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Advertência jurídica importante

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61998C0260

Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 27 de Janeiro de 2000. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica. - Incumprimento - Artigo 4.º, n.º 5, da Sexta Directiva IVA - Colocação à disposição de estradas mediante o pagamento de uma portagem - Não sujeição a IVA - Regulamentos (CEE, Euratom) n.os 1552/89 e 1553/89 - Recursos próprios provenientes do IVA. - Processo C-260/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-06537


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1 A presente acção por incumprimento intentada pela Comissão destina-se a obter a declaração pelo Tribunal de Justiça de que, ao não sujeitar a imposto sobre o valor acrescentado as portagens das estradas e ao ter impedido, assim, o pagamento dos recursos próprios e respectivos juros de mora, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE (1).

2 Na Grécia, as auto-estradas e estradas podem ser sujeitas à cobrança de portagens. Estas destinam-se a beneficiar, tornar mais rápido ou facilitar o tráfego, a construir outras estradas e a conservar as existentes. As quantias assim colectadas revertem directamente para o Fundo Nacional de Construção de Estradas, que é uma pessoa colectiva de direito público. As portagens não estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado, dado que, como sustenta o Governo Helénico, a sua cobrança constitui uma actividade exercida na qualidade de autoridade pública.

II - Processo pré-contencioso

3 Por carta de 12 de Agosto de 1987, a Comissão convidou as autoridades helénicas a adaptarem a sua legislação nacional em vigor relativa às portagens, de harmonia com o disposto no artigo 2._ da Sexta Directiva IVA.

4 Em 20 de Abril de 1988, a Comissão enviou às autoridades helénicas uma notificação de incumprimento onde as informava que a cobrança de portagens pela utilização das auto-estradas constituía uma actividade económica abrangida pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva e que, ao não cobrarem IVA nas portagens, violavam o disposto nesta directiva.

5 Por carta de 4 de Julho de 1988, as autoridades helénicas responderam que as portagens constituíam um imposto indirecto e, em consequência, que a sua cobrança era uma operação efectuada por uma autoridade pública no quadro do exercício dos poderes públicos, que não se incluía no âmbito de aplicação da Sexta Directiva.

6 Em 8 de Agosto de 1989, foi dirigido ao Governo helénico um parecer fundamentado.

7 Por carta de 21 de Novembro de 1989, o Governo helénico respondeu que mantinha o seu ponto de vista expresso na anterior carta de 4 de Julho de 1988.

8 No que se refere aos recursos próprios, em 24 de Outubro de 1989, o director-geral do orçamento da Comissão enviou uma carta ao Governo helénico fazendo notar que a alegada violação da Sexta Directiva tinha acarretado, sem justificação, a diminuição dos recursos próprios das Comunidades e solicitando-lhe que pagasse até 31 de Janeiro de 1990 os montantes devidos a título dos exercícios de 1987 a 1989, acrescidos dos juros de mora. Além disso, a Comissão solicitou, relativamente aos anos seguintes, que fossem postos à sua disposição, o mais tardar até uma determinada data, os recursos próprios correspondentes a cada exercício, sob pena de acrescerem juros de mora.

9 Por carta de 31 de Janeiro de 1990, as autoridades helénicas recusaram-se a efectuar qualquer pagamento suplementar, baseando-se nos mesmos fundamentos que haviam invocado nas suas respostas à carta de notificação e ao parecer fundamentado que lhes tinham sido dirigidos pela Comissão no âmbito do processo relativo ao incumprimento da directiva.

10 Por carta de notificação de 21 de Junho de 1990, a Comissão iniciou um processo por incumprimento também quanto a este ponto.

11 Na falta de resposta, a Comissão, por carta de 6 de Maio de 1992, dirigiu um parecer fundamentado ao Governo helénico, solicitando-lhe que tomasse, no prazo determinado, as medidas necessárias para dar cumprimento a este parecer.

12 Por carta de 10 de Setembro de 1992, a República Helénica deu uma resposta negativa ao pedido da Comissão.

13 Nestas condições, a Comissão decidiu intentar uma acção nos termos do artigo 169._ do Tratado CE (actual artigo 226._ CE), por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Julho de 1998, tendo concluído pedindo que o Tribunal se digne:

1) declarar que, ao não sujeitar ao imposto sobre o valor acrescentado, em violação do disposto nos artigos 2._ e 4._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, as portagens pagas pelos utentes como contrapartida do serviço que consiste em colocar à sua disposição auto-estradas e outras obras da infra-estrutura rodoviária e, assim, evitando pagar os devidos recursos próprios e os juros (Regulamentos n.os 1552/89 e 1553/89), a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado que institui a Comunidade Europeia;

2) ordenar que a República Helénica ponha à disposição da Comissão os recursos próprios que não pagou desde 1987, bem como os juros de mora;

3) condenar a República Helénica nas despesas.

14 O Governo helénico concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

1) declarar a acção improcedente;

2) condenar a Comissão nas despesas.

III - Enquadramento jurídico

1. Quanto à cobrança do imposto sobre o valor acrescentado

Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (2) (a seguir «Sexta Directiva» ou «directiva»)

15 Nos termos do artigo 2._ da directiva:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1. as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

...»

16 Nos termos do artigo 4._, n.os 1, 2 e 5, da directiva:

«1. Por `sujeito passivo' entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n._ 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

2. As actividades económicas referidas no n._ 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica.

3... 4...

5. Os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, em conexão com essas mesmas actividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, se exercerem tais actividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente a tais actividades ou operações, desde que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

As entidades acima referidas serão sempre consideradas sujeitos passivos, designadamente no que se refere às operações enumeradas no Anexo D [(3)], desde que as mesmas não sejam insignificantes.

Os Estados-Membros podem considerar as actividades das entidades atrás referidas, que estão isentas por força do[s] artigo[s] 13._ [(4)]... como actividades realizadas na qualidade de autoridades públicas.»

2. Quanto aos recursos próprios

a) Regulamento (CEE, Euratom) n._ 1553/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo ao regime uniforme e definitivo de cobrança de recursos próprios provenientes do imposto sobre o valor acrescentado (5)

17 O artigo 1._ tem a seguinte redacção:

«Os recursos IVA resultam da aplicação da taxa uniforme, fixada nos termos da Decisão 88/376/CEE, Euratom, à base determinada nos termos do presente regulamento.»

