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Advertência jurídica importante

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61996C0141

Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 27 de Maio de 1997. - Finanzamt Osnabrück-Land contra Bernhard Langhorst. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha. - Imposto sobre o valor acrescentado - Interpretação dos artigos 21., n. 1, alínea c), e 22., n. 3, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE - Documento que pode ser considerado como substituto da factura - Nota de crédito emitida pelo comprador e não contestada pelo vendedor no que respeita ao montante do imposto nela indicado. - Processo C-141/96.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-05073


Conclusões do Advogado-Geral


1 O Bundesfinanzhof proporciona pela primeira vez ao Tribunal de Justiça a oportunidade para se pronunciar sobre a prática da autofacturação, que consiste em o comprador de um bem ou o destinatário de uma prestação de serviços emitir ele próprio a factura da operação económica cujo preço lhe compete pagar.

2 Tendo em conta os efeitos jurídicos ligados à noção de factura, para efeitos de aplicação da legislação comunitária em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA» ou «imposto»), o reconhecimento deste procedimento pelo direito de certos Estados-Membros devia logicamente conduzir os órgãos jurisdicionais nacionais a porem-se a questão do alcance jurídico dos documentos elaborados e emitidos nas condições definidas por cada um deles (1).

3 É, por conseguinte, útil determinar se as características de um documento elaborado pelo devedor do preço, em substituição do credor, são suficientemente próximas das de uma factura tradicional para lhes ser reconhecida uma função idêntica no interior do sistema comum do IVA, quando algumas disposições da Sexta Directiva IVA (a seguir «Sexta Directiva») (2) parecem obstar a essa equiparação.

I - Factos e enquadramento jurídico

A - Matéria de facto e processo no órgão jurisdicional nacional

4 B. Langhorst, demandante no processo principal, declarou o volume de negócios realizado em 1985 no âmbito da sua exploração agrícola, após ter optado, como lhe permite o § 24, n._ 4, da Umsatzsteuergesetz na redacção de 1980 (a seguir «UStG») (3), por uma tributação à taxa de 7%, nos termos das disposições gerais deste diploma, em vez da taxa de 13%, prevista pelo seu § 24, n._ 1, primeiro parágrafo.

5 Desconhecendo esta decisão, os comerciantes de gado, a quem B. Langhorst tinha entregue porcos de engorda, enviaram-lhe notas de crédito indicando separadamente o IVA calculado à taxa de 13%. O demandante no processo principal, numa primeira fase, não contestou o montante do IVA mencionado nessas notas.

6 Seguidamente recorreu para o Finanzgericht, que proferiu uma decisão reduzindo o montante do imposto. O Finanzamt interpôs recurso para o Bundesfinanzhof.

B - A legislação nacional

7 O órgão jurisdicional de reenvio considera que a redução foi determinada correctamente pelo Finanzgericht, mas que o recurso do Finanzamt podia, todavia, obter provimento, por força do § 14, n._ 2, primeiro parágrafo, da UStG. O n._ 2 deste diploma dispõe o seguinte:

«Se a empresa indicar separadamente, numa factura correspondente a uma entrega ou a outra prestação, um montante de IVA superior àquele que deve pagar nos termos da presente lei, é também obrigada a pagar o montante mencionado em excesso. Se rectificar o montante do imposto em favor do beneficiário, aplica-se-lhe o § 17, n._ 1.»

8 A UStG equipara, em certas condições, as notas de crédito às facturas. Assim, o seu § 14, n._ 5, estabelece que:

«Uma nota de crédito substitui também a factura quando a empresa a utilizar para regularizar uma entrega ou outra prestação sujeita a imposto, efectuada em seu benefício. Um documento é considerado uma nota de crédito quando obedece às seguintes condições:

1. A empresa prestadora (o destinatário da nota de crédito) deve ter direito, nos termos do n._ 1 anterior, a indicar separadamente o montante do imposto numa factura;

2. O autor da nota de crédito e o seu destinatário devem estar de acordo quanto ao facto de que a entrega ou a prestação é regularizada através de uma nota de crédito;

3. A nota de crédito deve conter as indicações previstas no número anterior, segundo parágrafo (4);

4. A nota de crédito deve ter sido dirigida à empresa prestadora.

Os primeiro e segundo parágrafos anteriores aplicam-se também no caso de uma nota de crédito ser emitida por uma empresa a título de regularização completa ou parcial de uma entrega ou de uma outra prestação sujeita a imposto mas ainda não executada. A nota de crédito não substitui a factura se o destinatário contestar a indicação do imposto que nela consta.»

