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Advertência jurídica importante

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61997C0381

Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 17 de Septembro de 1998. - Belgocodex SA contra Estado Belga. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de première instance de Nivelles - Bélgica. - Primeira e sexta directivas IVA - Locação de bens imóveis - Direito de optar pela tributação. - Processo C-381/97.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-08153


Conclusões do Advogado-Geral


A - Introdução

1 No presente processo, o tribunal de première instance de Nivelles submete ao Tribunal de Justiça uma questão sobre a tributação de locação de bens imóveis nos termos da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (1) (a seguir «Sexta Directiva»). Em especial, pretende saber em que medida pode um Estado-Membro - no caso concreto, o Reino da Bélgica - eliminar retroactivamente o direito que tinha concedido aos sujeitos passivos de optar pela tributação da locação de bens imóveis que, de outro modo, está isenta. Este direito de optar permite que o sujeito passivo renuncie à isenção prevista normalmente para a locação de bens imóveis e escolha, em substituição, a tributação em imposto sobre o valor acrescentado, beneficiando deste modo do direito - correlativo - à dedução do imposto pago a montante (2).

2 A recorrente na causa principal, a empresa Belgocodex (a seguir «demandante»), contesta que um Estado-Membro que concedeu esse direito de optar o possa suprimir retroactivamente. Em 1990, a demandante adquiriu em compropriedade 25% de um complexo imobiliário que foi completamente restaurado e adaptado para escritórios e lojas comerciais. A demandante não explora o bem imóvel directamente, tendo-o dado em locação a um sujeito passivo que o utiliza no âmbito das suas actividades tributadas. A demandante pretende exercer o direito à dedução do imposto pago a montante relativamente ao custo das obras de restauro, efectuadas entre 1990 e 1993.

3 Nos termos do artigo 13._, B, da Sexta Directiva, a locação de bens imóveis está normalmente isenta do imposto. Sob o título «Outras isenções», aquele dispõe que:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

...

b) A locação de bens imóveis...»

4 Todavia, o artigo 13._, C, da Sexta Directiva autoriza os Estados-Membros a concederem aos sujeitos passivos o direito de optar pela tributação da locação de bens imóveis. A este propósito, o artigo 13._, C, dispõe que:

«Os Estados-Membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação:

a) Da locação de bens imóveis;

...

Os Estados-Membros podem restringir o âmbito do direito de opção e fixarão as regras do seu exercício.»

5 O Reino da Bélgica fez uso da faculdade prevista no artigo 13._, C, mediante uma lei de Dezembro de 1992 que introduziu o artigo 44._, parágrafo 3, ponto 2, alínea c), no Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado belga. Por força desta disposição, estão sujeitas a imposto: «as locações a um sujeito passivo, para o exercício da sua actividade económica, de edifícios... quando o locador tenha manifestado a intenção de dar o imóvel em locação com aplicação do imposto; o Rei determinará a forma da opção, o modo do seu exercício, bem como as condições que o contrato de locação deve satisfazer». A lei entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1993. Todavia, o Rei não adoptou as medidas previstas na lei.

6 A demandante considera que pode optar pela tributação e, deste modo, exercer o seu direito à dedução do imposto pago a montante. Em contrapartida, o Governo belga considera a locação de bens imóveis uma actividade isenta. Baseia a sua tese no facto de a lei de Julho de 1994 ter revogado com efeito retroactivo o artigo 44._, parágrafo 3, ponto 2, alínea c), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado belga. Aliás, a possibilidade de optar não pôde produzir efeitos jurídicos, por não ter sido adoptado nenhum decreto real de execução.

7 A demandante entende que uma vez concedido o direito de optar não pode ser depois suprimido retroactivamente. A isenção assim reintroduzida aplicável à locação de bens imóveis a sujeitos passivos (que é o regime de princípio previsto na Sexta Directiva) viola a neutralidade e o princípio do sistema do imposto sobre o valor acrescentado, que não prevê excepções. Este princípio está enunciado no artigo 2._ da Primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (3) (a seguir «Primeira Directiva»). No primeiro parágrafo dispõe: «O princípio do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação.» O segundo parágrafo tem a seguinte redacção: «Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

8 O órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial, em razão das questões de interpretação da Sexta Directiva suscitadas na causa principal:

«O artigo 2._ da Primeira Directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, que institui o princípio do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, opõe-se a que um Estado-Membro - no caso concreto, a Bélgica - que fez uso da faculdade prevista no artigo 13._, C, da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, e concedeu, desse modo, aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação de determinadas locações de bens imóveis, suprima, através de uma lei posterior, o referido direito de opção, reintroduzindo, assim, a isenção com todo o seu alcance?»

