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Advertência jurídica importante

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61997C0254

Conclusões do advogado-geral Saggio apresentadas em 1 de Dezembro de 1998. - Société Baxter, B. Braun Médical SA, Société Fresenius France e Laboratoires Bristol-Myers-Squibb SA contra Premier Ministre, Ministère du Travail et des Affaires sociales, Ministère de l'Economie et des Finances e Ministère de l'Agriculture, de la Pêche et de l'Alimentation. - Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'État - França. - Contribuições internas - Dedução fiscal - Realização de despesas de investigação - Especialidades farmacêuticas. - Processo C-254/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-04809


Conclusões do Advogado-Geral


1 O Conselho de Estado francês submete a título prejudicial ao Tribunal de Justiça três questões de interpretação em que se pede que o juiz comunitário verifique a compatibilidade com os artigos 52._ e 58._, 92._ e 95._ do Tratado CE de uma regulamentação fiscal nacional que, ao sujeitar as empresas que se ocupam de especialidades farmacêuticas a uma contribuição extraordinária no ano de 1996, prevê a dedução da respectiva matéria colectável das despesas em que tenham incorrido no período em causa com actividades de investigação efectuadas exclusivamente no Estado de tributação, ou seja, em França.

Os factos e a regulamentação nacional

2 Pelo despacho n._ 96/51, de 24 de Janeiro de 1996 (1), foram adoptadas em França medidas urgentes com vista ao restabelecimento do equilíbrio financeiro da segurança social. Em especial, o artigo 12._ do referido despacho fez incidir sobre as empresas que asseguram a exploração de especialidades farmacêuticas três novas contribuições de natureza extraordinária. A primeira dessas contribuições tem por matéria colectável as despesas de promoção e publicidade; a segunda sobre o aumento do volume de negócios realizado em 1995 relativamente ao ano anterior; a terceira sobre o volume de negócios efectuado no ano fiscal de 1995 através da venda de produtos farmacêuticos reembolsáveis e de medicamentos aprovados para uso nos estabelecimentos de saúde pública.

3 A sociedade recorrente no processo principal impugnou o despacho por recurso interposto no Conselho de Estado, solicitando a respectiva anulação. Refere-se exclusivamente à terceira contribuição a questão interpretativa que o órgão jurisdicional a quo submete ao Tribunal de Justiça quanto à sua compatibilidade com as normas do Tratado.

Com efeito, o artigo 12._ do despacho impugnado, definindo a matéria colectável como o volume de negócios líquido de imposto realizado em França entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1995 através da venda de especialidades farmacêuticas reembolsáveis e de medicamentos aprovados para uso dos estabelecimentos de saúde pública, prevê a possibilidade de dedução, no cálculo da matéria colectável, dos encargos contabilizados durante o mesmo período relativos a despesas realizadas em França com actividades de investigação científica e técnica que tenham por objecto essas mesmas especialidades farmacêuticas (2). Está com efeito em discussão a compatibilidade de tais deduções com o direito comunitário visto que, no essencial, só se admitem abatimentos à matéria colectável em função de actividades de investigação desenvolvidas no território da República Francesa.

4 Mais especificamente, o Conselho de Estado pergunta ao Tribunal de Justiça:

«1) Os artigos 52._ e 58._ do Tratado, de 25 de Março de 1957, que institui a Comunidade Europeia opõem-se a uma legislação nacional que, adoptada em 1996, onera, a título desse ano, com uma contribuição excepcional cuja taxa deve ser fixada entre 1,5% e 2% o volume de negócios líquido de imposto realizado no Estado da tributação entre 1 de Janeiro de 1995 e 31 de Dezembro de 1995 pelas empresas que asseguram a exploração de especialidades farmacêuticas, relativamente às especialidades farmacêuticas reembolsáveis e aos medicamentos aprovados para uso dos estabelecimentos de saúde pública, e que admite a dedução da matéria colectável da contribuição dos encargos contabilizados durante o mesmo período relativos às despesas inerentes apenas às operações de investigação realizadas no Estado da tributação?

2) O artigo 95._ do Tratado que institui a Comunidade Europeia opõe-se a tal legislação?

3) No caso de resposta negativa a uma ou a outra das questões que antecedem, esta dedução da matéria colectável da contribuição das despesas inerentes às operações de investigação realizadas no Estado de tributação deve ser considerada um auxílio na acepção do artigo 92._ do Tratado que institui a Comunidade Europeia?»