18 No artigo 2._, n._ 1, prevê-se:

«A base dos recursos IVA será determinada a partir das operações tributáveis referidas no artigo 2._ da Directiva 77/388/CEE... com excepção das operações isentas nos termos dos artigos 13._ a 16._ da referida directiva.»

b) Regulamento (CEE, Euratom) n._ 1552/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376/CEE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (6)

19 No artigo 11._ deste regulamento prevê-se o seguinte:

«Qualquer atraso nos lançamentos na conta referida no n._ 1 do artigo 9._ implicará o pagamento, pelo Estado-Membro em causa, de um juro a uma taxa igual à taxa de juro aplicada, na data de vencimento, no mercado monetário desse Estado-Membro, aos financiamentos a curto prazo, acrescida de dois pontos. Esta taxa aumentará 0,25 ponto por cada mês de atraso. A taxa assim aumentada aplicar-se-á durante todo o período de atraso.»

c) Decisão 88/376/CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Junho de 1988, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (7)

20 Esta decisão determina que as receitas IVA em falta devem ser compensadas, a título de financiamento complementar, pelos recursos próprios baseados no produto nacional bruto, que implicam nova repartição com desvantagem para os outros Estados-Membros.

IV - Argumentos das partes

21 Segundo a Comissão, a colocação à disposição de obras da infra-estrutura rodoviária mediante o pagamento de uma portagem pelo utente, como é o caso na Grécia, constitui uma actividade económica na acepção dos artigos 2._ e 4._ da Sexta Directiva. O facto de esta actividade ser exercida por organismos de direito público não significa que o prestador de serviços esteja isento do imposto sobre o valor acrescentado, dado tratar-se de uma prestação de um sujeito passivo de IVA. Só podia haver isenção se as actividades em causa fossem exercidas na qualidade de autoridades públicas, nos termos do artigo 4._, n._ 5.

22 A Comissão considera que, no caso vertente, há uma actividade económica, considerada objectivamente, dado que são fornecidas aos utentes das estradas prestações a título oneroso para poderem transportar pessoas e bens. Como no caso em apreço se verifica um nexo entre esta actividade e a vida económica, ela insere-se no âmbito de aplicação da Sexta Directiva. A qualificação jurídica dada a esta actividade pelo direito do Estado-Membro não é determinante neste caso, tendo em vista, designadamente, assegurar a aplicação uniforme do sistema do imposto sobre o valor acrescentado.

23 No que respeita à não aplicação do sistema do IVA com base, no presente caso, no exercício de actividades na qualidade de autoridade pública, a Comissão sustenta que os conceitos de «actividade económica» e de «autoridade pública» devem ser definidos objectivamente e de modo uniforme.

24 A Comissão daí conclui a seguir que os organismos de direito público estão isentos, não por princípio, mas apenas em relação às actividades exercidas no âmbito da autoridade pública. Trata-se, no caso vertente, de missões que, por definição, não podem ser efectuadas por particulares. O facto de a isenção apenas se aplicar quando não acarretar distorções de concorrência significativas denota que o legislador pretendeu que o sistema do imposto sobre o valor acrescentado fosse o mais geral possível.

25 A Comissão entende que a colocação à disposição de uma rede rodoviária pode comparar-se à distribuição de gás, água e electricidade aos utentes. Estas actividades são, sem dúvida, segundo observa, sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e não são objecto de isenções.

26 A Comissão vê nas portagens, no caso em apreço, a contrapartida directa, devida pelos utentes, da colocação à disposição das infra-estruturas rodoviárias. O montante das portagens devidas é variável consoante a distância do percurso e o tipo de veículo utilizado.

27 Se, no caso da Grécia, não incidisse sobre as portagens o imposto sobre o valor acrescentado, haveria discriminação dos operadores dos outros Estados-Membros que não poderiam invocar a dedução do imposto relativo às portagens.

28 No que se refere à questão dos recursos próprios, a Comissão parte do princípio de que a não percepção do imposto sobre o valor acrescentado acarretaria um desequilíbrio tanto para o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado como para o sistema de contribuições dos Estados-Membros para os recursos próprios das Comunidades.

29 O Governo helénico responde às acusações da Comissão sustentando, antes de mais, que a acção que esta intentou não tem uma base jurídica adequada, dado que o disposto na Sexta Directiva, designadamente nos artigos 2._ e 4._, não é suficientemente estrito, absoluto e rigoroso para nele se poder fundamentar uma acção por incumprimento.

30 O facto de a cobrança de uma portagem como contrapartida da colocação à disposição das infra-estruturas rodoviárias não ser mencionada no anexo D da directiva, para o qual remete o artigo 4._, n._ 5, terceiro parágrafo, quando a referida menção acarretaria a incidência do imposto, manifesta a vontade do legislador de isentar esta actividade.

31 No direito helénico, a cobrança do imposto destina-se a melhorar, fazer progredir e facilitar as condições de circulação, bem como a construir novas estradas e a conservar as estradas nacionais.

32 O Governo helénico assinala que o direito de portagem é cobrado directamente pelo Fundo Nacional de Construção de Estradas, o qual é uma pessoa colectiva de direito público, e que, a este título, constitui uma receita do orçamento geral. Devido às referidas características do regime jurídico das portagens na Grécia, o direito controvertido é por excelência um imposto indirecto (8), cuja cobrança se insere no âmbito do exercício da autoridade pública. O artigo 4._, n._ 5, da directiva aplica-se, assim, no caso em apreço.

33 O Governo helénico considera também que as portagens, dado que não são uma contrapartida de um serviço em benefício do utente, não constituem actividades económicas na acepção dos artigos 2._ e 4._ da Sexta Directiva.

