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Advertência jurídica importante

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61995C0370

Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 27 de Fevereiro de 1997. - Careda SA (C-370/95), Federación nacional de operadores de máquinas recreativas y de azar (Femara) (C-371/95) e Asociación española de empresarios de máquinas recreativas (Facomare) (C-372/95) contra Administración General del Estado. - Pedido de decisão prejudicial: Audiencia Nacional - Espanha. - Impostos sobre a exploração de máquinas de jogos - Imposto sobre o volume de negócios - Repercussão sobre o consumidor. - Processos apensos C-370/95, C-371/95 e C-372/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-03721


Conclusões do Advogado-Geral


1 As questões apresentadas ao Tribunal de Justiça pela Audiencia Nacional nos três processos apensos solicitam que o Tribunal de Justiça precise certos elementos constitutivos do conceito de imposto sobre o volume de negócios enunciado no artigo 33._ da Sexta Directiva IVA (1) (a seguir «Sexta Directiva»). As questões visam permitir a qualificação, à luz desse diploma, do imposto adicional ao imposto que incide sobre os jogos de fortuna e azar e as apostas, instituído pelas autoridades espanholas para 1990 (a seguir «imposto adicional»). Para este efeito, o juiz a quo deseja precisar melhor o critério da repercussão do imposto sobre o consumidor, e a função ocupada pela factura na declaração dessa repercussão.

I - O quadro jurídico nacional

2 Resulta do despacho de reenvio no processo C-370/95 (a seguir «decisão de reenvio») e das observações das demandantes (2) que as questões prejudiciais foram formuladas após, por um lado, um recurso contra uma liquidação feita pelo Ministério da Economia e das Finanças espanhol a título do imposto adicional, aplicado às máquinas de jogos com possibilidade de prémios (denominadas do tipo «B») (3) e, por outro, dois recursos interpostos na Audiencia Nacional, destinados à anulação do decreto ministerial de 6 de Setembro de 1990 (4), o qual constitui uma parte da base jurídica do imposto em causa. O recurso interposto da liquidação deu origem a uma decisão do Tribunal Económico-Administrativo Central, de 13 de Novembro de 1992, da qual foi interposto recurso para a Audiencia Nacional.

3 Embora os processos nacionais na origem dos presentes recursos digam respeito ao imposto adicional, o juiz de reenvio refere-se quer ao regime jurídico do imposto sobre os jogos de fortuna e azar e das apostas (a seguir «imposto sobre os jogos») quer ao regime deste último (5).

4 De facto, a maior parte das características das duas imposições são comuns, como resulta da leitura das seguintes disposições da Lei n._ 5/1990 (6), na origem do imposto adicional:

«1. O imposto adicional é aplicado às máquinas e aparelhos automáticos de jogos do tipo `B' ou `C' (7)... relativamente às quais o imposto para o ano de 1990 se venceu antes da entrada em vigor da presente lei.

2. Os sujeitos passivos são aqueles que estão sujeitos ao imposto sobre os jogos de fortuna e azar e as apostas» (8).

5 Os principais elementos do regime do imposto sobre os jogos, como resultam da leitura da decisão de reenvio (9) e dos textos aplicáveis (10), são os seguintes.

6 O imposto sobre os jogos aplica-se em todo o território espanhol no momento da autorização, ou na sua falta, da organização do jogo. Os sujeitos passivos são os organizadores e as empresas cujas actividades compreendem a organização de jogos de fortuna e azar. A matéria colectável é constituída pelas receitas brutas que os casinos retiram do jogo ou pelos montantes que os jogadores pagam pela sua participação nos jogos que se realizam nos diferentes locais ou instalações onde são organizados os jogos de fortuna e azar e as apostas.

7 A diferença entre os dois impostos consiste principalmente no seu período de exigibilidade e no seu montante.

8 O imposto sobre os jogos é exigível por ano civil e vence-se em 1 de Janeiro de cada ano, para os aparelhos autorizados nos anos anteriores. O imposto adicional é devido exclusivamente em relação ao ano de 1990.