B - Análise

9 Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio refere-se quer à Primeira quer à Sexta Directiva IVA. Por conseguinte, há que analisar antes de mais as relações entre as duas directivas. O artigo 1._, primeiro parágrafo, da Primeira Directiva prevê que os Estados-Membros substituirão o seu sistema actual de impostos sobre o volume de negócios pelo sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, definido no artigo 2._

10 O sistema de imposto sobre o valor acrescentado criado pela Primeira Directiva deve ser adaptado, nos termos do artigo 1._, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, às disposições desta (4).

11 Daqui a Comissão deduz que a aplicação do sistema comum de imposto se rege, em especial, pela Sexta Directiva. Isso significa, nomeadamente, que as disposições da Sexta Directiva já não podem ser postas em causa mediante disposições da Primeira Directiva sobre o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado. É o caso, por exemplo, das isenções previstas na Sexta Directiva. O décimo primeiro considerando desta precisa que é conveniente - a fim de que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados-Membros - estabelecer uma lista comum de isenções. A Sexta Directiva define essas isenções comuns no âmbito do conjunto do sistema de imposto sobre o valor acrescentado e da sua aplicação. Estas isenções podem - como também sustenta o Governo belga - derrogar o sistema geral.

12 Por conseguinte, há que analisar o regime belga controvertido à luz do disposto na Sexta Directiva. No caso concreto, é necessário sobretudo ter em consideração o artigo 13._ que prevê, em B, isenções nomeadamente para a locação de bens imóveis e, em C, permite que os Estados-Membros concedam aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação da locação de bens imóveis. As partes estão de acordo em que, ao adoptar a lei de 1992, o Reino da Bélgica fez uso da faculdade prevista em C.

13 Todavia, as teses das partes são divergentes sobre a questão de saber se, no caso em apreço, foi efectivamente prevista a faculdade de exercer esta opção. O Governo belga considera que, por não terem sido tomadas as medidas de execução que deviam ter sido adoptadas pelo Rei, a lei não produziu efeito jurídico algum e, só por este facto, podia, pois, ser revogada com efeito retroactivo. Todavia, as partes alegam que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir sobre esta questão. Numerosos elementos corroboram a tese de que, apesar de não terem sido adoptadas medidas de execução, na forma de decretos reais, esta lei produziu efeitos jurídicos, sem os quais não tinha que ser revogada expressamente pela lei de 6 de Julho de 1994. Enquanto estivesse em vigor, podia-se efectivamente esperar a adopção dos decretos reais de execução. Provavelmente, estes não constituíam uma condição expressa da validade da lei. Como referi, esta questão deve, porém, ser decidida pelo órgão jurisdicional nacional.

14 Caso o tribunal nacional concluísse que a legislação belga não podia, no caso em apreço, criar direitos invocáveis pelos sujeitos passivos, há que observar que a revogação da lei - que deve ser então considerada sem efeito - violaria eventualmente os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima. Como salienta com razão a Comissão, há que determinar, a este respeito, se a locação já estava eventualmente sujeita do imposto e se o sujeito passivo a tinha tomado em consideração ou se a dedução do imposto a montante era permitida.

15 Quero ainda acrescentar a seguinte observação.

A questão que se coloca é, na verdade, a de saber se um Estado-Membro faz uso da possibilidade prevista no artigo 13._, C, e não diz respeito à transposição ou não da Sexta Directiva. Assim, não pôde nascer direito algum à dedução do imposto a montante, invocável pelo sujeito passivo, por via do efeito directo da Sexta Directiva. Todavia, tendo o Governo belga adoptado e revogado a lei de transposição, poder-se-ia pensar que o Governo de algum modo se comprometeu a conceder o direito de opção nos termos da Sexta Directiva, o que permite, no que se refere à dedução do imposto pago a montante, criar um paralelismo com o efeito directo.