Primeira questão

5 Pela primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende verificar se a liberdade de estabelecimento, garantida pelo Tratado tanto às pessoas singulares, nacionais de um Estado-Membro, como às sociedades, nos termos do no artigo 58._ do Tratado, obsta a uma regulamentação nacional que, ao definir as características de uma contribuição fiscal extraordinária e limitada a determinado período, admite a dedução da matéria colectável constituída pelas receitas provenientes da venda de determinadas especialidades farmacêuticas (as reembolsáveis e as aprovadas para uso dos estabelecimentos de saúde pública), das despesas feitas durante o período de imposição com as actividades de investigação científica e técnica exclusivamente efectuadas no território francês.

6 O Tribunal de Justiça é, pois, de novo chamado a pronunciar-se sobre a compatibilidade com o direito comunitário de uma regulamentação nacional em matéria fiscal, precisamente em matéria de tributação directa. É verdade que esta tributação, diversamente da fiscalidade indirecta em que a competência comunitária tem sido amplamente exercida, não cai, enquanto tal, sob a alçada da competência da Comunidade, sendo porém também verdade, nos termos do princípio geral de cooperação constante do artigo 5._ do Tratado, que os Estados-Membros são obrigados a exercer as suas competências com respeito do direito comunitário (3). Assim, em matéria de tributação directa, os Estados-Membros não podem adoptar medidas que tenham por efeito, de forma não justificada, obstar à livre circulação das pessoas singulares ou colectivas (4).

7 Em particular, de acordo com as recorrentes no órgão jurisdicional nacional, a contribuição fiscal e respectiva dedução é aplicável sem discriminação em função da nacionalidade, incidindo tanto sobre as sociedades francesas como sobre as empresas ou sociedades constituídas em França por estrangeiros como sobre as sociedades estrangeiras estabelecidas em França através de filiais, sucursais ou agências (estabelecimento secundário). Contudo, as condições de facto não são equiparáveis. Com efeito, na maior parte dos casos, as filiais (sucursais ou agências) de sociedades farmacêuticas de outros Estados-Membros ocupam-se exclusivamente em França da distribuição, mantendo-se a actividade de investigação, ou a sua maior parte, concentrada no país de origem, onde se encontra a sede da sociedade-mãe. Situando-se grande parte da actividade de investigação das sociedades farmacêuticas francesas em França, tais sociedades gozam, para igual volume de negócios, de evidente benefício fiscal, podendo deduzir da matéria colectável um montante mais elevado de despesas de investigação. Está-se, pois, em presença de um caso de discriminação indirecta, também proibido pelo princípio da igualdade de tratamento previsto nos artigos 52._ e 58._ do Tratado.

8 Para o Governo francês, o fundamento da discriminação reside no facto de a localização das despesas de investigação no sector da indústria farmacêutica estar ligado ao local de estabelecimento principal da sociedade. Daí deriva para as sociedades francesas o benefício de reduzirem a respectiva matéria colectável obtida com a venda de produtos farmacêuticos através da dedução das despesas de investigação efectuadas em França, sendo que as sociedades estrangeiras e as agências, sucursais ou filiais das sociedades estrangeiras que efectuam a investigação nos respectivos países, são tratadas de forma desfavorável, não podendo abater à matéria colectável os custos da investigação relativa aos produtos vendidos em França, visto tratar-se normalmente de investigação efectuada nos países onde estão estabelecidas as sociedades-mãe. Todavia, para o Governo francês, tal reconstituição da situação não corresponde à verdade. Com efeito, depois de estabelecer como premissa tratar-se de uma verificação da competência do órgão jurisdicional nacional, o Governo francês observa que os centros de investigação farmacêutica franceses se transformam rapidamente em estabelecimentos secundários de sociedades com sede no estrangeiro e que, além disso, a investigação relativa a determinado produto é normalmente efectuada, de facto, em laboratórios dispersos por vários Estados, pelo que não corresponde à verdade a imagem de sociedades farmacêuticas francesas desenvolvendo exclusiva ou prevalentemente a investigação em França e sociedades estrangeiras desenvolvendo exclusiva ou prevalentemente a investigação nos respectivos países de origem.