34 Além disso, segundo o Governo helénico, a colocação à disposição das auto-estradas é uma actividade exercida pelo Estado na qualidade de autoridade pública. Em seu entender, é exclusivamente ao direito nacional de cada Estado-Membro que compete determinar as actividades deste tipo. Há que concluir que, em razão da sua natureza, dos seus objectivos, da sua função, do nexo directo que, por força do direito nacional, o vincula ao orçamento do Estado e do regime legal que lhe é aplicável, o direito de portagem se define como um imposto (9).

35 Na Grécia, o Fundo Nacional de Construção de Estradas exerce actividades exclusivas de direito público e, a este título, age exclusivamente como órgão da autoridade pública. Por conseguinte, não é concebido como parte integrante da vida comercial. A cobrança de portagens inclui-se no exercício da soberania, é obrigatória, constitui a utilização de prerrogativas que exorbitam do direito comum e efectua-se com base no monopólio legal da actividade em causa.

V - Apreciação

1. Sujeição das portagens ao IVA

36 Segundo a economia da directiva, convém, antes de mais, apreciar se, no caso em apreço, se está perante uma prestação de serviços sujeita ao IVA, na acepção do artigo 2._ da Sexta Directiva. Por outro lado, deve tratar-se de uma prestação de serviços a título oneroso. A seguir, será necessário verificar se essa prestação é efectuada por um sujeito passivo e, em caso afirmativo, se se trata de uma actividade económica.

a) Prestação de serviços a título oneroso

37 No caso vertente, a prestação de serviços consiste na colocação à disposição da infra-estrutura.

38 Além disso, esta prestação de serviços é exercida a título oneroso mediante o pagamento de uma portagem. Para responder à questão de saber se uma prestação de serviços é exercida a título oneroso, o Tribunal de Justiça já referiu que para que uma prestação de serviços seja tributável tem de haver um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido (10).

39 Este nexo directo consiste no pagamento de uma portagem, cujo preço varia segundo o tipo de veículo e a distância a percorrer, em contrapartida da colocação à disposição da infra-estrutura.

40 A portagem não constitui um imposto, dado que este consiste numa prestação pecuniária que não é efectuada em contrapartida de uma prestação específica, e que constitui uma receita cobrada por uma colectividade de direito público a todos os que se encontrem na situação que, por força das disposições legais, faz nascer essa obrigação pecuniária. Dado que no caso em apreço há uma contrapartida específica na forma de colocação à disposição de algumas partes da infra-estrutura rodoviária, trata-se, no caso vertente, de uma taxa que deve considerar-se contrapartida de uma prestação de serviços.

41 Por conseguinte, há uma prestação sujeita ao IVA na acepção do artigo 2._ da Sexta Directiva.

b) Sujeito passivo

42 O artigo 4._, n.os 1 e 2 da Sexta Directiva refere que por sujeito passivo se entende qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma actividade económica, expressão esta que abrange todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços.

43 Em contrapartida, o artigo 4._, n._ 5, primeiro parágrafo, da directiva prevê que os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, em conexão com essas actividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

aa) Acto de soberania

44 A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça realça que se exigem duas condições cumulativas para que funcione a regra da não sujeição dos organismos públicos, ou seja, o exercício de actividades por um organismo público e o exercício de actividades na qualidade de autoridade pública (11).

45 Isso significa, por um lado, que os organismos de direito público não estão automaticamente isentos relativamente a todas as actividades que exerçam, mas apenas em relação às que se inserem nas suas atribuições específicas de autoridade pública e, por outro, que uma actividade exercida por um particular não está isenta do IVA pelo facto de consistir em actos que se incluem nas prerrogativas da autoridade pública (12).

46 A definição do exercício de actividades na qualidade de autoridade pública não pode limitar-se ao objecto ou à finalidade da actividade do organismo público. A jurisprudência do Tribunal de Justiça ensina que são as modalidades de exercício das actividades que permitem determinar o alcance da não sujeição dos organismos públicos (13).

47 Donde resulta, segundo decisão do Tribunal de Justiça, que os organismos de direito público referidos no artigo 4._, n._ 5, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva exercem actividades públicas quando as realizam no âmbito do regime jurídico que lhes é específico (14). Em contrapartida, quando actuam nas mesmas condições jurídicas dos operadores económicos privados não se pode considerar que exerçam actividades na qualidade de autoridades públicas.

48 Dado que o artigo 6._, n._ 1, da Sexta Directiva considera também tributáveis essas operações, executadas por força de lei, não basta, para preencher as condições do artigo 4._, n._ 5, primeiro parágrafo, que uma actividade seja de direito público. Enunciando uma acepção derrogatória do conceito de sujeito passivo, esta definição deve ser de interpretação estrita. Apenas podem ser consideradas isentas de IVA as actividades exercidas na qualidade de autoridades públicas, que por natureza emanam do exercício da soberania. Isto é confirmado pelo disposto no artigo 4._, n._ 5, terceiro parágrafo, que remete para as actividades referidas no Anexo D - v. supra, n._ 16 - relativamente às quais a autoridade pública está sujeita ao imposto.

49 A concepção e a construção de estradas, pontes e túneis constituem tarefas que se incluem no exercício da soberania e, a este título, estão reservadas às autoridades públicas. Estas actividades constituem um elemento substancial e, nesta base, um elemento essencial das missões de ordem pública. Podem ser consideradas como parte integrante dos serviços de interesse geral. Quando o Estado exerce uma actividade neste domínio, deve partir-se do princípio de que está a agir na qualidade de autoridade pública.

