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Advertência jurídica importante

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61996C0361

Conclusões do advogado-geral Cosmas apresentadas em 12 de Fevereiro de 1998. - Société générale des grandes sources d'eaux minérales françaises contra Bundesamt für Finanzen. - Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Köln - Alemanha. - Imposto sobre o valor acrescentado - Interpretação do artigo 3., alínea a), da oitava Directiva 79/1072/CEE - Obrigação do sujeito passivo não estabelecido no território do país de juntar ao pedido de reembolso do imposto os originais das facturas ou dos documentos de importação - Possibilidade de juntar um duplicado em caso de perda do original não imputável ao sujeito passivo. - Processo C-361/96.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-03495


Conclusões do Advogado-Geral


I - Observações preliminares

No presente processo, o Tribunal de Justiça é convidado a pronunciar-se sobre duas questões suscitadas a título prejudicial pelo Finanzgericht Köln, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE. Estas questões dizem respeito à interpretação do disposto no artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva 79/1072/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Modalidades de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país (1) (a seguir «Oitava Directiva»).

II - O quadro legislativo

O artigo 2._ da Oitava Directiva dispõe o seguinte:

«Artigo 2._

Cada um dos Estados-Membros reembolsará o sujeito passivo não estabelecido no território do país, mas estabelecido noutro Estado-Membro, nos termos a seguir indicados, do imposto sobre o valor acrescentado...»

O artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva prevê o seguinte:

«Artigo 3._

Para beneficiar do reembolso, o sujeito passivo referido no artigo 2._ que não tenha efectuado qualquer entrega de bens ou prestação de serviços que se considere ter sido realizada no território do país deve:

a) apresentar no serviço competente referido no primeiro parágrafo do artigo 9._ um requerimento em conformidade com o modelo constante do Anexo A, ao qual serão apensos os originais das facturas ou dos documentos de importação...»

III - Os factos

1 A Société générale des grandes sources d'eaux minérales françaises (a seguir «SGS»), recorrente no processo principal, é uma sociedade de capitais francesa. No cumprimento de uma obrigação assumida no âmbito de um contrato comercial celebrado com uma sociedade alemã, a SGS pagou imposto sobre o volume de negócios, no montante de 490 000 DM. Segundo afirmação não contestada da SGS, a correspondente factura emitida, que foi enviada a um escritório de advogados, encarregado por essa sociedade de reclamar junto das autoridades alemãs o reembolso do referido imposto, extraviou-se nos correios. A SGS apresentou, então, às autoridades alemãs uma cópia da factura, que lhe foi enviada pela sociedade alemã. O Bundesamt für Finanzen (a seguir «BfB»), recorrido no processo principal, indeferiu o pedido.

2 Refira-se que a SGS tinha fundamentado o seu pedido de reembolso do imposto pago a montante, não obstante a perda do original da factura, no princípio de equidade consagrado pelo direito alemão, nos termos dos §§ 163 e 155 do Abgabenordnung (código dos impostos alemão). Segundo esse princípio é possível derrogar, em determinados casos concretos, as regras específicas em matéria de liquidação ou de reembolso do imposto quando a respectiva aplicação se revela «injusta» (2) para o sujeito passivo. Ora, a autoridade alemã competente indeferiu o pedido de reembolso com o fundamento de que só pode adoptar-se uma medida de equidade quando a estrita aplicação das disposições conduza a um resultado não previsto nem desejado pelo autor dessas disposições, ou seja, o legislador. O recorrido no processo principal entende que esta condição não se encontra satisfeita no caso vertente, uma vez que o legislador alemão previu clara e expressamente que só os originais dos documentos servem de comprovativos para efeitos de reembolso do imposto sobre o volume de negócios. Mais particularmente, esta obrigação está prevista no § 61, n._ 1, quarto parágrafo, da Umsatzsteuer-Durchführungsverordnung (a seguir a «UStDV», decreto de aplicação da lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios). Segundo o BfF, a estrita obrigação de juntar os originais dos comprovativos exigidos para efeitos do reembolso do imposto sobre o volume de negócios foi instituída pelo legislador alemão a fim de se conformar com a Oitava Directiva do Conselho. Considera, por conseguinte, que a derrogação, ainda que por razões de equidade, das condições formais previstas pelo § 61 da UStDV infringiria o artigo 3._ dessa directiva.

