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Advertência jurídica importante

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61997C0429

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 13 de Janeiro de 2000. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento de Estado - IVA - Oitava Directiva - Restituição do IVA pago noutro Estado-Membro - Sexta Directiva - Lugar da prestação - Serviços de recolha, triagem, transporte e eliminação de resíduos. - Processo C-429/97.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-00637


Conclusões do Advogado-Geral


1. A presente acção por incumprimento diz respeito ao regime de transacções transfronteiras no âmbito do sistema comunitário do IVA. A República Francesa recusa restituir, em conformidade com a Oitava Directiva IVA , o IVA francês pago por empresas alemãs titulares de contratos de gestão de resíduos por serviços que lhes foram prestados a montante por subempreiteiros estabelecidos em França. A Oitava Directiva prevê, quando aplicável, o reembolso do IVA pago por um contribuinte noutro Estado-Membro em vez da dedução dessa quantia ao IVA a pagar a montante. A solução do problema depende da interpretação das regras sobre territorialidade do imposto aplicáveis às prestações de serviços constantes do artigo 9.° da Sexta Directiva IVA .

I - Quadro jurídico e matéria de facto

2. A finalidade da Oitava Directiva está expressa no segundo considerando como sendo a de «evitar que um sujeito passivo estabelecido no território de um Estado-Membro suporte definitivamente o imposto que lhe foi facturado noutro Estado-Membro relativamente a entregas de bens ou a prestações de serviços, ou que foi pago em relação a importações nesse outro Estado-Membro, ficando desse modo sujeito a dupla tributação». Os artigos 1.° e 2.° da Oitava Directiva enunciam duas condições que devem estar preenchidas para que o direito ao reembolso exista. Em primeiro lugar, quem o requer deve estar estabelecido no território de outro Estado-Membro e não ter no Estado-Membro ao qual o reembolso é solicitado nem a sede da sua actividade económica nem um estabelecimento estável a partir do qual as suas operações económicas sejam efectuadas e, em segundo lugar, não deve, durante o período considerado, ter «efectuado qualquer [...] prestação de serviços que se considere ter sido realizada nesse país». O direito ao reembolso existe em relação ao IVA «que tenha incidido sobre as prestações de serviços [...] que lhe tenham sido efectuadas no território do país [no qual o reembolso é solicitado] por outros sujeitos passivos [...] desde que esses [...] serviços sejam utilizados para os fins [das suas actividades económicas no Estado-Membro de estabelecimento]». Para determinar se um tal requerente pode ser considerado como tendo prestado serviços no Estado-Membro em questão, é necessário examinar as regras sobre o lugar em que a prestação se considera efectuada, enunciadas na Sexta Directiva.

3. O artigo 9.° da Sexta Directiva diz respeito ao lugar das prestações de serviços. O artigo 9.° , n.° 1, enuncia uma regra geral, em virtude da qual:

«Por lugar da prestação de serviços entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados, ou, na falta de sede ou estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.»

Todavia, o artigo 9.° , n.° 2, enuncia regras específicas para certas categorias de serviços. O artigo 9.° , n.° 2, alínea c), enumera um certo número de categorias gerais de serviços relativamente às quais se entende por lugar da prestação «o lugar onde as referidas prestações de serviços são materialmente executadas». A categoria pertinente no caso vertente é a visada pelo quarto travessão do artigo 9.° , n.° 2, alínea c): «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos».