50 É verdade que a colocação à disposição de estradas não é referida expressamente como actividade tributável, como são, no Anexo D, os fornecimentos de gás, electricidade e água. Com efeito, a colocação à disposição da infra-estrutura rodoviária deve qualificar-se como acto de soberania. Resta saber, contudo, se a rede rodoviária construída no âmbito das missões de ordem pública e com as receitas fiscais poderá ser globalmente explorada como uma empresa privada, com base num regime de portagens exigíveis a qualquer pessoa. Em contrapartida, a colocação à disposição selectiva de alguns troços, porque efectuada a título oneroso, em caso algum pode ser qualificada como actividade inserida no exercício da autoridade pública. É verdade que pode ser cobrada uma taxa mesmo relativamente a uma actividade exercida na qualidade de autoridade pública, como se refere expressamente no artigo 4._, n._ 5, primeiro parágrafo, sem que isso implique, só por si, que essa operação seja tributável. Todavia, é necessário ter em conta que, no caso em apreço, o utente pode optar entre uma infra-estrutura rodoviária gratuita e outra sujeita a pagamento. A colocação à disposição da rede gratuita constitui o exercício pleno de um acto de soberania e, por este facto, a colocação à disposição mediante portagem de troços suplementares deve qualificar-se como actividade económica meramente privada. Alguém que precisa de uma autorização de construção, cuja obtenção está sujeita ao pagamento de taxas, não tem opção. Alguém que pretenda prosseguir os estudos que qualquer pessoa é obrigada a pagar mediante uma taxa não tem opção, se quiser alcançar o objectivo semelhante, ou seja, concretamente, o diploma de fim de curso. Em contrapartida, no caso em apreço, o utente está perante uma verdadeira opção: são-lhe apresentadas duas possibilidades para alcançar o mesmo objectivo, ainda que mais lentamente e de forma menos cómoda. A rede rodoviária com portagem está, sem dúvida, à disposição das pessoas que se disponham a pagá-la, mas apenas à disposição destas. Deve aqui ver-se uma selecção que é alheia a um acto de soberania. É principalmente por razões de ordem financeira que se cobra a portagem. Portanto, a colocação à disposição de um troço determinado mediante portagem não pode considerar-se uma actividade abrangida no exercício da autoridade pública.

51 Dado que a colocação à disposição da infra-estrutura mediante pagamento não pode ser qualificada de actividade exercida na qualidade de autoridade pública, não se pode, no caso em apreço, invocar o disposto no artigo 4._, n._ 5, primeiro parágrafo. Por conseguinte, os organismos encarregados da cobrança de portagens devem ser considerados sujeitos passivos.

bb) Actividade económica

52 Segundo o artigo 4._, n._ 1, da directiva, por sujeito passivo entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma actividade económica.

53 O artigo 4._, n._ 2, da Sexta Directiva define como actividades económicas «todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços».

54 Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de actividade económica corresponde a um âmbito de aplicação muito lato e tem natureza objectiva, na acepção de que a actividade é considerada em si própria, independentemente dos seus objectivos ou dos seus resultados (15).

55 Partindo de um conceito de actividade económica tão amplo, não é necessário que as prestações de serviços sejam essencialmente ou exclusivamente orientadas para o funcionamento do mercado ou para a vida económica; basta que estejam, seja por que forma for, em concreta conexão com a vida económica (16).

56 Embora, no caso em apreço, a colocação à disposição da infra-estrutura rodoviária mediante o pagamento de uma portagem esteja regulada pelo direito público e as auto-estradas se integrem na rede rodoviária pública, esses aspectos não são pertinentes para a análise da questão de saber se se trata de uma actividade económica. O artigo 6._, n._ 1, da Sexta Directiva refere que as prestações de serviços tributáveis podem também consistir, designadamente, na execução de um serviço em consequência de acto da administração pública ou em seu nome ou por força da lei. A natureza objectiva do conceito de actividade económica milita também, no caso em apreço, a favor de uma qualificação de actividade económica, dado que é a própria actividade em si que entra em linha de conta, independentemente dos seus objectivos ou dos seus resultados.

57 A tomada em consideração da realidade económica constitui um critério fundamental na aplicação do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (17). Esta realidade consiste, no caso em apreço, na colocação à disposição do utente de determinadas partes da infra-estrutura rodoviária mediante o pagamento de uma taxa na forma de uma portagem. O facto de esta actividade ter como objecto permitir a cada um desses organismos realizar ganhos por sua própria conta, de modo a fazer face às suas despesas e a garantir um rendimento, demonstra que se trata no caso vertente de uma actividade económica.

c) (A título subsidiário) Quanto à questão das distorções de concorrência

58 Segundo o artigo 4._, n._ 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público devem ser considerados sujeitos passivos, mesmo relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, desde que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas. Tendo em consideração o exposto, esta sub-hipótese não devia ser analisada, dado que se deve partir do princípio de que a actividade referida no caso em apreço não é uma actividade revestida de autoridade pública. Por conseguinte, é apenas a título subsidiário que vou proceder a esta análise.

59 Haveria distorção da concorrência no sentido acima referido se o organismo público não sujeito passivo fosse concorrente de um operador privado sujeito passivo relativamente a uma prestação de serviços equivalente e, devido à isenção fiscal, pudesse prestar serviços mais baratos. Ora, como não existe concorrência de direito privado a ter em conta relativamente à colocação à disposição de uma infra-estrutura rodoviária, a questão da concorrência não se coloca.

60 Os exemplos de distorções da concorrência referidos pela Comissão não são pertinentes no caso em apreço. Com efeito, por um lado, o âmbito de aplicação da directiva está limitado, salvo algumas disposições, às operações internas. Aparentemente, não há, no caso em apreço, violação do princípio da igualdade de tratamento relativamente aos operadores nacionais. Por outro lado, as hipóteses de distorção da concorrência referidas pela Comissão - quer a impossibilidade de dedução do imposto a montante quer as vantagens em matéria de custos - devem-se à aplicação incorrecta do direito e não à inexistência de imposição num caso ou à imposição no outro. Quando a questão tiver sido resolvida pela jurisprudência, os Estados-Membros vão certamente proceder do mesmo modo à cobrança do IVA (e o mesmo irá suceder relativamente às contribuições para os recursos próprios). De resto, se o raciocínio da Comissão fosse acolhido, as distorções mais importantes da concorrência verificar-se-iam relativamente aos países onde não são cobradas portagens rodoviárias.

