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Advertência jurídica importante

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61995C0347

Conclusões apensas do advogado-geral Tesauro apresentadas em 23 de Janeiro de 1997. - Fazenda Pública contra União das Cooperativas Abastecedoras de Leite de Lisboa, UCRL (UCAL). - Pedido de decisão prejudicial: Supremo Tribunal Administrativo - Portugal. - Processo C-347/95. - Fazenda Pública contra Fricarnes SA. - Pedido de decisão prejudicial: Supremo Tribunal Administrativo - Portugal. - Processo C-28/96. - Taxas nacionais de comercialização de lacticínios e de carne - Encargo de efeito equivalente - Imposição interna - Imposto sobre o volume de negócios.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-04911


Conclusões do Advogado-Geral


1 Os presentes processos prejudiciais sujeitam à apreciação do Tribunal de Justiça a problemática, já conhecida, da compatibilidade com o direito comunitário de imposições que incidem em igual medida sobre produtos nacionais e importados e cuja receita se destina a financiar as actividades institucionais de um organismo público.

Para compreender melhor o alcance das questões submetidas ao Tribunal, é oportuno descrever previamente a natureza das imposições controvertidas, os diplomas normativos que as instituíram e as competências dos diversos organismos destinatários das receitas dessas mesmas imposições (1).

2 No processo C-347/95, trata-se de uma taxa cobrada sobre os lacticínios, no momento da sua comercialização no mercado português. Esta imposição, instituída numa data (não indicada) anterior a 1974, foi posteriormente alterada por várias vezes (2).

O processo C-28/96 diz respeito a três taxas igualmente cobradas no momento da comercialização dos correspondentes produtos no mercado português: taxa de comercialização sobre as carnes, miudezas e ovos; taxa sobre a carne de bovino, ovino e caprino, especificamente destinada a combater as doenças dos ruminantes, e uma taxa sobre a carne de porco, especificamente destinada à luta contra a peste suína. Estas imposições, em vigor desde uma data anterior a 1949, foram igualmente objecto de diversas alterações posteriores (3).

3 A receita das taxas que acabamos de descrever destinava-se inicialmente a financiar um organismo de coordenação económica, criado em 1939 e denominado Junta Nacional dos Produtos Pecuários (JNPP). Na sequência da adesão de Portugal à Comunidade Europeia, todos os direitos e competências desse organismo foram transferidos, pelo Decreto-Lei n._ 15/87, de 9 de Janeiro, para um organismo público então criado, o Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas (a seguir «IROMA»), que passou simultaneamente a ser o destinatário do produto da cobrança dessas taxas.

Segundo o n._ 4 do artigo 3._ do referido decreto-lei, foram conferidas ao IROMA, organismo público dotado de personalidade jurídica, de autonomia financeira e administrativa, atribuições de gestão e coordenação dos mercados de produtos agrícolas e pecuários. Mais precisamente, o IROMA passou a assumir as seguintes competências: constituição das garantias institucionais previstas pelo sistema nacional e comunitário de intervenção, de preços, prémios, ajudas e subsídios respeitantes a esses produtos; gestão dos mecanismos financeiros previstos a nível nacional ou comunitário como suporte das acções de intervenção, regularização, orientação e organização dos mercados em causa; acompanhamento da evolução e do funcionamento dos mercados agrícolas e pecuários em Portugal e nos restantes Estados-Membros; disciplina e regularização do comércio externo dos produtos agrícolas e pecuários; participação nacional na gestão dos mercados comunitários desses produtos; colaboração com a administração nacional e com os serviços competentes da Comissão, nomeadamente através da recolha e do fornecimento das informações relativas ao funcionamento desses mercados; colaboração com os organismos representativos dos agentes económicos interessados no funcionamento desses mercados; informação e formação dos produtores, industriais, comerciantes e consumidores do sector; iniciativa legislativa em matéria de regularização, orientação e organização dos mercados em questão; e, finalmente, gestão dos matadouros.

4 Em 1988, com a adopção do Decreto-Lei n._ 282/88, de 12 de Agosto, foi criado, a par do IROMA, um novo organismo, o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (a seguir «INGA»). Foram transferidas para este último todas as competências até então exercidas pelo IROMA, com excepção da gestão dos matadouros.

O IROMA continuou, porém, a ser destinatário de uma percentagem de cerca de 50% das receitas das taxas objecto do presente processo, sendo os restantes 50% atribuídos ao INGA.