4. Esta disposição foi transposta em direito francês pelo artigo 259.° -A-4 do code général des impôts (código geral dos impostos, a seguir «CGI»), por força do qual se considera que o lugar das prestações de serviços materialmente executadas em França, incluindo os «trabalhos e peritagens relativos a bens móveis corpóreos», se situa em França. Não se contesta que esta disposição transpõe correctamente para o direito francês o artigo 9.° , n.° 2, alínea c), quarto travessão. Todavia, o presente litígio advém de uma circular administrativa (a seguir «circular») adoptada em 1992 pelo serviço de legislação fiscal da Administração Fiscal francesa e dirigida a todos os serviços administrativos nacionais encarregados da aplicação do IVA. No que respeita aos contratos de tratamento de resíduos, a circular informa as autoridades em causa que, por força do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva e do artigo 259.° -A-4 do CGI, devem ser sujeitas ao IVA francês não apenas as operações de eliminação de resíduos efectuadas em França mas igualmente o serviço prestado aos seus clientes pela empresa titular do contrato, desde que esta lhes facture o montante global do serviço estipulado no contrato e cujo elemento essencial é constituído pelo preço por ela pago ao operador local em França, que executou materialmente os trabalhos por conta dela. O facto de não ser a empresa principal a efectuar, ela própria, as operações materiais de eliminação mas de as confiar a outra empresa não é relevante. O efeito desta circular é a negação do direito ao reembolso das empresas principais estabelecidas noutro Estado-Membro.

5. Os factos do presente processo giram em torno da recusa das autoridades francesas de restituir o IVA francês a um certo número de contribuintes alemães. Estas empresas alemãs tinham celebrado com colectividades locais, empresas industriais e organismos públicos ou privados, contratos para recolha, triagem, armazenamento e eliminação de resíduos. Deram de empreitada uma parte deste trabalho a empresas especializadas na eliminação de resíduos. Como estas estavam estabelecidas em França, liquidaram o IVA francês pelos seus serviços. As empresas alemãs facturaram aos seus clientes o IVA alemão sobre a totalidade do preço. Não podendo deduzir o IVA francês na Alemanha, pediram a sua restituição às autoridades francesas, que o recusaram.

6. As empresas principais em causa queixaram-se à Comissão da recusa de restituição. A Comissão, por carta de 23 de Outubro de 1992, informou a República Francesa da queixa e pediu esclarecimentos sobre os fundamentos da recusa. As autoridades francesas, numa reunião em 17 de Novembro de 1992 e numa nota à Comissão de 7 de Janeiro de 1993, defenderam que a regra da territorialidade do imposto do artigo 259.° -A-4 do CGI e do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva era aplicável. Do seu ponto de vista, a característica essencial de um contrato de tratamento de resíduos do tipo deste ora em causa, independentemente de uma parte do trabalho ser subcontratada, é a eliminação ou tratamento dos resíduos. O simples facto de esse trabalho ser executado em França por contribuintes aí estabelecidos não seria relevante, pois o conjunto do contrato deveria ser considerado como um todo único e deveria tratar-se o trabalho efectuado em França como se tivesse sido efectuado neste país pelas empresas principais. Estas teriam sido, portanto, correctamente sujeitas ao IVA em França e não teriam direito a pedir a sua restituição ao abrigo da Oitava Directiva.

II - O procedimento pré-contencioso

7. Em 8 de Junho de 1993, a Comissão enviou à República Francesa uma notificação de incumprimento, rejeitando o argumento das autoridades francesas e afirmando que o contrato principal de tratamento de resíduos devia ser considerado autónomo em relação ao contrato de subempreitada.

8. A República Francesa, em carta de 6 de Agosto de 1993, manteve a sua posição. As empresas principais em questão poderiam, todavia, inscrever-se para efeitos de IVA em França e fazer valer, assim, nos termos do artigo 17.° da Sexta Directiva, o direito à dedução do IVA francês liquidado nas facturas recebidas dos seus subempreiteiros.

9. Em 10 de Abril de 1996, a Comissão adoptou um parecer fundamentado, contestando, em particular, a posição das autoridades francesas, segundo a qual o contrato principal e os contratos de subempreitada podiam ser assimilados para se poder considerar a empresa principal como responsável pelos trabalhos de tratamento efectuados pelos subempreiteiros em França.

10. A República Francesa não deu cumprimento ao parecer fundamentado mas dirigiu à Comissão, em 12 de Junho de 1996, uma nova nota, na qual insistia, designadamente, na necessidade de adoptar uma interpretação global dos contratos de tratamento de resíduos, tendo em conta, especialmente, o facto de as autoridades locais e outros clientes que celebram tais contratos pagarem um preço global pelo que consideram um serviço único de tratamento dos seus resíduos.