61 Por conseguinte, não há, no caso vertente, distorções da concorrência, na acepção do artigo 4._, n._ 5, segundo parágrafo, que justifiquem a sujeição. Todavia, como referi supra nos n.os 36 a 56, esta não é a questão. No caso em apreço, há uma prestação de serviços que deve ser sujeita ao IVA, porque a cobrança da portagem não é uma actividade exercida na qualidade de autoridade pública.

d) Conclusão preliminar

62 Em consequência, há que declarar que, ao não sujeitar a imposto sobre o valor acrescentado as portagens das auto-estradas, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

2. Recursos próprios

63 Quanto a este ponto, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça ordene que a República Helénica coloque à disposição da Comissão os recursos próprios que não pagou desde 1987, bem como os juros de mora. A Comissão pede, deste modo, uma declaração no âmbito de um processo por incumprimento, mas o Tribunal de Justiça não pode decidir que se adoptem, revoguem ou alterem determinadas medidas. Só pode declarar que o Estado-Membro demandado procedeu a um ou vários incumprimentos do direito comunitário. No caso em apreço, a acção da Comissão, cujo objecto se deve determinar a partir das suas conclusões e dos seus fundamentos, destina-se antes de mais a declarar que a não sujeição ao IVA das portagens das auto-estradas, em violação do Tratado, acarreta o não pagamento das correspondentes contribuições para os recursos próprios. Este pedido apresentado na acção da Comissão deve ser interpretado no sentido de que tem como objecto os efeitos da declaração de um incumprimento do Tratado, de modo que, também no caso em apreço, desde que a hipótese seja a do incumprimento, o Tribunal pode declarar o incumprimento do Tratado.

64 Nos termos do artigo 2._, n._ 1, do Regulamento n._ 1553/89, a base dos recursos IVA determina-se a partir das operações tributáveis referidas no artigo 2._ da Sexta Directiva. As contribuições dos diversos Estados-Membros para os recursos próprios calculam-se através da aplicação, à base assim determinada, de uma taxa uniforme.

65 Como as prestações de serviços são, no caso em apreço, efectuadas por sujeitos passivos, as portagens deviam ter sido sujeitas ao IVA. Ora isso não sucedeu. Os montantes correspondentes não puderam assim ser reunidos para determinar a base dos recursos IVA.

66 Por conseguinte, há violação das disposições do direito comunitário relativas à cobrança dos recursos IVA. A este respeito, é irrelevante que o novo cálculo das contribuições para os recursos próprios que de tal sujeição resultaria conduza a um resultado desfavorável para as Comunidades. O que é, por força das disposições comunitárias na matéria, determinante é que, em primeiro lugar, esses recursos próprios sejam estabelecidos numa base correcta e que os créditos correspondentes (do Estado-Membro) sobre os sujeitos passivos sejam apurados. Por conseguinte, os Estados-Membros devem proceder aos cálculos necessários, comunicar o seu resultado à Comissão e pagar os recursos próprios assim devidos.

67 Os juros reclamados resultam do artigo 11._ do Regulamento n._ 1552/89, segundo o qual há que pagar juros pelos atrasos nos lançamentos na conta dos recursos IVA. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os juros de mora são exigíveis seja qual for a razão por que tenha havido atraso na inscrição (18).

3. Limitação no tempo dos efeitos do acórdão

68 Depois de se verificar que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, pode-se levantar a questão de saber se a Comissão tem o direito de invocar contra a República Helénica os direitos resultantes de tal violação pela totalidade do período em causa.

69 O processo por incumprimento caracteriza-se, antes de mais, quando a acção é julgada procedente, pela injunção ao Estado-Membro para que tome todas as medidas destinadas a sanar o incumprimento do Tratado. Em contrapartida, por se tratar de um acórdão declarativo do incumprimento, o Tribunal de Justiça não pode impor ao Estado-Membro demandado na acção que cesse a violação ou que revogue ou mesmo altere a medida controvertida.

70 O Tribunal de Justiça não tem assim competência para condenar formalmente a República Helénica a sanar a situação ilegal que existe a respeito da cobrança do IVA. Todavia, no âmbito do processo por incumprimento, o Tribunal de Justiça pode precisar a obrigação que incumbe à República Helénica de fazer cessar a situação ilegal.

71 Por conseguinte, há que analisar em que consiste em concreto para a República Helénica a obrigação de pôr termo ao incumprimento do Tratado, bem como o papel que neste contexto tem a duração do processo.

72 Dado que o disposto nos artigos 155._ do Tratado CE (actual artigo 211._ CE) e 169._ do Tratado impõe à Comissão que proceda judicialmente contra os incumprimentos, que sejam do seu conhecimento, das obrigações que incumbem aos Estados-Membros por força do Tratado, há em princípio um dever de acção processual. Todavia, a Comissão dispõe de uma determinada margem de apreciação relativamente à oportunidade e à tramitação das diferentes fases do processo previsto no artigo 169._ O dever de acção processual, que em princípio lhe incumbe, não obsta a que a Comissão deva sempre zelar para que os Estados-Membros, pelas vias usuais, reponham uma situação em conformidade com o Tratado. O momento a partir do qual ela pode intentar uma acção é o termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Em princípio, a propositura de uma acção no Tribunal de Justiça não está subordinada a um prazo preestabelecido (19). É, pois, à Comissão que incumbe apreciar a escolha da altura em que inicia a acção por incumprimento, após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado (20). Todavia, em certas hipóteses extremas, se a Comissão demorou muito a propor uma acção e não encetou outras diligências além desta contra o Estado-Membro em causa, a excepção da caducidade do direito de acção, que prejudicaria a admissibilidade da acção, não é de excluir completamente (21). Todavia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça parte do princípio de que não há caducidade do direito de acção da Comissão (22).

73 Também não se trata de prescrição no caso em apreço. Com efeito, por um lado, não há disposições aplicáveis em matéria de prescrição e, por outro, também não se podem aplicar mutatis mutandis as normas dos Estados-Membros neste domínio. Para corresponder à sua função, um prazo de prescrição deve estar previamente fixado. Por se tratar de uma excepção, tem de ser suscitada, o que não sucedeu no caso em apreço. Mas não há que analisar este ponto, dado que não foi suscitado. De resto, também não era possível invocar directamente, no âmbito da acção por incumprimento, a contribuição para os recursos próprios.

74 Todavia, é possível que as Comunidades tenham invocado fora de prazo os direitos relativos ao pagamento das contribuições para os recursos próprios.