3 A SGS interpôs, por isso, no tribunal a quo, recurso contra aquela decisão de indeferimento, pedindo o reembolso do imposto sobre o volume de negócios, com fundamento em razões de equidade. O Finanzgericht Köln, por sua vez, entendeu conveniente suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais onde pergunta se as disposições em causa da Oitava Directiva impõem de forma absoluta, como condição de reembolso do imposto sobre o volume de negócios, a apresentação dos originais dos documentos comprovativos exigidos ou se deixam uma certa margem, em caso de extravio não culposo desses originais, para que sejam tomados em conta (3) cópias desses documentos comprovativos, a título excepcional e por razões de equidade.

4 O tribunal a quo salienta que, à primeira vista, a interpretação literal e, em parte, a teleológica da disposição do artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva conduzem a uma solução restritiva para o sujeito passivo. Em particular, esta disposição declara expressamente que é necessário juntar os originais das facturas ou dos documentos de importação. Por outro lado, visa impedir o duplo reembolso, abusivo e doloso, do imposto sobre o volume de negócios; por isso enuncia os requisitos formais de modo tão rigoroso. Admitir a possibilidade de anexar as cópias das facturas podia conduzir a duplos reembolsos, especialmente em casos como o vertente, em que a sociedade que solicita o reembolso não tem sede no território alemão.

5 Todavia, se nos ativermos à letra da directiva e rejeitarmos qualquer derrogação ao requisito de apresentação dos originais dos comprovativos, os sujeitos passivos abrangidos pelo campo de aplicação da Oitava Directiva, ou seja, os operadores estrangeiros, podem eventualmente ser colocados, segundo o tribunal a quo, numa situação desfavorável relativamente aos seus concorrentes nacionais. Segundo o referido tribunal, essa hipótese contraria o objectivo principal do autor da directiva que é criar em cada Estado-Membro as mesmas condições de concorrência e assegurar a neutralidade do imposto sobre o volume de negócios em idênticas condições para todos os sujeitos passivos. No caso em que os operadores estrangeiros não têm a possibilidade de obter, em situações excepcionais, por via da derrogação como medida de equidade, o reembolso de um imposto, mediante apresentação das cópias dos comprovativos exigidos, encontram-se em desvantagem relativamente aos operadores nacionais. Estes últimos, tendo recebido, aquando da conclusão da operação comercial, o original da respectiva factura, e tendo-o perdido posteriormente, podem deduzir o imposto pago a montante se provarem que estavam inicialmente na posse do documento original; para este efeito, dispõem de todos os meios de prova admitidos no processo. Este meio de prova permite-lhes apresentar à autoridade fiscal uma simples cópia ou fotocópia do original da factura para que, com base nelas, seja efectuada a dedução do imposto pago a montante, por razões de equidade.

6 De acordo com informações fornecidas pelo tribunal a quo, este processo (utilização dos meios de prova processuais para demonstrar a posteriori que o original da factura extraviada existia inicialmente e obter o reembolso do imposto pago a montante, por razões de equidade, com base na cópia ou fotocópia do original da factura) corresponde à prática tributária seguida na Alemanha e à jurisprudência constante dos tribunais superiores alemães. À luz do acima exposto, o tribunal a quo é de opinião que a interpretação estrita das disposições controvertidas da directiva é susceptível de contrariar o próprio objectivo da directiva, ou violar o princípio geral da não discriminação, consagrado no direito comunitário e prescrito pelo artigo 95._ do Tratado (4). O tribunal entende que o Tribunal de Justiça deverá ter em conta todos os elementos acima invocados para responder às duas questões que lhe foram colocadas a título prejudicial e que são integralmente reproduzidas a seguir.

IV - As questões prejudiciais

«1) O artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva do Conselho, de 6 de dezembro de 1979, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, impede os Estados-Membros de preverem no seu direito interno a possibilidade de um sujeito passivo referido no artigo 2._ da directiva, no caso de extravio da factura ou do documento de importação que não lhe é imputável, fazer prova do seu direito a reembolso através da apresentação duma cópia da factura ou do documento de importação em questão?

2) No caso de resposta negativa à primeira questão: decorre da princípio da não discriminação do direito comunitário e do princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado que um sujeito passivo referido no artigo 2._ da Oitava Directiva tem direito a poder fazer prova do seu direito a reembolso através da apresentação duma cópia da factura ou do documento de importação, no caso de extravio das facturas ou dos documentos de importação referidos no artigo 3._, alínea a), que não lhe é imputável?»