11. Em 16 de Setembro de 1997, a Comissão intentou a presente acção, nos termos do artigo 169.° do Tratado CE (actual artigo 226.° CE), na qual pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

a) declarar que a República Francesa, ao recusar restituir o IVA aos contribuintes não estabelecidos no país, quando estes tenham subcontratado uma parte do seu trabalho a um contribuinte estabelecido em França, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Oitava Directiva, especialmente do seu artigo 2.° ;

b) condenar a República Francesa nas despesas da instância.

III - Análise

A - Admissibilidade

i) A questão prévia da inadmissibilidade parcial

12. A República Francesa sustenta que a acção é parcialmente inadmissível, na medida em que visa declarar um incumprimento geral que não se limita ao caso dos contratos de tratamento de resíduos, mas se aplica a todos os serviços prestados por subempreiteiros estabelecidos em França consistentes em trabalhos relativos a bens móveis corpóreos. Afirma que a Comissão não expôs, nem na petição nem no decurso do procedimento pré-contencioso, os elementos de direito e de facto em que se baseia para concluir pela existência de um incumprimento geral .

13. Na réplica, a Comissão sustenta que a determinação do regime do IVA aplicável aos contratos de tratamento de resíduos é indissociável da questão geral da correcta interpretação do quarto travessão do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva. Isto mesmo seria demonstrado pelo facto de a contestação da República Francesa se centrar em torno da interpretação desta disposição que, como a própria reconhece, não se limita necessariamente a tais contratos. A Comissão recorda a crítica formulada pelo Tribunal de Justiça a respeito da redução do pedido numa acção anterior Comissão/França, na qual se colocava uma questão de princípio comparável, mas em que a Comissão tinha declarado, na petição inicial, que limitava o pedido a um sector . A Comissão sustenta, além disso, que os direitos de defesa da República Francesa não foram postos em causa, tendo em conta que as suas acusações se mantiveram constantes no decurso do procedimento pré-contencioso e no âmbito da acção perante o Tribunal de Justiça.

14. Na tréplica, a República Francesa afirma que o facto de o Tribunal de Justiça ter limitado, no processo crédito fiscal, a declaração de incumprimento ao sector particular indicado na petição inicial demonstra que a Comissão não pode pretender obter do Tribunal de Justiça uma declaração geral de incumprimento nos termos do artigo 169.° do Tratado se não tiver invocado, no decurso do processo pré-contencioso, um incumprimento com essa mesma amplitude. Na audiência, o agente da Comissão declarou que a interpretação francesa do quarto travessão do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), era susceptível de ser aplicada para além do sector dos contratos de tratamento de resíduos.

ii) Conclusão sobre a alegação de inadmissibilidade parcial

15. O Tribunal de Justiça tem decidido iterativamente que «a fase pré-contenciosa tem por objectivo dar ao Estado-Membro em causa a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário e, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão», que «o objecto de uma acção intentada ao abrigo do artigo 169.° do Tratado é delimitado pelo processo pré-contencioso previsto nesta disposição» e que não pode deste modo ser baseado «em acusações diversas das indicadas no parecer fundamentado» . No essencial, «a protecção dos direitos da defesa depende apenas da identidade das imputações feitas na acção e no parecer fundamentado [...]» . Na nossa opinião, o pedido apresentado na presente acção satisfaz estes critérios e a República Francesa não pode, com razão, sustentar que ignorava o carácter geral da acusação formulada pela Comissão no presente caso.

16. A acusação relativa à interpretação do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva aplica-se, designadamente, mas não exclusivamente, ao tratamento de contratos complexos de tratamento de resíduos. O parecer fundamentado levanta, em termos gerais, a questão da correcta interpretação do artigo 9.° , n.° 2, alínea c). A sua conclusão formal está redigida em termos gerais idênticos aos do pedido formulado pela Comissão ao Tribunal de Justiça. A presente acção por incumprimento não pode, por isso, ser julgada inadmissível com fundamento em qualquer falta de correspondência entre o pedido apresentado no Tribunal de Justiça e as alegações da Comissão no decurso do procedimento pré-contencioso .