16 Caso o tribunal de reenvio concluísse que a lei belga criou um direito de opção com base no artigo 13._, C, da Sexta Directiva, importa saber se, por força da referida directiva, podia ser suprimida esta possibilidade. A esta questão, a Comissão e o Governo belga respondem afirmativamente.

17 A este respeito, há que notar antes de mais que a directiva, no âmbito do artigo 13._, C, concede aos Estados-Membros uma ampla margem de acção. Cada Estado-Membro decide, deste modo, se introduz ou não este direito de opção. Se o fizer, tem, além disso, a possibilidade de determinar o alcance e as modalidades de exercício deste direito. Uma vez que os Estados-Membros podem assim decidir livremente se e em que medida concedem um tal direito de opção, seria incompreensível que não pudessem suprimi-lo.

18 A Comissão invoca, a este propósito, o acórdão Italittica (5). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o disposto na Sexta Directiva - no caso concreto, no artigo 10._, n._ 2 - deve ser interpretado extensivamente, uma vez que o legislador comunitário concedeu aos Estados-Membros um amplo poder de apreciação.

19 O Governo belga sustenta, a este respeito, que o artigo 13._, C, não contém manifestamente efeito directo algum em razão do amplo poder de apreciação concedido aos Estados-Membros (6). Por conseguinte, o legislador belga, à luz do direito comunitário, tinha total liberdade para conceder ou não o direito de opção. O artigo 13._, C, também não proíbe, pois, que um Estado-Membro suprima esta possibilidade e mantenha ou (re)introduza a disposição do artigo 13._, B.

20 Além disso, há que notar que a Sexta Directiva parte essencialmente do princípio de que a locação de bens imóveis está isenta de imposto, ainda que, na acepção da Primeira Directiva, esta isenção constitua uma derrogação ao sistema. Por força da Sexta Directiva, um Estado-Membro pode conceder aos seus sujeitos passivos a possibilidade de optarem pela tributação. Não vejo por que razão um Estado-Membro que fez uso desta disposição derrogatória não poderia voltar ao regime inicial, ou seja, à isenção. O facto de esta isenção constituir, na verdade, uma derrogação ao sistema geral de imposto sobre o valor acrescentado - como a demandante sustenta - não é, a este propósito, relevante. Ela é admissível por força da Sexta Directiva e, por conseguinte, não pode ser - como já referi - contrária à Primeira Directiva.

21 Também não há que tomar em consideração, a este propósito, o tipo de regime que a Comissão tinha - inicialmente - previsto na proposta de directiva. A este respeito, a demandante assinalou que na primeira proposta de Sexta Directiva a Comissão queria sujeitar ao imposto qualquer locação de bens imóveis utilizados para fins comerciais ou industriais. Todavia, a única questão decisiva consiste em saber quais as isenções que na Sexta Directiva - ou seja, tal como foi efectivamente adoptada - foram previstas. Por força desta directiva, não há um direito geral de opção e só existe algum direito no caso de ter sido concedido por um Estado-Membro.

22 Ao contrário da Comissão e do Governo belga, a demandante entende que se um Estado-Membro, em conformidade com a possibilidade prevista no artigo 13._, C, tiver escolhido a tributação da locação - em caso de opção do sujeito passivo -, já não pode alterar a sua decisão. A demandante pretende invocar, a este propósito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 28._ da Sexta Directiva. Por força do artigo 28._, n._ 3, os Estados-Membros podem, por exemplo, durante um determinado período transitório, continuar a tributar certas operações isentas nos termos do artigo 13._ ou conceder aos sujeitos passivos a possibilidade de optarem pela tributação das operações isentas por força do anexo G.

23 Na jurisprudência relativa ao artigo 28._, o Tribunal de Justiça declarou, a propósito duma legislação espanhola controvertida que tinha sujeitado determinadas prestações de serviços ao regime geral do IVA, «que o Reino de Espanha, depois de sujeitar as prestações de serviços em causa ao regime geral do IVA, através da Lei... ficou, a partir dessa data, sem a possibilidade de invocar a faculdade de continuar a isentar aquelas actividades, em conformidade com o artigo 28._, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva» (7). O regresso à excepção foi, deste modo, proibido; todavia, no caso concreto, estamos perante o regresso à regra (ou seja, à da Sexta Directiva), mesmo que esta possibilidade possa constituir ela própria uma excepção à Primeira Directiva.