9 Relativamente ao montante do imposto sobre os jogos, o juiz de reenvio refere que «existe uma percentagem geral de referência de 20% sobre o produto obtido que se aplicou inicialmente... [que] na sua evolução posterior... foi preterida em favor da aplicação de quotas fixas estabelecidas por presunção proporcionalmente ao movimento da máquina» (11). O montante do imposto adicional é obtido pelo cálculo da diferença entre duas categorias de taxas fixas (12). De facto, verifica-se que o imposto adicional permitiu aumentar, para o ano de 1990, o montante do imposto sobre os jogos aplicado aos aparelhos do tipo «B».

II - As questões prejudiciais

10 As questões apresentadas, principalmente centradas na repercussão do imposto sobre o consumidor, tornam acessórias as diferenças existentes entre os dois impostos, de modo que farei referência indistintamente ao regime jurídico de um ou outro imposto, já que estes têm a mesma natureza, como salienta o Governo do Reino de Espanha (13).

11 Tanto perante o juiz nacional como perante o Tribunal de Justiça, as demandantes no processo principal invocam a violação do artigo 33._ da Sexta Directiva (14), que dispõe:

«Salvo o disposto noutras normas comunitárias, as disposições da presente directiva não impedem um Estado-Membro de manter ou introduzir impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos e apostas, sobre consumos específicos, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios.»

12 Sustentam que a imposição cobrada sobre as máquinas do tipo «B» em Espanha é um imposto «que tem as mesmas qualidades e características essenciais que o imposto sobre o valor acrescentado, de modo que viola por esse facto a proibição estabelecida no artigo 33._ da Sexta Directiva» (15). Pelo contrário, o Governo do Reino de Espanha e a Comissão consideram que as imposições em causa não têm as características de um imposto sobre o volume de negócios que as tornem incompatíveis com o artigo 33._ (16).

13 A jurisprudência constante do Tribunal de Justiça considera que esta disposição «não constitui obstáculo à manutenção ou à introdução de direitos de registo ou de outros tipos de impostos, direitos ou taxas, desde que estes não tenham as características essenciais do imposto sobre o valor acrescentado» (17). É mesmo permitido aos Estados-Membros cumular o IVA com impostos, direitos ou taxas diferentes dos impostos sobre o volume de negócios (18).

14 O juiz de reenvio considera que não há dúvida de que, aquando da fixação das taxas fixas que incidem sobre as máquinas dos diferentes tipos, houve que ter em conta o volume de negócios por elas realizado, e que, «mesmo que na legislação que rege o imposto sobre o jogo e o seu adicional... não conste expressamente que o mesmo se repercute sobre o consumidor, resulta, como sublinhou várias vezes a jurisprudência do Tribunal Supremo, que o último destinatário é o consumidor, para quem em último lugar se transfere a carga tributária...». Daí deduz que «o imposto sobre o jogo espanhol parece reunir as condições que determinariam a incompatibilidade com o artigo 33._ da Sexta Directiva» (19).

15 No entanto, para completar a sua convicção, a Audiencia Nacional pretende que se precise o conceito de «repercussão» dos impostos sobre o consumidor (20), em especial quando essa repercussão não é expressamente prevista pela lei. Além disso, interroga-se sobre os efeitos que pode produzir sobre a natureza dos impostos espanhóis a falta de emissão de um documento que declare a repercussão.

16 Assim, nos termos do artigo 177._ do Tratado, o juiz espanhol submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1) O conceito de repercussão do imposto sobre o consumidor, na acepção da Sexta Directiva 77/388/CEE de 17 de Maio e da demais legislação comunitária, e para configurar o conceito de imposto sobre o volume de negócios, pressupõe, sempre e em todos os casos, que a lei fiscal da imposição em questão estabeleça expressamente que o referido imposto é susceptível de se repercutir sobre o consumidor ou basta, pelo contrário, que o imposto possa, numa interpretação razoável da referida lei, considerar-se de facto incluído no preço que é pago pelo consumidor?

2) Um imposto cobrado por quota fixa, de quantia importante sobre o total do volume de negócios ou da facturação e que tem em conta o referido volume de negócios, se for pago pelo consumidor, pode ser considerado um imposto sobre o volume de negócios mesmo que não exista a repercussão expressa (factura) sobre o consumidor, por se tratar de transacções automáticas, mediante a utilização de moedas, existindo um preço de utilização? Neste caso, é violado o artigo 33._ da Sexta Directiva 77/388/CEE, em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, sendo, portanto, incompatível com a mesma?»