9 O Bundesfinanzhof entende necessário interpretar o § 14, n._ 2, da lei alemã à luz do direito comunitário (5).

C - As questões prejudiciais e as disposições pertinentes da legislação comunitária

10 O tribunal nacional submete, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça as questões seguintes:

«1) Nos termos do artigo 22._, n._ 3, alínea c), da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (Directiva 77/388/CEE), é possível considerar uma nota de crédito na acepção do § 14, n._ 5, da Umsatzsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios) de 1980 como factura ou documento equivalente [artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Directiva 77/388]?

2) Caso a resposta à 1.a questão seja afirmativa: o artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Directiva 77/388 permite considerar aquele que aceita uma nota de crédito com uma liquidação de imposto sobre o volume de negócios mais elevada do que o montante que seria devido com base na transacção tributável, sem a seguir reclamar contra o excesso de imposto contido na nota de crédito, como uma pessoa que numa factura ou em documento equivalente indica o imposto sobre o valor acrescentado e que, por isso, se torna devedor desse mesmo imposto?

3) Pode o destinatário de uma nota de crédito, nas circunstâncias descritas na 2.a questão, invocar o artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Directiva 77/388, quando lhe seja reclamado um montante de imposto sobre o valor acrescentado correspondente à diferença entre o imposto indicado na nota de crédito e o que seria devido com base nas transacções tributáveis?»

11 O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que a terceira questão só se justifica em caso de resposta negativa à segunda questão (6).

12 O artigo 21._, n._ 1, da Sexta Directiva enumera os devedores do IVA no regime interno. Assim, as alíneas a) e c) precisam que o imposto é devido:

«a) Pelos sujeitos passivos que efectuem operações tributáveis que não sejam as referidas no n._ 2, alínea e), do artigo 9._, realizadas por um sujeito passivo estabelecido no estrangeiro...

...

c) Por todas as pessoas que mencionem o imposto sobre o valor acrescentado numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua».

13 O artigo 22._ da Sexta Directiva fixa principalmente as obrigações dos devedores do IVA no regime interno. O seu n._ 3 refere-se à factura e ao seu conteúdo. As alíneas a) e c) estabelecem o seguinte:

«a) Os sujeitos passivos devem emitir uma factura ou um documento que a substitua, em relação à entrega de bens e às prestações de serviços que efectuem a outro sujeito passivo...

...

c) Os Estados-Membros estabelecerão os critérios segundo os quais um documento pode servir de factura.»

II - Quanto às respostas às questões prejudiciais

14 Através das questões que submeteu, o Bundesfinanzhof pretende essencialmente que seja esclarecido:

- por um lado, se uma nota de crédito elaborada pelo beneficiário de uma entrega de um bem ou de uma prestação de serviços (a seguir «destinatário do bem ou do serviço») pode ser equiparada a uma factura na acepção da Sexta Directiva;

- por outro lado, se a empresa que tenha realizado uma operação económica (a seguir «empresa» ou «destinatário da nota de crédito»), que não tenha contestado o montante em excesso do IVA indicado na nota de crédito, pode ser considerada, por essa razão, como a pessoa que o mencionou e, por conseguinte, como a pessoa que deve pagá-lo;

- finalmente, na hipótese de, nos termos das disposições pertinentes já referidas da Sexta Directiva, a empresa não ser devedora do montante em excesso do IVA por não poder ser considerada como a pessoa que o mencionou, se tem o direito de invocar este preceito para contestar a obrigação de pagar que resulta da lei alemã.

A - Quanto à primeira questão prejudicial: equiparação a uma factura, na acepção da Sexta Directiva, de uma nota de crédito elaborada pelo beneficiário de uma entrega de um bem ou de uma prestação de serviços

15 O interesse ligado a uma determinação precisa da noção de factura na acepção da Sexta Directiva deve-se à importância do papel desempenhado por este documento na legislação comunitária relativa ao IVA.

16 A factura constitui a prova do montante do IVA devido pelo operador económico, servindo assim, simultaneamente, para o pagamento deste e para a dedução do que foi pago pelo operador precedente (7).

