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Advertência jurídica importante

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61998C0224

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 21 de Fevereiro de 2002. - Marie-Nathalie D'Hoop contra Office national de l'emploi. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal du travail de Liège - Bélgica. - Cidadania da União - Princípio da não discriminação - Regulamentação nacional que concede o direito ao subsídio de inserção aos cidadãos nacionais apenas na condição de terem concluído os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino do seu próprio Estado-Membro - Cidadão nacional à procura do primeiro emprego, que concluiu os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino de outro Estado-Membro. - Processo C-224/98.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-06191


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1 Marie-Nathalie D'Hoop, cidadã belga, concluiu após um período de quatro anos os seus estudos secundários na França, cuja equivalência é reconhecida pelas autoridades belgas. Após o seu regresso à Bélgica, seguiu estudos universitários, findos os quais apresentou um pedido de concessão do que é designado por «subsídio de inserção». Este subsídio de inserção destina-se aos jovens desempregados à procura do primeiro emprego. Inclui não apenas uma intervenção financeira, mas também o direito de participação em diversos programas especiais de início ou de reinício da actividade profissional. O seu pedido foi indeferido com o fundamento de que não preenchia a condição legal que reserva o direito a este subsídio aos desempregados que tenham concluído os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino do seu próprio país.

2 Foi a partir destes factos que o tribunal du travail de Liège colocou ao Tribunal de Justiça a questão de saber se o direito comunitário se opõe a que um Estado-Membro recuse a concessão a um dos seus próprios nacionais à procura do seu primeiro emprego do direito a um subsídio de inserção com o fundamento de que não efectuou os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino por si subvencionado ou reconhecido, mas sim noutro Estado-Membro.

3 A questão prejudicial versa exclusivamente sobre a interpretação do artigo 39._ CE e do artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (1). Decorre, todavia, do despacho de reenvio e dos autos que este problema deve ser apreciado num contexto mais vasto. Com efeito, M.-N. D'Hoop não invocou tanto a sua qualidade de trabalhador, mas sim o princípio geral do direito comunitário que proíbe qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

4 As observações que foram apresentadas ao Tribunal de Justiça demonstram claramente que este processo suscita essencialmente dois problemas. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça deve examinar se, e na afirmativa em que qualidade, pode M.-N. D'Hoop invocar o direito comunitário na situação que é a sua. O problema específico resulta do facto de o subsídio de inserção não lhe ser recusado em razão da sua nacionalidade ou do seu lugar de residência, mas sim devido ao facto de ter concluído os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino situado noutro Estado-Membro. O Tribunal de Justiça deverá seguidamente decidir se M.-N. D'Hoop é vítima de uma discriminação injustificada em razão da sua nacionalidade, na acepção do artigo 12._ CE.

II - O direito nacional

5 A legislação belga prevê a concessão de um subsídio de inserção a jovens que acabaram de concluir os seus estudos e estão à procura de um primeiro emprego. Nos termos do artigo 36._ do Decreto real de 25 de Novembro de 1991, de regulamentação do desemprego (2), o requerente deve preencher determinadas condições para beneficiar desse subsídio. Nos termos do artigo 36._, n._ 1, segundo parágrafo, alínea a), do decreto real, uma destas condições é que deve:

«ter concluído os seus estudos completos do ciclo secundário superior ou do ciclo secundário inferior de formação técnica ou profissional num estabelecimento de ensino subvencionado ou reconhecido por uma comunidade».

6 No acórdão Comissão/Bélgica que proferiu em 1996 (3), o Tribunal de Justiça declarou que essa condição discrimina os filhos a cargo dos trabalhadores migrantes e que, portanto, é incompatível com o direito comunitário, em especial com o artigo 39._ CE e com o artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68.

7 Por conseguinte, o novo decreto real (4) acrescentou ao artigo 36._, n._ 1, primeiro parágrafo, uma nova disposição, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997. Trata-se da alínea h), que concede o direito ao subsídio de inserção aos jovens que tenham concluído os seus estudos ou a sua formação noutro Estado-Membro da União Europeia e que preencham duas condições cumulativas. Devem, em primeiro lugar, apresentar documentos que comprovem que os estudos ou a formação são do mesmo nível e equivalentes aos referidos no artigo 36._, n._ 1, primeiro parágrafo, alínea g). Devem seguidamente demonstrar que no momento da apresentação do pedido de subsídio eram filhos a cargo de trabalhadores migrantes, na acepção do artigo 39._ CE, e residentes na Bélgica.

III - Os factos, a tramitação processual e a questão prejudicial

8 M.-N. D'Hoop tem nacionalidade belga. Após ter efectuado os seus primeiros anos de estudos secundários na Escola Europeia de Bruxelas, prossegui-os e completou-os em Lille, na França. A Comunidade Francesa da Bélgica reconheceu o diploma de fim de estudos francês como equivalente ao diploma de ensino secundário superior belga que lhe dá acesso ao ensino superior. M.-N. D'Hoop prosseguiu seguidamente estudos universitários na Bélgica, que concluiu em 23 de Setembro de 1995. De 27 de Setembro de 1995 a 26 de Junho de 1996, esteve inscrita como candidata a um emprego no Office National de l'Emploi (a seguir «Onem»).

9 Em 20 de Junho de 1996, requereu a este último a concessão de um subsídio de inserção, pedido que foi indeferido por não ter seguido os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino organizado, subvencionado ou reconhecido por uma das comunidades, como exige o artigo 36._, n._ 1, primeiro parágrafo, alínea a), do Decreto real de 25 de Novembro de 1991.

10 Interpôs então recurso dessa decisão para o tribunal du travail de Liège que, por despacho de 17 de Junho de 1998, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Na medida em que resulta da interpretação já dada pelo Tribunal de Justiça ao artigo 48._ do Tratado CE e ao artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 que o artigo 36._ do Decreto real de 25 de Novembro de 1991 não pode opor-se à concessão do subsídio de inserção a um estudante a cargo de um trabalhador migrante comunitário, que concluiu os seus estudos secundários num estabelecimento de um Estado-Membro que não a Bélgica, essas disposições devem ser interpretadas no sentido de que proíbem, além disso, que esse artigo 36._ do Decreto real de 25 de Novembro de 1991 se oponha à concessão de um subsídio de inserção a um estudante belga à procura do primeiro emprego, que, de igual modo, concluiu os seus estudos secundários num estabelecimento de um Estado-Membro que não a Bélgica?»