17 A formulação utilizada demonstra que, contrariamente à tese privilegiada pelas partes intervenientes, destinada a apreender na sua globalidade a natureza jurídica dos impostos em causa, a Audiencia Nacional não convidou o Tribunal de Justiça a pronunciar-se sobre a interpretação do artigo 33._ da Sexta Directiva para apreciar cada uma das características de uma imposição tal como a instituída pela lei espanhola.

18 Na verdade, a última frase da segunda questão, redigida em termos gerais, é relativa à compatibilidade com o artigo 33._ da Sexta Directiva de uma imposição que tenha as características do imposto sobre os jogos e do imposto adicional. Assim formulada, a frase não precisa se a pergunta do juiz se limita à parte de interpretação que fez o Tribunal de Justiça do artigo 33._, que faz da repercussão dos impostos sobre o consumidor um elemento da definição do imposto sobre o volume de negócios, ou se é relativa também aos critérios jurisprudenciais de análise dos impostos nacionais à luz do artigo 33._ que não foram abordados na decisão de reenvio, ou ainda se ela diz respeito pura e simplesmente à interpretação do conjunto das disposições desse preceito.

19 A dúvida desaparece pela leitura da decisão de reenvio, donde resulta, como referimos (21), que a Audiencia Nacional se considera suficientemente esclarecida quanto à existência e ao alcance de certos critérios elaborados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para interpretação do artigo 33._ da Sexta Directiva.

20 Verifica-se assim que o juiz espanhol apenas considera necessária para solução do litígio a interpretação da parte desse preceito que considera a repercussão duma imposição sobre o consumidor uma característica essencial do imposto sobre o volume de negócios. Procedendo a uma análise global dos impostos em litígio à luz do artigo 33._ da Sexta Directiva e dos critérios da jurisprudência do Tribunal, parece-me que as partes intervenientes ultrapassam o âmbito das questões que são apresentadas.

21 Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça sobre o âmbito dos pedidos em matéria de questões prejudiciais, «as considerações que puderam conduzir um órgão jurisdicional nacional à escolha das suas questões, bem como a relevância que pretende atribuir-lhes no âmbito de um litígio que é sujeito à sua decisão, não são sujeitas à apreciação do Tribunal de Justiça» (22). Deste modo, não me parece que seja de considerar que nos devemos pronunciar, como sugerem as partes intervenientes, sobre a relevância do raciocínio seguido pelo juiz nacional, que o conduziu a considerar como estabelecidos certos elementos que entram na definição do imposto sobre o volume de negócios, mesmo que se considere que esses critérios não se verificam. Quando muito, podemos fazer referência a elementos retirados da jurisprudência do Tribunal que permitem determinar a natureza de uma imposição nacional à luz do artigo 33._ e que não foram objecto de análise por parte do juiz de reenvio.

22 O Tribunal de Justiça elaborou os critérios de identificação das imposições obrigatórias que correspondem à definição de impostos, direitos e taxas que têm a natureza de um imposto sobre o volume de negócios. Recordar esses princípios irá permitir-nos situar o conceito de «repercussão» nessa definição.

III - O conceito de imposto sobre o volume de negócios

23 A proibição do cúmulo do IVA com outras taxas ou impostos que tenham natureza de imposto sobre o volume de negócios explica-se pela existência de um sistema harmonizado constituído sob a forma de um sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

24 A Primeira Directiva IVA (23) (a seguir «Primeira Directiva») estabelece os princípios básicos desse sistema. Enuncia o objectivo prosseguido, que é o de «realizar uma harmonização das legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios a fim de eliminar, tanto quanto possível, os factores que possam falsear as condições de concorrência...» (24). Na lógica deste diploma, a harmonização pressupõe a «eliminação dos sistemas de impostos cumulativos em cascata» (25), em vigor em certos países da Comunidade, cuja característica principal é a de onerar, em cada transacção, a totalidade do preço, sem dedução possível do imposto pago na fase anterior. Essa imposição é desprovida de neutralidade uma vez que, por um efeito mecânico, favorece os circuitos económicos integrados, e encarece tanto mais os preços dos bens ou dos serviços quanto mais elevado for o valor produzido aquando das primeiras fases da sua produção.