V - As nossas respostas às questões colocadas

A - A jurisprudência comunitária

7 Até à data, o Tribunal de Justiça não teve de pronunciar-se sobre a questão das características a que, nos termos da Directiva 79/1072, devem obedecer os comprovativos com base nos quais há lugar ao reembolso do imposto sobre o volume de negócios. Contudo, debruçou-se em questões conexas quando foi convidado a interpretar as disposições da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (5). Observe-se que a Directiva 77/388 (a seguir «Sexta Directiva») está directamente ligada à Directiva 79/1072, em questão no caso vertente. Esta última directiva foi instituída por força de uma disposição expressa da Sexta Directiva, que impõe a adopção de regulamentação relativa ao reembolso de impostos em favor dos operadores estrangeiros (6).

8 No que diz respeito à Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça reconheceu a importância da factura no sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, como elemento comprovativo, tanto a nível do pagamento do IVA como da dedução do IVA pago a montante (7). Verifica-se, todavia, que a Sexta Directiva não define o conceito de «factura», mas estabelece os requisitos mínimos relativos às menções que, por definição, dela devem constar, deixando aos Estados-Membros um amplo poder discricionário para acrescentar outros requisitos formais ao preenchimento desse documento. Merecem ser citados três acórdãos do Tribunal de Justiça. No acórdão Jeunehomme e EGI (8), o Tribunal de Justiça admitiu que um Estado-Membro pode impor que, além das menções prescritas pela Directiva, figurem nas facturas menções complementares. No processo Reisdorf (9), que se assemelha mais ao caso vertente, o Tribunal de Justiça declarou que os Estados-Membros podem «entender por `factura', não só o original, mas também, qualquer outro documento que o substitua e obedeça aos critérios estabelecidos pelos mesmos Estados-Membros, e reconheceu-lhes o poder de exigirem a apresentação da factura para justificar o direito à dedução, assim como o de autorizar os sujeitos passivos, quando já não estejam de posse do original, a apresentarem outras provas concludentes que demonstrem que existiu efectivamente a transacção que é objecto do pedido de dedução» (10). No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça reconheceu ainda aos Estados-Membros o poder de «considerarem que um documento só pode ser considerado factura se tiver sido elaborado em original e o seu beneficiário estiver de posse do mesmo» (11). O advogado-geral tinha, contudo, entendido que a posse do original da factura constituía a regra, enquanto o recurso a outros meios de prova tinha carácter derrogatório e só era permitido quando contribuísse para atingir «o objectivo principal da Sexta Directiva que consiste em garantir a aplicação correcta do sistema comunitário de IVA» (12). Por fim, no recente acórdão Langhorst (13), o Tribunal de Justiça decidiu que os Estados-Membros têm a possibilidade de considerar como «documento que substitui a factura» qualquer outro comprovativo desde que dele constem as menções prescritas pela Sexta Directiva para as facturas.

9 Esta jurisprudência não resolve directamente as questões surgidas no presente caso. É, sobretudo, no acórdão Reisdorf (14), que se admite que uma cópia da factura seja considerada para efeitos de reembolso do imposto, remetendo para o artigo 18._, n._ 1, alínea a), da Sexta Directiva, o qual dispõe que, para poder efectuar a dedução, o sujeito passivo deve estar na posse de uma «factura». Esta solução não pode ser transposta, tal como se encontra formulada, ao presente caso na medida em que o dispositivo controvertido do artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva refere expressamente «originais das facturas» e, não simplesmente, «facturas».

10 Todavia, a jurisprudência atrás reproduzida interessa directamente à nossa análise, uma vez que delimita o quadro onde deve situar-se quem tem a seu cargo a aplicação das disposições comunitárias relativas ao reembolso dos impostos pagos a montante, quando se trata de estabelecer os requisitos formais dos quais depende a dedução ou reembolso desse imposto. Em especial, a interpretação e aplicação dessas regras deverão respeitar dois princípios-objectivos gerais da regulamentação fiscal comunitária.

11 Em primeiro lugar, devem respeitar um objectivo essencial da Sexta Directiva, que é assegurar a cobrança do imposto e a sua fiscalização por parte da administração fiscal (15). Tal como o advogado-geral, aliás, sublinhou no processo Langhorst (16), o objectivo das disposições comunitárias que impõem a apresentação da factura é «a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude».

12 Ora, esta obrigação tem limites. Conforme foi afirmado pelo advogado-geral nas conclusões do acórdão Jeunehomme e EGI (17), «os elementos exigidos não devem, contudo, exceder o que é razoavelmente necessário para as necessidades de verificação e fiscalização» (18). No mesmo processo, o Tribunal de Justiça declarou que as menções a constar da factura, em conformidade com o direito nacional, não devem «pelo seu número ou tecnicidade, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução» (19).