9 Para a Comissão, a medida fiscal em discussão é discriminatória relativamente ao exercício do direito de estabelecimento, já que acaba por favorecer as sociedades farmacêuticas que desenvolvem a investigação em França e, assim, na maioria dos casos, as sociedades cuja sede principal se situa em França relativamente às sociedades farmacêuticas que se limitam a distribuir em França o produto decorrente de uma investigação desenvolvida em outros Estados-Membros onde se situam as respectivas sociedades-mãe. Tal discriminação não encontra justificação nas disposições do artigo 56._ do Tratado, nem na exigência de coerência fiscal, tal como definida com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

10 Não me parece caberem dúvidas quanto ao tratamento em diversos aspectos indirectamente discriminatório da medida em análise. Sob um primeiro aspecto, a legislação francesa autoriza a diminuição do encargo fiscal sobre as receitas provenientes da venda, em França, de determinados produtos farmacêuticos na condição de a investigação (e, assim, os correspondentes custos) relativa a tais produtos ter sido efectuada em França. É evidente que, num contexto económico em que a investigação é normalmente efectuada pela sociedade-mãe, duas sociedades que distribuam em França especialidades farmacêuticas comparáveis são tratadas de forma diversa consoante sejam, ou não, filiais, sucursais ou agências de uma sociedade-mãe situada noutro Estado-Membro onde se desenrola a investigação. Por outras palavras, apesar de a regulamentação fiscal ser aparentemente neutra ao consentir a dedução de despesas de investigação com base na condição objectiva da sua realização em França, de facto penaliza as sociedades com sede no estrangeiro que tenham exercido o direito de estabelecimento através da forma de estabelecimento «secundário» e que vendam no território francês especialidades farmacêuticas cuja actividade de investigação se desenrole no Estado da sede da sociedade-mãe.

Sob um segundo aspecto, pois, a regulamentação francesa que é objecto do processo dá também lugar a uma restrição «prática», concretizando-se num tratamento fiscal que torna menos atraente para as sociedades estabelecidas em França a criação de uma articulação de sociedades através da qual desenvolvam a investigação no território de outros Estados-Membros. Nos termos da jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça, as normas relativas ao estabelecimento, apesar de, tal como formuladas, visarem «... nomeadamente assegurar o benefício do tratamento nacional do Estado-Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado de origem coloque obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação e que, além disso, corresponda à definição do artigo 58._» (5). Na medida em que a restrição, no sentido de não fruição de um benefício fiscal, se aplica a sociedades participadas com sede em outros Estados-Membros onde são efectuadas as despesas de investigação relativamente a produtos vendidos em França, a regulamentação em causa constitui um obstáculo ao exercício da liberdade de estabelecimento garantida pelos artigos 52._ e 58._ do Tratado.

11 Tendo em conta a natureza restritiva da regulamentação em causa quanto ao exercício do direito de estabelecimento, cabe verificar se pode ser eventualmente justificada à luz do direito comunitário.

Basta recordar que o regime de justificação invocável varia consoante se trate de discriminação directa ou indirecta relativamente ao estabelecimento. No primeiro caso, com efeito, a regulamentação nacional discriminatória só é compatível com o direito comunitário se cair sob a alçada de uma das derrogações expressamente contempladas na regulamentação comunitária (6). De forma diversa, no segundo caso, se a medida for aplicável de forma indistinta, a restrição pode justificar-se, para além dos fundamentos codificados no artigo 56._, por outras exigências imperativas de interesse geral, desde que o princípio da proporcionalidade seja respeitado.

12 No caso vertente, como foi referido, a regulamentação fiscal francesa analisada pelo órgão jurisdicional nacional só é indirectamente discriminatória, na medida em que faz depender o benefício fiscal não da nacionalidade das sociedades, determinada através das respectivas sedes, mas antes do facto de as sociedades exercerem em França a actividade de investigação relativamente aos produtos aí comercializados. Na medida em que a investigação seja efectuada na sede (estrangeira) da sociedade-mãe, a não dedutibilidade das despesas de investigação dá origem a uma discriminação indirecta quanto ao exercício do direito de estabelecimento secundário.

13 Razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, únicas exigências gerais referidas no artigo 56._ do Tratado, não são seguramente invocáveis no caso vertente, se se considerar, em especial, a interpretação restritiva de tais derrogações dada pelo Tribunal de Justiça, precisando serem totalmente alheias a objectivos de natureza económica (7), como seja a redução das receitas fiscais eventualmente decorrente da dedutibilidade das despesas de investigação, mesmo que efectuadas noutros Estados-Membros.