25 A Segunda Directiva IVA (26) (a seguir «Segunda Directiva») implementa esse sistema, fundamentado numa definição comunitária do IVA, em substituição dos sistemas nacionais. A competência fiscal dos Estados-Membros é preservada, excepto no domínio especial do IVA.

26 O artigo 33._ da Sexta Directiva vem garantir a coerência e a perenidade do sistema comum, autorizando apenas os impostos que não sejam aqueles que correspondam aos critérios do imposto sobre o volume de negócios, adoptados, a partir de então, pela legislação comunitária. O objectivo de harmonização não seria atingido se os Estados-Membros fossem autorizados a acrescentar ao IVA outros impostos ou taxas com as mesmas características.

27 Foi essa a interpretação que o Tribunal de Justiça fez do artigo 33._ no acórdão Rousseau Wilmot, donde resulta que:

«O artigo 33._ da Sexta Directiva, ao deixar a liberdade aos Estados-Membros de manterem ou de introduzirem certos impostos indirectos, tais como os impostos sobre os consumos específicos, na condição de não se tratar de impostos `que tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios', tem por objectivo impedir que o funcionamento do IVA seja comprometido por medidas fiscais de um Estado-Membro que onerem a circulação dos bens e dos serviços, e incidam sobre as transacções comerciais de modo comparável ao que caracteriza o IVA» (27).

28 O artigo 33._ da Sexta Directiva não especifica o que é necessário entender por imposto que tenha a «natureza de imposto sobre o volume de negócios». O Tribunal de Justiça declarou que deviam «... ser considerados como onerando a circulação de bens e de serviços de uma forma comparável ao IVA os impostos, direitos e taxas que apresentem as características essenciais do IVA» (28).

29 A jurisprudência do Tribunal precisa quais são as características essenciais. Salienta que «o IVA aplica-se em geral às transacções que têm por objecto bens ou serviços; é proporcional ao preço desses bens e desses serviços; é cobrado em cada fase do processo de produção e de distribuição; por último, aplica-se sobre o valor acrescentado dos bens e dos serviços, sendo o imposto devido por ocasião de uma transacção calculado após dedução do imposto pago no momento da transacção anterior» (29).

30 Há que acrescentar que o IVA é um «imposto geral sobre o consumo» (30), cuja carga não é suportada pelas empresas, incumbido esta, em definitivo, ao consumidor final (31). Por consequência, é fácil compreender que um imposto fixado sem que seja possível permitir a sua repercussão sobre os consumidores é de uma natureza diferente da do imposto sobre o volume de negócios na acepção das directivas IVA. Tal imposto incide directamente sobre o processo de produção e não pode, assim, preencher as mesmas funções.

31 Por isso, na acepção do artigo 33._ da Sexta Directiva, um imposto sobre o volume de negócios é também o imposto que pode ser repercutido sobre o consumidor. Pelo facto de ser assim, é necessário que a lei o especifique?

IV - Quanto à menção expressa na lei do conceito de «repercussão do imposto sobre o consumidor»

32 Não penso que se possa acolher o argumento segundo o qual a repercussão não é realizável, ou deve ser considerada como tal, porque uma legislação como a lei espanhola não a prevê expressamente.

33 Como recorda a Comissão fazendo referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça (32), o artigo 33._ da Sexta Directiva deve ser interpretado de modo teleológico. A sua finalidade é impedir que os Estados-Membros adoptem, ou mantenham, imposições que funcionariam, de facto - e independentemente da formulação dada pelas legislações que as organizam -, do mesmo modo que o imposto sobre o volume de negócios. A aplicação das regras é mais importante que a sua redacção formal que, no caso de não corresponder à prática, deve ser considerada acessória.

34 Aliás, é o que resulta da análise do regime do IVA. O conceito de «repercussão sobre o consumidor» é uma característica desse imposto, embora não figure na definição literal que dele é dada na Primeira Directiva. O IVA é qualificado por esse diploma como imposto «sobre o consumo» simplesmente para exprimir a ideia que é devido pela cessão de um bem ou da prestação de um serviço, não para dizer que a sua carga é transferida para o adquirente ou o beneficiário. Daqui pode-se deduzir que é sobretudo importante, para além dos termos da lei, que o mecanismo implementado permita ao operador económico em relação com o consumidor integrar no preço praticado, ou acrescentar-lhe, o montante do imposto a que foi sujeito a título da operação em causa, de modo que a carga fiscal não lhe incumba.