13 Entendemos, por conseguinte, que existem limites tanto para a adopção de requisitos formais complementares como para a interpretação das condições mínimas prescritas pela regulamentação comunitária. Estes limites visam impedir que o direito dos sujeitos passivos de deduzir o imposto pago a montante seja totalmente frustrado. O Tribunal de Justiça declarou,em várias ocasiões,que este direito, consagrado no artigo 17._, n._ 2, alínea a), da Sexta Directiva, constitui um elemento essencial do sistema do IVA (20).

14 Resulta do acima exposto que, segundo a jurisprudência comunitária, o regime fiscal comunitário em questão está baseado em dois princípios-objectivos fundamentais: por um lado, a cobrança do imposto e a luta contra a fraude fiscal; por outro, a protecção do direito do sujeito passivo de deduzir o imposto pago a montante (princípio da neutralidade do imposto). Por força do princípio da proporcionalidade, a balança não deve pender de forma excessiva para qualquer destes objectivos, comprometendo, dessa forma, a concretização do outro objectivo.

B - Quanto às questões prejudiciais

15 À primeira vista, parece resultar de certos elementos que se prendem com a abordagem literal e, em parte, teleológica das disposições controvertidas de direito comunitário em questão que o legislador comunitário prescreve de modo imperativo, como condição sine qua non para se poder deduzir o imposto pago a montante, a junção do original da factura.

16 Tal como foi salientado pelo governo alemão, o disposto no artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva, segundo o qual o sujeito passivo deve apresentar junto da autoridade nacional competente um pedido em conformidade com o modelo que consta do anexo A da Directiva, «ao qual serão anexados os originais das facturas ou dos documentos de importação», está formulado em termos claros e absolutos e não deixa margem a eventuais derrogações. Insere-se no âmbito de um processo de prova caracterizado pelo seu formalismo e rigor que, nessa medida, não pode ser afastado, mesmo quando razões de equidade o exigem. O legislador comunitário parece igualmente considerar que só o original da factura pode ser apresentado nos termos do artigo 7._, n._ 3, da Oitava Directiva, o qual dispõe que o« serviço competente... aporá um visto em cada factura ou documento de importação a fim de que estes não possam voltar a ser utilizados para efeitos de pedidos de reembolso...». Resulta dos artigos 3._ e 7._, conjugados, que a directiva em questão visa impedir o duplo reembolso do imposto; esse risco é totalmente, ou de forma mais eficaz, afastado pela obrigação de anexar os originais das facturas. O governo alemão não deixa de chamar a atenção para o agravamento desse risco nos casos em que quem pede o reembolso não se encontra estabelecido em território alemão, o que lhe permite escapar aos poderes de controlo da administração fiscal alemã. Refere-se mesmo a uma nova forma de fraude fiscal, que consiste na criação de «sociedades-fachada» com o intuito de cometer delitos fiscais, como o duplo reembolso do imposto. Essas sociedades operam fora do Estado onde cometem as infracções e aproveitam-se do facto de este Estado não poder submetê-las a uma fiscalização prévia nem tomar directamente as medidas preventivas ou punitivas adequadas.

17 Face ao acima exposto, há que tomar em consideração que, em primeiro lugar, o legislador se refere expressamente ao original da factura e, em segundo lugar, procura instituir um processo eficaz de luta contra a fraude. Serão estes factores suficientes para se deduzir que a obrigação do sujeito passivo ter na sua posse o original da factura não admite, em absoluto, qualquer derrogação? Não o entendemos assim. Tal como a Comissão afirma, com razão, a Oitava Directiva em causa foi instituída em aplicação da Sexta Directiva, a fim de harmonizar os processos de reembolso do imposto nos casos especiais em que quem o solicita não se encontra estabelecido no território do país de reembolso. Embora não partilhemos totalmente da classificação atribuída pela Comissão à Oitava Directiva, como sendo um acto «dependente» da Sexta Directiva, entendemos, contudo, que aquela faz parte de um esforço generalizado de criação de um sistema fiscal único, o qual visa, desde logo, facultar a todos os sujeitos passivos possibilidades idênticas na obtenção do reembolso do imposto pago a montante. Consequentemente, julgamos correcta a pretensão de entender a Oitava Directiva como introduzindo derrogações ao sistema geral da Sexta Directiva, ou seja, como decorrente do desejo do legislador comunitário de submeter os sujeitos passivos estabelecidos fora do território do país de reembolso a um regime mais estrito, a fim de combater a fraude fiscal.

