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Advertência jurídica importante

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61996C0060

Conclusões do advogado-geral Cosmas apresentadas em 20 de Março de 1997. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento pelo Estado - IVA - Sexta Directiva - Isenções - Locação de tendas, caravanas e residências móveis. - Processo C-60/96.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-03827


Conclusões do Advogado-Geral


1 Os presentes autos versam uma acção por incumprimento intentada pela Comissão contra a República Francesa, nos termos do artigo 169._ do Tratado, a respeito da violação das obrigações em matéria de tratamento fiscal da locação de tendas, caravanas e residências móveis que incumbem a este Estado-Membro por força do disposto no artigo 2._ da Sexta Directiva relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (1) (a seguir «Sexta Directiva»).

I - A Sexta Directiva

2 No seu artigo 2._, n._ 1, a Sexta Directiva dispõe que estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

3 O título X versa as isenções a favor de certas actividades. O artigo 13._, intitulado «Isenções no território do país», contém, na sua letra B, as seguintes disposições:

«B. Outras isenções

Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

a) ...

b) a locação de bens imóveis, com excepção:

1. Das operações de alojamento, tal como são definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

2. ...

Os Estados-membros podem prever outras excepções ao âmbito de aplicação desta isenção;

...» (2).

II - A legislação nacional controvertida

4 Em França, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade estão sujeitas ao IVA por força do disposto no artigo 256._ do code général des impôts (a seguir «CGI»).

5 Na medida que nos interessa no âmbito do presente litígio, o artigo 261._-D do CGI tem o seguinte teor:

«Estão isentas do imposto sobre o valor acrescentado:

...

4. As locações ocasionais, permanentes ou sazonais de locais de habitação mobilados ou equipados de modo a poderem servir para habitação.

Todavia, a isenção não se aplica:

...

b) às prestações de colocação à disposição de um local mobilado ou equipado quando o explorador ofereça, além do alojamento, o pequeno almoço, a limpeza diária dos locais, o fornecimento de roupa da casa e a recepção da clientela e quando esteja inscrito no registo de comércio e das sociedades como exercendo essa actividade;

...»

6 Uma instrução administrativa do serviço [francês] da legislação fiscal, de 11 de Abril de 1991 (3), referente ao IVA - âmbito de aplicação, isenção, locação de alojamentos mobilados ou equipados de modo a poderem servir para habitação -, precisa que:

«devem, designadamente, ser considerados como locais para habitação as caravanas, as tendas, as residências móveis e as habitações ligeiras de prazer que constituam verdadeiras instalações fixas, especialmente preparadas e exclusivamente reservadas à habitação. Em contrapartida, a locação à hora, ao dia, à semana ou ao mês de caravanas, camping-cars, barcaças, barcos, etc., é uma locação de bens móveis corpóreos obrigatoriamente sujeita a IVA...».

7 A Comissão considerou que, ao isentar do IVA a locação de certos bens móveis (tendas, caravanas, residências móveis e habitações ligeiras de lazer), a legislação francesa violou o artigo 2._ da Sexta Directiva, na medida em que ultrapassou os limites da isenção prevista no artigo 13._, letra B, alínea b), da Sexta Directiva, que se aplica exclusivamente à locação de bens imóveis. Por esta razão enviou em 23 de Abril de 1993 um ofício ao Governo francês, convidando-o a apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

8 O Governo francês contestou as alegações da Comissão (4). Concretamente, sustentou que, nas condições determinadas, a colocação à disposição de caravanas e de residências móveis não podia ser equiparada a uma locação de bens móveis, pois que se tratava de verdadeiras instalações sitas em local fixo e destituídas de meios permanentes de mobilidade, na acepção dos critérios definidos pelo Conselho de Estado francês. Além disso, sustentou que as disposições nacionais controvertidas permitiam evitar as distorções de concorrência que resultariam da aplicação aos locadores das referidas caravanas e residências móveis de um tratamento fiscal diferente do aplicado aos locadores de bens imóveis, que estão isentos do IVA.

9 Não ficando convencida pelos argumentos do Governo francês, a Comissão enviou-lhe em 8 de Novembro de 1994 um parecer fundamentado em que desenvolvia detalhadamente as razões pelas quais entendia que a regulamentação francesa era contrária ao artigo 2._ da Sexta Directiva e com o qual o convidava a tomar as medidas necessárias para se conformar com o referido parecer no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

10 Após ter submetido a peritagem as condições de exploração das tendas, caravanas e residências móveis para uso habitacional, o Governo francês concordou com a posição da Comissão na sua resposta ao parecer fundamentado (5). Acrescentou que as disposições da instrução administrativa controvertida de 11 de Abril de 1991 seriam revogadas e que definiria as modalidades de sujeição ao IVA das referidas locações. Por último, o Governo francês declarou que as medidas que seriam tomadas após consulta dos profissionais interessados seriam, logo que possível, comunicadas à Comissão.