17 A Sexta Directiva não contém qualquer definição do termo «factura» ou da noção «documento que a substitua», referidos nos artigo 21._, n._ 1, alínea c), e 22._, n._ 3, alínea a), já referidos. Após enunciar as condições mínimas relativas às indicações obrigatórias que, em virtude do seu próprio objectivo, a factura deve conter (8), a directiva deixa aos Estados-Membros o cuidado de determinarem os critérios segundo os quais um documento pode servir de factura (9).

18 A República Federal da Alemanha fez uso dessa competência ao adoptar o § 14, n._ 5, da UStG, já referido, que institui a nota de crédito na origem das questões prejudiciais.

19 O Tribunal de Justiça já se pronunciou duas vezes quanto à extensão do poder assim conferido aos Estados-Membros (10). Neste dois casos o Tribunal mostrou-se favorável aos Estados-Membros, reconhecendo-lhes um amplo poder de apreciação.

20 No acórdão Jeunehomme e EGI, baseando-se também nas disposições do artigo 22._, n._ 8, da Sexta Directiva, nos termos do qual os Estados-Membros «podem estabelecer outras obrigações que considerem necessárias no sentido de assegurar a cobrança correcta do imposto e de evitar a fraude», o Tribunal admitiu que um Estado-Membro possa exigir menções suplementares nas facturas (11).

21 No acórdão Reisdorf o Tribunal considerou que a Sexta Directiva permite que os Estados-Membros «entendam por `factura' não apenas o original mas também qualquer outro documento que o substitua, que obedeça aos critérios estabelecidos por esses Estados-Membros...» (12).

22 O Tribunal teve, todavia, o cuidado de precisar que o exercício deste poder devia estar em conformidade «com um dos objectivos da Sexta Directiva, que é o de assegurar a cobrança do IVA e a sua fiscalização pela administração fiscal» (13).

23 O objectivo assim descrito reflecte a preocupação que, na nossa opinião, deve continuar a orientar o Tribunal para fixar as exigências em matéria de facturação, embora, diferentemente do que aconteceu nos processos já referidos, o critério do qual depende a qualificação aplicável à nota de crédito não esteja simplesmente relacionado com o seu conteúdo mas diga respeito também à pessoa que a elabora.

24 Na redacção da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência, nomeadamente, ao artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Sexta Directiva. Este preceito constitui a referência lógica do presente processo, pelo facto de o litígio pendente no órgão jurisdicional alemão dizer respeito a um montante de IVA diferente do que é devido em razão apenas da operação tributável. O erro de que enferma o montante inscrito na nota de crédito não torna, por conseguinte, a empresa devedora na sua qualidade de sujeito passivo na acepção do artigo 21._, n._ 1, alínea a), mas na sua qualidade de pessoa que menciona o IVA numa factura ou em qualquer documento que a substitua.

25 Observemos, todavia, que este preceito, referido pelo órgão jurisdicional nacional para situar o quadro jurídico do litígio, não tem qualquer utilidade para responder à primeira questão, porque não dá qualquer indicação que permita apreciar o carácter determinante ou não da pessoa que a elabora ou emite para reconhecer a uma nota de crédito a qualidade de documento que substitui a factura.

26 Ora, esta questão prejudicial pretende determinar se o poder reconhecido aos Estados-Membros pelo artigo 22._, n._ 3, alínea c) da Sexta Directiva permite considerar como factura um documento que seja estabelecido não pela empresa mas pelo destinatário do bem ou do serviço.

27 Uma interpretação literal do artigo 22._, n._ 3, alínea a), já referido, que designa como sujeito passivo a pessoa a quem compete emitir a factura, opõe-se a que, por um lado, o destinatário do bem ou do serviço, que não pode invocar a qualidade de sujeito passivo do IVA em litígio, cumpra a obrigação de emitir a factura e, por outro lado, seja permitido à empresa escapar a esta obrigação. A nota de crédito não teria, então, qualquer vocação para substituir a factura.

28 Não somos, todavia, favoráveis a uma tal interpretação, demasiado formalista na nossa opinião. Com efeito, é necessário antes de mais considerar o objectivo prosseguido pelo legislador na redacção do preceito aplicável para proceder à sua interpretação (14).

29 Sendo sua finalidade, recordemo-lo, assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude (15), não se vê qualquer razão válida que se oponha a que o documento estabelecido pelo destinatário do bem ou do serviço substitua a factura, desde que este documento contenha as menções prescritas relativamente à factura pela Sexta Directiva (16), e que se permita ao seu destinatário rectificar, se for caso disso, o seu conteúdo.