14 É contudo verdade que o Tribunal de Justiça declarou que a exigência de preservar a coerência dos sistemas fiscais nacionais pode, pelo menos em algumas situações, constituir razão imperativa de ordem pública susceptível de justificar uma restrição aos princípios fundamentais em matéria de liberdade de circulação, obviamente com respeito do princípio da proporcionalidade, entendido no sentido de que a coerência do regime tributário não pode ser assegurada por medidas menos restritivas (8). Nos acórdãos Comissão/Bélgica e Bachmann, o Tribunal de Justiça justificou, com base na coerência do sistema fiscal, uma regulamentação nacional que subordinava a dedutibilidade das despesas com o seguro de velhice e morte à condição de serem pagas no Estado. Com efeito, a opção restritiva explicava-se pela exigência de compensar a perda de rendimento fiscal imputável à dedução com o imposto aplicável às pensões, rendimentos ou capitais devidos pelas empresas de seguros, imposto esse não exigível quando tais empresas estivessem estabelecidas no estrangeiro. Na jurisprudência subsequente, a exigência de coerência fiscal foi objecto de interpretações que reduziram o respectivo alcance como justificação de discriminações indirectas. Assim, o Tribunal de Justiça admitiu que a compensação entre benefícios fiscais e exigências de receitas fiscais deve ser verificada a nível global, não necessariamente no seio de cada Estado, sempre que um Estado reconheça a competência tributária de outro Estado relativamente aos seus próprios residentes e relativamente aos rendimentos auferidos no outro Estado (9). Noutro acórdão, o Tribunal de Justiça valorizou a necessidade de uma relação directa entre a concessão do benefício e o seu financiamento, excluindo a possibilidade de invocação de tal coerência fiscal sempre que não fosse detectada tal relação (10). Igualmente, a inexistência de relação directa entre a disposição discriminatória e o interesse fiscal protegido conduziu o Tribunal de Justiça a considerar incompatível com o direito de estabelecimento uma regulamentação neerlandesa que aplicou uma taxa agravada ao imposto sobre o rendimento de um não residente justificada com o facto de não ter de pagar contribuições para o sistema da segurança social nacional (11).

15 O sistema de tributação fiscal francês em análise não permite detectar qualquer relação entre a contribuição em causa, que, recordo, consiste num imposto directo sobre o volume de negócios realizado pelas sociedades farmacêuticas com a venda de especialidades farmacêuticas reembolsáveis deduzidas as despesas com a investigação efectuadas em França no período considerado, e o objectivo da contribuição consistente no saneamento das contas do sistema de segurança social nacional. Em especial, a proibição de dedução das despesas com a investigação efectuadas nos outros Estados-Membros não é justificada pela exigência de compensar a redução de receitas fiscais hipoteticamente derivada da efectivação da investigação científica e técnica noutros Estados-Membros. Simplesmente, o contestado mecanismo de tributação traduz-se num maior agravamento fiscal (ou, o que é o mesmo, num menor abatimento) para as sociedades de outros Estados-Membros que comercializam produtos farmacêuticos no território francês através da fórmula do estabelecimento secundário.

De tudo isto decorre que os artigos 52._ e 58._ do Tratado se opõem a uma regulamentação nacional que aplica, para o ano de 1996, um imposto extraordinário sobre as receitas decorrentes de venda de especialidades farmacêuticas reembolsáveis e de medicamentos aprovados para uso dos estabelecimentos de saúde pública, prevendo a dedução da matéria colectável das despesas contabilizadas no mesmo período apenas quanto à actividade de investigação efectuada no Estado da tributação.

Segunda questão

16 Pela segunda questão, o órgão jurisdicional nacional solicita ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 95._ do Tratado para verificar se obsta, ou não, a uma regulamentação fiscal nacional como a prevista no Despacho n._ 96/51. O artigo 95._ do Tratado CE proíbe que os Estados-Membros façam incidir imposições internas discriminatórias sobre os produtos importados. Esta disposição amplia a tutela relativamente aos demais encargos pecuniários aplicáveis ao produto em si mesmo ou em virtude de atravessar fronteiras, proibidos pelos artigos 9._ a 12._ do Tratado, completando assim o objectivo de eliminação dos obstáculos à livre circulação de mercadorias na Comunidade.