17. Daí não resulta que a acção, apesar de admissível, seja fundada na sua ampla formulação.

18. Vale a pena examinar a razão por que o Tribunal de Justiça lamenta, no processo crédito fiscal, a decisão da Comissão de limitar a sua acusação à aplicação da regra fiscal em causa ao sector dos seguros, porque, apesar de a regra ser manifestamente de aplicação geral, este era «o único sector» relativamente ao qual lhe tinham sido dirigidas queixas . O Tribunal de Justiça declarou que podia «lamentar-se, por isso, que, ao limitar-se às sociedades de seguros, a presente acção situe o problema em termos que cobrem apenas uma parte do âmbito de aplicação das disposições legislativas francesas em questão» . Todavia, o presente processo é diferente. Não é o artigo 259.° -A-4 do CGI que se sustenta ser incompatível com o direito comunitário, mas a aplicação que dele é feita numa circular. A acusação, mais ampla, formulada no âmbito da acção no Tribunal de Justiça talvez seja justificada, mas, na nossa opinião, esta questão está indissociavelmente ligada à interpretação do artigo 9.° da Sexta Directiva e deve ser decidida pelo Tribunal de Justiça no quadro da apreciação quanto ao mérito.

B - O mérito

19. As transacções transfronteiras dão inevitavelmente lugar, como reconhece o sétimo considerando do preâmbulo da Sexta Directiva, a «conflitos de competência entre os Estados-Membros». Esse risco existe, designadamente, quando um prestador de serviços estabelecido num Estado-Membro fornece serviços noutro Estado-Membro.

20. O artigo 9.° da Sexta Directiva inclui algumas regras de carácter bastante geral cujo objectivo é, como indicou o Tribunal de Justiça no acórdão Dudda, «evitar, por um lado, os conflitos de competência, susceptíveis de conduzir a duplas tributações, e, por outro, a não tributação de receitas, como se declara no n.° 3 do artigo 9.° , se bem que apenas quanto a situações específicas» . Este artigo reparte a obrigação fiscal em função de dois tipos de regras. O artigo 9.° , n.° 1, estabelece uma «regra geral» na medida em que «o lugar onde o prestador estabeleceu a sede da sua actividade económica surge como um ponto de conexão prioritário [...]» . O artigo 9.° , n.° 2, exclui essa regra num certo número de casos específicos. Todavia, o Tribunal de Justiça afirmou igualmente que, «no que respeita à interpretação do artigo 9.° , não existe qualquer proeminência do n.° 1 sobre o n.° 2 dessa disposição. A questão que se coloca em cada situação concreta é a de saber se ela é regida por um dos casos mencionados no artigo 9.° , n.° 2; se o não for, inclui-se no n.° 1» .

21. Convém, em cada caso, examinar se se trata de um caso com «conexões específicas, enquanto o n.° 1 estabelece, nesta matéria, uma regra de carácter geral» . Embora esta última disposição não prevaleça sobre o n.° 2 do artigo 9.° da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça considera que ela tem, num certo sentido, o carácter de uma derrogação . Basta dizer que, como nem todos os serviços estão abrangidos na previsão do n.° 2, a verificação de um dos casos específicos deve ser claramente demonstrada, pois, se assim não for, aplica-se a regra geral do lugar de estabelecimento enunciada no n.° 1 do mesmo artigo.