30 Nestas condições, com efeito, a empresa, pelo exercício que lhe é reservado de um poder de controlo e de rectificação, continua a ser quem emite a nota de crédito, cuja redacção se limitou a delegar de alguma forma ao seu cliente. A nota de crédito não perde a sua função de prova dos direitos e obrigações de natureza fiscal da empresa, uma vez que contém as mesmas informações que a factura tradicional e que esta última é livre de aprovar o respectivo conteúdo. Conserva assim a responsabilidade pela emissão das facturas, qualquer que seja a sua forma, e permanece, finalmente o seu verdadeiro autor.

31 Pensamos, como aliás todos os governos intervenientes e a Comissão, que a autofacturação, tal como é regulamentada pelo § 14, n._ 5, da UStG, preenche as condições que permitem equiparar as notas de crédito não contestadas às facturas emitidas pela empresa.

32 O § 14, n._ 5, ponto 3, obriga a mencionar na nota de crédito as mesmas indicações que as prescritas para as facturas, entre as quais a menção da «remuneração devida como contrapartida da entrega ou da outra prestação...» a do «montante do imposto sobre esta remuneração...».

33 O poder de controlo pela empresa está assegurado através das disposições do § 14, n._ 5, cujo ponto 2 precisa que as partes contratantes devem estar de acordo para recorrer a uma nota de crédito. Recordemos também que, nos termos do ponto 4 deste preceito, «A nota de crédito deve ter sido dirigida à empresa prestadora», e que a segunda frase do segundo parágrafo estabelece que «A nota de crédito não substitui a factura se o destinatário contestar a indicação do imposto que nela consta».

34 É verdade que a empresa não beneficia explicitamente do poder de rectificação, mas o direito que lhe é reconhecido de negar à nota de crédito, se contestar o respectivo conteúdo, o seu valor de factura, deixa-lhe, todavia, o inteiro domínio da qualificação jurídica desse acto, condição suficiente para admitir a equiparação deste documento a uma factura na acepção da Sexta Directiva.

B - Quanto à segunda questão prejudicial

35 São possíveis duas leituras da questão colocada.

36 Segundo uma primeira leitura da própria questão, esclarecida pelos fundamentos da decisão de reenvio, o Bundesfinanzhof pede ao Tribunal de Justiça que precise se o facto de a empresa ter aceite, sem a contestar, uma nota de crédito errada, estabelecida pelo destinatário do bem ou do serviço, permite considerá-lo como uma pessoa que na mesma mencionou o IVA, para efeitos do artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Sexta Directiva. De uma resposta positiva a esta questão, o órgão jurisdicional alemão tira a consequência automática de que a empresa é devedora do IVA mencionado na nota, mas não se interroga sobre este facto, que considera adquirido.

37 A outra leitura é a que entende a questão prejudicial no sentido de se referir ao montante exacto do IVA - o que está inscrito na nota de crédito ou o correspondente à operação tributável - que a empresa deve, finalmente, pagar.

38 Na minha opinião, é a primeira interpretação que deve ser acolhida. Os fundamentos da decisão de reenvio mostram que o Bundesfinanzhof não recorreu ao Tribunal de Justiça para que este lhe permita apreciar se o § 14, n._ 2, primeiro parágrafo da UStG pode, à luz do direito comunitário, impor o pagamento do montante do IVA inscrito na factura em vez daquele que corresponde à operação tributável. A questão está ligada à incidência do artigo 21._, n._ 1, alínea c) da Sexta Directiva na aplicabilidade às notas de crédito do § 14, n._ 2, primeiro parágrafo, já referido. Estes dois preceitos têm em comum o facto de designarem como devedor o autor da menção do IVA. Ora, esta questão, que distingue a nota de crédito da factura, está no cerne da decisão de reenvio.

39 Segundo o órgão jurisdicional alemão, com efeito, «existiriam dúvidas sobre quem seria considerado responsável pela indicação separada do imposto em excesso...: o negociante de gado (comprador), através da emissão da nota de crédito, ou o demandante (fornecedor), tendo em conta que não tentou obter a rectificação da nota de crédito pelo negociante de gado nem enviou a este último, utilizando os elementos contidos na nota de crédito, facturas com uma liquidação discriminada de imposto no montante correcto» (17).