24 A jurisprudência citada não pode ser transposta para a concessão do direito de opção nos termos do artigo 13._, C. O artigo 28._ está incluído no título XVI da Sexta Directiva, intitulado «Disposições transitórias». Contém disposições relativas à passagem ou à adaptação dos regimes nacionais à Sexta Directiva. Por consequência, o disposto no artigo 28._, n._ 3, só está previsto durante um «período transitório». Como sustenta correctamente o Reino da Bélgica, comporta uma autorização temporária da tributação ou da isenção que não corresponde ao sentido geral da Sexta Directiva. O Tribunal de Justiça decidiu neste âmbito que deixa de se poder fazer uso desta faculdade quando o Estado-Membro já regulou um domínio específico por força da Sexta Directiva ou tributou as respectivas operações.

25 Segundo a demandante, o paralelismo com o presente caso situa-se no facto de a isenção da locação de bens imóveis a sujeitos passivos não respeitar o princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado contido na Primeira Directiva. Através de um exemplo, explica que a isenção da locação de bens imóveis origina desigualdade de tratamento, violando, deste modo, o princípio da neutralidade - conforme seja a própria empresa a explorar o seu bem imóvel no âmbito da sua actividade económica ou o dê em locação. Neste último caso, não pode invocar como imposto pago a montante o imposto que suportou relativamente a eventuais despesas de renovação. Estas despesas afectariam assim a renda e seriam repercutidas pelo locador sobre o cliente, o que originaria um «efeito de bola de neve» do imposto sobre o valor acrescentado a pagar.

26 Deste modo - continua a demandante -, quando um Estado-Membro adapta a sua legislação fiscal ao regime da Primeira Directiva, concedendo o direito de opção nos termos do artigo 13._, C, já não pode - tal como no caso do artigo 28._ - voltar atrás.

27 Todavia, a isenção do imposto sobre o valor acrescentado da locação de bens imóveis, que, no caso concreto, a demandante considera não estar em conformidade com o sistema, é precisamente o regime de princípio previsto na Sexta Directiva. Por conseguinte, não compreendo por que razão não poderia um Estado-Membro - depois de ter feito uso da possibilidade prevista na directiva de conceder um direito de opção - voltar novamente ao regime de princípio. Quando a demandante sustenta que um Estado-Membro que fez uso da possibilidade prevista no artigo 13._, C, deixa de poder voltar atrás, isso significaria que um Estado-Membro que recorreu à possibilidade de derrogação deixa de poder voltar à regra de base. Esta tese não corresponde precisamente - como acabo de explicar - à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 28._, segundo a qual um Estado-Membro deixa de poder voltar às disposições derrogatórias nos termos do artigo 28._ caso tenha adaptado a sua legislação fiscal às regras da Sexta Directiva.

28 A demandante invoca, de resto, na sua argumentação, as conclusões apresentadas no referido processo Comissão/Espanha. Neste processo, o advogado-geral também concluiu que deixa de poder fazer-se uso da possibilidade prevista nas disposições derrogatórias do artigo 28._ quando um regime que está em conformidade com a directiva tenha sido anteriormente introduzido ou tenha sido mantido. A demandante baseia-se, em especial, no argumento de que isso «seria contrári[o] aos princípios da generalidade e neutralidade do imposto que enformam a directiva que... são a `chave' fundamental para uma interpretação correcta das disposições de carácter derrogatório» (8). A demandante considera que a reintrodução da isenção não respeita, no caso em apreço, os princípios da neutralidade e da generalidade do imposto e que, unicamente por esta razão, não pode ser autorizada.

29 Todavia, há que salientar, a este respeito, que o advogado-geral também se inspirou, antes de mais, na regra da Sexta Directiva e que só a título de argumento suplementar é que analisou os princípios de generalidade e neutralidade do imposto, tal como constam da Primeira Directiva. Deste modo, afirmou que a isenção do imposto seria incompatível com os princípios referidos, mas acrescentou: «além de ser totalmente injustificada face ao conteúdo literal da referida disposição» (9). Esta tese revela que, também na sua opinião, o elemento determinante residia nas disposições explícitas da Sexta Directiva.

