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Advertência jurídica importante

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61997C0181

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 30 de Abril de 1998. - A.J. van der Kooy contra Staatssecretaris van Financiën. - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos. - Parte IV do Tratado CE - Artigo 227. - Artigo 7., n. 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE - Bens em livre prática nos países e territórios ultramarinos. - Processo C-181/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-00483


Conclusões do Advogado-Geral


1. Com a questão que submete ao Tribunal de Justiça, o Hoge Raad dos Países Baixos pretende saber se a entrada num Estado-Membro de uma embarcação que se encontrava em regime de livre prática num dos países e territórios ultramarinos (a seguir «PTU») está, em princípio, sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»).

2. Esta questão prejudicial foi suscitada no âmbito de um recurso interposto pelo proprietário da embarcação em questão contra o aviso de liquidação de IVA que a administração fiscal dos Países Baixos lhe enviou a título de importação dessa embarcação proveniente das Antilhas Neerlandesas.

Matéria de facto, tramitação no processo principal e questão prejudicial

3. Os factos na origem do litígio no processo principal são descritos na decisão de reenvio do seguinte modo:

- A embarcação a motor «Joshua», navio de pesca construído em Haarlem em 1964, foi vendida em 1984 à Caribbean Chartering & Sales Ltd de Nassau (nas ilhas Bahamas). Nessa altura, saiu do território aduaneiro da Comunidade Europeia. Em 1985 e 1986, foi transformada nos Países Baixos em embarcação para cruzeiros.

- Em 22 de Abril de 1993, a embarcação foi vendida a Van der Kooy, recorrente no processo principal, com domicílio nos Países Baixos, e a J. Wielinga, com domicílio em Curaçau. Desde 15 de Maio de 1993, a embarcação, que arvora pavilhão britânico, esteve atracada no porto de Scheveningen, onde foi descoberta pelos funcionários da estância aduaneira de Hoofddorp. Van der Kooy encontrava-se a bordo.

- A embarcação fora importada nos termos do artigo 18.° da Wet op de omzetbelasting 1968 (lei neerlandesa sobre o volume de negócios) e não prevendo o artigo 21.° da lei qualquer isenção a respeito de tal importação, a administração fiscal neerlandesa emitiu o aviso de liquidação controvertido a título do IVA pelo montante de 157 500 HFL.

- Van der Kooy interpôs recurso deste aviso de liquidação para o Gerechtshof de Amsterdão, sendo o recurso julgado improcedente porque o território das Antilhas Neerlandesas de onde provinha a embarcação «não faz parte do território de um Estado-Membro para efeitos da Sexta Directiva».

4. Van der Kooy recorreu da decisão do Gereschtshof de Amsterdão para o Hoge Raad dos Países Baixos. Este suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial a seguir formulada:

«O artigo 7.° , n.° 1, initio e alínea a), da Sexta Directiva deve, relativamente à importação de uma embarcação que se encontrava em livre prática nas Antilhas Neerlandesas, nomeadamente atendendo ao disposto no artigo 132.° , n.° 1, e no artigo 227.° do Tratado CE, ser interpretado no sentido de que a introdução dessa embarcação nos Países Baixos deve ser qualificada de entrada na Comunidade de um bem que não satisfaz as condições previstas nos artigos 9.° e 10.° do Tratado CE?»

Admissibilidade do pedido prejudicial

5. Nas observações escritas que apresentou, o Governo francês alegou que, atento o seu carácter extremamente sucinto, os elementos de facto contidos no acórdão de reenvio não permitem determinar claramente a natureza do litígio principal e, em consequência, o Tribunal de Justiça devia declarar inadmissível o pedido de decisão prejudicial.

6. No entender do Governo francês, com efeito, os elementos de facto que constam do despacho de reenvio não permitem saber a razão por que o tribunal a quo sustenta que existe uma ligação entre a embarcação em causa e um PTU, nem discernir o que significa no caso vertente a expressão «proveniente da zona de livre prática das Antilhas Neerlandesas» que o órgão jurisdicional aplica a esta embarcação. O órgão jurisdicional de reenvio também não especifica a utilização que Van der Kooy faz desta embarcação nos Países Baixos: serve a mesma para um fim particular ou comercial ou faz aí simplesmente escala?