A aplicação do artigo 95._ exige a verificação de numerosos pressupostos. Antes de mais, a previsão do artigo 95._ tem por objecto as «imposições internas» de alcance discriminatório. Saliente-se de imediato que, embora o teor literal da norma apenas defina o âmbito de aplicação de forma bastante genérica pela referência às «imposições internas, qualquer que seja a sua natureza», tendo assim a doutrina sustentado a aplicabilidade teórica da disposição também aos impostos directos, o certo é que as aplicações práticas que o Tribunal de Justiça tem feito do artigo 95._ se referem exclusivamente aos casos de tributação indirecta. Se se verificar com atenção, tal tributação aparece relacionada com a ratio fundamental da disposição que pretende proibir discriminações que prejudiquem os produtos importados relativamente aos produtos nacionais, similares ou concorrentes. De menor relevância, mas igualmente significativo no que se refere à aplicação da referida disposição exclusivamente aos impostos indirectos, é o argumento que se pode extrair da sua situação sistemática. O capítulo II do título V, do Tratado CE, dedicado às disposições fiscais, contém, para além do artigo 95._, outras disposições, todas elas referentes à tributação fiscal directa, prevendo, em especial, no artigo 99._, a competência para a harmonização das legislações relativas aos impostos sobre o volume de negócios, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos indirectos, na medida em que essa harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

De resto, deve entender-se que os regimes tributários relativos aos impostos directos que contenham normas susceptíveis de terem efeito discriminatório são incompatíveis com outras disposições do Tratado, como sejam as relativas à liberdade de circulação das pessoas ou à livre circulação das mercadorias (12).

17 Ainda que se não tome em consideração o que acaba de ser salientado, o artigo 95._ pode ser teoricamente aplicado a um regime tributário que submeta os lucros realizados por empresas de importação a uma imposição fiscal superior à que incide sobre os produtos nacionais. No caso vertente, contudo, a regulamentação fiscal francesa não distingue o regime tributário dos importadores de produtos farmacêuticos do dos produtores nacionais de produtos similares ou concorrentes. A distinção respeita não à origem do produto, entendida como lugar em que se desenrola o respectivo processo produtivo, mas à localização da investigação científica e técnica que esteve na origem do referido produto. Com efeito, as sucursais ou filiais de sociedades estrangeiras não podem prevalecer-se das deduções de despesas de investigação, nem sequer no caso de a integralidade da produção ser realizada em França, caso a investigação científica na origem de tal produto for efectuada junto da sociedade-mãe noutro Estado-Membro. Em tal caso, subsiste a discriminação, não podendo invocar-se utilmente o artigo 95._ (13). Considero, também por esta razão, que o artigo 95._ não pode ser invocado para se avaliar a compatibilidade comunitária da regulamentação fiscal que é objecto de impugnação no órgão jurisdicional nacional.

Para a hipótese de o Tribunal de Justiça, sendo de parecer contrário, considerar dever proceder à apreciação da regulamentação fiscal francesa à luz do artigo 95._ do Tratado, considero, subscrevendo as observações da Comissão, não poder ser dada resposta útil à questão, visto faltar qualquer indicação quanto às modalidades concretas de proceder relativamente ao preço final do produto farmacêutico à dedução fiscal impugnada. Com efeito, para que uma imposição interna produza efeito discriminatório é necessário que seja «... susceptível de desviar o consumidor» da aquisição do produto importado em benefício dos produtos de fabrico nacional (14). No caso da regulamentação fiscal francesa, não é de modo algum possível verificar com base nos elementos constantes da decisão de reenvio se e em que medida a não dedução das despesas de investigação efectuadas no estrangeiro se reflecte sobre o custo, e consequentemente sobre o preço dos produtos vendidos pelas sucursais ou filiais de sociedades-mãe com sede noutros Estados-Membros, se se tiver também em consideração o facto de se tratar de especialidades farmacêuticas reembolsáveis ou aprovadas para uso dos estabelecimentos de saúde pública.

Terceira questão

18 A terceira questão é formulada pelo órgão jurisdicional nacional para a hipótese do o Tribunal de Justiça responder pela negativa às duas questões anteriores. Se se considerar que a dedução fiscal que é objecto de análise viola as normas relativas ao exercício do direito de estabelecimento, não existe qualquer razão para ser tomada posição sobre esta questão. Contudo, para a hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que nem os artigos 52._ e 58._ nem o artigo 95._ do Tratado obstam a uma regulamentação fiscal como a impugnada no órgão jurisdicional nacional, desenvolverei as considerações seguintes. Pela terceira questão, o Conselho de Estado pede que o Tribunal declare se a dedução da matéria colectável exclusivamente das despesas relativas às operações de investigação efectuadas no Estado de tributação deve ser qualificada como auxílio de Estado às empresas na acepção do artigo 92._ do Tratado.