11 M.-N. D'Hoop interpôs recurso desse despacho para a Cour du travail de Liège que, por acórdão de 16 de Março de 2001, decidiu que, apesar da alteração introduzida no artigo 36._ do Decreto real de 1991 pelo Decreto real de 13 de Dezembro de 1996 só ter entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1997, ou seja, após a apresentação do pedido de concessão do subsídio de inserção, essa alteração deve, contudo, ser aplicada no caso em apreço em conformidade com a jurisprudência, o que de resto as partes não contestam. Quanto ao mais, a Cour d'appel confirmou o despacho recorrido e remeteu o processo ao tribunal du travail de Liège.

12 Tendo o tribunal a quo informado ao Tribunal de Justiça do efeito suspensivo do recurso interposto do despacho de reenvio, a instância foi suspensa enquanto se aguardava pela decisão da Cour d'appel. Uma cópia do acórdão desta última deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de Março de 2001.

13 Entretanto, a fase escrita do processo tinha sido já encerrada em 1 de Outubro de 1998. Apresentaram observações escritas M.-N. D'Hoop, o Onem, o Governo belga e a Comissão. Em 20 de Novembro de 2001, realizou-se a audiência na qual estiveram representados M.-N. D'Hoop, o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão. No decurso da audiência, a jurisprudência recente respeitante às disposições do Tratado relativas à cidadania da União foram examinadas a pedido do Tribunal de Justiça.

IV - Apreciação A - O âmbito de aplicação do Tratado

14 Para poder analisar a questão de saber se M.-N. D'Hoop se encontra numa situação regulada pelo direito comunitário de molde a poder invocar o princípio que proíbe qualquer discriminação em razão da nacionalidade (5), vou começar por recordar as regras comunitárias referentes à livre circulação dos trabalhadores e à livre prestação de serviços. Seguidamente, vou debruçar-me sobre certas disposições referentes à cidadania da União que, em meu entender, têm um valor decisivo no caso em apreço. Por último, abordarei dois aspectos suplementares referentes aos recentes desenvolvimentos políticos na Comunidade.

1. As disposições do Tratado referentes à livre circulação dos trabalhadores e à livre prestação de serviços

15 Nas suas observações escritas, tanto a Comissão como M.-N. D'Hoop alegaram que esta última podia invocar as regras comunitárias referentes à livre circulação dos trabalhadores na condição de gozar da qualidade de trabalhador migrante ou ser ela própria membro da família de um trabalhador migrante.

16 Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um jovem à procura de emprego não tem a qualidade de trabalhador, na acepção do direito comunitário. No acórdão Comissão/Bélgica, o Tribunal de Justiça declarou que os programas especiais de início ou de reinício da actividade profissional que, tendo em conta as respectivas especificidades, estão ligados ao ramos do desemprego, ultrapassam o domínio do acesso ao emprego propriamente dito, na acepção do artigo 39._ CE e do Título I do Regulamento n._ 1612/68 e, designadamente, do seu artigo 3._, n._ 1. Segundo jurisprudência constante, a aplicação do direito comunitário relativo à livre circulação dos trabalhadores no que toca a uma legislação nacional referente ao subsídio de desemprego exige, da parte da pessoa que a invoque, que tenha já acedido ao mercado do trabalho através do exercício de uma actividade profissional real e efectiva que lhe haja conferido a qualidade de trabalhador na acepção do direito comunitário (6). Segundo o Tribunal de Justiça, tal não é o caso de jovens à procura de um primeiro emprego (7).

17 No contexto dos presentes autos, esta jurisprudência deve, creio eu, ser entendida como significando que, embora seja de interpretação ampla, a noção comunitária de trabalhador não deixa de estar confinada por claros limites. Um jovem que desempenha um trabalho a tal ponto insignificante que apenas tem um carácter marginal ou acessório não pode ser considerado como um trabalhador na acepção do artigo 39._ CE (8). A fortiori, um jovem que nunca exerceu uma actividade profissional poderá ainda menos ser qualificado como um trabalhador. M.-N. D'Hoop solicita a concessão de um subsídio na sua qualidade de jovem à procura de um primeiro emprego, mas, nesta qualidade, não está inserida no mercado do trabalho.

18 Está também assente que os pais de M.-N. D'Hoop não emigraram para a França para exercer uma actividade laboral, na acepção do artigo 39._ CE. Na audiência, M.-N. D'Hoop declarou expressamente que estes continuaram a habitar na Bélgica enquanto ela prosseguia e terminava os seus estudos secundários em Lille. Por conseguinte, não pode invocar os direitos derivados que o Regulamento n._ 1612/68 cria a favor dos membros da família dos trabalhadores migrantes. Como também não pode invocar os direitos que a legislação belga, após a sua alteração para cumprimento do acórdão Comissão/Bélgica, também concede actualmente aos filhos dos trabalhadores migrantes não belgas residentes na Bélgica (9).

19 Portanto, parto do princípio de que as disposições referentes à livre circulação dos trabalhadores não são aplicáveis no caso em apreço.

20 Importa agora verificar se, na qualidade de destinatário de serviços de ensino, M.-N. D'Hoop podia invocar as disposições do Tratado relativas à livre circulação dos serviços. Pode-se conceber que a legislação em causa pode dissuadir os alunos de nacionalidade belga que residem na Bélgica de efectuarem estudos secundários noutro Estado-Membro, pois que perderiam então o posterior direito a um subsídio de inserção. Nenhuma das partes abordou esse aspecto da questão, mas considero, contudo, que é útil proceder aqui ao exame dessa possibilidade.

21 Consciente da importância do ensino profissional transfronteiriço para a política comunitária como prevista pelo então vigente artigo 128._ do Tratado CEE e tendo em conta a sua relação com a livre circulação das pessoas, o Tribunal de Justiça declarou já em 1985 no acórdão Gravier que «o acesso ao e a participação no ensino» inserem-se no âmbito de aplicação do direito comunitário (10). Ministrar um ensino é incontestavelmente um acto que importa qualificar como um serviço na acepção do Tratado, pelo que um estudante ou um aluno podem, eventualmente, ser considerados como destinatários de serviços de ensino.