5 Mais tarde, o Decreto-Lei n._ 56/90, de 13 de Fevereiro, instituiu uma nova direcção especializada no Ministério da Agricultura, a Direcção-Geral dos Mercados Agrícolas e da Indústria Agro-Alimentar (a seguir «DGMAIAA»). Por este mesmo decreto, foram transferidas para esta Direcção-Geral todas as competências anteriormente atribuídas ao IROMA e ao INGA, bem como muitas outras competências específicas de gestão e regularização dos mercados de produtos agrícolas e pecuários (4).

Com a entrada em vigor de um novo decreto-lei nesta matéria (o Decreto-Lei n._ 284/91, de 9 de Agosto), uma parte das receitas das taxas em causa passou a ser destinada, num montante de cerca de 15%, à DGMAIAA. O produto global das taxas controvertidas passou assim, a partir desse ano, a ser repartido entre a DGMAIAA, o INGA e o IROMA.

6 Os factos que deram origem aos presentes processos remontam a 1991, no que diz respeito ao processo C-347/95, e a 1992, relativamente ao processo C-28/96. Foi precisamente pelo não pagamento das taxas anteriormente descritas, devidas em relação a esses anos, que a Fazenda Pública intentou contra a União das Cooperativas Abastecedoras de Leite de Lisboa (a seguir «UCAL») e contra a Fricarnes S.A. (a seguir «Fricarnes») duas execuções fiscais para pagamento das importâncias não cobradas.

A UCAL e a Fricarnes deduziram oposição nessas execuções, que correram seus termos pelo Tribunal Tributário de Lisboa, alegando inconstitucionalidade das imposições controvertidas. O tribunal de primeira instância julgou procedentes as alegações das executadas, declarando ilegais as taxas em questão, mas por incompatibilidade com o direito comunitário, mais precisamente com os artigos 9._ e 12._ do Tratado.

7 A Fazenda Pública (a seguir «recorrente») recorreu das duas sentenças para o Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu suspender ambos os processos e remeter ao Tribunal de Justiça dois pedidos prejudiciais, solicitando-lhe que se pronunciasse sobre a interpretação das respectivas disposições comunitárias.

As três questões prejudiciais do tribunal de reenvio, constantes dos despachos de 11 de Agosto de 1994 e 11 de Outubro de 1995, têm uma formulação semelhante e incidem sobre a compatibilidade das taxas controvertidas com o artigo 95._ do Tratado, com os artigos 9._ e 12._ desse mesmo Tratado, bem como com o artigo 33._ da Sexta Directiva IVA 77/388/CEE (5).

Quanto às primeira e segunda questões

8 A primeira e a segunda questão, respeitantes à compatibilidade das taxas em causa com os artigos 9._ e 12._, por um lado, e 95._, por outro, são estreitamente conexas e, por isso, serão tratadas em conjunto.

A este propósito, considero oportuno relembrar, antes de mais, ainda que sucintamente, os princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência nesta matéria, que não hesito em qualificar como particularmente exaustiva e assente.

9 Em primeiro lugar, o Tribunal esclareceu, por várias vezes, que as disposições do Tratado em matéria de encargos de efeito equivalente e o artigo 95._, relativo a imposições internas discriminatórias, não podem ser aplicados cumulativamente; portanto, a legalidade dos regimes fiscais (ou parafiscais) nacionais que recaem no âmbito de aplicação das primeiras não podem, no contexto do Tratado, ser apreciadas por referência ao segundo (6).

O Tribunal precisou também que, para efeitos de qualificação e apreciação jurídica das imposições que incidem indistintamente sobre produtos nacionais e importados, é necessário ter em conta o destino das respectivas receitas. De facto, algumas imposições, embora cobradas em igual medida sobre produtos nacionais e sobre produtos importados, podem, pelo destino que lhes é dado, ter uma incidência substancialmente diversa sobre as duas categorias de produtos, de modo que podem configurar-se, conforme as circunstâncias, como encargos de efeito equivalente ou como imposições internas discriminatórias. Com efeito, segundo jurisprudência assente, mesmo tratando-se de encargos fiscais formalmente não discriminatórios, se se destinarem a financiar actividades que beneficiam exclusivamente os produtos nacionais onerados com a taxa, traduzem-se, para o produto nacional, numa despesa que acaba por ser substancialmente compensada pelos benefícios recebidos, enquanto para o produto importado representam um encargo líquido, que não encontra qualquer compensação na concessão de outras vantagens ou subvenções (7).