19 A dedução da questão sobre os auxílios de Estado a título subordinado relativamente às anteriores questões sobre o direito de estabelecimento e sobre as imposições internas de natureza discriminatória justifica-se também à luz da relação entre as diversas normas comunitárias relevantes. Com efeito, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto à relação existente entre as normas relativas à livre circulação das mercadorias, à eliminação das discriminações fiscais e aos auxílios, o facto de uma regulamentação nacional poder ser eventualmente considerada como auxílio na acepção do artigo 92._ não é razão suficiente para isentá-la da proibição constante do artigo 30._ (15). Idênticas considerações são igualmente aplicáveis à relação entre a regulamentação dos auxílios e as normas sobre o direito de estabelecimento. A proibição de medidas discriminatórias relativamente ao exercício da liberdade de estabelecimento, aplicação específica do princípio geral da igualdade de tratamento na matéria, fundamental, da liberdade de circulação das pessoas singulares e colectivas, que se traduz em situações subjectivas susceptíveis de serem directamente invocadas nos órgãos jurisdicionais nacionais, amplia-se, através do conceito de discriminações indirectas igualmente proibidas, muito para além da regra do tratamento nacional. Com efeito, é proibida qualquer forma de discriminação dissimulada que, ainda que fundada em diversos elementos da nacionalidade, acabe por traduzir-se numa desvantagem para os estrangeiros (16).

A ampliação do âmbito de aplicação da regulamentação do direito de estabelecimento, de forma não diversa do que se passa com a circulação das mercadorias, acaba por torná-la aplicável a situações de discriminação relativamente a operadores provenientes de outros Estados-Membros susceptíveis de serem analisadas à luz de outras disposições do Tratado, como sejam as relativas aos auxílios de Estado. A sobreposição das áreas de aplicação das respectivas normas não deve, contudo, conduzir a que se considerem inaplicáveis as disposições em matéria de estabelecimento ou de livre circulação de mercadorias quando, como sucede no caso vertente, alguns aspectos do sistema de auxílios organizado no Estado em causa sejam susceptíveis de apreciação autónoma à luz de tais disposições. Considero, pois, que o sistema fiscal francês estabelecido pelo despacho impugnado no órgão jurisdicional nacional deve ser apreciado à luz das normas relativas ao direito de estabelecimento e que, uma vez estabelecido que tais normas obstam ao referido tipo de imposição tributária, deixa de ser necessário examinar a sua compatibilidade com as regras relativas aos auxílios de Estado.

20 As considerações seguintes apenas valem, pois, para a hipótese de a regulamentação fiscal que é objecto do processo no órgão jurisdicional nacional dever ser considerada compatível com as disposições dos artigos 52._ e 58._ ou 95._ do Tratado.

O teor do artigo 92._, que declara incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções, comporta uma noção de auxílio bastante ampla, que foi precisada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em especial, são consideradas auxílios não apenas as prestações positivas do tipo subsídio, mas «... também intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subsídios na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos». Em consequência, uma isenção fiscal que, embora não implicando transferência de recursos por parte do Estado, coloque os beneficiários numa situação mais favorável relativamente aos demais sujeitos fiscais passivos constitui também auxílio de Estado na acepção do artigo 92._ (17).

Regra geral, a dedutibilidade de determinados custos da matéria colectável, traduzindo-se num menor gravame fiscal para as empresas beneficiárias, pode, pois, constituir, caso subsistam os demais pressupostos, auxílio de Estado na acepção do artigo 92._ do Tratado (18).

21 O beneficiário do auxílio deve ser determinada empresa ou determinadas empresas ou produções. Por outras palavras, deve tratar-se de uma medida selectiva em benefício de determinadas actividades ou grupos de empresas; pelo contrário, ficam excluídas do conceito de auxílio as medidas gerais de política económica tendo por objectivo o desenvolvimento do sistema na sua globalidade.