22 O artigo 50._ CE exige, contudo, que o serviço seja realizado normalmente mediante remuneração. O que significa que esta última constitui a contrapartida económica do serviço prestado (11). No acórdão Estado belga/Humbel, o Tribunal de Justiça declarou que essa característica não existe no caso do ensino ministrado no âmbito do sistema de educação nacional. Por um lado, ao estabelecer e manter esse sistema, o Estado não pretende envolver-se em actividades remuneradas, mas cumpre a sua missão nos domínios social, cultural e educativo perante a sua população. Por outro lado, o sistema em causa é, em regra geral, financiado pelo orçamento público e pelos alunos ou pelos seus pais (12).

23 Portanto, não está de todo excluído que as disposições referentes às prestações de serviços se possam aplicar quando o ensino não seja financiado pelo orçamento público, mas sim, inteira ou principalmente, pelos próprios estudantes ou pelos seus pais. Os autos não contêm precisões que permitam pronunciar-se sobre a questão de saber se o ensino ministrado em França a M.-N. D'Hoop o foi contra remuneração, isto é, não permite saber se o ensino terá sido, por exemplo, seguido numa instituição privada explorada segundo princípios comerciais (13).

24 Todavia e mesmo partindo do princípio que M.-N. D'Hoop seguiu na França um ensino privado ministrado contra remuneração e que se aplicam os artigos 49._ e 50._, importa ainda determinar se, quando a concessão de um subsídio está sujeita à condição de o beneficiário ter cumprido os seus estudos secundários no seu próprio país, semelhante condição constitui uma restrição à livre circulação de serviços. Constitui jurisprudência constante que o artigo 49._ CE opõe-se à aplicação de qualquer regulamentação nacional que tenha por efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que se a prestação se confinasse ao interior de um único Estado-Membro (14).

25 A condição legal belga litigiosa não impede de forma alguma que as instituições de ensino de outros Estados-Membros ofereçam os seus serviços aos nacionais belgas. Poder-se-ia quando muito defender que a legislação em causa pode dissuadir os estudantes belgas de frequentar estabelecimentos de ensino de outros Estados-Membros. Foi principalmente nos acórdãos Kohll e Smits e Peerbooms que o Tribunal de Justiça desenvolveu o argumento referente à dissuasão em matéria da livre circulação de serviços. Esses processos respeitavam à condição que as caixas de seguro de doença impunham aos seus segurados de obterem previamente autorização antes de poderem beneficiar de cuidados de saúde nos serviços médicos estabelecidos noutros Estados-Membros. O Tribunal de Justiça declarou que semelhante condição constitui, tanto para os segurados como para os prestadores de serviços médicos, um obstáculo à livre prestação de serviços (15).

26 Neste contexto preciso, é todavia necessário demonstrar a existência de uma relação directa entre a legislação nacional que impõe a autorização prévia e o recurso aos serviços de prestadores de serviços médicos estabelecidos noutros Estados-Membros. Tal relação não existe no caso em apreço. Quando muito, a condição litigiosa só pode ter uma influência indirecta e marginal. Com efeito, decorrerão geralmente ainda um certo número de anos entre o momento em que o aluno opta entre fazer os seus estudos secundários na Bélgica ou noutro Estado-Membro e o momento em que será eventualmente confrontado com as condições às quais o decreto real litigioso subordina a concessão dos subsídios de inserção. Em meu entender, as consequências restritivas da condição litigiosa para a livre circulação de serviços são a tal ponto incertas e indirectas que a referida condição não pode ser considerada como um entrave à livre circulação de serviços entre os Estados-Membros (16).

27 Concluo, portanto, que M.-N. D'Hoop não se insere no âmbito de aplicação pessoal das disposições do Tratado referentes à livre circulação dos trabalhadores e, por outro lado, que os documentos dos autos não permitem afirmar que possa invocar com sucesso as disposições do Tratado referentes à livre circulação de serviços.

28 A jurisprudência que antes citei não é, todavia, completamente desprovida de significado. Estes acórdãos, bem como outros, testemunham de uma evolução do direito comunitário no que toca ao alcance do Tratado em matéria de livre circulação de pessoas e de ensino. Esta evolução resulta designadamente da interpretação ampla que o Tribunal de Justiça conferiu ao alcance do Tratado CEE original. Permitiu incluir no âmbito de aplicação do Tratado interesses que não são intrinsecamente económicos, como o acesso ao ensino, pelo que o princípio fundamental que proíbe qualquer discriminação em razão da nacionalidade também lhe é aplicável. Os autores do Tratado e o legislador comunitário seguiram a via traçada por essa jurisprudência, concedendo aos nacionais comunitários diferentes direitos que não estão directamente relacionados com as trocas económicas, o que pode servir como ponto de referência no que respeita à resposta a dar à questão prejudicial (17).

2. As disposições do Tratado referentes à cidadania da União

29 A Comissão e o representante de M.-N. D'Hoop examinaram o litígio à luz das disposições do Tratado referentes à cidadania da União que, após o Tratado de Maastricht, está regulada nos artigos 17._ CE a 22._ CE, inclusive. Enquanto nacional de um Estado-Membro que residiu legalmente no território de outro Estado-Membro para aí seguir estudos, M.-N. D'Hoop insere-se, em seu entender, no âmbito de aplicação pessoal destas disposições. O artigo 17._ CE liga ao estatuto de cidadão da União os direitos e os deveres previstos no Tratado, nomeadamente, o previsto no artigo 12._ CE, de não sofrer qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação material do Tratado, como estava em vigor no momento da aplicação da disposição discriminatória (18).

30 O agente do Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte contestou esta interpretação na audiência. Considera que M.-N. D'Hoop não pode invocar as disposições referentes à cidadania da União no caso em apreço e que só o poderia fazer caso tivesse seguido uma formação profissional noutro Estado-Membro, estando esta última actividade inserida nas competências comunitárias. Segundo esse governo, os estudos gerais que M.-N. D'Hoop efectuou na França não se inserem nessas competências.