18 Para compreender o lugar que a Oitava Directiva ocupa no sistema fiscal comunitário em sentido lato, a leitura dos respectivos considerandos assume particular utilidade. Após considerar que a Sexta Directiva prevê a necessidade de estabelecer regras comunitárias em matéria de reembolso do imposto, a favor dos sujeitos passivos que não estão estabelecidos no território do país e que é necessário evitar que estes fiquem sujeitos a uma dupla tributação, o legislador comunitário indica que a regulamentação comunitária que a Oitava Directiva pretende fazer vigorar «constitui um progresso no sentido da liberalização efectiva da circulação das pessoas, dos bens e dos serviços...» e que «a referida regulamentação não deve ter como consequência a sujeição dos sujeitos passivos a um tratamento diferente, consoante o Estado-Membro em que se encontrem estabelecidos» (21). Como tal, é legítimo sustentar que a Oitava Directiva «segue» o sistema geral instituído pela Sexta Directiva ao estender o seu campo de aplicação, em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento, a uma categoria suplementar de sujeitos passivos, a saber, aqueles que não se encontram estabelecidos no território do país de cobrança do imposto pago a montante.

19 Este ponto de vista já foi aceite pelo Tribunal de Justiça no acórdão Debouche (22), onde declara (23) que «...a Oitava Directiva não tem por objectivo pôr em causa o sistema posto em prática pela Sexta Directiva. De acordo com o seu terceiro considerando, a Oitava Directiva visa antes pôr termo às divergências entre as disposições então em vigor nos Estados-Membros e que estavam por vezes na origem de desvios de tráfego comercial e de distorções da concorrência. De acordo com o seu quinto considerando, a Oitava Directiva não deve `ter como consequência a sujeição dos sujeitos passivos a um tratamento diferente, consoante o Estado-Membro em que se encontrem estabelecidos'». O advogado-geral, por sua vez, tinha afirmado o seguinte: «Tendo em consideração, portanto, o objectivo da Oitava Directiva, ou seja, completar a disciplina da Sexta Directiva com a harmonização das modalidades de reembolso do IVA a sujeitos passivos não residentes, para obviar ao problema da dupla tributação no interior da Comunidade, as disposições nela contidas apenas podem ser interpretadas..., luz dos princípios do sistema comunitário do IVA fixados na Sexta Directiva» (24).

20 Estas observações conduzem-nos às respostas às questões colocadas pelo tribunal a quo. Em nossa opinião, estas questões podem ser abordadas de duas formas, que levam, em qualquer dos casos, até ao mesmo resultado.

21 Partiremos da solução mais radical: como já foi dito, para garantir uma efectiva neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado nas trocas intracomunitárias de bens e serviços, e promover a unificação económica dos Estados-Membros, o direito do sujeito passivo obter o reembolso do imposto pago a montante constitui a pedra angular do sistema fiscal comunitário. Este direito ficaria enfraquecido, quanto a nós de forma excessiva, se a dedução se tornasse inviável em virtude do extravio ou, em qualquer caso, da não detenção do original da factura, por motivos de força maior ou circunstâncias excepcionais não imputáveis a quem pede a dedução. Nesta perspectiva, somos levados a concluir que, também em direito comunitário, existe uma regra especial, decorrente dos princípios gerais de equidade e de boa administração, segundo a qual, em circunstâncias excepcionais, o extravio não culposo dos originais dos comprovativos, que devem ser anexados ao pedido de reembolso do imposto pago a montante, não deve ser tomado em consideração. Aliás, pensamos que esta opinião já tinha sido expressa, ainda que de forma embrionária, nos acórdãos Jeunehomme e EGI e Reisdorf, já referidos, bem como nas conclusões dos advogados-gerais desses acórdãos. Em todo o caso, até agora, esta regra já tinha sido formulada por via indirecta através do princípio da proporcionalidade, que obriga a que os requisitos formais do reembolso do imposto não vão além do «que é necessário para assegurar a fiscalização da medida fiscal» (25).