35 A exigência de uma menção expressa da lei não é, de resto, sustentada por nenhuma das partes intervenientes. As demandantes no processo principal, em especial, expõem que, para que uma imposição constitua um imposto sobre o volume de negócios, «não é necessário que a legislação nacional que lhe é aplicável estabeleça expressamente que essa imposição é susceptível de ser repercutida sobre o consumidor» mas que «basta, pelo contrário, que essa legislação permita, ou pelo menos não impeça, a repercussão directa ou indirecta e que a imposição possa ser considerada incluída no preço dos bens ou dos serviços pagos pelo consumidor» (33). Do mesmo modo, a Comissão concluiu que «a ausência total de referência expressa aos critérios que determinam o conceito de imposto sobre o volume de negócios no texto da lei nacional não tem importância quando se trata de decidir da compatibilidade de uma dada imposição com o artigo 33._ da Sexta Directiva» (34).

V - Quanto à falta de documento que comprove a repercussão do imposto sobre o consumidor

36 Dando por assentes a repercussão dos impostos sobre o consumidor e o facto de o seu montante ser proporcional às receitas, o juiz nacional coloca, no entanto, a questão de saber se estes critérios são bastantes para lhes reconhecer a natureza de impostos sobre o volume de negócios, uma vez que a repercussão não é expressamente mencionada em nenhum documento.

37 Com efeito, a emissão aos utilizadores das máquinas de jogos de uma factura, ou qualquer outro documento que a substitua, não é materialmente possível, devido ao carácter automático e repetitivo, num curto espaço de tempo, da actividade onerada.

38 Em matéria fiscal, a função da factura é essencial para assegurar o controlo das operações económicas destinado à cobrança eficaz do imposto. No domínio particular do IVA, a factura é um instrumento do direito à dedução. Este permite ao sujeito passivo imputar, no imposto aplicável aos bens produzidos ou aos serviços por ele prestados, os impostos que incidem sobre a totalidade dos elementos do preço de custo. Para a maior parte das prestações de serviços, a dedução está sujeita, nos termos do artigo 18._, n._ 1, alínea a), da Sexta Directiva, à posse de uma factura, emitida nos termos do artigo 22._, n._ 3, do mesmo diploma.

39 O artigo 22._, n._ 3, alínea a), já referido, impõe a obrigação da emissão de uma factura em dois casos: por um lado, no caso de entrega de bens e de prestação de serviços por um sujeito passivo a outro sujeito passivo e, por outro, em relação aos pagamentos efectuados por um sujeito passivo a outro sujeito passivo, antes de se realizar a entrega dos bens ou a prestação de serviços.

40 Neste domínio, a obrigação da emissão de uma factura não afecta, portanto, as relações entre o prestador de serviços e o consumidor final. Não sendo estes considerados «sujeitos passivos» na acepção da Sexta Directiva (35), não podem invocar um direito à dedução, de modo que a emissão de uma factura, nessa perspectiva, não tem nenhuma utilidade. Por conseguinte, não pode constituir uma obrigação que caracteriza o imposto sobre o volume de negócios, e que possa impor-se na fase das relações entre os organizadores dos jogos de fortuna e azar e os utilizadores das máquinas de jogo.

41 Tal como está formulada, a questão expressa também a ideia de que a repercussão do imposto sobre o consumidor, ainda que real, poderia, apesar disso, ser considerada inexistente na ausência de prova. Não se pode, em minha opinião, considerar que a condição de repercussão sobre o consumidor não esteja preenchida apenas pela razão de que não se prevê nenhum documento que prove que teve lugar, uma vez que a existência dessa condição pode ser demonstrada por uma análise, feita pelo juiz, do funcionamento da imposição em causa, que demonstre a faculdade de o sujeito passivo repercutir o imposto.