Os encargos fiscais introduzidos pelo Despacho n._ 94-96 estão a cargo da globalidade da indústria farmacêutica que distribui os próprios produtos em França. A dedução da matéria colectável diz exclusivamente respeito às sociedades que efectuam a investigação científica e técnica em França e que são, na maior parte dos casos, sociedades com sede principal no Estado de tributação, ou seja, sociedades francesas. Pelo contrário, com base na situação de facto, as sociedades que representam uma articulação de grupos cuja sociedade-mãe está estabelecida em outros Estados-Membros, não desenvolvendo uma actividade de investigação em França, suportam o encargo fiscal na totalidade, sem poderem deduzir da matéria colectável os custos da investigação. Daqui resulta tratar-se de uma medida destinada a favorecer a actividade de investigação farmacêutica em França e, de forma mais geral, a indústria farmacêutica francesa. Tanto é suficiente para se considerar preenchido o requisito da natureza sectorial do auxílio em causa.

22 Quanto à incidência do auxílio sobre as trocas comerciais intracomunitárias, a jurisprudência reconhece a subsistência de tal pressuposto ainda quando o beneficiário opere exclusivamente no mercado interno, representando o seu benefício relativo a um obstáculo ao ingresso naquele mercado de sujeitos que operem em outros países comunitários (19). No caso presente, é difícil admitir que as empresas francesas beneficiárias do auxílio operam exclusivamente no mercado interno, visto tratar-se de um sector, tal como o da indústria farmacêutica, caracterizado por grande permeabilidade dos mercados e por forte concorrência internacional. Em qualquer caso, a existência de trocas comerciais intracomunitárias no mercado em análise decorre da simples presença de sucursais ou filiais de sociedades estrangeiras encarregadas de distribuir os seus próprios produtos no território francês.

23 Em conclusão, considero que uma medida fiscal como a prevista na regulamentação francesa em análise constitui um auxílio na acepção do artigo 92._ do Tratado.

Conclusão

24 À luz das considerações precedentes, sugiro que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Conselho de Estado francês:

«1) Os artigos 52._ e 58._ do Tratado opõem-se à regulamentação nacional, adoptada em 1996, que estabeleceu para esse ano uma imposição extraordinária, a uma taxa entre 1,5% e 2% da facturação líquida de imposto realizada no Estado de tributação de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1995, a pagar pelas empresas que comercializem especialidades farmacêuticas, relativamente às especialidades farmacêuticas reembolsáveis e aos medicamentos aprovados para uso nos estabelecimentos de saúde pública, prevendo a possibilidade de dedução da matéria colectável dos encargos contabilizados durante o mesmo período com as despesas exclusivamente relativas às operações de investigação efectuadas no Estado de tributação.

2) O artigo 95._ do Tratado CE não se opõe a uma regulamentação nacional como a descrita no número anterior.»

A título subordinado, exclusivamente para a hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que os artigos 52._ e 58._ do Tratado não se opõem a uma regulamentação nacional como a descrita no ponto 1), sugiro que seja dada a seguinte resposta à terceira questão:

«3) A dedução da matéria colectável das despesas relativas às operações de investigação efectuadas no Estado de tributação deve ser qualificada como auxílio na acepção do artigo 92._ do Tratado.»

(1) - V. JORF de 25 de Janeiro de 1996, p. 1230.

(2) - O artigo 12._, ponto III, do despacho impugnado foi alterado pelo subsequente Despacho n._ 96/345, de 24 de Abril de 1996 (JORF de 25 de Abril de 1996, p. 6311), que veio clarificar que as despesas de investigação dedutíveis devem ter por objecto as especialidades farmacêuticas e os medicamentos cuja venda determina a matéria colectável.

(3) - V. acórdãos de 16 de Julho de 1998, ICI (C-264/96, Colect., p. I-4695, n._ 19); de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer (C-250/95, Colect., p. I-2471, n._ 19); de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, Colect., p. I-3089, n._ 36); de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225, n._ 21).

(4) - V. acórdão ICI, referido na nota 3, e em especial n._ 20. Como precedente, v. acórdão de 13 de Julho de 1993, Commerzbank (C-330/91, Colect., p. I-4017, n._ 2).

(5) - V. acórdão de 27 de Setembro de 1988, Daily Mail and General Trust (81/87, Colect., p. 5483, n._ 16), e, mais recentemente, o acórdão ICI, já referido na nota 3, n._ 21. No que se refere às pessoas singulares, a proibição de efeito discriminatório foi afirmada no acórdão de 7 de Julho de 1992, Singh (C-370/90, Colect., p. I-4265).

(6) - V. acórdão de 26 de Abril de 1988, 352/85, Bond van Adverteerders e o. (Colect., p. 2085, n._ 32).