31 Segundo o Tribunal de Justiça, o estatuto de cidadão da União «tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados-Membros» (19). A aplicação das disposições do Tratado referentes à cidadania da União depende do contexto jurídico e factual do caso em apreço. É claro, em meu entender, que M.-N. D'Hoop, que tem nacionalidade belga, fez uso, enquanto cidadã da União, do seu direito de circular livremente e de permanecer noutro Estado-Membro. Com efeito, o artigo 18._ CE confere a qualquer cidadão da União o «direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros». A livre mobilidade é precisada no direito derivado, designadamente, no que se convencionou designar como as directivas sobre o direito de estadia. Estes diplomas permitem ao cidadão da União gozar dos demais direitos que lhe confere o direito comunitário e, designadamente, da liberdade de permanecer noutro Estado-Membro a fim de aí seguir estudos. Durante a sua estadia na França, M.-N. D'Hoop prosseguiu um ensino que é reconhecido como equivalente na Bélgica. Portanto, trata-se de uma estadia expressamente prevista pelo legislador comunitário (20), para a qual M.-N. D'Hoop pode invocar as disposições do Tratado.

32 O acórdão Grzelczyk constitui um importante precedente em matéria de ensino, de livre circulação das pessoas e de cidadania. Neste recente acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de um cidadão da União prosseguir estudos universitários num Estado-Membro diverso daquele de que é nacional não pode, por si só, privá-lo da possibilidade de invocar a proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade que está enunciada no artigo 12._ CE, em conjugação com o direito conferido pelo artigo 18._ CE de circular e de permanecer livremente no território dos Estados-Membros. Para tal, o Tribunal de Justiça baseia-se na evolução do Tratado ao qual foram acrescentadas as disposições referentes à cidadania, bem como ao ensino e à formação profissional. Remete também para a directiva respeitante ao direito de residência dos estudantes. Grzelczyk era um cidadão francês que tinha prosseguido estudos universitários de quatro anos na Bélgica e que, no decurso dos três primeiros anos desses estudos tinha ele próprio provido às suas necessidades, mas os imperativos destes estudos tinham-no impedido de exercer actividades remuneradas durante o seu quarto e último ano. Não dispondo de um rendimento mínimo, já não podia gozar de um título de permanência na Bélgica. Contudo, o Tribunal de Justiça interpretou as disposições já referidas no sentido de que o seu direito a um rendimento mínimo de subsistência não pode ficar subordinado à condição de estar abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n._ 1612/68 quando não se aplica nenhuma condição dessa natureza aos nacionais do Estado belga (21).

33 A situação que se coloca no caso em apreço é essencialmente a situação inversa. M.-N. D'Hoop não encontrou qualquer entrave ao exercício do seu direito de circulação e de permanência (22) e, pelo contrário e na sua «qualidade primária» de cidadã da União, pôde precisamente utilizar sem entraves o direito que lhe confere o artigo 18._ CE de permanecer na França enquanto cidadã belga. Beneficiou nesse país da possibilidade de seguir o ensino secundário durante quatro anos e de obter no seu termo um diploma que, na Bélgica, é reconhecido como equivalente ao diploma nacional de ensino secundário superior. O reconhecimento do diploma francês pelas autoridades da Comunidade Francófona da Bélgica decorre, aliás, da obrigação que impõe o direito comunitário aos Estados-Membros de aceitarem reciprocamente os seus diplomas e outros certificados, um princípio que está solidamente alicerçado na Comunidade (23).

34 Foi exclusivamente em razão das suas actividades escolares na França que o pedido de concessão do subsídio de inserção apresentado por M.-N. D'Hoop foi indeferido. Como o Tribunal de Justiça já fez no acórdão Grzelczyk, não pode agora, em meu entender, deixar de declarar que, numa situação como a de M.-N. D'Hoop, esta pode invocar a proibição de discriminações em razão da nacionalidade enunciada no artigo 12._ CE. Quando um cidadão da União tem o direito de invocar a proibição de discriminações a fim de se prevenir contra qualquer violação do direito de permanência que lhe é conferido pelo artigo 18._ CE, a mesma conclusão impõe-se no que respeita ao nacional comunitário que considera ser vítima de um tratamento desigual precisamente porque fez uso do direito que para si decorre do artigo 18._ CE, de um modo que, aliás, é uma vez mais relevante em termos de direito comunitário. Com efeito, é normalmente necessário, para obter um diploma num estabelecimento de ensino de um outro Estado-Membro, permanecer no Estado-Membro no qual este estabelecimento se situa.

35 As razões que conduziram M.-N. D'Hoop a ir estudar para França e como se desenvencilhou para estudar em Lille utilizando a liberdade que lhe confere o artigo 18._ CE, quer tenha beneficiado de um programa de intercâmbio ou tenha partido unicamente por sua própria iniciativa, não tem qualquer importância para o caso em apreço. O direito de permanência é reconhecido a qualquer cidadão da União, seja qual for o seu estatuto (24). Não tendo sido contestado que M.-N. D'Hoop permaneceu legalmente no território francês, está por estas razões abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal das disposições referentes à cidadania da União (25).

36 O Governo do Reino Unido alega que o ensino seguido em França por M.-N. D'Hoop não constitui uma formação profissional e que, portanto, não se insere nas competências da Comunidade. Contudo, este argumento não pode ser acolhido, não apenas porque é errado, mas também porque é irrelevante. Com efeito, não cabe distinguir consoante o tipo de ensino seguido no caso em apreço. Não se trata tanto do ensino enquanto tal, mas sim dos direitos de que gozam os jovens enquanto cidadãos da União de seguirem noutro Estado-Membro uma parte dos seus estudos e de aí adquirirem um diploma reconhecido como equivalente no seu próprio país. Aliás, no acórdão Estado belga/Humbel, a noção de «formação profissional» foi interpretada amplamente, como correctamente recordou a Comissão, e como podendo também incluir o ciclo do ensino secundário (26). Além disso, as disposições do Tratado referentes ao ensino também não estão limitadas, como posteriormente precisarei, às formações profissionais, mas actualmente abrangem também todos os ciclos do ensino, incluído o ciclo secundário.

37 Baseando-se no acórdão Comissão/Bélgica, o Onem expôs abundantemente que se tratará no caso em apreço de uma discriminação de sentido contrário e que se insere numa situação que é, aliás, totalmente interna. Defende que o acórdão Comissão/Bélgica tem alcance claramente limitado aos filhos a cargo dos trabalhadores migrantes originários de outros Estados-Membros que residem na Bélgica (27), pelo que não se aplicará à discriminação de sentido contrário de que é vítima um cidadão belga à procura do seu primeiro emprego e que seguiu estudos secundários num estabelecimento de ensino situado em Estado-Membro diverso da Bélgica.