75 Por razões de segurança jurídica, pode ser necessário, no caso em apreço, limitar os efeitos no tempo de um incumprimento do Tratado, tendo em atenção a rectificação dos relatórios anuais (23). O Tribunal de Justiça já reconheceu que, na ausência de uma regulamentação sobre a prescrição, o princípio da segurança jurídica pode ser invocado (24).

76 É verdade que não se prevê expressamente no Tratado um limite temporal às acções por incumprimento. Isso aliás não é indispensável, dado que, em geral, devido à natureza declarativa, um acórdão proferido numa acção por incumprimento tem por objecto a cessação (futura) de uma situação contrária ao Tratado. Este tipo de acção não se refere à aplicabilidade de uma decisão individual, como é o caso do recurso de anulação, o qual tem os efeitos limitados no tempo segundo a previsão do artigo 174._, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 231._, segundo parágrafo, CE). A acção por incumprimento não tem normalmente como objecto o reconhecimento de pedidos de indemnização em casos específicos, como os referidos no artigo 43._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça. Uma acção por incumprimento tem essencialmente como objecto uma declaração de princípio relativa ao alcance normativo do direito comunitário. Quando, tendo-lhe sido submetido um litígio entre a Comissão e um Estado-Membro, o Tribunal de Justiça declara judicialmente esse alcance normativo, pronuncia-se no interesse da segurança jurídica. O simples decurso do tempo após o termo do processo pré-contencioso não reduz no essencial este interesse. Se, no decurso deste período, diminuir o interesse desta declaração devido aos acontecimentos, daí pode resultar a inadmissibilidade do pedido, mas estes elementos não podem, em si mesmos, prejudicar o direito de pedir esta declaração, cuja execução pode ser solicitada judicialmente a todo o tempo.

77 Todavia, no caso em apreço, a declaração do incumprimento é paralela à reclamação aos Estados-Membros demandados de um pagamento a favor das Comunidades. As consequências financeiras que lhe são inerentes exigem que lhes consagremos algumas reflexões particulares em atenção ao princípio da segurança jurídica.

78 Contra o limite temporal, há certamente a salientar, antes de mais, que, «quando se trata de uma regulamentação susceptível de comportar consequências financeiras, o carácter de certeza e de previsibilidade constituem, segundo a jurisprudência constante do Tribunal, um imperativo que se impõe com especial rigor» (25). A tomada em consideração dos aspectos relativos à segurança jurídica reduz a clareza e a previsibilidade. Em contrapartida, há que reconhecer que o atraso considerável da Comissão em iniciar a fase contenciosa do processo por incumprimento é igualmente incompatível com a exigência de clareza e previsibilidade.

79 Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, um litígio que opõe a Comissão a um Estado-Membro a propósito dos recursos próprios que devem ser cobrados não pode ter por consequência que o equilíbrio financeiro seja por isso perturbado (26). No caso em apreço, limitar no tempo a rectificação pode ter o efeito de, por força do direito comunitário, alguns Estados-Membros efectuarem à Comunidade, a título de recursos próprios, pagamentos de que outros estão dispensados. Todavia, há que salientar, quanto a este ponto, que os Estados-Membros que cobraram o IVA correspondente e pagaram assim uma parte não ficaram em desvantagem. Guardaram a parte do IVA que excede a quota-parte a pagar.

80 Em contrapartida, não é possível, quer na prática quer juridicamente, cobrar IVA a posteriori sobre as portagens rodoviárias. De resto, segundo o direito dos Estados-Membros, o princípio da protecção da confiança legítima não o permite numa situação como a do caso em apreço. Independentemente disto, as consequências práticas de uma cobrança a posteriori de imposto sobre o volume de negócios seria totalmente inapropriadas no que se refere às trocas comerciais, na medida em que os eventuais devedores de impostos que seria necessário accionar não são normalmente os que devem pagar os impostos incluídos no preço.

81 São unicamente os Estados-Membros que já efectuaram pagamentos a posteriori, sem ter previamente cobrado o IVA correspondente, que seriam prejudicados. Todavia, deve partir-se do princípio de que esses pagamentos foram efectuados sem prejuízo de uma rectificação correspondente do relatório anual. Se esta rectificação for recusada, os Estados-Membros em causa podem exigir o reembolso dos pagamentos a posteriori que efectuaram.

82 Deve inferir-se do prazo de exclusão das rectificações, previsto no artigo 9._, n._ 2, do Regulamento n._ 1553/89, que o risco, devido a ignorância, de os Estados-Membros pagarem a parte de IVA que não cobraram não deve exceder, no máximo, quatro exercícios orçamentais. De resto, fundamentalmente, os Estados-Membros deixam de beneficiar de protecção se tiveram, antes do termo do prazo, conhecimento das acusações da Comissão. O Estado-Membro que não acolhe as acusações da Comissão e em geral, por exemplo, se atrasa a cobrar o IVA assume ele próprio a responsabilidade inerente. Informado das acusações da Comissão, pode, em princípio, avaliar as obrigações resultantes das directivas em matéria de IVA e agir em consequência.

83 Em contrapartida, quando os Estados-Membros estão em litígio com a Comissão sobre a questão de saber se o produto de determinadas operações deve, ou não, ser sujeito ao IVA, as modalidades práticas do processo de rectificação e, em especial, a sua aplicação pela Comissão podem, sendo caso disso, ter consequências inadequadas. Dado que os Tratados fundadores conceberam a Comunidade como uma comunidade de direito, os Estados-Membros têm, em princípio, o direito de exigir que, num prazo adequado, seja submetido ao Tribunal de Justiça um litígio relativo ao alcance normativo das directivas em matéria de IVA e que o Tribunal o decida.

84 Além disso, pode suceder, como no caso em apreço, se a acção por incumprimento se arrastar na fase pré-contenciosa, que os próprios Estados-Membros não se esforcem por resolver o problema em causa. A Comissão não é obrigada a propor uma acção e o Estado-Membro pode não responder a um parecer fundamentado. Estes factores conjugados podem levar a que se evite um processo por incumprimento. De resto, essa atitude da Comissão pode estar em contradição com o espírito do processo de rectificação.

85 Quanto à relação entre a Comissão e um Estado-Membro, deve partir-se do princípio de que os exercícios orçamentais passados estão encerrados e que já não se pode efectuar qualquer rectificação.