7. O Governo francês considera que estas omissões quanto à origem e utilização da embarcação impedem o Tribunal de Justiça de fornecer uma interpretação do direito comunitário útil para a solução do litígio no processo principal. Impedem, além disso, os Estados-Membros e outras instituições interessadas de apresentar as suas observações em conformidade com o artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça. Segundo o seu entendimento, essas circunstâncias, apreciadas à luz da jurisprudência Meilicke e Saddik , devem levar o Tribunal de Justiça a declarar inadmissível o pedido de decisão prejudicial.

8. Pela nossa parte, muito embora reconhecendo que teria sido desejável uma exposição mais detalhada da matéria de facto, o despacho de reenvio contém, no entanto, os dados essenciais do litígio. Embora sendo certo que as dúvidas expressas pelo Governo francês são fundadas, cabe ao Tribunal de Justiça basear-se na matéria de facto que o órgão jurisdicional de reenvio deu como provada, e não lhe cabendo verificar a partir de que elementos de prova tal sucedeu.

9. Não pensamos, portanto, que devam acolher-se as objecções que o Governo francês suscitou a propósito da admissibilidade do pedido prejudicial. Caberá, ao invés, considerar como premissas inalteráveis as utilizadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma das quais é a prévia conexão da embarcação com um dos PTU. O Hoge Raad considera que a embarcação tinha sido colocada em livre prática nas Antilhas Neerlandesas e a sua questão visa precisamente determinar se a entrada de uma embarcação nos Países Baixos nessas condições constitui ou não importação na acepção da Sexta Directiva.

10. A proposta de reformulação que o recorrente no processo principal fez unilateralmente também não nos parece oportuna. Com semelhante proposta, esta parte pretende na realidade substituir-se ao órgão jurisdicional de reenvio na colocação da questão prejudicial. Com efeito, após ter acusado o Hoge Raad de errónea apreciação quanto à origem da embarcação , o recorrente convida o Tribunal de Justiça a declarar que uma embarcação originária de um dos Estados-Membros mantém esta qualidade indefinidamente, preenchendo, portanto, as condições enunciadas no artigo 9.° do Tratado.

11. O órgão jurisdicional de reenvio não se refere de todo a este aspecto da questão, que é apenas um dos elementos da matéria de facto do litígio principal e que não é objecto da questão prejudicial. Não há portanto que reformular a questão uma vez que o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente (e confirmou recentemente) «... que, tendo em conta a repartição de competências efectuada pelo artigo 177.° do Tratado no âmbito do processo prejudicial, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional definir o objectivo das questões que pretende submeter ao Tribunal. Este não pode, a pedido de uma das partes no processo principal, proceder ao exame de questões que não lhe foram submetidas pelo órgão jurisdicional nacional. Se este último, perante a evolução do litígio, considerar necessário obter elementos suplementares de interpretação do direito comunitário, caber-lhe-á consultar de novo o Tribunal (acórdãos de 3 de Outubro de 1985, CBEM, 311/84, Recueil, p. 3261, n.° 10, de 9 de Janeiro de 1990, SAFA, C-337/88, Colect., p. I-1, n.° 20, e de 11 de Outubro de 1990, Nespoli e Crippa, C-196/89, Colect., p. I-3647, n.° 23)».

As disposições comunitárias aplicáveis

i) Disposições relativas ao IVA

12. O artigo 2.° da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva»), dispõe que as importações de bens estão sujeitas ao IVA.

13. O artigo 7.° da Sexta Directiva dispõe, no quadro da definição das operações tributáveis, que:

«1. Por importação de um bem, entende-se:

a) a entrada no território da Comunidade de um bem que não preenche as condições enunciadas nos artigos 9.° e 10.° do Tratado...

b) a entrada no território da Comunidade de um bem proveniente de um território terceiro, que não seja um bem referido na alínea a)».