10 Nesses casos, como foi precisado em último lugar no acórdão Scharbatke (8), deve verificar-se em que medida a imposição cobrada sobre o produto nacional é compensada pelos benefícios recebidos. Se a compensação for integral, deve considerar-se que o encargo onera exclusivamente o produto importado e constitui, portanto, um encargo de efeito equivalente; se a compensação for parcial, há que concluir que, ainda assim, incide sobre o produto nacional um encargo inferior ao que onera o produto importado, o que tem como consequência que se está em presença de uma imposição discriminatória, na acepção do artigo 95._ do Tratado.

É pacífico, por outro lado, que essa verificação compete ao órgão jurisdicional nacional, posto que só ele dispõe de todos os elementos, incluindo os elementos de facto, necessários à apreciação do caso concreto (9).

11 Resulta ainda da mesma jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação do princípio da compensação pressupõe que haja identidade entre o produto tributado e o produto nacional beneficiário (10). Com efeito, para apurar se houve ou não compensação dos encargos fiscais suportados, é obviamente necessário que a receita das taxas reverta, pelo menos parcialmente, em benefício dos produtos nacionais tributados e não exclusivamente em benefício de outros produtos. Neste último caso, é claro que a questão da compensação não se põe quando uma imposição, cobrada por exemplo sobre a comercialização de carne, vem a ser posteriormente utilizada para financiar incentivos que beneficiam exclusivamente outros sectores, por exemplo a produção de leite e derivados.

12 O acórdão Celbi contém indicações úteis a respeito dos critérios em que o juiz nacional se deve basear para apurar se a compensação de que beneficia o produto nacional é total ou parcial. A este propósito, o Tribunal precisou que se deve apurar, com referência a um determinado período de tempo, se há equivalência pecuniária entre os montantes cobrados sobre os produtos nacionais a título da taxa e as vantagens de que estes produtos beneficiam em exclusivo. Qualquer outro parâmetro, como a natureza, a importância ou o carácter indispensável dos referidos benefícios não fornece uma base suficientemente objectiva para avaliar a compatibilidade de uma medida fiscal nacional com as disposições do Tratado (11).

13 No que se refere, por último, às consequências que o órgão jurisdicional nacional deve deduzir da qualificação jurídica da imposição numa ou noutra categoria de normas, tal resultava já do acórdão IGAV: no caso de os benefícios a favor da produção nacional compensarem na totalidade (ou até excederem) o encargo que incide sobre essa mesma produção, a taxa cobrada sobre o produto importado deverá, como taxa de efeito equivalente a um direito aduaneiro, considerar-se ilegal na sua totalidade; na hipótese inversa, de os benefícios só parcialmente compensarem o encargo que onera a produção nacional, a taxa cobrada sobre o produto importado, legal em princípio, deverá ser apenas proporcionalmente reduzida (12).

14 Voltando ao caso que nos ocupa, competirá, portanto, ao tribunal nacional, por aplicação dos princípios que acabamos de recordar, verificar se, de entre as numerosas actividades institucionalmente desenvolvidas pelos organismos (sucessivos) destinatários do produto das taxas controvertidas, resultam efectivamente benefícios também para os produtos importados tributados, e, se assim for, em que medida.

Isto dito, não me parece que uma resposta do Tribunal que se limitasse a repetir os princípios que resultam da sua jurisprudência constante fosse susceptível de permitir ao tribunal nacional resolver o litígio que lhe cabe apreciar. Com efeito, se assim fosse, não teria suspendido a instância e solicitado ao Tribunal de Justiça que o esclarecesse quanto a este aspecto (13). Na verdade, o próprio facto de o tribunal nacional ter levantado a questão que hoje nos ocupa é sintomático, na minha opinião, das inegáveis dificuldades de aplicação desta jurisprudência, apesar de clara nas suas linhas essenciais, aos casos concretos.

15 Tentarei, portanto, formular algumas observações mais circunstanciadas sobre as taxas controvertidas, com o objectivo de fornecer ao tribunal de reenvio o maior número possível de indicações úteis para determinar a sua qualificação jurídica. E isto, bem entendido, dentro dos limites das informações constantes dos autos (tal como foram completadas pelas informações fornecidas pelas partes) e no respeito da competência desse mesmo tribunal, ao qual incumbe, recordo, decidir definitivamente nesta matéria.