30 O advogado-geral invocou, aliás, o acórdão proferido no processo Kerrutt, citando expressamente um excerto segundo o qual «a disposição em apreço [o artigo 28._, n._ 3, alínea b)] se opõe `pelos seus próprios termos, à criação de novas isenções ou ao alargamento do âmbito de isenções existentes, após a data de entrada em vigor da directiva'» (10). Donde se pode igualmente deduzir que, em seu entender, são relevantes essencialmente as disposições da Sexta Directiva e as isenções ou tributações nela previstas e não a Primeira Directiva, que só institui o sistema mas não regula a sua execução.

31 Por isso, o Tribunal de Justiça também decidiu no seu acórdão: «... a prorrogação do regime transitório das isenções de IVA para além do prazo inicialmente previsto não pode justificar a faculdade de os Estados-Membros concederem isenções que não estavam autorizados a conceder. Com efeito, tal faculdade comprometeria o objectivo visado pelo artigo 28._, n._ 3, alínea b), que é o de permitir uma adaptação progressiva das legislações nacionais nos domínios em causa» (11). Todavia, uma vez que o Reino da Bélgica reintroduziu precisamente uma isenção expressamente prevista na directiva - que não é das que [como esclarece o referido acórdão] não estava autorizada a conceder -, não compreendo porque seria proibida esta faculdade. Por conseguinte, é forçoso concluir que um Estado-Membro que tenha feito uso da possibilidade prevista no artigo 13._, C, pode também voltar à situação inicial.

32 Falta analisar se esta concessão do direito de opção nos termos do artigo 13._, C, da Sexta Directiva também pode ser revogada com efeito retroactivo. A Comissão também considera que esta possibilidade se poderia apresentar problemática à luz do direito à dedução do imposto pago a montante que já foi gerado. O sistema geral de imposto sobre o valor acrescentado instituído quer pela Primeira Directiva quer pela Sexta Directiva prevê que o sujeito passivo é autorizado a deduzir ao imposto de que é devedor o imposto devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados por outro sujeito passivo e que utilizou para os fins das próprias operações tributáveis (artigo 17._, n._ 2, da Sexta Directiva). Por força do artigo 17._, n._ 1, este direito à dedução do imposto pago a montante nasce quando o imposto dedutível se torna exigível. Existe assim um nexo entre a tributação e o direito à dedução do imposto pago a montante.

33 Deste modo, o Tribunal de Justiça declarou «que resulta do sistema da directiva... que os beneficiários da isenção, pelo facto de a usarem, renunciam necessariamente ao direito de reclamar a dedução dos impostos pagos a montante» (12). O «direito a dedução... faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado» (13).

34 Isso significa, também no entender da Comissão, que os sujeitos passivos que optaram pela tributação, na (eventual) vigência da lei belga, beneficiam de um direito à dedução do imposto pago a montante, que não lhes pode ser recusado com efeito retroactivo. A Comissão e o Governo belga reconhecem ambos que devem ser respeitados os direitos à dedução do imposto pago a montante que já foram gerados.

35 Todavia, no que se refere à situação que é objecto do processo na causa principal, o Governo belga faz notar que a demandante não exerceu expressamente o seu direito de opção. Segundo o Tribunal de Justiça, o exercício de um direito de opção concedido cabe apenas ao contribuinte (14). De resto, dispõe o artigo 13._, C, na segunda parte do segundo parágrafo, que os Estados-Membros determinam as modalidades de exercício do direito de opção. Nesta medida - e isso não é contestado -, incumbe ao tribunal de reenvio decidir se a demandante na causa principal exerceu utilmente o seu direito de opção.

36 As partes não estão de acordo quanto à questão de saber se é esse o caso. A demandante considera que fez tudo o que era necessário para beneficiar expressamente do direito de opção. Invocou um direito de dedução do imposto pago a montante e, a este propósito, referiu que a locação devia estar sujeita a tributação. Não foi possível contabilizar o IVA porque ainda não tinham sido adoptadas as medidas de execução correspondentes.

37 Em contrapartida, o Governo belga entende que a opção só podia ser exercida utilmente se a Belgocodex tivesse formalmente manifestado essa intenção junto da administração e se tivesse cobrado o imposto sobre as rendas e o tivesse entregue ao Estado. Todavia, como já referi, incumbe ao tribunal nacional julgar esta questão, tendo em consideração o nexo existente entre a tributação e o direito à dedução do imposto pago a montante.