14. O artigo 3.° da Sexta Directiva , que define o respectivo âmbito de aplicação geográfica, dispõe o seguinte:

«1. Na acepção da presente directiva, entende-se por:

- território de um Estado-Membro: o território do país, tal como é definido, relativamente a cada Estado-Membro, nos n.os 2 e 3;

- Comunidade e território da Comunidade: o território dos Estados-Membros, tal como é definido, relativamente a cada Estado-Membro, nos n.os 2 e 3;

- território terceiro e país terceiro: qualquer território que não corresponda aos definidos nos n.os 2 e 3 como o território de um Estado-Membro.

2. Para efeitos da aplicação da presente directiva, o território do país corresponde ao âmbito de aplicação do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, tal como é definido, relativamente a cada Estado-Membro, no artigo 227.°

...»

ii) Disposições relativas aos PTU

15. O artigo 227.° do Tratado define o respectivo âmbito de aplicação territorial. No n.° 3 inclui os PTU, cuja lista consta do Anexo IV e especifica que a esses países e territórios é aplicável o «regime especial de associação definido na parte IV do presente Tratado». Desde 1964, as Antilhas Neerlandesas fazem parte dos PTU.

16. A alínea r) do artigo 3.° do Tratado CE determina que a acção da Comunidade implica, nos termos do disposto e segundo o calendário previsto no referido Tratado, «a associação dos países e territórios ultramarinos, tendo por objectivo incrementar as trocas comerciais e prosseguir em comum o esforço de desenvolvimento económico e social».

17. A parte IV do Tratado (artigos 131.° a 136.° ) tem por epígrafe «A associação dos países e territórios ultramarinos». A finalidade desta associação, segundo o artigo 131.° , é promover o desenvolvimento económico e social dos países e territórios e estabelecer relações económicas estreitas entre eles e a Comunidade no seu conjunto.

18. O artigo 132.° do Tratado dispõe:

«A associação prosseguirá os seguintes objectivos:

1. Os Estados-Membros aplicarão às suas trocas comerciais com os países e territórios o mesmo regime que aplicam entre si por força do presente Tratado.

...»

19. O artigo 133.° do Tratado determina:

«1. As importações originárias dos países e territórios beneficiarão, ao entrarem nos Estados-Membros, da eliminação total dos direitos aduaneiros que, nos termos do presente Tratado, se deve progressivamente realizar entre os Estados-Membros.

2. À entrada em cada país e território, os direitos aduaneiros que incidam sobre as importações provenientes dos Estados-Membros e dos outros países e territórios serão progressivamente suprimidos, nos termos dos artigos 12.° , 13.° , 14.° , 15.° e 17.°

...»

20. Finalmente, o artigo 136.° do Tratado prevê:

«Durante um período inicial de cinco anos a contar da data da entrada em vigor do presente Tratado, uma convenção de aplicação, anexa a este Tratado, fixará as modalidades e o processo de associação entre os países e territórios e a Comunidade.

Antes do termo da vigência da convenção prevista no parágrafo anterior, o Conselho, deliberando por unanimidade, aprovará as disposições a prever para um novo período, com base nos resultados conseguidos e nos princípios enunciados no presente Tratado.»

21. Na data em que se verificou a importação que é objecto do presente processo era aplicável, ratione temporis, a Decisão 91/482/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1991, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Económica Europeia (a seguir «Decisão 91/482» ou «sexta decisão»), cuja entrada em vigor ocorreu, nos termos do seu artigo 241.° , em 20 de Setembro de 1991; nela se dispunha, contudo, no n.° 1 do artigo 240.° , que seria aplicável durante um período de dez anos «a partir de 1 de Março de 1990» .

22. O artigo 101.° da referida decisão dispõe que:

«1. Os produtos originários dos PTU podem ser importados na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente.