22 Ora, mesmo independentemente da existência de uma regra comunitária especial, entendemos que razões que se prendem com a igualdade de tratamento dos sujeitos passivos deverão conduzir à mesma interpretação. Tal como já foi dito, a Oitava Directiva visa completar o sistema comum de reembolso dos impostos pagos a montante. Por consequência, se o Tribunal de Justiça reconheceu, no acórdão Reisdorf (26), que os Estados-Membros são competentes para autorizar os sujeitos passivos, quando já não estejam na posse do original, a apresentarem outras provas concludentes que demonstrem que existiu efectivamente a transacção que é objecto do pedido de dedução, a mesma interpretação deverá, em nossa opinião, aplicar-se à Oitava Directiva em questão. Noutros termos, pensamos que as diferenças de terminologia entre a Oitava e a Sexta Directivas (a Oitava Directiva refere-se a «original da factura», enquanto a Sexta Directiva refere-se simplesmente a «factura») não correspondem, de facto, à vontade expressa do legislador comunitário, de regulamentar o regime dos sujeitos passivos de maneira diferente consoante o país em que se encontram estabelecidos.

23 Por outro lado, tal como o tribunal a quo observou com toda a razão, interpretar a Oitava Directiva de forma diferente iria contrariar o princípio geral de direito comunitário relativo à não discriminação, expresso no artigo 6._ do Tratado, o princípio, mais geral, de tratamento fiscal não discriminatório dos produtos, consagrado no artigo 95._, parágrafo primeiro do Tratado, e os próprios objectivos da Oitava Directiva, tal como estão enunciados nos respectivos considerandos (27). Em contrapartida, não podemos aderir às alegações do governo alemão quanto à inexistência de tratamento discriminatório abrangido pelo campo de aplicação do artigo 95._, parágrafo primeiro, do Tratado ou quanto à existência de uma discriminação em detrimento dos operadores estrangeiros, comparativamente ao regime geral prescrito pela Sexta Directiva, discriminação que, todavia, seria da vontade do legislador e se justificaria pelo facto de o risco de fraude fiscal ser maior quando o reembolso do imposto pago a montante é pedido por um estrangeiro do que quando é pedido por um operador estabelecido no território nacional. O risco de fraude fiscal existe sempre; é, aliás, o motivo pelo qual a Oitava Directiva permite aos Estados-Membros recuperar somas indevidamente pagas ou recusar posteriores reembolsos ao sujeito passivo que já obteve um reembolso de forma fraudulenta ou de qualquer outra forma irregular (28). Em qualquer dos casos, tal como já foi referido, as medidas nacionais que visam impedir a fraude fiscal não podem ir além do objectivo das regras fiscais comunitárias. Em nosso entender é, por conseguinte, a justo título que a recorrente no processo principal alega que uma interpretação das disposições controvertidas da Oitava Directiva, que prive o operador estrangeiro do direito a obter o reembolso do imposto pago a montante, em virtude de não estar na posse do original da factura, por motivos a ele não imputáveis, não é consentânea com os objectivos daquela directiva e não justifica um tratamento discriminatório dos operadores estrangeiros relativamente aos seus concorrentes nacionais. Noutros termos, a República Federal da Alemanha não pode evidentemente ser privada do seu direito inalienável de tomar as medidas necessárias para impedir todo o tipo de fraude fiscal; contudo, essas medidas não podem conduzir a que seja posto em causa o princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado nas trocas intracomunitárias, em detrimento dos sujeitos passivos que não se encontram estabelecidos na Alemanha, visto que a privação desse direito é, por outro lado, constitutiva de um tratamento discriminatório em relação a essa categoria de sujeitos passivos.

24 Resulta do acima exposto que as conclusões retiradas da jurisprudência Reisdorf devem ser transpostas para a interpretação das disposições controvertidas da Oitava Directiva, podendo resumir-se da seguinte forma: em princípio, a fim de impedir a fraude fiscal, é necessário possuir o original da factura para obter o reembolso do imposto pago a montante; todavia, em circunstâncias especiais, quando é impossível apresentar o original, sem que tal facto seja imputável a quem tem o respectivo ónus, os Estados-Membros podem contentar-se com outros documentos que demonstrem que existiu efectivamente a transacção que é objecto do pedido de dedução.

25 Ora, no que diz particularmente respeito ao presente processo, na medida em que o direito alemão permite aos sujeitos passivos, que se encontram estabelecidos no território alemão, substituir por outros elementos de prova o original da factura extraviado por facto a eles não imputável, existe uma obrigação de reconhecer igualmente essa possibilidade aos sujeitos passivos não estabelecidos no território alemão, obrigação essa que decorre do princípio da igualdade de tratamento.