42 Para ser completo, devo especificar que se, pelas razões antecedentes, uma imposição de taxa fixa, de um montante elevado relativamente ao total das receitas ou do volume dos negócios e tenha em conta essas receitas, pode ser considerado um imposto sobre o volume de negócios, mesmo que a repercussão sobre o consumidor não esteja expressamente consignada em nenhuma parte, é com a condição de estarem reunidos os outros critérios que permitem essa qualificação da imposição. Assim, é necessário que o juiz nacional estabeleça, além dos elementos mencionados na sua decisão:

- o carácter geral do imposto, que pressupõe que se aplica a todas as transacções que tenham por objecto a cessão de bens ou a prestação de serviços;

- a sua cobrança em todas as fases do processo de produção e de distribuição;

- a sua incidência apenas sobre o valor acrescentado.

Conclusão

43 Vistas estas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões apresentadas do seguinte modo:

«A Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, e nomeadamente o seu artigo 33._, deve ser interpretada no sentido de que não fixa como condição que a legislação nacional que institui uma imposição mencione expressamente a existência da possibilidade de `repercutir a imposição sobre o consumidor' para que a repercussão seja admitida como constituindo uma das características essenciais de um imposto sobre o volume de negócios. Basta que esta legislação permita a repercussão da imposição sobre o consumidor, ou pelo menos não se oponha a tal.

A Sexta Directiva 77/388, e nomeadamente o seu artigo 33._, deve ser interpretada no sentido de que não subordina o reconhecimento da qualidade de imposto sobre o volume de negócios em relação a uma imposição, repercutida sobre o consumidor, fixa, de um montante elevado relativamente ao total do volume de negócios, e que tem em conta esse volume de negócios, à obrigação a cargo de um prestador de serviços, de passar uma factura ou documento equivalente, de onde conste expressamente a repercussão desta imposição sobre o consumidor.

A Sexta Directiva 77/388, e nomeadamente o seu artigo 33._, deve ser interpretada no sentido de que só se opõe à introdução ou à manutenção de uma imposição nacional com as características anteriores se a referida imposição tiver carácter genérico, for cobrada em cada fase do processo de produção e de distribuição, e se aplicar sobre o valor acrescentado dos serviços.»

(1) - Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

(2) - P. 2, n._ 1, da tradução francesa das observações escritas. Embora as questões prejudiciais provenham de três processos nacionais distintos, apenas a Careda SA e a Femara intervêm no presente processo.

(3) - C-370/95.

(4) - C-371/95 e C-372/95.

(5) - V., nomeadamente, sexto e sétimo argumentos jurídicos na tradução portuguesa da decisão de reenvio (C-370/95).

(6) - Lei de 29 de Junho de 1990 (BOE de 30 de Junho de 1990, p. 3587).

(7) - A referida Lei n._ 5/1990 distingue os aparelhos de jogos com possibilidades de prémios (chamados do tipo «B») e os aparelhos de jogo (chamados do tipo «C»). Segundo as explicações dadas na audiência pelo representante das demandantes, os aparelhos do tipo «B» permitem ganhar quantias em dinheiro que correspondem a percentagem fixada legalmente num mínimo de 60% da aposta. Os aparelhos do tipo «C» dão uma margem de ganho superior e a sua instalação é reservada aos casinos.

(8) - Artigo 38._, n._ 2, ponto 2, da referida Lei n._ 5/1990, que altera o artigo 3._, n._ 4, do Decreto-Lei real n._ 16/1977, de 25 de Fevereiro de 1977 (BOE de 7 de Março de 1977, p. 780).

(9) - Pp. 5 e 6 da tradução portuguesa.

(10) - Artigo 3._ do referido Decreto-Lei n._ 16/1977.

(11) - P. 6, sexto argumento, da tradução portuguesa da decisão de reenvio. O artigo 38._, n._ 2, ponto 1, da referida Lei n._ 5/1990 foi alterado pelo artigo 3._ do referido Decreto-Lei n._ 16/1977, substituindo pela taxa anual fixa de 375 000 PTA a taxa de 20% relativamente aos aparelhos do tipo «B».

(12) - Nos termos do artigo 38._, n._ 2, ponto 2, alínea 3), da referida Lei n._ 5/1990, «o montante do imposto é igual à diferença entre as taxas fixas estabelecidas no ponto 1 e as determinadas pelo Decreto-Lei n._ 7/1989, de 29 de Dezembro». Para as máquinas do tipo «B», esse montante resulta, assim, da diferença entre a taxa fixa de 375 000 PTA e a de 141 750 PTA (artigo 39._ do referido Decreto-Lei n._ 7/1989, BOE de 30 de Dezembro de 1989, p. 8325).