22. A Comissão e a República Francesa estão em vivo desacordo quanto ao conteúdo e caracterização, para efeitos de aplicação do artigo 9.° da Sexta Directiva, dos contratos de tratamento de resíduos ora em questão. A primeira considera que estes implicam a execução de um conjunto complexo de operações das quais apenas algumas consistem em «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos» na acepção do quarto travessão do artigo 9.° , n.° 2, alínea c). A República Francesa não contesta que os contratos sejam complexos. Sustenta, contudo, que o seu carácter essencial deriva da operação de eliminação e de reciclagem dos resíduos, que todos os outros elementos contribuem para esta finalidade e que essas partes características do trabalho são executadas em França. Os contratos de tratamento de resíduos devem ser vistos como uma operação única e não ser segmentados pelos diferentes componentes da operação de eliminação. As operações características constituem «trabalho relativo a bens móveis corpóreos». São ambas efectuadas em França e conferem ao contrato o seu carácter essencial. O artigo 9.° , n.° 2, alínea c), aplica-se, consequentemente, à integralidade dos trabalhos previstos no contrato principal.

23. Essa pretensão de aplicação de um dos casos específicos enumerados no artigo 9.° , n.° 2, da Sexta Directiva obriga, de acordo com o acórdão Dudda, a examinar em primeiro lugar o argumento francês.

24. Importa não perder de vista dois pontos de conexão simples. É pacífico entre as partes que os serviços fornecidos pelos subempreiteiros franceses são tributáveis em França, só havendo litígio quanto ao pedido de restituição apresentado pelas empresas principais ao abrigo da Oitava Directiva. Por outro lado, é a qualificação do contrato principal, no seu conjunto, que está em causa. Segundo a República Francesa, os serviços prestados em execução do contrato no seu conjunto devem ser considerados «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos» efectuados em França pela empresa principal tão seguramente como se esta os tivesse aí efectuado, ela própria, directamente. A subempreitada não modifica nada, dado que o contrato deve ser tratado como um todo.

25. Antes de examinar a questão à luz do contexto, da finalidade e da letra do artigo 9.° da Sexta Directiva, devemos debruçar-nos sobre dois argumentos jurídicos avançados pela República Francesa.

26. Em primeiro lugar, a República Francesa baseia a sua tese da análise global na definição de «gestão de resíduos» constante das directivas sobre resíduos: «a recolha, transporte, aproveitamento e eliminação dos resíduos, incluindo a fiscalização destas operações e a vigilância dos locais de descarga depois de fechados» . Estas operações correspondem, seguramente, no todo ou em parte, aos serviços prestados em cumprimento dos contratos principais, mas não ajudam, na nossa opinião, a resolver a questão da aplicação do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva, quando alguns elementos são «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos» e outros não. Aquela definição também nada tem a ver com esta última noção. O Tribunal de Justiça recorre, por vezes, a uma definição constante de uma disposição de direito comunitário para esclarecer o seu significado numa outra disposição . O presente processo não se presta a isso. A definição de gestão de resíduos não pode esclarecer a noção de «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos». A recolha e o transporte não parecem constituir trabalhos desse tipo, embora estejam incluídos na definição. A triagem e o armazenamento não constam da definição, embora sejam parte do objecto dos contratos principais. Na verdade, a definição serve, quando muito, para confirmar a variedade das operações incluídas na definição. Voltaremos a esta questão no n.° 32.

27. Em segundo lugar, a República Francesa baseia-se em duas acções por incumprimento relativas a «prestações de serviços de publicidade» na acepção do segundo travessão do artigo 9.° , n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva . Nestes processos, o Tribunal de Justiça decidiu que a República Francesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo tinham faltado às obrigações que lhes impunha a Sexta Directiva, porque tinham excluído (no primeiro caso, através de uma circular administrativa e, no segundo caso, na prática) certos tipos de operações de promoção (que incluíam certas entregas de bens) da definição de «prestações de serviços de publicidade». Estes acórdãos nada têm a ver, todavia, com a questão a resolver no caso vertente, ou seja, a de saber como classificar, à luz do n.° 1 ou do n.° 2 do artigo 9.° , um contrato de prestação de serviços que inclui certos elementos que constam e outros que não constam de uma das categorias específicas do artigo 9.° , n.° 2.

28. Nem a definição de «gestão de resíduos» nem os acórdãos prestações de serviços de publicidade permitem resolver esta questão crucial.