11 O artigo 39._ da lei de finanças rectificativa para o ano de 1995 (Lei n._ 95-1347 de 30 de Dezembro de 1995) (6) inseriu na alínea a) do artigo 279._ do CGI um terceiro parágrafo que prevê a aplicação de uma taxa reduzida de IVA de 5,5% às prestações de serviços referentes «ao fornecimento de alojamento nos terrenos de campismo autorizados, quando o explorador do terreno de campismo emite uma factura... garante o acolhimento e consagra 1,5% do seu volume de negócios total ilíquido a despesas de publicidade ou, sendo o alojamento assegurado por terceiro, quando este consagra 1,5% do seu volume de negócios total em França à publicidade». Foi igualmente previsto que esta disposição se aplicará às operações cujo facto gerador ocorra a partir de 1 de Janeiro de 1996 (7).

12 A Comissão sustenta que a alteração da legislação francesa controvertida não lhe foi comunicada oficialmente. Pelo contrário, afirma ter sido informada de que as autoridades francesas continuavam a aplicar a instrução de 11 de Abril de 1991 e que, com base nela, sujeitos passivos prestadores dos serviços em causa tinham sido objecto de uma liquidação adicional de IVA. Por conseguinte, considerando que a locação de tendas, caravanas e residências móveis devia ser sujeita ao IVA, a Comissão intentou em 5 de Março de 1996 uma acção por incumprimento contra a República Francesa.

13 O Governo francês afirma ter enviado à Representação Permanente da França junto das Comunidades Europeias, em 10 de Abril de 1996, para transmissão à Comissão, um ofício em que a notificava das alterações legislativas e precisava que as novas disposições seriam aplicadas a partir de 1 de Janeiro de 1996, data em que se tornariam caducas as disposições da instrução administrativa controvertida.

14 De resto, uma instrução de 18 de Julho de 1996 intitulada «Taxa reduzida aplicável ao fornecimento de alojamento nos terrenos de campismo», redigida pelo serviço da legislação fiscal do Ministério da Economia e das Finanças francês, estabeleceu posteriormente que a colocação à disposição de tendas, caravanas, residências móveis e habitações ligeiras de lazer nos terrenos de campismo autorizados passaria futuramente a ser uma actividade sujeita ao IVA à taxa normal, precisando ainda que esta poderia ser sujeita à taxa reduzida no respeito de certas condições enunciadas nessa instrução (8).

III - Conclusões da Comissão

15 Com a sua acção, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

a) declarar que a República Francesa, ao instituir e manter em vigor uma disposição administrativa que torna extensiva à locação de certos bens móveis a isenção do IVA que a legislação comunitária reserva exclusivamente à locação de bens imóveis, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2._ da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (Sexta Directiva IVA);

b) condenar a República Francesa nas despesas da instância.

IV - Apreciação

16 Resulta dos autos que tanto a Lei n._ 95-1347, de 30 de Dezembro de 1995, como a nova instrução de 18 de Julho de 1996 são posteriores ao termo do prazo de dois meses concedido à República Francesa no parecer fundamentado (9).

17 Segundo jurisprudência constante, «a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal» (10).

18 Tendo em conta esta tomada de posição do Tribunal de Justiça, considero que a alteração legislativa efectuada após o termo do prazo fixado pela Comissão no seu parecer fundamentado já não pode ser tomada em consideração. Dito doutro modo, a análise da questão de saber se a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2._ da Sexta Directiva deve ser efectuada com base na legislação nacional tal como existia no momento da expiração do prazo fixado no parecer fundamentado.

19 Na sua resposta ao parecer fundamentado, o Governo francês declarou expressamente que, tendo submetido a peritagem as condições de exploração das tendas, caravanas e residências móveis para uso habitacional, concordava com o ponto de vista da Comissão. De igual modo, comprometeu-se nessa resposta a tomar as medidas necessárias para se conformar com o parecer fundamentado e a delas informar a Comissão. Na audiência, o representante do Governo francês reconheceu expressamente uma vez mais que o incumprimento da República Francesa persistiu para além do prazo fixado no parecer fundamentado. Portanto, como a República Francesa não tomou as medidas em questão no prazo que lhe foi concedido, considero que não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2._ da Sexta Directiva (11).