38 Segundo este argumento, a situação em causa estará destituída de elementos transfronteiriços, pelo que não se lhe poderá aplicar, em princípio, o direito comunitário primário (28). Os factos expostos demonstram, todavia, de forma incontestável que o caso em apreço apresenta realmente uma dimensão transfronteiriça à qual o direito comunitário atribui certas consequências. O facto de M.-N. D'Hoop invocar o direito comunitário contra o país de que é nacional não é, segundo jurisprudência constante, um obstáculo à aplicação da regra de não discriminação. O Tratado não pode ser interpretado no sentido de que fica excluída a aplicação do direito comunitário aos nacionais de um Estado-Membro quando, após terem permanecido legalmente no território de um outro Estado-Membro e de aí terem exercido actividades que respeitam ao direito comunitário, se encontrem, relativamente ao seu Estado de origem, numa situação equiparável à de todas as outras pessoas que beneficiam dos direitos e das liberdades garantidos pelo Tratado (29).

39 Resulta ainda das precedentes considerações que, numa situação como a sua, M.-N. D'Hoop pode invocar os direitos especiais que o Tratado reconhece aos cidadãos da União e, designadamente, o direito de não sofrer discriminações.

3. As disposições do Tratado respeitantes ao ensino e ao emprego

40 Antes de examinar mais detalhadamente a aplicabilidade do artigo 12._ CE no caso em apreço, gostaria ainda, a título superabundante, de abordar duas evoluções jurídicas que podem apresentar uma certa importância para os presentes autos, mesmo se esta relação pode parecer mais afastada. A primeira destas duas evoluções jurídicas refere-se às acções comunitárias no domínio da educação, da formação profissional e da juventude (artigos 149._ CE e 150._ CE) (30). A segunda respeita à política coordenada do emprego (artigos 125._ CE a 130._ CE, inclusive).

41 Em primeiro lugar e no que toca à educação, à formação profissional e à juventude, os progressos realizados na integração dos mercados provocaram um interesse crescente pela educação e pela sua dimensão transfronteiriça. Cada vez mais, os Estados-Membros reconhecem a importância da aquisição, difusão e utilização dos conhecimentos, designadamente, com a finalidade de reforçar a posição concorrencial e o potencial de criação de empregos (31). A integração europeia criou um quadro que estimula o ensino transfronteiriço. O ensino repartido entre vários Estados é, além disso, considerado como um instrumento importante do reforço da solidariedade e da tolerância e como factor que estimula a difusão da cultura na União Europeia.

42 A Comunidade desempenha um papel que lhe é próprio neste domínio. Nos termos do artigo 3._, alínea q), CE, fornece uma contribuição para um ensino e uma formação de qualidade. O artigo 149._, n._ 2, CE dispõe que a acção da Comunidade tem por objectivo desenvolver a dimensão europeia na educação e incentivar o desenvolvimento do intercâmbio de jovens. As instituições comunitárias tomaram entretanto um certo número de iniciativas para o cumprimento destas missões. A principal e a mais conhecida é o programa «Sócrates», que reúne oito acções comunitárias (32). Um destes programas de acção visa especificamente o ensino escolar («Comenius») (33). Outras acções da Comunidade visam especificamente diversas actividades da juventude (34).

43 A concretização destes programas é acompanhada da mobilidade dos jovens, que fazem assim uso do direito de livre circulação das pessoas entre os Estados-Membros. No caso em apreço, M.-N. D'Hoop fez, enquanto cidadã da União, uso do seu direito de livre circulação e de livre permanência no quadro dos objectivos do Tratado que acabo de recordar. É notável verificar que, na sua petição, como foi citada no despacho de reenvio, M.-N. D'Hoop declara que «em virtude do espírito de abertura e no quadro da construção europeia, [fui] acolhida no seio da educação nacional francesa durante quatro anos». Este elemento constitui mais uma razão para considerar que a sua situação está abrangida pelo âmbito de aplicação material do Tratado.

44 A ser necessário, a natureza do subsídio belga de inserção e o nexo que apresenta com os objectivos comunitários em matéria de criação de emprego fornecem um segundo argumento. A estratégia seguida pela Comunidade em matéria de emprego compreende programas destinados a lutar contra o desemprego dos jovens que contêm medidas de iniciação ao trabalho dos jovens desempregados, designadamente, com a finalidade de lhes permitir adquirir uma experiência profissional. A estratégia europeia coordenada em matéria de emprego, que se baseia no título do Tratado consagrado ao emprego e que foi elaborada no decurso do Conselho Europeu extraordinário do Luxemburgo sobre o emprego na Europa em 1997, traduziu-se, entretanto, nas orientações dirigidas aos Estados-Membros na matéria e cuja aplicação é controlada anualmente (35).

45 Estes objectivos coincidem perfeitamente com os programas de acesso ao mercado do trabalho instituídos pela legislação belga em causa e dos quais pode gozar o beneficiário para além da intervenção financeira prevista. No que toca à parte activa do programa do seguro de desemprego belga, trata-se, designadamente, de programas que prevêem medidas financeiras destinadas a encorajar as entidades patronais a contratarem os jovens que beneficiam de um subsídio de inserção (36). Tendo em conta o seu objectivo, recusar o acesso a estes programas aos seus próprios nacionais pela razão de terem efectuado os seus estudos secundários noutro Estado-Membro não é de forma alguma compatível com as orientações. Para actuarem de um modo conforme com a política comunitária em matéria de emprego, as autoridades belgas deviam precisamente ter encorajado os esforços de integração activa no mercado do trabalho de M.-N. D'Hoop. Com efeito, é pouco provável que possa beneficiar de um programa análogo noutro Estado-Membro.

B - A discriminação em razão da nacionalidade

46 Após ter verificado que M.-N. D'Hoop se insere no âmbito de aplicação do Tratado, gostaria agora de examinar a questão de saber se um nacional comunitário que se encontre numa situação como a do litígio na causa principal pode com sucesso invocar a proibição enunciada no artigo 12._ CE, em conjugação com as disposições do Tratado referentes à cidadania da União (37).