40 O Bundesfinanzhof acrescenta que é «decisivo saber se o § 14, n._ 2, primeiro parágrafo, da UStG 1980 é aplicável ao demandante» (18), precisando que é importante «para a interpretação e a aplicação da disposição em causa, partir do quadro comunitário adequado que o direito comunitário proporciona ao legislador nacional» (19).

41 Noutros termos pensamos que se pede ao Tribunal de Justiça que declare se as disposições já referidas da Sexta Directiva permitem considerar devedora do montante em excesso do IVA mencionado numa nota de crédito uma empresa que não contestou esse excesso, da mesma forma que seria devedora do excesso mencionado numa factura emitida por ela.

42 Todavia, no caso de o Tribunal não considerar ser esta a interpretação dos termos do pedido prejudicial, analisaremos o alcance do artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Sexta Directiva, independentemente da natureza do documento que contém a menção errada do IVA.

1. Quanto à qualidade de devedor do destinatário de uma nota de crédito que não contestou o montante inscrito nessa nota.

43 A empresa que realiza uma operação tributável é, em princípio, devedora do IVA correspondente e, a este título, deve emitir uma factura que o mencione. Como já concluímos (20), a obrigação de emissão está preenchida, no caso de autofacturação, quando as condições que permitem a equiparação da nota de crédito à factura se encontram reunidas, de forma que a particularidade desta situação não altera em nada a qualidade de devedor da empresa.

44 A situação poderia, todavia, ser diferente quando, por razões diversas - fraude ou erro -, o montante do IVA que consta na nota de crédito não corresponde ao IVA devido. O direito nacional e o direito comunitário parecem, nesta hipótese, limitar o alcance da equiparação.

45 Se a UStG estabelece claramente o princípio do pagamento pela empresa do montante do IVA mencionado por ela na factura quando este montante é superior àquele de que inicialmente era devedora, a lei é omissa quando a mesma diferença afecta, como é o caso dos autos, o conteúdo de uma nota de crédito.

46 Por outro lado, o teor literal da Sexta Directiva faz surgir uma dúvida quanto à margem de interpretação de que goza o órgão jurisdicional nacional para exigir da empresa destinatária da nota de crédito o pagamento do excesso. Com efeito, o artigo 21._, n._ 1, alínea c), que se refere ao caso de, como é o caso dos autos, o montante inscrito não corresponder à operação tributável, qualifica como devedor do IVA qualquer pessoa que mencione o imposto numa factura ou em qualquer documento que a substitua (21).

47 Ora, o destinatário da nota de crédito, em boa verdade, não mencionou ele mesmo o montante em excesso do IVA nesse documento.

48 Seria, pois, necessário considerar que, se a formulação do artigo 22._, n._ 3, alínea a), da Sexta Directiva não obsta a que a empresa conserve a sua qualidade de emitente da nota de crédito, o teor das disposições já referidas do artigo 21._, estabelece, pelo contrário, que o destinatário do bem ou do serviço é devedor do IVA.

49 Também neste caso, somos favoráveis a uma interpretação mais flexível do preceito. Ao incluir nos devedores do IVA, além do sujeito passivo, a pessoa que menciona o imposto na factura, este preceito pretende dissuadir a fraude fiscal. Impõe o encargo do pagamento do IVA aos autores de facturas erradas ou que correspondam a operações económicas fictícias (22).

50 O objectivo prosseguido não justifica uma interpretação diferente da que propusemos para responder à primeira questão. Em presença de uma nota de crédito inexacta, a empresa, que dispõe da faculdade de controlar e rectificar o seu conteúdo, deve ser considerada, se não a tiver contestado, como a pessoa que mencionou o imposto. Fica por conseguinte responsável dos erros cometidos, os quais podem ser reveladores de fraudes.

51 Por outro lado, somos de opinião, como todos os governos intervenientes e a Comissão, que a resposta não pode variar consoante a menção do IVA conste numa factura tradicional ou numa nota de crédito. Se, nas condições anteriormente expostas, se equiparar uma nota de crédito a uma factura, em virtude de a empresa continuar a ser o verdadeiro emitente da nota, é natural que as consequências jurídicas ligadas a um ou a outro destes documentos sejam idênticas. De outro modo, a equiparação seria puramente formal e a diferença de regimes criaria uma discriminação injustificada entre a empresa que emite ela própria as suas facturas e aquela que recorre à prática da autofacturação.