20 Por conseguinte, não há que examinar em que medida, com a adopção da Lei n._ 95-1347 bem como com a nova instrução administrativa de 18 de Julho de 1996, que são ambas posteriores ao termo do prazo fixado, a República Francesa terá cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2._ da Sexta Directiva no que respeita à sujeição ao IVA da locação de tendas, caravanas e residências móveis, nem em que medida a aplicação da instrução litigiosa de 11 de Abril de 1991 prosseguiu mesmo após a adopção da nova lei, em violação das obrigações impostas pelo referido artigo 2._

V - Conclusão

21 Por estas razões, proponho que o Tribunal de Justiça:

«1) Declare que, ao manter em vigor uma disposição administrativa que torna extensiva à locação de certos bens móveis a isenção do IVA que a legislação comunitária reserva exclusivamente à locação de bens imóveis e ao não se conformar, no prazo fixado, com o parecer fundamentado da Comissão, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1997, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.

2) Condene a República Francesa nas despesas.»

(1) - Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

(2) - O último parágrafo da alínea a) do n._ 3 do artigo 4._ da Sexta Directiva precisa que, por «edifício» na acepção da directiva, entende-se «qualquer construção incorporada no terreno».

(3) - Instrução administrativa de 11 de Abril de 1991 (BOI 3 A-9-91 e DB 3 A 317, actualizada em 1 de Maio de 1992).

(4) - Esta resposta foi dada por nota escrita enviada à Comissão em 22 de Junho de 1993 pelo embaixador representante permanente da França na União Europeia.

(5) - Esta resposta foi dado por nota escrita enviada à Comissão em 9 de Janeiro de 1995 pelo embaixador representante permanente da França na União Europeia.

(6) - Lei de finanças rectificativa para o ano de 1995, publicada no Journal officiel de la République française em 31 de Dezembro de 1995, p. 19078.

(7) - O Governo francês considera que, ao sujeitar estas actividades a uma taxa de IVA reduzida, fez uso da possibilidade que concede aos Estados-Membros o artigo 12._, n._ 3, alínea a), da Sexta Directiva. Segundo esta disposição, os Estados-Membros podem aplicar ou uma ou duas taxas reduzidas. Estas taxas não podem ser inferiores a 5% da matéria colectável e aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias especificadas no Anexo H. [Trata-se do artigo 12._, n._ 3, com a redacção que lhe foi dada, sucessivamente, pela Directiva 92/77/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e que altera a Directiva 77/388 (aproximação das taxas de IVA) (JO L 316, p. 1) e pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, que altera a Directiva 77/388 e introduz medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (JO L 384, p. 47). Além disso, no seu artigo 4._, n._ 1, segundo parágrafo, a Directiva 92/111 prevê que os Estados-Membros tomarão as disposições necessárias para adaptar o seu regime do imposto sobre o valor acrescentado às disposições desta directiva, de tal modo que o regime assim adaptado entre em vigor em 1 de Janeiro de 1993, e que do facto informem a Comissão.] O Anexo H da Sexta Directiva, que contém uma «lista dos bens e serviços a que se poderão aplicar taxas reduzidas de IVA», menciona no seu ponto 11 que pode ser sujeito a uma taxa reduzida o alojamento em hotéis e estabelecimentos do mesmo tipo, incluindo o alojamento de férias e utilização de parques de campismo e de caravanismo. [O Anexo H foi acrescentado à Sexta Directiva pela Directiva 92/77 (artigo 1._, ponto 5).]

(8) - Esta instrução foi publicada no Bulletin officiel des impôts do Ministério da Economia e das Finanças francês (code 3 C-4-96) n._ 142 de 26 de Julho de 1996, 3 C.A./22-C 223.

(9) - Recordemos que o parecer fundamentado da Comissão data de 8 de Novembro de 1994 e que o ofício do embaixador representante permanente da França que transmitiu a resposta do Governo francês à Comissão tem a data de 9 de Janeiro de 1995. O ofício que contém a resposta do Governo francês, por seu turno, não tem data.

(10) - V., designadamente, o acórdão de 12 de Dezembro de 1996, Comissão/Itália (C-302/95, n._ 13, Colect., p. I-6765), e o acórdão de 17 de Setembro de 1996, Comissão/Itália (C-289/94, Colect., p. I-4405, n._ 20).

(11) - V. a título indicativo os acórdãos, citados na nota 10, de 12 de Dezembro de 1996, Comissão/Itália (n._ 13), e de 17 de Setembro de 1996, Comissão/Itália (n._ 20).