47 O Tribunal de Justiça já declarou que o Tratado confere aos cidadãos da União que se encontram na mesma situação o direito de receberem o mesmo tratamento jurídico, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das excepções expressamente previstas a este respeito (38). Portanto, um nacional belga pode invocar o artigo 12._ CE na Bélgica relativamente a todas as situações que se insiram no âmbito de aplicação do Tratado comunitário.

48 Os presentes autos colocam a importante questão de saber qual é o grupo de pessoas com o qual pode ser comparada uma pessoa que se encontre na posição de M.-N. D'Hoop. O Governo belga afirmou que, após ter sido alterada a sua legislação, os seus nacionais e os nacionais comunitários podem beneficiar do regime dos subsídios de inserção nas mesmas condições. O agente do Governo do Reino Unido declarou na audiência não haver qualquer desigualdade de tratamento no caso em apreço, pois que um nacional de um outro Estado-Membro também terá o direito de requerer o benefício dos subsídios de inserção na Bélgica.

49 Não estou de acordo com nenhuma destas duas opiniões. Só se pode, em matéria de normas de não discriminação, comparar os casos comparáveis. Assim, no processo Comissão/Bélgica, o Tribunal de Justiça comparou tacitamente as condições aplicáveis aos filhos dos trabalhadores migrantes com as condições aplicáveis aos filhos dos trabalhadores belgas (39). Como já referi, o estatuto dos pais de M.-N. D'Hoop como trabalhadores migrantes não está em causa. Na sua qualidade de cidadã belga, tem incontestavelmente um nexo com a ordem jurídica belga. Devido à sua nacionalidade, possui o direito de permanência na Bélgica e resulta do despacho de reenvio que fez os seus estudos universitários nesse país antes de requerer um subsídio de inserção. Portanto, é evidente que é necessário distinguir a situação de M.-N. D'Hoop da dos nacionais belgas que fizeram os seus estudos secundários e universitários na Bélgica. Com efeito, é apenas o facto de M.-N. D'Hoop ter cumprido o seu ciclo secundário, não na Bélgica, mas sim noutro Estado-Membro, que lhe impede a obtenção do subsídio de inserção. É esta a diferença decisiva com os requerentes belgas do subsídio que fizeram os seus estudos na Bélgica e que, contrariamente a M.-N. D'Hoop, preenchem as demais condições objectivas que lhe permitem beneficiar do subsídio de inserção.

50 A legislação belga funciona em detrimento de M.-N. D'Hoop relativamente aos nacionais belgas que fizeram os seus estudos secundários na Bélgica, pois que a concessão do subsídio está subordinada à condição de o requerente ter seguido e terminado o seu ensino secundário na Bélgica. O decreto real litigioso introduziu, portanto, uma diferença de tratamento entre os nacionais que não fazem uso do seu direito à livre circulação e à liberdade de permanência, por um lado, e os que exerceram efectivamente este direito, por outro (40). Com efeito, um estudante belga que tenha feito todos os seus estudos na Bélgica até ao seu termo preenche a condição enunciada no artigo 36._, n._ 1, segundo parágrafo, alínea a), do decreto real. Um estudante belga, como M.-N. D'Hoop, que seguiu uma parte dos seus estudos secundários noutro Estado-Membro, no qual obteve o seu diploma de fim de estudos, não pode, precisamente por essa razão, beneficiar do subsídio de inserção. Portanto, a condição litigiosa constitui, relativamente a M.-N. D'Hoop, uma discriminação na acepção do artigo 12._ CE.

51 Impõe-se aqui uma comparação com o processo Kraus. Nesse processo, as autoridades alemãs tinham recusado reconhecer a um cidadão do seu país a utilização, sem autorização prévia, de um título académico obtido noutro Estado-Membro no termo dos seus estudos de pós-graduação. Uma vez que esta autorização prévia não era exigida quando se tratasse de títulos obtidos nas universidades alemãs, o Tribunal de Justiça declarou que, sem prejuízo de uma eventual justificação, essa regulamentação era incompatível com os artigos 39._ CE e 43._ CE, pois que essa medida nacional era susceptível de afectar ou de tornar menos atraente o exercício pelos nacionais comunitários, incluindo os do Estado-Membro autor da medida, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (41).

52 Existe também uma similitude importante entre a situação de M.-N. D'Hoop e os factos que estiverem na base do processo Angonese e que respeitavam à interpretação do artigo 39._ CE. Um banco privado de Bolzano, na Itália, sujeitava o direito de apresentação da candidatura no quadro de um concurso de recrutamento de pessoal à condição de o candidato possuir um diploma de língua estrangeira que só era passado numa única província italiana. Angonese, um cidadão italiano que tinha adquirido os conhecimentos linguísticos exigidos no decurso de uma permanência de quatro anos como estudante na Áustria e que os podia comprovar, não foi admitido ao concurso por não possuir o diploma exigido. O Tribunal de Justiça considerou que quem não residisse na província em que podia ser passado esse diploma tinha poucas hipóteses de o obter. Apesar de o Tribunal de Justiça ter qualificado esta condição como uma discriminação em detrimento dos nacionais dos outros Estados-Membros relativamente aos cidadãos italianos, não cabe qualquer dúvida, em meu entender, que a condenação desta condição também vale relativamente a Angonese, pois que, enquanto cidadão italiano, tinha adquirido conhecimentos linguísticos noutro Estado-Membro (42).

53 Tanto Angonese como Kraus como M.-N. D'Hoop são colocados numa situação de desvantagem por uma disposição discriminatória do seu próprio Estado-Membro que penaliza retroactivamente a permanência que efectuaram noutro Estado-Membro. Nos três casos, esta penalização - que se exprime de forma diversa - diz respeito ao acesso ao mercado do trabalho. A diferença reside essencialmente no facto de, nos acórdãos Angonese e Kraus, o Tribunal de Justiça ter podido analisar a disposição nacional litigiosa à luz da proibição de discriminações enunciada nos artigos 39._ CE e 43._ CE, ao passo que, no caso que nos ocupa, as circunstâncias específicas do caso em apreço impõem uma apreciação à luz da disposição geral contra as discriminações que está consagrada no artigo 12._ CE.