29. A base da posição francesa é que o contrato principal deve ser considerado indivisível e classificado em função do carácter essencial por ela reivindicado. Assim, embora um grande número de operações incluídas neste contrato não respeitem a «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos» e não sejam fisicamente realizadas em França, a integralidade dos serviços que devem ser prestados por força desse contrato deve ser havida como prestada em França.

30. Por conseguinte, segundo a República Francesa, como exposto na audiência, a empresa principal alemã deveria fazer uma declaração e designar um representante fiscal em França, como prevê o artigo 21.° da Sexta Directiva. Nenhum problema de restituição nos termos da Sexta Directiva se colocaria então. O IVA pago sobre as prestações de serviços pelos subempreiteiros franceses seria muito simplesmente deduzido, de acordo com a normal aplicação do artigo 17.° da Sexta Directiva.

31. À primeira vista, parece estranho que um contribuinte estabelecido na Alemanha deva facturar o IVA francês aos seus clientes alemães por serviços que lhes são prestados na Alemanha. A regra geral do artigo 9.° , n.° 1, da Sexta Directiva seria totalmente excluída. Como declarou a Comissão, isso exporia os clientes finais alemães desse contribuinte a incerteza quanto à taxa de IVA a pagar, dado que a não aplicação do artigo 9.° , n.° 1, dependeria de o contrato no seu todo ser classificado por referência àqueles seus elementos que constituem «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos».

32. O Tribunal de Justiça já teve que se pronunciar sobre a aplicabilidade do quarto travessão do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), da Sexta Directiva no processo Linthorst . Neste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que os cuidados prestados aos animais por veterinários não constituíam «trabalhos relativos a bens móveis corpóreos». Segundo o Tribunal, esta expressão «evoca, no seu sentido comum, uma intervenção meramente física sobre bens móveis corpóreos, de natureza em princípio não científica nem intelectual» . Sublinhando que «as funções principais do veterinário consistem fundamentalmente [...] na prestação de cuidados terapêuticos dispensados aos animais em conformidade com as regras científicas» , o Tribunal declarou que, embora a «intervenção física sobre o animal» seja necessária, tal não é suficiente para que os cuidados «sejam qualificados de trabalhos». Enquanto a República Francesa se refere a este acórdão como precedente, em apoio da sua tese segundo a qual a recolha, o agrupamento, o depósito, a triagem, o armazenamento, o tratamento, a incineração e a maioria das operações de reciclagem constituem trabalhos relativos a «bens móveis corpóreos», pela nossa parte consideramos que este acórdão demonstra, ao contrário, o alcance muito limitado deste último termo. A expressão «intervenção meramente física» não inclui, na nossa opinião, nenhum dos elementos enumerados pela República Francesa, à excepção, talvez, da incineração e da reciclagem. Os trabalhos de tratamento de resíduos não são objecto, como bem sublinha a Comissão, de nenhum dos casos específicos do artigo 9.° , n.° 2. Mais, o acórdão Linthorst não corrobora a tese da análise global com vista à sujeição dos contratos ao n.° 1 ou ao n.° 2 do artigo 9.° Por isso, apenas algumas operações de tratamento de resíduos cabem na previsão do artigo 9.° , n.° 2, alínea c). Trata-se verosimilmente de parte dos trabalhos efectuados pelos subempreiteiros que intervieram na execução dos contratos em causa no presente processo. Estas operações são tributáveis em França, mas não necessariamente por aplicação do artigo 9.° , n.° 2, alínea c), visto que, neste aspecto, não surgiu qualquer conflito entre a aplicação do n.° 1 ou do n.° 2 do artigo 9.°

33. A tese da República Francesa implica, em todo o caso, pelas razões indicadas no n.° 31, supra, uma interpretação artificial do contrato principal. Ao considerar que a empresa principal presta serviços que subcontrata a outros para que estes os executem de modo independente, esta interpretação pressupõe que essa empresa presta serviços a ela própria. A prestação de serviços a si próprio pode, evidentemente, resultar de uma disposição expressa, designadamente, do artigo 6.° , n.° 2, da Sexta Directiva. Todavia, quando existem efectivamente dois contribuintes, não há razão para considerar essa hipótese. Isso seria abstrair da autonomia da prestação de serviços na cadeia de distribuição, que é um elemento central do sistema do IVA.