2. Os produtos não originários dos PTU que aí se encontrem em livre prática e reexportados em natureza para a Comunidade serão admitidos à importação na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente, desde que:

- tenham pago, no PTU em causa, direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente de nível igual ou superior aos direitos aduaneiros aplicáveis na Comunidade à importação dos mesmos produtos originários de países terceiros que beneficiem da cláusula da nação mais favorecida,

- não tenham sido objecto de isenção ou de restituição, total ou parcial, de direitos aduaneiros ou de encargos de efeito equivalente,

- sejam acompanhados de um certificado de exportação.

...»

A resposta à questão prejudicial

23. Propomo-nos desenvolver o seguinte esquema de argumentação:

a) recordaremos, em primeiro lugar, o regime jurídico das trocas comerciais entre a Comunidade e os PTU (no caso, as Antilhas Neerlandesas), posto em prática pelo Tratado e interpretado pela jurisprudência recente do Tribunal de Justiça;

b) analisaremos seguidamente os conceitos de importação e de «entrada de bens no interior da Comunidade» no âmbito de aplicação territorial da Sexta Directiva;

c) por último, concluiremos que, quando um bem entra no território da Comunidade proveniente dos PTU, onde se encontrava em livre prática, e estando preenchidas todas as outras condições, se verifica «uma entrada [de um bem] no interior da Comunidade» e portanto, em conformidade com o artigo 7.° da directiva, a sua importação para efeitos de IVA.

i) As trocas comerciais PTU-Comunidade

24. Nas conclusões que apresentámos no processo Road Air, sublinhámos que, para definir o regime jurídico das relações entre os PTU e a Comunidade, o importante era precisar «... em que medida cada uma das disposições do Tratado CEE se lhes pode aplicar, dado o conteúdo dos seus artigos 131.° a 136.° »

25. O Tribunal de Justiça respondeu em termos gerais a esta questão no acórdão de 12 de Fevereiro de 1992, Leplat: «Esta associação [dos PTU à Comunidade] é objecto de um regime definido na parte IV do Tratado (artigos 131.° a 136.° ), de forma que as disposições gerais do Tratado não são aplicáveis aos PTU sem uma referência expressa» .

26. A associação dos PTU à Comunidade implica, portanto, que não se lhes aplica directa e automaticamente todo o direito comunitário , quer seja originário ou derivado: pelo contrário, deve analisar-se em cada caso, à luz dos artigos 131.° a 136.° do Tratado CE, quais as disposições comunitárias que lhes são aplicáveis e em que medida o são.

27. No processo Road Air, tratava-se de determinar se, à data dos factos sobre os quais versava o processo principal (a saber, o mês de Junho de 1991), as disposições da parte IV do Tratado CEE obstavam à cobrança de direitos aduaneiros quando da importação, na Comunidade, de mercadorias originárias de um país terceiro que se encontravam em livre prática nas Antilhas Neerlandesas.

28. O Tribunal de Justiça respondeu que essas disposições não impediam a cobrança de direitos aduaneiros e especificou que esta devia efectuar-se em conformidade com as regras enunciadas na Decisão 91/482, que acima citamos, instrumento validamente adoptado pelo Conselho no exercício dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 136.° do Tratado.

29. Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça, resumidamente, fundou-se nas bases jurídicas seguintes:

a) Os PTU não fazem parte do território aduaneiro da Comunidade e as trocas comerciais com esta não beneficiam do mesmo estatuto que as trocas entre os Estados-Membros. Contrariamente a estas últimas, que são operações intracomunitárias, as trocas entre os PTU e a Comunidade são verdadeiras importações.

b) O artigo 133.° , n.° 1, do Tratado não se aplica aos produtos que, após terem sido importados nos PTU, são em seguida reexportados com destino a um dos Estados-Membros.

c) Qualquer outra interpretação, como a que obrigasse a reconhecer aos PTU um regime análogo ao que os Estados-Membros se acordam mutuamente, implicaria «... que os PTU fariam parte da zona aduaneira comum, o que vai muito além do que foi previsto pelo Tratado» .

d) Importa, em cada caso, cingirmo-nos às disposições que enunciam as decisões que o Conselho adoptou para o período em causa com base no artigo 136.° do Tratado.