86 Convém, antes de mais, levantar a questão do período objecto da acção da Comissão. A acção tem exclusivamente como objecto declarar o incumprimento e incide sobre o período decorrido desde 1987. Apesar de, desde o encerramento do período pré-contencioso até à propositura da acção, a Comissão não tenha desenvolvido qualquer diligência complementar, deve-se considerar que ela pretendia obter a cessação dos incumprimentos, com os consequentes efeitos, relativamente ao período seguinte. Há pois que examinar em que medida, desde 1987, os exercícios orçamentais estão encerrados e já não podem ser rectificados.

87 No artigo 9._, n._ 2, do Regulamento n._ 1553/89 dispõe-se que, depois do dia 31 de Julho do quarto ano seguinte a um determinado exercício, ou seja, após 43 meses, o relatório anual já não pode ser rectificado. Por conseguinte, o relatório anual do exercício de 1987 já não podia ser rectificado após 31 de Julho de 1991. Este cálculo é igualmente válido para os anos seguintes. A Comissão já não podia, assim, cobrar os recursos próprios.

88 Todavia, levanta-se a questão da interpretação da excepção constante do artigo 9._, n._ 2, in fine. Com efeito, no que se refere ao relatório anual que já não pode ser rectificado, esta disposição prevê: «... excepto no que diz respeito aos pontos notificados antes desse prazo, quer pela Comissão quer pelo Estado-Membro em causa». Os problemas e as concepções jurídicas divergentes surgidos a respeito da República Helénica e na origem desta acção foram apreciados em relação aos exercícios orçamentais de 1987 a 1992.

89 Há muitos elementos que militam a favor de uma interpretação do artigo 9._, n._ 2, in fine, que permita derrogar o prazo de exclusão de 43 meses se as partes tiverem continuado a tentar resolver os problemas suscitados. Todavia, quando, sem justificação, o processo deixa de evoluir, a aplicação desta disposição não teria qualquer sentido e seria contrária à sua finalidade. Ora, no caso em apreço, não houve, entre 1992 e 1998, diálogo suficiente susceptível de dar uma solução ao problema. A Comissão, ao ser interrogada na audiência, declarou que tinha com regularidade chamado a atenção dos Estados-Membros para os problemas dos recursos próprios e que o diálogo com os Estados-Membros tinha prosseguido, designadamente a respeito da questão da cobrança do IVA (27). Todavia, não se pode considerar que estes elementos são suficiente para alcançar um acordo amigável. Tendo em consideração os pontos de vista defendidos pelas partes, já não era possível esse acordo. Julga-se que também não era possível uma solução de compromisso, tendo em consideração o dilema resultante da situação, tal como esta se apresentava juridicamente.

90 É certo que a disposição em causa tem como objectivo permitir uma prorrogação do prazo quando as circunstâncias são complexas e os problemas importantes, mas para ser aplicável é ainda necessário que se tenha verificado um esforço das partes para encontrar uma solução. Não sendo esse o caso, a Comissão podia facilmente afastar o prazo de 43 meses previsto no n._ 1, mediante a impugnação sistemática dos relatórios anuais dos Estados-Membros. Disporia então da possibilidade, sem limitação no tempo, de examinar a situação e de reportar a uma data indeterminada o encerramento do exercício orçamental. Todavia, essa interpretação não era desejável, do ponto de vista económico, nem compatível com o princípio da segurança jurídica. A Comissão podia, sem necessidade de se justificar, afastar a referida prescrição, e fixar em 31 de Julho do quarto ano seguinte a um exercício o encerramento do relatório anual.

91 Dado que o disposto no artigo 9._, n._ 2, não é uma disposição de prescrição, esta interpretação não teria efeitos se o Estado-Membro não suscitasse a excepção da prescrição. Apenas os direitos podem ser objecto de prescrição. Ora, o artigo 9._, n._ 2, não confere um direito. Limita-se a regular os prazos de rectificação dos relatórios anuais.

92 Estas observações permitem considerar que o extenso prazo decorrido entre o encerramento do processo pré-contencioso e a propositura da acção gerou na República Helénica a confiança legítima de que a Comissão iria respeitar os prazos fixados para a rectificação dos relatórios anuais.

93 Ainda que tivesse de se admitir que o processo já tinha tido o efeito de interromper a prescrição, esta interrupção também não podia exceder o prazo de 43 meses. Dado que decorreram mais de quatro anos - concretamente seis anos - entre a última correspondência no âmbito do processo pré-contencioso e da propositura da acção, já não se podia invocar a possibilidade de interrupção do prazo, eventualmente, através do processo pré-contencioso.

94 Devido à protecção da confiança legítima e à ideia geral de que o termo do prazo de 43 meses impede uma rectificação, há que limitar a cobrança das contribuições para os recursos próprios aos quatro anos anteriores à propositura da acção. Por conseguinte, no caso em apreço, dado que a acção da Comissão deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de Julho de 1998, ainda não estão encerrados os exercícios orçamentais de 1994 e seguintes, sendo ainda permitida uma rectificação (28). Basta a propositura da acção para observar o prazo de 43 meses, dado que não há outro prazo processual nesta matéria. É verdade que a notificação da acção à República Helénica podia ter ocorrido depois de 31 de Julho de 1998. Todavia, não se podem tirar conclusões desta hipótese. Com efeito, nesta matéria, a data relevante é a da propositura da acção no Tribunal de Justiça.

95 Dado que o pedido de pagamento das contribuições para os recursos próprios não constituía, em si, o objecto da acção, resultando indirectamente do incumprimento, a acção não deve, quanto ao mais, ser julgada improcedente, apesar do efeito parcial da expiração dos prazos que, indirectamente, dá em parte razão à República Helénica. Um raciocínio semelhante deve aplicar-se às despesas.

VI - Despesas

96 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. A Comissão pediu a condenação da República Helénica nas despesas. Embora o pagamento das contribuições para os recursos próprios tenha sido pedido em parte fora do prazo, este atraso não prejudica a repartição das despesas. Com efeito, este pedido é apenas a consequência do incumprimento declarado do Tratado e, na ocorrência, não podia ter sido formulado no âmbito da acção. Dado que, no caso em apreço, a República Helénica foi, no essencial, vencida nos seus pedidos, há que condená-la nas despesas.