2. Quanto à obrigação de pagar o IVA mencionado na factura ou na nota de crédito.

52 Será necessário admitir que, quando o montante facturado não corresponde ou não corresponde totalmente à operação económica tributável, a obrigação de pagamento do IVA se refere à totalidade do montante inscrito?

53 Esta problemática, que não exige uma resposta diferente, em direito comunitário, consoante o suporte da menção errada seja constituído por uma factura ou por uma nota de crédito, coloca-se em termos semelhantes aos que originaram o acórdão Genius Holding, já referido.

54 Nesse processo, perguntava-se ao Tribunal de Justiça se o montante do IVA, que apenas era devido porque estava mencionado numa factura, podia ser considerado para o exercício do direito à dedução prevista pela Sexta Directiva. O Tribunal de Justiça respondeu de forma negativa, considerando que «... o exercício do direito à dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos que correspondam a uma operação submetida ao IVA ou que sejam pagos na medida em que sejam devidos» (23).

55 Na preocupação de luta contra a fraude fiscal, o Tribunal de Justiça decidiu dessa forma que era necessário determinar o montante do direito à dedução em função da operação tributável, o que equivale a privar essas facturas da sua função de prova do direito à dedução quando não correspondam a nenhuma transacção ou se baseiem numa matéria colectável sobreavaliada (24). Em caso de contradição entre os dois, o imposto correspondente à operação tributável deve, por conseguinte, ter a primazia sobre o que é facturado, de forma a não permitir o benefício de uma dedução indevida.

56 Nos termos do acórdão Genius Holding, a informação contida na factura não é tão importante como a realidade da operação tributável, pelo menos para o exercício do direito à dedução. A mesma questão pode colocar-se, a propósito do presente processo, quanto à obrigação de pagamento do IVA pelo devedor (25).

57 Sobre esta questão pensamos que é conveniente que a factura conserve a sua função de prova. A razão que nos conduz a propormos limitar assim o âmbito da jurisprudência do Tribunal de Justiça não é diferente da que presidiu à construção da solução a que se chegou nesse processo. Trata-se da mesma forma de dissuadir da fraude fiscal.

58 Com efeito, permitir que, em caso de diferença entre o montante facturado e o montante resultante da operação tributável, a parte errada do montante que consta na factura escape à obrigação de pagamento que se impõe ao seu autor incitaria à fraude.

59 Acima de tudo, essa solução tornaria a factura inútil e privaria as administrações do controlo de um documento de referência que descreve a operação económica, a partir do qual os controlos podem realizar-se.

60 Diga-se de passagem que esta é a solução que o Tribunal implicitamente acolheu no acórdão Genius Holding quando recordou a faculdade dos Estados-Membros «prever[em], nas suas ordens jurídicas internas, a possibilidade de correcção de qualquer imposto indevidamente facturado, desde que quem emita a factura demonstre a sua boa fé» (26). Noutros termos, o princípio é que o emitente de uma factura que menciona um imposto indevido deve pagá-lo, salvo se puder provar que o montante inscrito não teve por base um intenção fraudulenta.

61 Além disso, a prioridade dada à menção indicada na factura é ditada pelas disposições aplicáveis da Sexta Directiva. O acórdão Genius Holding baseia-se em grande parte no artigo 17._, n._ 2, alínea a) da Sexta Directiva, relativo ao direito à dedução (27). No presente processo o preceito cujo alcance é determinante é o artigo 21._, n._ 1, alínea c) da Sexta Directiva. É verdade que este preceito designa o devedor do IVA e não nos dá qualquer informação directa sobre o montante que ele deve pagar. Todavia, o facto de se destinar a ser aplicado em hipóteses em que o IVA não seria legalmente devido e em que a operação económica invocada poderia mesmo não existir, demonstra que a menção indicada na factura é a única que conta, uma vez que constituiu o único meio de referência a um dado quantificado.

62 À luz da resposta dada à segunda questão, não há necessidade de nos pronunciarmos sobre a terceira questão prejudicial.

Conclusão

63 À luz destas considerações, propomos que o Tribunal responda às questões colocadas da forma seguinte:

«1) O artigo 22._, n._ 3, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, autoriza os Estados-Membros a entenderem por `documento que substitua a factura' uma nota de crédito emitida pelo beneficiário da entrega de um bem ou de uma prestação de serviços, desde que a mesma contenha as menções prescritas para a factura pela Sexta Directiva e o seu conteúdo possa ser rectificado ou contestado pela empresa que realizou a operação económica.