30. Nem a parte IV do Tratado nem as decisões que o Conselho adoptou em conformidade com o artigo 136.° deste contêm normas visando a aplicação do IVA às importações provenientes dos PTU. O regime especial de associação dos PTU não implica portanto qualquer particularidade em matéria de IVA.

31. Nos termos do artigo 101.° , n.° 1, da Decisão 91/482, os produtos originários dos PTU são importados na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente. Esta isenção aplica-se igualmente aos produtos não originários dos PTU que aí se encontrem em livre prática e reexportados para a Comunidade sem transformação, desde que tenham pago, no PTU em causa, direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente de nível igual ou superior aos direitos aduaneiros aplicáveis na Comunidade.

32. Nenhuma destas duas isenções pode, no entanto, ser aplicada ao IVA uma vez que este instrumento fiscal não é um direito aduaneiro nem um encargo de efeito equivalente. O Tribunal de Justiça pronunciou-se já a esse propósito no acórdão que proferiu em 5 de Maio de 1982 no processo Schul . Não é portanto possível invocar a analogia para alargar, a um imposto indirecto como o IVA, disposições que são unicamente aplicáveis aos direitos aduaneiros ou aos encargos de efeito equivalente.

ii) A operação tributável «importação de bens» nos termos da Sexta Directiva e o âmbito de aplicação desta

33. Resulta das disposições conjugadas dos artigos 3.° e 7.° da Sexta Directiva e 227.° do Tratado que, quando um bem entra na Comunidade proveniente dos PTU, se dá, em princípio, para efeitos de IVA, uma importação do bem (ou seja, a «entrada [desse bem] no território da Comunidade»). A razão é dupla.

34. Em primeiro lugar, os PTU não fazem parte do «território de um Estado-Membro» ou do «território do país», na acepção que o artigo 7.° da Sexta Directiva dá a estas expressões. O reenvio que o n.° 1 deste artigo faz para os n.os 2 e 3 demonstra que o conceito de «território do país» é o definido para cada Estado-Membro pelo artigo 227.° do Tratado, o qual não prevê que o Tratado possa ser aplicado aos PTU, dispondo, pelo contrário, que são objecto de um regime especial de associação, a que já nos referimos.

35. Em segundo lugar, o âmbito de aplicação territorial da directiva nem sequer coincide com «o território» de cada país ou Estado-Membro. Determinados territórios nacionais dos Estados-Membros - nos quais, contrariamente ao que se passa nos PTU, o Tratado se aplica, total ou parcialmente, consoante os casos - também não tem a qualidade de «território do país» para efeitos da Sexta Directiva .

36. Em conclusão, a Sexta Directiva não permite qualificar as entradas de bens provenientes dos PTU como operações intracomunitárias, mas qualifica-as, em contrapartida, como verdadeiras importações. Não fazendo parte da zona aduaneira comunitária nem do âmbito de aplicação territorial do Tratado - à excepção das disposições deste que lhe são aplicáveis por força do regime especial de associação previsto no artigo 226.° , n.° 3 -, os PTU não são «território de um Estado-Membro» para efeitos de aplicação do IVA.

37. Esta conclusão é, além disso, conforme com o objectivo da Sexta Directiva. Com efeito, se determinados territórios nacionais a que o Tratado é em princípio aplicável são, eles próprios, considerados «territórios terceiros» para efeitos de aplicação de IVA, deve a fortiori suceder o mesmo com os PTU, que apresentam, com o Tratado, um grau de ligação menor do que os já referidos territórios nacionais.