38 A este propósito, recordem-se as observações expressas nos n.os 14 e 15, supra, uma vez que as mesmas regras devem ser aplicadas ao exercício do direito de opção e à introdução ou à validade do próprio direito de opção. Embora o artigo 13._, C, da Sexta Directiva deixe aos Estados-Membros a faculdade de restringir o direito de opção e de definir as modalidades do seu exercício - e estas medidas ainda não foram adoptadas pela lei belga -, há que notar, todavia, no caso em apreço, que o sujeito passivo que escolhe a opção não pode exercer legalmente este direito precisamente porque as medidas correspondentes ainda não foram adoptadas pelo governo. Deste modo, as exigências previstas para o exercício da opção não devem ser demasiado estritas para não afectar o direito à dedução do imposto pago a montante nos termos do artigo 17._ da Sexta Directiva, que é parte essencial do sistema do imposto sobre o valor acrescentado. Em caso de supressão com efeito retroactivo do direito de optar pela tributação, só não deveriam poder reivindicar direito algum os contribuintes que não manifestaram de nenhum modo a vontade de fazer uso do direito de opção.

Conclusões

39 À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte à questão prejudicial:

«O artigo 2._ da Primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, não obsta a que o disposto na Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, em especial, no artigo 13._, C e B, alínea b), seja interpretado no sentido de que não proíbe que um Estado-Membro que fez uso da possibilidade prevista no artigo 13._, C, da Sexta Directiva e concedeu aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação de determinadas locações de bens imóveis suprima o referido direito de opção mediante uma lei posterior - mesmo retroactiva - e reintroduza deste modo a isenção com todo o seu alcance. Todavia, esta interpretação só é aplicável caso não sejam violados os direitos à dedução do imposto pago a montante (na acepção do artigo 17._ da Sexta Directiva) resultantes do facto de o sujeito passivo ter claramente manifestado que quer exercer a opção.»

(1) - JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(2) - Noutras situações, as receitas auferidas com a locação são provavelmente sujeitas ao imposto sobre o rendimento ou a um imposto semelhante.

(3) - JO 1967, 71, p. 1301; EE 09 F1 p. 3.

(4) - O artigo 1._, primeiro parágrafo, precisa: «Os Estados-Membros adaptarão o seu regime actual do imposto sobre o valor acrescentado às disposições dos artigos seguintes.»

(5) - Acórdão de 6 de Outubro de 1995 (C-144/94, Colect., p. I-3653).

(6) - Tal efeito foi declarado em relação ao artigo 13._, B, - como a Comissão também sustenta - no acórdão Becker. O Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, na fundamentação «que o artigo 13._, C, não confere, de modo algum, aos Estados-Membros a faculdade de limitarem ou de restringirem, por qualquer forma, as isenções previstas em B; simplesmente, reserva aos Estados a faculdade de conceder, numa medida mais ou menos ampla, aos beneficiários destas isenções a possibilidade de eles próprios optarem pela tributação, quando considerem ser esse o seu interesse» (acórdão de 19 de Janeiro de 1982, 8/81, Recueil, p. 53, n._ 39).

(7) - Acórdão de 17 de Outubro de 1991, Comissão/Espanha (C-35/90, Colect., p. I-5073, n._ 7).

(8) - Conclusões do advogado-geral G. Tesauro apresentadas no processo Comissão/Espanha, já referido na nota 7, n._ 5.

(9) - Conclusões do advogado-geral G. Tesauro, já referidas na nota 8, n._ 5; sublinhado meu.

(10) - Conclusões apresentadas no processo Comissão/Espanha, já referido na nota 8, n._ 5, e acórdão de 8 de Julho de 1986, Kerrutt (73/85, Colect., p. 2219, n._ 17).

(11) - Acórdão Comissão/Espanha, já referido na nota 7, n._ 9.

(12) - Acórdão Becker, já referido na nota 6, n._ 44.

(13) - Acórdão de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz (C-62/93, Colect., p. I-1883, n._ 18).

(14) - Acórdão Becker, já referido na nota 6, n._ 38.