(7) - V., com especial referência a uma regulamentação fiscal, o acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson (C-484/93, Colect., p. I-3955, n._ 15).

(8) - A primeira formulação da coerência fiscal como exigência imperativa susceptível de justificar restrições à liberdade de circulação das pessoas consta dos acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Comissão/Bélgica (C-300/90, Colect., p. I-305), e Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-276).

(9) - V. acórdão de 11 de Agosto de 1995, Wielockx (C-80/94, Colect., p. I-2493).

(10) - No acórdão Svensson e Gustavsson (referido na nota 7), o Tribunal excluiu a existência de relação directa entra a concessão aos mutuários de uma bonificação de juros para a aquisição de um imóvel, por um lado, e o respectivo financiamento através do imposto cobrado sobre as receitas dos institutos financeiros, por outro. V. também as conclusões do advogado-geral Elmer relativas ao mesmo acórdão, n._ 31.

(11) - Acórdão Asscher (já referido na nota, 3, n.os 58 a 61). A exigência de um nexo directo entre o abatimento fiscal, concedido a uma sociedade integrada num consórcio, pelos prejuízos sofridos por uma das sociedades por ela controladas com sede no Reino Unido, por um lado, e a tributação dos lucros das sociedades filiais com sede fora do Reino Unido foi considerada pelo Tribunal de Justiça condição essencial para a formulação da causa de justificação da «coerência fiscal» (acórdão ICI, já referido na nota 3, n._ 29).

(12) - O Tribunal considerou incompatível com o artigo 30._ do Tratado CE nomeadamente um sistema de bonificação fiscal em matéria de impostos sobre os lucros reservados às empresas editoriais que fizessem imprimir em França os seus produtos (v. acórdão de 7 de Maio de 1985, Comissão/França, 18/84, Recueil, p. 1339, n._ 16).

(13) - O Tribunal de Justiça clarificou que os produtores do Estado-Membro em causa não podem invocar a proibição do artigo 95._ (acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Just, 68/79, Colect., p. 501, n._ 15).

(14) - V. acórdão de 30 de Novembro de 1995, Casarin (113/94, Colect., p. I-4203, n._ 22), em que o Tribunal de Justiça salientou que um sistema tributário não pode ser considerado discriminatório pela simples razão de a categoria objecto de uma maior tributação ser exclusivamente composta por produtos importados, exigindo, além disso, a verificação do efeito do imposto sobre a orientação do consumidor quanto à aquisição.

(15) - V. acórdão Comissão/França, já referido na nota 12, n._ 13. Anteriormente, embora referindo-se às modalidades de um auxílio não necessárias ao respectivo objecto e funcionamento, o Tribunal de Justiça declarara já que o sistema dos artigos 92._ a 94._ não era susceptível de impedir a aplicação do artigo 30._ (v. acórdão de 22 de Março de 1977, Iannelli e Volpi, 74/76, Colect., p. 175, n.os 16 e 17).

(16) - A formulação remonta ao acórdão de 12 de Fevereiro de 1974, Sotgiu (152/73, Colect., p. 153, n._ 11).

(17) - V. acórdão de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España (C-387/92, Colect., p. I-877, n.os 13 e 14), que aplica jurisprudência bastante antiga: v. acórdão de 23 de Fevereiro de 1961, Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, (30/59, Colect., p. 551, em especial p. 575).

(18) - A Comissão qualificou de auxílio na acepção do artigo 92._ um regime preferencial de crédito fiscal sobre os rendimentos ou impostos comunais ou sobre o IVA instituído em benefício de determinada categoria de operadores económicos nacionais: v. Decisão 93/496/CEE da Comissão, de 9 de Junho de 1993, relativa ao auxílio de Estado C 32/92 (ex NN 67/92) - Itália (crédito fiscal aos transportadores rodoviários profissionais de mercadorias) (JO L 233, p. 10). A decisão não foi impugnada e o incumprimento da mesma pela República Italiana foi declarado por acórdão de 29 de Janeiro de 1998, Comissão/Itália (C-208/95, Colect., p. I-259).

(19) - V. acórdão de 13 de Julho de 1988, França/Comissão (C-102/87, Colect., p. I-4067), no qual o Tribunal sublinhou, todavia, a irrelevância, para efeitos de qualificação como auxílio, da pequena importância do benefício. No mesmo sentido, v. também o acórdão anterior de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão (C-142/87, Colect., p. I-959, n._ 43).