As taxas controvertidas, como foi dito, são imposições que oneram indistintamente os produtos nacionais e os produtos importados, quer quanto aos valores da taxa aplicáveis, quer quanto às modalidades de cobrança (14). Na altura dos factos, o produto das taxas era repartido, em percentagens diversas, entre os três organismos públicos, dos quais um (a DGMAIAA) tinha competência legal para organizar e coordenar, nos termos acima explicitados, o mercado dos produtos agrícolas e pecuários (15).

16 É exactamente da análise das competências conferidas aos organismos em causa que a recorrente, bem como o Governo português e a Comissão, embora reconhecendo que a competência para decidir sobre esta questão cabe em última análise ao órgão jurisdicional nacional, concluem que as taxas em causa não parecem constituir nem encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros nem imposições discriminatórias na acepção da referida jurisprudência do Tribunal de Justiça. E isto essencialmente porque os organismos destinatários do produto das taxas desenvolviam (ou tinham desenvolvido) as actividades de gestão e coordenação do mercado relevante em benefício de todos os operadores do sector, nacionais ou estrangeiros.

Estes argumentos não são porém, por si só, decisivos. Com efeito, não excluem que, independentemente da irrelevância formal da diferença entre produtos nacionais e produtos importados, à produção nacional acabe por caber, de facto, um benefício exclusivo ou predominante das prestações desses mesmos organismos, ou que o encargo suportado pelos produtos nacionais seja total (ou parcialmente) compensado por esse benefício.

17 Atente-se no exemplo das imposições especificamente destinadas a combater a doença dos ruminantes e a peste suína. É evidente que as receitas dessas imposições, destinadas ao financiamento das medidas directas de prevenção e cura da doença dos animais poderão, com toda a probabilidade beneficiar em maior medida, se não exclusivamente, as cabeças de gado do território nacional (16).

Mas tenha-se igualmente em conta o papel desempenhado pelo IROMA (actualmente pela DGMAIAA) no quadro da disciplina e regularização do comércio externo de produtos agrícolas e pecuários (17). É evidente que, se a expressão «comércio externo» designar não só o comércio dos produtos em causa com países terceiros, mas também o comércio intracomunitário, isso implica que, com toda a probabilidade, sejam os produtores (e portanto os produtos) nacionais os únicos destinados a beneficiar em exclusivo desta específica actividade.

18 Numa perspectiva oposta, o Governo português alega que uma prova suplementar da compatibilidade das taxas em apreço com as disposições comunitárias aplicáveis resulta da circunstância de, na altura dos factos que interessam a ambas as causas, só a DGMAIAA ter competências no sector em apreço, enquanto o INGA e o IROMA - que, no entanto, continuavam a ser destinatários de uma boa parte das receitas das taxas controvertidas (cerca de 85%) - já não desempenhavam qualquer papel significativo no sector. Segundo o Governo português, este facto excluiria a priori qualquer possibilidade de os encargos suportados pelos produtos nacionais serem compensados pelo benefícios resultantes da actividade destes dois últimos organismos.

Confesso que este argumento também me não parece convincente. Na minha opinião, levanta, ao invés, o problema oposto: de facto terá ainda que se apurar - e o Tribunal de Justiça não dispõe de informações precisas quanto a este aspecto - que tipo de actividade desenvolvem o INGA e o IROMA, organismos que, depois de terem sido «espoliados» das competências organizativas do mercado transferidas para a DGMAIAA, continuaram, no entanto, a ser destinatários de uma percentagem significativa dos proventos derivados das taxas controvertidas; e qual a incidência que essas actividades tinham numa eventual compensação dos encargos que oneram, respectivamente, os produtos nacionais e os produtos importados.

19 A Comissão realça, além disso, que, no caso em apreço, falta outra condição estabelecida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para que se possa considerar uma eventual compensação do encargo, isto é, a identidade entre o produto tributado e o produto nacional eventualmente beneficiado. E isto porque os organismos destinatários das taxas tinham uma competência genérica para a organização de todo o mercado de produtos agrícolas e pecuários, ao passo que as taxas em questão oneravam exclusivamente determinados produtos.