2) O artigo 21._, n._ 1, alínea c) da Sexta Directiva já referida permite considerar a pessoa que aceita uma nota de crédito que menciona um imposto sobre o valor acrescentado cujo montante é superior ao do imposto devido, sem pôr em causa o montante assim mencionado, como a pessoa que menciona o imposto sobre o valor acrescentado numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua e que, por conseguinte, é devedora desse imposto.»

(1) - O Governo do Reino Unido, por exemplo, declarou no decurso da audiência que a prática da autofacturação já existia neste país antes da instituição, em 1973, do IVA, data em que a legislação britânica admitiu expressamente o respectivo princípio.

(2) - Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F01, p. 54).

(3) - Lei de 26 de Novembro de 1979 relativa à sujeição ao imposto sobre o volume de negócios (BGBl. 1979 I, p. 1953), na redacção que lhe foi dada pela lei de 18 de Agosto de 1980 (BGBl. 1980 I, pp. 1537, 1543).

(4) - O segundo parágrafo do n._ 1, pontos 5 e 6, estabelece: «As facturas devem conter as seguintes menções: 5. A remuneração devida como contrapartida da entrega ou da outra prestação... 6. O montante do imposto sobre esta remuneração...»

(5) - P. 3 da decisão de reenvio.

(6) - Ibidem, p. 9.

(7) - Artigo 18._, n._ 1, alínea a), da Sexta Directiva.

(8) - O artigo 22._, n._ 3, alínea b), estabelece que «a factura deve mencionar claramente o preço líquido de imposto e o imposto correspondente a cada taxa diferente e, se for o caso, a isenção».

(9) - Artigo 22._, n._ 3, alínea c), já referido.

(10) - Acórdãos de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e EGI (123/87 e 330/87, Colect., p. 4517), e de 5 de Dezembro de 1996, Reisdorf (C-85/95, Colect., p. I-6257).

(11) - Acórdão Jeunehomme e EGI, já referido, n._ 16. O n._ 17 precisa, todavia, que essas menções não devem, pelo seu número ou a sua tecnicidade, tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução.

(12) - N._ 31.

(13) - Acórdão Reisdorf, já referido, n._ 24. V. também o acórdão Jeunehomme e EGI, já referido, n._ 17.

(14) - Se o legislador comunitário de 1977, como o legislador alemão de 1980, não teve em conta a prática da autofacturação na redacção do preceito, foi sem dúvida em virtude da natureza pouco desenvolvida dessa prática.

(15) - N._ 22 das presentes conclusões.

(16) - Ibidem, nota de rodapé da p. 12.

(17) - P. 7 da tradução portuguesa da decisão de reenvio.

(18) - Ibidem, p. 5, II, n._ 2.

(19) - Ibidem, p. 8, III.

(20) - N.os 29 a 31 das presentes conclusões.

(21) - Ibidem, n._ 24.

(22) - V. n.os 10 e 14 das conclusões do advogado-geral J. Mischo relativas ao acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Genius Holding (C-342/87, Colect., p. 4227).

(23) - Acórdão Genius Holding, já referido, n._ 13.

(24) - Ibidem, n._ 17.

(25) - O Bundesfinanzhof explica que a regra do pagamento integral do montante facturado, estabelecida pelo § 14, n._ 2, primeira parte, se baseia na «reflexão de que o comprador tem o direito de deduzir como imposto pago a montante o imposto que lhe foi separadamente incluído na factura» e que «o sistema da legislação conduzia, portanto, claramente a compensar a dedução do imposto pago a montante com base numa liquidação separada, em excesso, não de acordo com o montante que seria devido segundo a prestação, mas através da fundamentação da correspondente dívida de imposto» (p. 7 da tradução portuguesa da decisão de reenvio). Esta disposição tem, portanto, a sua origem no direito reconhecido pela jurisprudência alemã ao destinatário do bem ou da prestação de serviços de «dedução do montante total do imposto separadamente indicado numa factura, mesmo que esse montante [ultrapasse] o que seria devido com base na operação tributável...» (ibidem p. 6), o que contraria o acórdão Genius Holding.

(26) - Acórdão Genius Holding, já referido, n._ 18.

(27) - Este preceito, sublinhado por nós, dispõe: «...o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor: a) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago...».