54 Uma desigualdade de tratamento na acepção do artigo 12._ CE só poderá ter justificação se se basear em considerações objectivas independentes da nacionalidade das pessoas envolvidas e proporcionadas ao objectivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (43). É por esta razão que importa ainda examinar se, no caso que agora nos ocupa, existe uma razão objectiva de justificação que seja aplicada de forma proporcionada. A justificação objectiva deve referir-se à discriminação em questão, o que significa no caso presente que se deve encontrar uma justificação para a diferença de tratamento entre os nacionais belgas que fizeram os seus estudos secundários na Bélgica e os seus concidadãos que o fizeram noutro Estado-Membro.

55 Nem o Governo belga nem o Onem apresentaram razões objectivas de justificação a esse respeito (44). Na audiência, a Comissão indicou que, em seu entender, a medida seria justificada se a concessão do subsídio de inserção estivesse subordinada à condição de o beneficiário ter cumprido o seu último ciclo de estudos no seu próprio país. Com efeito, um Estado-Membro não pode ser obrigado a conceder um subsídio de inserção a qualquer estudante que tenha terminado os seus estudos num qualquer local da Comunidade e esteja seguidamente à procura do seu primeiro emprego nesse mesmo Estado-Membro. A Comissão admite que, em semelhante caso, deve-se poder exigir uma certa relação entre o estudante e o Estado de acolhimento.

56 O decreto real visa essencialmente favorecer a passagem do ensino para o mercado do trabalho e garantir um certo mínimo de subsistência às pessoas em causa. Para mim, é claro que é incompatível com este objectivo excluir os seus próprios nacionais do direito a um subsídio de inserção apenas em razão do facto de não terem feito os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino belga, mas sim num de outro Estado-Membro. Além do mais, esta condição excede o que é necessário para assegurar uma real relação com o mercado de trabalho belga. Esta relação está amplamente presente no caso em apreço. Decorre não apenas da nacionalidade de M.-N. D'Hoop, mas também do facto de o diploma que adquiriu em França ser reconhecido como equivalente no seu próprio país e de ter seguido estudos universitários na Bélgica antes de requerer o subsídio em causa.

57 É por esta razão que considero que, na presente situação, que se insere no âmbito de aplicação do artigo 18._ CE, a proibição enunciada no artigo 12._ CE se opõe ao indeferimento do pedido de concessão do subsídio de inserção. A situação de M.-N. D'Hoop inscreve-se num quadro de mobilidade transfronteiriça em crescente progressão de cidadãos que não exercem ainda uma actividade económica. A livre circulação dos alunos e dos estudantes, bem como o reconhecimento da equivalência dos estudos seguidos noutro Estado-Membro, são presentemente considerados como um importante acervo do processo de integração europeia. Um Estado-Membro não pode, portanto, exercer uma discriminação contra os seus próprios nacionais que fizeram uso deste acervo.

V - Conclusão

58 À luz das precedentes considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial do Tribunal du travail de Liège:

«O artigo 12._ do Tratado opõe-se a que a concessão dos subsídios de inserção previstos pelo artigo 36._ do Decreto real belga de 25 de Novembro de 1991, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto real belga de 13 de Dezembro de 1996, seja recusada a um cidadão belga que, tendo feito os seus estudos secundários noutro Estado-Membro, onde adquiriu um diploma reconhecido na Bélgica como equivalente ao diploma nacional, e após ter feito os seus estudos universitários na Bélgica, está à procura do seu primeiro emprego, pela razão de não ter feito os seus estudos secundários num estabelecimento de ensino do seu próprio país.»

(1) - JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77.

(2) - Moniteur belge de 31 de Dezembro de 1991.

(3) - V. acórdão de 12 de Setembro de 1996 (C-278/94, Colect., p. I-4307).

(4) - Decreto real de 13 de Dezembro de 1996, Moniteur belge de 31 de Dezembro de 1996.

(5) - Ninguém contesta que a concessão de um subsídio de inserção como o ora em causa cai, enquanto tal, na alçada do âmbito de aplicação material do Tratado. Designadamente, o Tribunal de Justiça já declarou que o subsídio de inserção belga em causa constitui uma vantagem social nos termos do n._ 2 do artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68. V. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n._ 25.

(6) - V. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.os 39 e 40. O Tribunal de Justiça remete, a propósito da concessão de uma bolsa de estudos, para o acórdão de 21 de Junho de 1988, Brown (197/86, Colect., p. 3025, n._ 21), e, a propósito da concessão de uma ajuda financeira pública, para o acórdão de 26 de Fevereiro de 1992, Raulin (C-357/89, Colect., p. I-1027, n._ 10).

(7) - V. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n._ 40.

(8) - V., por exemplo, o acórdão Raulin, já referido, n._ 13.

(9) - Um resultado eventualmente análogo ao do acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, Swaddling (C-90/97, Colect., p. I-1075), para o qual remeteu a Comissão nas suas observações escritas.

(10) - V. acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, Gravier (293/83, Recueil, p. 593, n.os 19 a 25).

(11) - Trata-se de jurisprudência constante; v., designadamente, acórdão de 27 de Setembro de 1988, Estado belga/Humbel (263/86, Colect., p. 5365, n.os 17 a 19).

(12) - A natureza desta actividade não é afectada pelo facto de, por vezes, os alunos ou os seus pais serem obrigados a pagar propinas ou despesas de escolaridade para contribuírem, em certa medida, para as despesas de funcionamento do sistema. V. o acórdão Estado belga/Humbel, já referido, n.os 18 e 19.

(13) - Na audiência, um representante de M.-N. D'Hoop mostrou-se incapaz de responder a uma questão que lhe foi colocada a esse respeito.

(14) - V., para a jurisprudência recente, o acórdão de 12 de Julho de 2001, Smits e Peerbooms (C-157/99, Colect., p. 5473, n._ 61).

(15) - V. acórdão de 28 de Abril de 1998, Kohll (C-158/96, Colect., p. I-1931, n._ 35), e o acórdão Smits e Peerbooms, já referido, n._ 69. V. também, a respeito da livre circulação dos trabalhadores assalariados e dos independentes, o acórdão de 7 de Julho de 1992, Singh (C-370/90, Colect., p. I-4265, n._ 19): «Um cidadão de um Estado-Membro poderia ser dissuadido de abandonar o seu país de origem para exercer uma actividade assalariada ou não assalariada, na acepção do Tratado, no território de outro Estado-Membro se não pudesse beneficiar, quando regressa ao Estado-Membro da sua nacionalidade para exercer uma actividade assalariada ou não assalariada, de facilidades de entrada e de residência pelo menos equivalentes às de que dispõe, por força do Tratado ou do direito derivado, no território de outro Estado-Membro.»