38. Este ponto de vista é compartilhado quer pela Comissão, quer pelos Governos francês e neerlandês, quer pelo órgão jurisdicional de reenvio . O recorrente no processo principal teve de admitir também que o artigo 7.° da Sexta Directiva justifica, em princípio, que o IVA seja aplicado à importação verificada no caso concreto. Se, nas observações que apresentou no Tribunal de Justiça, o recorrente se opõe ao aviso de liquidação do IVA, não o faz por contestar que a entrada nos Países Baixos de uma embarcação originária de um PTU ou que aí se encontre em livre prática tenha a natureza de uma importação, mas por uma outra razão diferente: no entender do recorrente, a embarcação não era, neste caso, uma mercadoria que preenchesse as condições enunciadas nos artigos 9.° e 10.° do Tratado CEE.

39. Este problema, a que já anteriormente nos referimos , não foi suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio e, em nosso entender, o Tribunal de Justiça não o pode abordar enquanto tal. Por um lado, com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio apresentou a proveniência não comunitária da embarcação como facto assente e rejeitou expressamente a argumentação que o recorrente expusera a esse propósito . Por outro lado, a carência de elementos de facto fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio a propósito das vicissitudes da situação jurídica da embarcação no decurso do tempo impede o Tribunal de Justiça de se pronunciar com segurança.

40. A tese principal que o recorrente defendeu nas observações escritas consiste, com efeito, em que, tendo sido fabricada nos Países Baixos, a embarcação é originária de um dos Estados-Membros, nunca tendo perdido essa qualidade, que proíbe que se considere que foi importada. O despacho de reenvio assenta precisamente na afirmação contrária. Encontramo-nos aqui em presença de uma série de factores conhecidos (a saber, que a embarcação deixou o território aduaneiro comunitário, que foi vendida a uma sociedade nas Bahamas, etc.) e deparamos ao mesmo tempo com determinado número de elementos ligados a outros factores que não aparecem nos autos. Cabe portanto ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar uns e outros e qualificá-los juridicamente à luz das disposições aplicáveis e não ao Tribunal de Justiça no âmbito de um reenvio prejudicial.

41. O mesmo vale para as duas teses que o recorrente apresentou a título subsidiário, afirmando, na primeira, que a embarcação preenchia já as condições previstas no artigo 10.° do Tratado, e, na segunda, que o artigo 101.° , n.° 2, da Decisão 91/482, já referida, deve ser aplicado por analogia.

42. Relativamente à primeira das duas teses subsidiárias, basta dizer que não há qualquer dado que permita afirmar que a embarcação se encontrava já em livre prática num Estado-Membro antes da sua importação nos Países Baixos.

43. No que se refere à aplicação por analogia do artigo 101.° , n.° 2, da Decisão 91/482 (que permite deduzir os direitos aduaneiros aplicáveis na importação de um bem na Comunidade do montante de direitos anteriormente pagos a esse mesmo título num PTU antes da reexportação do bem com destino à Comunidade), já dissemos que as condições de aplicação dos direitos aduaneiros - ou de encargos de efeito equivalente - não apresentam qualquer similitude com as condições de aplicação do IVA, o que impede qualquer aplicação por analogia .

44. Permitimo-nos sublinhar que, em qualquer caso, o órgão jurisdicional de reenvio não suscitou nenhuma destas questões quanto à origem do bem importado, nem quanto à eventual dedução de um hipotético imposto análogo ao IVA susceptível de existir nas Antilhas Neerlandesas que tivesse sido aplicado ao referido bem. Consideramos, por isso, que o Tribunal de Justiça deve limitar-se a responder à questão prejudicial nos termos em que a mesma foi formulada.

Conclusão

45. Sugerimos portanto que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão que lhe foi submetida pelo Hoge Raad dos Países Baixos:

«A entrada nos Países Baixos de uma embarcação proveniente das Antilhas Neerlandesas onde se encontrava em livre prática, que não satisfaça as condições previstas nos artigos 9.° e 10.° do Tratado CE, deve ser qualificada de entrada no território da Comunidade e, portanto, importação de um bem para efeitos de aplicação do artigo 7.° da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.»