26 Tal como consta do despacho de reenvio (29), os operadores nacionais podem, por um lado, utilizar todos os meios de prova para demonstrar que, estavam inicialmente na posse do original da factura e, por outro, invocar o princípio da equidade, tal como se encontra consagrado pelo direito escrito e não escrito, para obter o reembolso integral do imposto pago a montante mediante a apresentação de uma simples cópia da factura. Aqueles que pedem o reembolso e não estão estabelecidos em território alemão devem, por consequência, ser tratados de forma idêntica. Essas pessoas devem poder invocar exactamente as mesmas regras materiais e processuais do direito nacional para obter, excepcionalmente, o reembolso de um imposto, sem que para tal tenham de apresentar o original da factura. Esta solução impõe-se por força do princípio da igualdade de tratamento e da interpretação, quanto a nós a mais correcta, do disposto no artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva, conjugados com a interpretação feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Reisdorf das disposições correspondentes da Sexta Directiva. Em contrapartida, a aplicação de uma disposição nacional, como o § 61 da UStDV, com vista a impedir os operadores estrangeiros de invocar o princípio da equidade, é contrária ao direito comunitário, atendendo à situação actualmente existente na Alemanha.

27 Passamos a resumir as duas interpretações que, em nosso entender, permitem ao Tribunal de Justiça responder às questões que lhe foram colocadas.

28 Em primeiro lugar, é possível admitir que existe uma regra especial de interpretação, decorrente da abordagem teleológica das disposições da Oitava Directiva e dos princípio gerais de equidade e de boa administração, e que pode ser formulada como segue: a obrigação, prevista pela Oitava Directiva, de juntar o original da factura ao pedido de reembolso do imposto, cessa quando, em circunstâncias especiais, o sujeito passivo prove que o original se extraviou, sem que tal facto lhe seja imputável, e apresente, em sua substituição, uma cópia autenticada ou uma segunda via do original. Esta solução, que nos parece preferível, apresenta a vantagem de dizer exclusivamente respeito ao direito comunitário. Permite a aplicação, vantajosa para o sujeito passivo, das condições previstas pela Oitava Directiva, mas o seu campo de aplicação é particularmente estrito e excepcional, não constitui violação da obrigação geral de possuir o original da factura e não compromete os esforços desenvolvidos pelo legislador comunitário na luta contra a fraude e evasão fiscais; pelo contrário, contribui para a salvaguarda do princípio da neutralidade do imposto, que constitui a pedra angular do sistema fiscal comunitário. Na medida em que decorre de uma filosofia, mais geral, de equidade, a qual deverá inspirar quem aplica a legislação fiscal comunitária quando confrontado com questões semelhantes às do presente caso, essa regra permite ao Tribunal de Justiça dissipar as diferentes dúvidas quanto ao tratamento jurídico a dar aos casos de extravio não culposo dos originais dos comprovativos.

29 Evidentemente, existe uma outra interpretação, baseada na transposição, por motivos de igualdade de tratamento dos sujeitos passivos, da jurisprudência Reisdorf no quadro da Oitava Directiva. Segundo esta interpretação, os Estados-Membros, como a República Federal da Alemanha, que fazem uso da possibilidade, que lhes é oferecida pela Sexta Directiva, de atenderem, em caso de extravio não culposo do original da factura, aos pedidos de reembolso formulados pelos sujeitos passivos que se encontram estabelecidos no território do país de cobrança, com base em outro meios de prova, devem também reconhecer essa possibilidade aos sujeitos que não estão estabelecidos no território desse país, quando aplicam a Oitava Directiva.

30 Em conclusão, fazemos nota que estas duas soluções podem ser utilizadas conjuntamente, enquanto fundamentos jurídicos autónomos, para responder às questões prejudiciais.

VI - Conclusão

Face ao acima exposto, propomos ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos às questões que lhe foram colocadas a título prejudicial:

«A obrigação, prevista no artigo 3._, alínea a), da Oitava Directiva do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Modalidades de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país (79/1072/CEE), de juntar o original da factura ao pedido de reembolso de um imposto cessa quando, em circunstâncias especiais, o sujeito passivo prova que perdeu esse original, sem culpa da sua parte, e apresente, em substituição, uma cópia autenticada ou uma segunda via. Em qualquer dos casos, o princípio da não discriminação, em vigor no direito comunitário, exige que quem pede o reembolso de um imposto, não se encontrando estabelecido em território alemão, e tenha perdido o original da factura seja tratado da mesma forma que os sujeitos passivos estabelecidos no território desse país.»