(13) - P. 12 da tradução francesa das suas observações escritas.

(14) - P. 2, parágrafo IV, da tradução portuguesa da decisão de reenvio.

(15) - P. 7 da tradução francesa das observações escritas.

(16) - V., nomeadamente, p. 15 da tradução francesa das observações escritas do Governo espanhol, e p. 12 da tradução francesa das observações escritas da Comissão.

(17) - V., recentemente, acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Beaulande (C-208/91, Colect., p. I-6709, n._ 13).

(18) - Acórdãos de 8 de Julho de 1986, Kerrutt (73/85, Colect., p. 2219, n._ 22), e de 13 de Julho de 1989, Wisselink e o. (93/88 e 94/88, Colect., p. 2671, n._ 14).

(19) - P. 8, décimo argumento, da tradução portuguesa da decisão de reenvio. Há que salientar que as demandantes no processo principal se referem também à jurisprudência do Tribunal Supremo. Nos termos do seu acórdão de 19 de Dezembro de 1990, tal como é citado na p. 6, n._ 2, da tradução francesa das suas observações escritas, «não há a menor dúvida de que o destinatário final do imposto é o jogador, sobre o qual é repercutida a carga fiscal». Segundo os acórdãos de 23 de Fevereiro e de 5 de Maio de 1990 desse órgão jurisdicional, igualmente citados pelas demandantes no processo principal, «o pretenso `imposto' sobre os aparelhos do tipo `B' é de um montante fixo anual calculado com base nos rendimentos presumidos do aparelho».

(20) - Na p. 8 da tradução portuguesa da decisão de reenvio, a Audiencia Nacional refere que «é este conceito de repercussão que suscita as dúvidas que adiante se colocam».

(21) - V. o n._ 14 das presentes conclusões.

(22) - Acórdão de 5 de Fevereiro de 1963, Van Gend & Loos (26/62, Recueil, p. 1, n._ 22; Colect., p. 205). V. também o acórdão de 29 de Novembro de 1978, Pigs Marketing Board (83/78, Recueil, p. 2347, n._ 25).

(23) - Primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 1967, 71, p. 1301; EE 09 F1 p. 3).

(24) - Terceiro considerando.

(25) - Quarto considerando.

(26) - Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 1977, 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6).

(27) - Acórdão de 27 de Novembro de 1985 (295/84, Recueil, p. 3759, n._ 16), e, mais recentemente, acórdão de 7 de Maio de 1992, Bozzi (C-347/90, Colect., p. I-2947, n._ 9).

(28) - Acórdão Beaulande, já referido, n._ 12, sublinhado meu.

(29) - Acórdão de 31 de Março de 1992, Dansk Denkavit e Poulsen Trading (C-200/90, Colect., p. I-2217, n._ 11). V. igualmente os acórdãos de 3 de Março de 1988, Bergandi (252/86, Colect., p. 1343, n._ 15); Wisselink e o., já referido, n._ 18; de 19 de Março de 1991, Giant (C-109/90, Colect., p. I-1385, n._ 12); Bozzi, já referido, n._ 12, e Beaulande, já referido, n._ 14.

(30) - V. o artigo 2._, já referido, da primeira directiva.

(31) - Acórdão Bergandi, já referido, n.os 8 e 17.

(32) - N._ 8 das observações escritas, que cita as referências do acórdão Bergandi, já referido, n._ 14, nos termos do qual «Para apreciar se um imposto tem o carácter de imposto sobre o volume de negócios, há, designadamente, que verificar... se compromete o sistema comum do IVA através de um agravamento da circulação dos bens e dos serviços e de uma oneração das transacções comerciais de modo semelhante ao que caracteriza o IVA».

(33) - P. 16, n._ 1, da tradução francesa das observações escritas.

(34) - N._ 9 das observações escritas.

(35) - O artigo 4._, n._ 1, designa como sujeito passivo «qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n._ 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade». O n._ 2 faz referência a «... todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas» e às operações que consistem na exploração «de um bem corpóreo ou incorpóreo com fim de auferir receitas com carácter de permanência».