É, no entanto, evidente, que esta argumentação se baseia numa leitura pouco precisa da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Como já acima salientei, no número 11, esta condição deve ser entendida no sentido de que a questão da compensação não se põe quando uma imposição cobrada sobre determinado produto é utilizada para financiar incentivos que beneficiam apenas outros produtos; não é o que acontece quando a imposição é utilizada para financiar a actividade de toda uma organização de mercado, na qual se inclui, por definição, também o produto em causa.

20 Em suma, tendo em consideração as dificuldades com que se defronta visivelmente o tribunal de reenvio para a aplicação dos princípios desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, será útil que este lhe forneça o maior número de indicações úteis para a solução do litígio; e isto também para reduzir o risco - para o qual já chamei a atenção nas conclusões que apresentei no processo Lornoy e o. - de que as orientações expressas por juízes diferentes eventualmente chamados a pronunciar-se em relação a essa mesma taxa venham a ser divergentes (18).

Quanto à terceira questão

21 Para fornecer ao juiz uma resposta à terceira questão que incide, recordo, sobre a compatibilidade das imposições em causa com o artigo 33._ da Sexta Directiva IVA, são necessárias algumas observações muito breves. Esta disposição, como é sabido, veda aos Estados-Membros a introdução ou a manutenção em vigor de impostos, direitos ou taxas que tenham as características de impostos sobre o volume de negócios.

Ora, parece-me que resulta da análise das imposições em apreço, com bastante clareza, que estas têm características diferentes das do IVA, tal como foram definidas, de modo preciso, por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (19). Com efeito, estas imposições, ao contrário do IVA, não se aplicam de modo generalizado, só se aplicando, pelo contrário, a determinados produtos; não são (ou, pelo menos, não parecem ser) proporcionais ao preço desses mesmos produtos; não são cobradas em cada fase do processo de produção e distribuição, mas apenas no estádio da comercialização; finalmente, não se aplicam ao valor acrescentado dos produtos, não sendo, portanto, deduzível a parte do imposto já paga pelas operações a montante.

Não me parece, assim, que se coloque qualquer problema de compatibilidade das taxas em causa com o disposto no referido artigo da Sexta Directiva.

À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Supremo Tribunal Administrativo:

«1) Uma taxa que incide nas mesmas condições sobre os produtos nacionais e os produtos importados, cuja receita se destina a financiar actividades de que beneficiam exclusivamente os produtos nacionais, de modo que os benefícios que daí resultam compensam integralmente os encargos que os oneram, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro proibido pelos artigos 9._ e 12._ do Tratado. Quando esses benefícios só compensam parcialmente os encargos suportados pelos produtos nacionais, a taxa constitui uma imposição interna discriminatória, proibida pelo artigo 95._ do Tratado.

Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se existe equivalência pecuniária entre o montante total da taxa cobrada sobre os produtos nacionais e os benefícios de que esses produtos usufruem em exclusivo. No quadro dessa verificação, o órgão jurisdicional nacional deverá tomar em consideração o facto de as receitas da taxa serem especificamente destinadas a combater a doença dos animais criados no território nacional e/ou a regularizar o comércio com os outros Estados-Membros dos produtos aos quais a taxa se aplica.

2) O artigo 33._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, não obsta a que os Estados-Membros instituam ou mantenham em vigor imposições que não tenham a natureza de imposto sobre o volume de negócios; uma imposição cobrada apenas em relação a determinados produtos, que não é proporcional ao preço desses mesmos produtos, que não é cobrada em cada fase do processo de produção e distribuição e que não se aplica ao valor acrescentado dos produtos, não tem a natureza de imposto sobre o volume de negócios.»

(1) - Os dois despachos de reenvio são, na verdade, algo lacónicos a este respeito, porquanto se limitam, no fundo, a formular as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal. Considero, porém, que os elementos de facto e de direito constantes dos autos são suficientes, especialmente os esclarecimentos prestados pela recorrente, pelo Governo português e pela Comissão em resposta a perguntas precisas que o Tribunal lhes submeteu por escrito. Tendo igualmente em consideração o carácter não formal mas substancial que, segundo creio, deve assumir a cooperação entre o tribunal comunitário e o tribunal nacional, também não me atreverei a aprofundar o problema da adequação formal dos despachos de reenvio à possibilidade de o Tribunal de Justiça deles conhecer.