(16) - Comparar, a este propósito, com a situação a que se refere o acórdão de 21 de Setembro de 1999, BASF (C-44/98, Colect., p. I-6269, n._ 21), que respeita à livre circulação das mercadorias.

(17) - Essencialmente, também lhe reconheceram estes direitos através da adopção da Carta dos direitos fundamentais da União Europeia (JO 2000, C 364, p. 1).

(18) - V. acórdão de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala (C-85/96, Colect., p. I-2691, n.os 61 a 63).

(19) - V. acórdão de 20 de Setembro de 2001, Grzelczyk (C-184/99, Colect., p. I-6193, n._ 31).

(20) - V., a este respeito, a Directiva 93/96/CEE do Conselho, de 29 de Outubro de 1993, relativa ao direito de residência dos estudantes (JO L 317, p. 59), bem como os n.os 41 a 43 das presentes conclusões.

(21) - V. acórdão Grzelczyk, já referido, n.os 34 a 37 e 46.

(22) - O artigo 18._ CE contém uma restrição nos termos da qual o direito de permanência apenas pode ser exercido «sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação», mas esta restrição não é relevante no caso em apreço.

(23) - Para uma resenha destes princípios, limito-me a remeter para o acórdão de 22 de Janeiro de 2002, Nicolas Dreessen (C-31/00, Colect., p. I-663).

(24) - V. a Directiva 90/365/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26).

(25) - V., no mesmo sentido, acórdão Martínez Sala, já referido, n._ 61.

(26) - V. acórdão Estado belga/Humbel, já referido, n.os 10 a 12.

(27) - O Onem remete para o n._ 17 desse acórdão.

(28) - V., por exemplo, o acórdão de 21 de outubro de 1999, Jägerskiöld (C-97/98, Colect., p. I-7319, n.os 42 a 45).

(29) - V. já o acórdão de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors (115/78, Colect., p. 173, n._ 24). V., também e em especial, o acórdão de 31 de Março de 1993, Kraus (C-19/92, Colect., p. I-1663, n.os 15 e 16).

(30) - M.-N. D'Hoop e a Comissão remeteram para estas duas disposições e a sua aplicação em apoio das suas afirmações.

(31) - V., a este respeito, as conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Lisboa, de 23 e 24 de Março de 2000, que tinham por tema «O emprego, as reformas económicas e o contexto social» (estas conclusões podem designadamente ser consultadas via www.europarl.eu.int/home/, no título «actividades» e seguidamente no título «cimeiras do Conselho Europeu desde 1994»).

(32) - V. Decisão n._ 253/2000/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Janeiro de 2000, que cria a segunda fase do programa de acção comunitário em matéria de educação «Sócrates» (JO L 28, p. 1).

(33) - V. o anexo da decisão, ponto II, acção 1. Concedo que, contrariamente, por exemplo, ao programa «Erasmus» para o ensino superior, este programa de acção não abrange a mobilidade dos estudantes.

(34) - V., a propósito dos presentes autos, designadamente os artigos 2._ e 5._ do programa comunitário de acção em vigor «Juventude» [Decisão n._ 1031/2000/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Abril de 2000 (JO L 117, p. 1)].

(35) - V. a Decisão n._ 2001/63/CE do Conselho, de 19 de Janeiro de 2001, relativa às orientações para as políticas de emprego dos Estados-Membros em 2001 (JO L 22, p. 18) (designadamente o capítulo I do anexo), assim como a Recomendação 2001/64/CE do Conselho, de 19 de Janeiro de 2001, relativa à execução das políticas de emprego dos Estados-Membros (v. designadamente o décimo segundo considerando do preâmbulo, no qual se pode ler que, «para combater o desemprego juvenil, problema persistente na maioria dos Estados-Membros, deve ser oferecida a todos os jovens uma oportunidade de aceder ao mercado de trabalho antes de completados seis meses de desemprego»).

(36) - Para uma exposição mais detalhada da regulamentação belga aplicável, v. o acórdão Comissão/Bélgica, já referido, designadamente os n.os 3 a 8 e 38. O Tribunal de Justiça proferiu a sua decisão nesse processo no momento em que ocorreram os factos na causa principal.

(37) - V., para a mesma análise, o acórdão Grzelczyk, já referido, n._ 30.

(38) - V. acórdão Grzelczyk, já referido, n.os 30 a 32. Quando os nacionais comunitários se inserem no âmbito de aplicação do Tratado na sua qualidade de beneficiários de serviços, o Tribunal de Justiça tem sempre declarado que as disposições nacionais não podem introduzir discriminações em detrimento das pessoas às quais o direito comunitário confere o direito à igualdade de tratamento; v., designadamente, acórdão de 22 de Fevereiro de 1989, Cowan (186/87, Colect., p. 195).

(39) - V. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.os 26 a 30.

(40) - Comparar com o acórdão de 30 de Janeiro de 1997, Stöber e Piosa Pereira (C-4/95 e C-5/95, Colect., p. I-511, n._ 38). V. também o acórdão de 17 de Setembro de 1997, Iurlarlo (C-322/95, Colect., p. I-4881). Estes acórdãos respeitam a pessoas com a qualidade de trabalhador assalariado e não assalariado, mas não existe qualquer razão para não aplicar a jurisprudência deles decorrente, por analogia, no quadro das disposições do Tratado referentes à cidadania da União. O direito de não sofrer uma discriminação em razão da nacionalidade que está inscrito no artigo 12._ CE vale para todas as situações que se inserem no âmbito de aplicação material e pessoal do Tratado.

(41) - V. o acórdão Kraus, já referido, n._ 32.

(42) - V. acórdão de 6 de Junho de 2000, Angonese (C-281/98, Colect., p. I-4139, designadamente, n.os 38 a 41).

(43) - V., neste sentido, por exemplo, o acórdão de 24 de Novembro de 1998, Bickel e Franz (C-274/96, Colect., p. I-7637, n._ 27).

(44) - Também não se podem deduzir essas razões do acórdão Comissão/Bélgica, já referido.