VII - Conclusão

97 Pelos fundamentos expostos, proponho que o Tribunal de Justiça decida o seguinte:

«1) ao não sujeitar a imposto sobre o valor acrescentado as portagens rodoviárias, contrariamente ao disposto nos artigos 2._ e 4._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitante aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, e ao não pôr à disposição da Comissão, a título de recursos próprios, os montantes correspondentes, acompanhados dos respectivos juros de mora, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado que institui a Comunidade Europeia, podendo a Comissão exigir o pagamento a posteriori dos recursos próprios e dos juros de mora a partir do exercício orçamental de 1994;

2) a República Helénica é condenada nas despesas».

(1) - Neste contexto, a Comissão intentou acções por incumprimento, com os mesmos fundamentos, contra a República Francesa, a Irlanda, o Reino Unido e o Reino dos Países Baixos. Estas acções constam dos processos C-276/97, C-358/97, C-359/97 e C-408/97. Diferentemente dos outros Estados-Membros demandados nas acções por incumprimento, o Reino dos Países Baixos colocou à disposição da Comissão os montantes correspondentes de recursos próprios, mas sem prejuízo da solução a encontrar para as questões controvertidas.

Nos Estados-Membros não demandados em acções por incumprimento ou não são devidas portagens, ou é aplicado imposto sobre o valor acrescentado.

Dado que o Reino de Espanha aplica uma taxa reduzida, a Comissão intentou também uma acção por incumprimento contra este Estado-Membro (C-83/99).

(2) - JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(3) - Do Anexo D constam, ao todo, treze tipos de actividades, ou seja, telecomunicações, distribuição de água, gás e electricidade, prestações de serviços portuários e aeroportuários, exploração de feiras e de exposições de carácter comercial, etc.

(4) - O artigo 13._, A, refere dezassete isenções relativas a determinadas actividades de interesse geral. Assim, estão isentos de imposto designadamente as prestações de serviços efectuadas pelos serviços públicos postais; a hospitalização e a assistência médica; as prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente conexas com a assistência social e com a segurança social ou com a protecção da infância e da juventude; as fornecidas aos seus membros por organismos sem fins lucrativos, que prossigam objectivos de natureza política, sindical, religiosa, patriótica, filosófica, filantrópica ou cívica bem como as actividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tenham carácter comercial.

Do artigo 13._, B, constam outras isenções relativas às operações de seguro e resseguro, a certas actividades no domínio do crédito e à locação de bens imóveis, com excepção de quatro tipos de locação.

(5) - JO L 155, p. 9.

(6) - JO L 155, p. 1.

(7) - JO L 185, p. 24, parcialmente revogada pela Decisão 94/728/CE, Euratom do Conselho, de 31 de Outubro de 1994, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 293, p. 9).

(8) - Na audiência, o Governo helénico sustentou, porém, que as portagens não eram impostos indirectos. Em seu entender, tratar-se-ia antes de taxas com algumas características dos impostos. Deste modo, designadamente, contribuem para o orçamento do Estado. Todavia, à semelhança da taxa sobre veículos automóveis ou da taxa de justiça, é uma taxa de direito público, cobrada no âmbito do exercício da autoridade pública.

(9) - Quanto à existência de um imposto indirecto, v. a nota 8.

(10) - Acórdão de 8 de Março de 1988, Apple and Pear Development Council (102/86, Colect., p. 1443, n._ 11).

(11) - Acórdãos de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha (107/84, Recueil, p. 2655); de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos (235/85, Colect., p. 1471), e de 17 de Outubro de 1989, Carpaneto Piacentino e o. (231/87 e 129/88, Colect., p. 3233, n._ 12).

(12) - Acórdão Comissão/Países Baixos, já referido na nota 11, n._ 21.

(13) - Acórdão Carpaneto Piacentino e o., já referido na nota 11, n._ 15.

(14) - Ibidem, n._ 16.

(15) - Acórdãos Comissão/Países Baixos, já referido na nota 11; de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties (348/87, Colect., p. 1737, n._ 10), e de 4 de Dezembro de 1990, Van Tiem (C-186/89, Colect., p. I-4363, n._ 17).

(16) - Conclusões apresentadas em 12 de Fevereiro de 1987 pelo advogado-geral C. O. Lenz no processo Comissão/Países Baixos, já referido na nota 11, n._ 22.

(17) - Acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, DFDS (C-260/95, Colect., p. I-1005).

(18) - Acórdão de 22 de Fevereiro de 1989, Comissão/Itália (54/87, Colect., p. 385, n._ 12).

(19) - Acórdão de 14 de Dezembro de 1971, Comissão/França (7/71, Colect., p. 391, n.os 5 e 6).

(20) - Acórdãos de 1 de Junho de 1994, Comissão/Alemanha (C-317/92, Colect., p. I-2039, n._ 4), e de 10 de Maio de 1995, Comissão/Alemanha (C-422/92, Colect., p. I-1097, n._ 18, com as referências aí citadas).

(21) - Acórdão de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos (C-96/89, Colect., p. I-2461, n.os 15 e 16).

(22) - Loc. cit., notas 20 e 21.

(23) - No artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1553/89, prevê-se que, antes de 31 de Julho, os Estados-Membros transmitirão à Comissão um relatório indicando o montante total da matéria colectável dos recursos IVA relativa ao ano civil anterior.

(24) - Acórdão de 14 de Julho de 1972, ACNA/Comissão (57/69, Recueil, p. 933, n.os 31 a 33, Colect., p. 323).

(25) - Acórdão de 13 de Março de 1990, Comissão/França (C-30/89, Colect., p. I-691, n._ 23, bem como as referências citadas).

(26) - Acórdão de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos, já referido na nota 21, n._ 37.

(27) - No decurso da audiência, o Reino Unido e a República Helénica negaram que tenha havido diálogo com a Comissão.

(28) - Quanto ao cálculo, v. o n._ 86.