(2) - O Decreto-Lei n._ 309/86, de 23 de Setembro, estabelecia no seu artigo 1._ os montantes da taxa aplicável na altura dos factos que interessam à decisão da causa.

(3) - O montante da taxa aplicável por cada uma dessas imposições era fixado, na altura dos factos, respectivamente pelo Decreto-Lei n._ 343/86, de 9 de Outubro, pelo Decreto-Lei n._ 240/82, de 22 de Junho, e pelo Decreto-Lei n._ 44158, de 17 de Janeiro de 1962. As três taxas foram posteriormente revogadas pelo Decreto-Lei n._ 365/93, de 22 de Outubro. Como se pode ver pelas alegações da Comissão, todas as taxas foram objecto de procedimentos por infracção, por violação das obrigações impostas pelo artigo 95._ do Tratado, procedimentos esses que foram posteriormente arquivados por várias razões: em relação à primeira taxa, por se ter verificado a ausência de efeitos discriminatórios; em relação às outras duas taxas, na sequência da sua revogação.

(4) - V., nomeadamente, os artigos 2._ e 6._, n._ 1, do Decreto-Lei n._ 56/90.

(5) - Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

(6) - V, entre a jurisprudência mais recente, o acórdão de 2 de Agosto de 1993, Celbi (C-266/91, Colect., p. I-4337, n._ 9). Mas este princípio já se encontra formulado nos acórdãos de 8 de Julho de 1965, Deutschmann (10/65, Colect. 1965-1968, p. 157), e de 16 de Junho de 1966, Lütticke (57/65, Colect. 1965-1968, p. 361).

(7) - A jurisprudência sobre esta questão é copiosa; v, por exemplo, os acórdãos de 19 de Junho de 1973, Capolongo (77/72, Colect., p. 253), de 18 de Junho de 1975, IGAV (94/74, Colect., p. 241) e de 25 de Maio de 1977, Cucchi (77/76, Colect., p. 353), ou, mais recentemente, o acórdão de 11 de Março de 1992, Compagnie commerciale de l'Ouest e o. (C-78/90 a C-83/90, Colect., p. I-1847).

(8) - Acórdão de 27 de Outubro de 1993 (C-72/92, Colect., p. I-5509, n._ 10).

(9) - V., por exemplo, o acórdão Compagnie commerciale de l' Ouest e o., já referido na nota 7, n._ 28, bem como o acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Lornoy e o. (C-17/91, Colect., p. I-6523, n._ 22).

(10) - V. acórdão Cucchi, já referido na nota 7, bem como o acórdão de 25 de Maio de 1977, Interzuccheri (105/76, Recueil, p. 1029, Colect., p. 383).

(11) - Acórdão Celbi, já referido na nota 6, n._ 18.

(12) - Acórdão IGAV, já referido na nota 7, n._ 13; v. também, mais recentemente, o acórdão Compagnie commerciale de l'Ouest e o., igualmente já referido na nota 7, n._ 27.

(13) - Lembre-se, por outro lado, que o órgão jurisdicional nacional que levantou a questão que hoje nos ocupa é o mesmo que, no processo Celbi, tinha requerido ao Tribunal de Justiça uma interpretação das mesmas disposições. De onde resulta que esse órgão jurisdicional está, evidentemente, perfeitamente ciente dos princípios constantes da jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria.

(14) - Sublinhe-se, a este propósito, que ainda não é claro qual era, na altura dos factos, o verdadeiro facto gerador das taxas controvertidas. Embora dos autos resulte que se tratava de taxas cobradas no momento da comercialização dos correspondentes produtos, algumas afirmações, feitas na audiência pelo agente do Governo português, permitem supor que, em relação aos produtos importados, as imposições em causa eram cobradas no momento da importação. Também quanto a este aspecto incumbe ao juiz nacional proceder às necessárias verificações para daí retirar as devidas ilações.

(15) - V. supra, n.os 3 a 5.

(16) - Facto este aliás que foi, no essencial, admitido pelo Governo português na audiência.

(17) - V. supra, n._ 3.

(18) - Conclusões de 25 de Junho de 1992, no processo Lornoy e o., já referido na nota 9, alínea a).

(19) - V., por exemplo, o acórdão de 31 de Março de 1992, Dansk Denkavit e Poulsen Trading (C-200/90, Colect., p. I-2217, n._ 11).