34. A Comissão refere ainda que o resultado lógico do sistema proposto pela República Francesa é que o IVA francês seria pago sobre a totalidade do valor do contrato principal, apesar de só uma parte dos trabalhos ser efectuada em França. Embora a República Francesa tenha alegado, na audiência, que só seria tributada em França, pelo menos de forma sistemática, a parte dos trabalhos que aí é efectivamente efectuada, não explicou como chegaria a esse resultado de modo compatível com a tese em que funda a sua argumentação de uma interpretação «global» do contrato principal baseada na sua característica essencial. Consideramos que os receios da Comissão quanto aos riscos de dupla tributação são, por conseguinte, fundados. A empresa principal presta um serviço completo de tratamento de resíduos aos seus clientes alemães e, estando estabelecida nesse Estado-Membro, é normalmente obrigada a pagar aí o IVA. A referência da República Francesa à asserção do acórdão Genius Holding , nos termos da qual «compete aos Estados-Membros prever [...] a possibilidade de correcção de qualquer imposto indevidamente facturado desde que quem emita a factura demonstre a sua boa fé», é impertinente. Este obiter dictum apenas diz respeito à circunstância particular descrita nesse acórdão, a saber, os efeitos de facturas falsas. Não pode substituir-se à correcta aplicação do artigo 9.° da Sexta Directiva.

35. Na nossa opinião, o artigo 9.° , conjugado com a Oitava Directiva, fornece um sistema coerente de resolução de conflitos de competência. Quando nos encontrarmos em presença de um dos casos particulares enumerados no artigo 9.° , n.° 2, mas apenas nesses casos, o serviço está efectivamente ligado ao Estado-Membro no qual é prestado. A Oitava Directiva permite a recuperação do imposto pago por um contribuinte a esse prestador de serviços num outro Estado-Membro. Pretende-se assim substituir o sistema de dedução aplicável no interior de um só Estado-Membro. A adopção de um ponto de vista diferente quando dois Estados-Membros estão envolvidos na situação complicaria o sistema em vez de o simplificar. Como bem disse a Comissão, exigir-se-ia desse modo ao principal prestador de serviços (na ocorrência, a empresa principal) que criasse um estabelecimento artificial ou fictício num segundo Estado-Membro.

36. Em conclusão, consideramos que é manifestamente errada a recusa da República Francesa de efectuar o reembolso nos termos previstos pela Oitava Directiva. A recusa baseia-se numa interpretação errónea do quarto travessão do artigo 9.° , n.° 2, alínea c).

37. Por outro lado, não foi demonstrado pela Comissão que a República Francesa tenha aplicado mal as regras em questão noutros domínios além do dos contratos de tratamento de resíduos. De facto, a circular em causa está aparentemente limitada aos contratos de tratamento de resíduos. Embora uma aplicação mais ampla do mesmo princípio constituísse igualmente um incumprimento, pela República Francesa, das obrigações que lhe incumbem por força da Oitava Directiva, a Comissão não demonstrou que ele tenha tido uma aplicação mais ampla. Propomos, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça que declare o incumprimento, tal como pedido pela Comissão, mas limitado ao modo como a República Francesa trata os contratos em questão.

IV - Conclusão

38. Propomos ao Tribunal de Justiça que:

1) declare que, ao recusar restituir o imposto sobre o valor acrescentado aos contribuintes não estabelecidos em França, quando estes tenham subcontratado parte dos trabalhos abrangidos num contrato complexo de tratamento de resíduos a um contribuinte estabelecido em França, a República Francesa faltou às obrigações que lhe incumbem por força da Oitava Directiva 79/1072/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Regras sobre o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país, especialmente do seu artigo 2.° ;

2) condene a República Francesa nas despesas.