(1) - JO L 331, p. 11; EE 09 F1 p. 116.

(2) - O termo utilizado no texto alemão é «unbillig».

(3) - O tribunal a quo refere as seguintes precisões: caso se tenha de admitir que as disposições da directiva não exigem necessariamente a junção do original ao pedido de reembolso, entende que haverá, então, que examinar se o direito comunitário «exige», «permite», «propõe», ou mesmo «tolera» medidas de equidade como as invocadas pela SGS no seu pedido.

(4) - O tribunal a quo cita a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual pode também haver violação do princípio da não discriminação no caso de tratamento diferenciado dos sujeitos passivos aquando da tributação [v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Irlanda (55/79, Recueil, p. 481, n._ 8); de 10 de Julho de 1984, Dansk Denkavit (42/83, Colect., p. 2649, n._ 31), e de 11 de Dezembro de 1990, Comissão/Dinamarca (C-47/88, Colect., p. I-4509, n._ 18)].

(5) - Sexta Directiva em matéria de harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 28).

(6) - Segundo o artigo 17._, n._ 4, da Directiva 77/388, «o Conselho envidará esforços no sentido de adoptar, antes de 31 de Dezembro de 1977, sob proposta da Comissão, e deliberando por unanimidade, as medidas de execução comunitária segundo as quais devem efectuar-se os reembolsos em conformidade com o n._ 3, em favor dos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país».

(7) - V. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1989, Genius Holding (C-342/87, Colect., p. 4227).

(8) - Acórdão de 14 de Julho de 1988, 123/87 e 330/87, Colect., p. 4517.

(9) - Acórdão de 5 de Dezembro de 1996, C-85/95, Colect., p. I-6257.

(10) - Sublinhado nosso.

(11) - V. ponto 23.

(12) - Conclusões de M. Fennelly (n._ 25).

(13) - Acórdão de 13 de Setembro de 1997, C-141/96, Colect., p. I-5073.

(14) - Já referido na nota 9.

(15) - V., neste sentido, os acórdãos, já referidos, Jeunehomme e EGI (n.os 16 e 17), Reisdorf (n._ 24) e Langhorst (n._ 17).

(16) - Conclusões de M. Léger de 27 de Maio de 1997, n.os 29 e segs.

(17) - Já referido na nota 8.

(18) - Conclusões de Sir Gordon Slynn de 31 de Maio de 1988 (Colect., p. 3534); sublinhado nosso.

(19) - Acórdão Jeunehomme, já referido (n._ 17). V., igualmente, as conclusões de M. Fennelly no acórdão Reisdorf (n._ 26): «... os Estados-Membros têm, em geral, o direito de exigir que os sujeitos passivos conservem a factura original por um período por eles determinado, desde que esse período não seja de tal forma longo que o princípio da proporcionalidade explicitado naquele processo acabe por ser violado».

(20) - V., acórdãos de 5 de Maio de 1982, Schul (15/81, Recueil, p. 1409), e de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655).

(21) - Sublinhado nosso.

(22) - Acórdão de 26 de Setembro, C-302/93, Colect., p. I-4495.

(23) - V. ponto 18.

(24) - Conclusões do advogado-geral M. Tesauro no acórdão Debouche, já referido, n._ 8; sublinhado nosso.

(25) - Acórdão Jeunehomme e EGI, já referido na nota 8 (n._ 17).

(26) - Já referido na nota 9.

(27) - V., supra, ponto 18.

(28) - O artigo 7._, n._ 5, da Oitava Directiva dispõe o seguinte: «No caso de o reembolso ter sido obtido de forma fraudulenta ou de qualquer outra forma irregular, o serviço competente referido no n._ 3 procederá directamente à cobrança das importâncias indevidamente recebidas, bem como das eventuais multas, de acordo com o procedimento aplicável no Estado-Membro em causa, sem prejuízo das disposições relativas à assistência mútua em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. No caso de pedido de reembolso fraudulento que, nos termos da legislação nacional, não possa ser objecto de multa, o Estado-Membro em causa pode recusar qualquer outro reembolso ao sujeito passivo em questão durante um período máximo de dois anos a contar da data da apresentação do requerimento fraudulento. No caso de pedido de reembolso fraudulento em que tenha sido imposta uma multa e esta não tenha sido paga, o Estado-Membro em causa pode suspender qualquer outro reembolso ao sujeito passivo até ao pagamento da multa».

(29) - V. pontos 4 a 6 supra.