a interpretação do Tribunal de Justiça através do reenvio prejudicial. Para se manter a consonância com o pedido e, ao mesmo tempo, facultar outros elementos de decisão baseados nas normas comunitárias a que o órgão jurisdicional nacional não se referiu, basta, neste caso, referir que o artigo 20._ da Sexta Directiva estabelece o modo como devem ser ajustadas as deduções validamente efectuadas.

Conclusão

67 Propomos, portanto, ao Tribunal de Justiça que responda à questão apresentada pela Hof van Cassatie do seguinte modo:

«O n._ 2 do artigo 17._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, permite que uma empresa deduza o IVA pago pela aquisição de bens e pela prestação de serviços correspondentes a obras de investimento inicialmente destinadas a ser utilizadas para a sua actividade empresarial, mas que, por circunstâncias posteriores alheias à sua vontade, nunca foram efectivamente utilizadas. O ajustamento dessas deduções deve ser efectuado nos termos previstos no artigo 20._ da referida directiva.»

(1) - JO L 145, p. 1; EE 09 01 p. 54.

(2) - As normas originárias foram inicialmente estabelecidas pela Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 1967, 71, p. 1303; EE 09 01 p. 6), em especial o artigo 11._

(3) - O verbo «manter-se», nas suas variadas acepções, implica que algo ou alguém que existia antes continua a existir, perdura, subsiste, continua a viver, pesem embora eventuais circunstâncias adversas ou o decurso do tempo.

(4) - A formulação proposta era: «O artigo 17._ deve ser interpretado no sentido de que o direito à dedução nasce e se mantém no caso de os investimentos... não terem sido efectivamente utilizados?» (sublinhado nosso).

(5) - O termo normalmente empregue é o de «ajustamento», de preferência a «revisão».

(6) - Isto não impede a Ghent Coal de afirmar que, tratando-se de um caso de «força maior económica», equiparável à destruição ou perda dos bens (hipótese prevista pela Sexta Directiva como caso excepcional que exclui o ajustamento), a dedução originária ter-se-ia convertido em definitiva, o que lhe permitiria até «reclamar noutro processo o reembolso integral do IVA que deduziu na altura e que mais tarde devolveu ao Estado belga, quando este lho reclamou».

(7) - Esta afirmação não é válida no caso de o sujeito passivo adquirir e utilizar esses bens e serviços em operações isentas, porque nesse caso não nasce o direito à dedução e o sujeito passivo converte-se, por assim dizer, em «consumidor final», sem possibilidade de deduzir o imposto. Neste caso, o sujeito passivo deve suportar a totalidade do IVA que lhe tenha sido repercutido pelos agentes económicos anteriores (isto é, por quem lhe tenha fornecido os bens ou serviços) e não pode deduzi-lo, em termos estritamente jurídicos. Encontra-se, portanto, na mesma posição que os consumidores finais, verdadeiros contribuintes do IVA.

(8) - 268/83, Recueil, p. 655.

(9) - C-97/90, Colect., p. I-3795.

(10) - C-110/94, Colect., p. I-857.

(11) - N._ 8.

(12) - N._ 13.

(13) - N._ 14.

(14) - N._ 15.

(15) - Mais do que de dedução stricto sensu, tratava-se de obter a devolução dos montantes pagos, ao que inicialmente a administração fiscal acedeu, de acordo com o artigo 76._ do Código belga do IVA. Ao verificar mais tarde, aquando de uma inspecção fiscal, que a INZO não realizara qualquer operação tributável, a administração fiscal exigiu a restituição do IVA que a empresa havia recuperado. A INZO impugnou este pedido perante o Rechtbank van eerste aanleg, invocando nomeadamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça no acórdão Rompelman.

(16) - O acórdão baseia esta conclusão em dois princípios: a) O princípio da segurança jurídica, que se opõe a que os direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela administração fiscal. Daqui resulta que, a partir do momento em que esta última aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio, ser-lhe depois retirado com efeitos retroactivos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos; b) O princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal da empresa. Uma interpretação diferente da directiva, afirma o Tribunal, seria susceptível de criar, aquando do tratamento fiscal de actividades de investimento idênticas, diferenças não justificadas entre empresas que já realizam operações tributáveis e outras que procuram, através dos investimentos, iniciar actividades que são fonte de operações tributáveis. Do mesmo modo, seriam estabelecidas diferenças arbitrárias entre essas últimas empresas, na medida em que a aceitação definitiva das deduções dependesse da questão de saber se esses investimentos conduzem ou não a operações tributáveis.

(17) - A petição na primeira instância, após afirmar a procedência do direito à dedução, acrescenta: «Em todo o caso, esta dedução está sujeita a ajustamento por força do artigo 48._ do Código do IVA, que determina a revisão quando se tenham produzido alterações nos elementos tomados em consideração para o cálculo dos montantes dedutíveis, e do artigo 10.4 do Decreto real n._ 3.»

(18) - O acórdão do órgão jurisdicional de apelação afirmava: «Na medida em que, a posteriori, se verifique uma alteração dos factores determinantes do cálculo da dedução, como sucedeu no presente processo, visto que, em consequência da permuta, já não podia ser dado aos referidos bens o destino normalmente projectado, o único correctivo possível é o ajustamento, tal como previsto no artigo 48._ do Código do IVA e precisado no já referido Decreto real n._ 3 (artigos 6 e 10).»

(19) - A Comissão entende, por um lado, que subsiste o direito à dedução do IVA pago devido àqueles investimentos inicialmente destinados à utilização na empresa, mesmo quando esta não pôde utilizá-los posteriormente contra sua vontade; por outro lado, acrescenta que «em todo o caso, devem ajustar-se as deduções efectuadas no caso de entregas, isentas de IVA, de bens de investimento durante o período de ajustamento, na medida e nas condições previstas no n._ 3 do artigo 20._ da Sexta Directiva».

(20) - A Ghent Coal propõe que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial afirmando, em primeiro lugar, a validade da dedução sobre os investimentos destinados a uma actividade empresarial que tenha por objecto operações tributáveis. Em sua opinião, a resposta do Tribunal deve acrescentar que «se se verificar que esses investimentos perderam posteriormente a sua finalidade e, por consequência, nunca foram efectivamente utilizados na empresa, deve proceder-se, em princípio, a um ajustamento nos limites e nas condições determinadas pela Sexta Directiva. O facto de os investimentos terem perdido a sua finalidade e, por consequência, não terem sido efectivamente utilizados, por motivos alheios à vontade da empresa, não pode afectar a legalidade da dedução já efectuada, mas apenas, no máximo, a possibilidade de ajustar a referida dedução».