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Advertência jurídica importante

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61999C0034

Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 18 de Janeiro de 2001. - Commissioners of Customs & Excise contra Primback Ltd. - Pedido de decisão prejudicial: House of Lords - Reino Unido. - Imposto sobre o valor acrescentado - Sexta Directiva 77/388/CEE - Matéria colectável - Venda a crédito por um retalhista de mercadorias - Crédito sem despesas para o comprador concedido por pessoa diferente do vendedor - Pagamento ao vendedor de uma soma inferior ao preço da mercadoria pela sociedade de financiamento. - Processo C-34/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-03833


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1. Neste processo prejudicial, a House of Lords (Reino Unido) solicita ao Tribunal de Justiça que interprete a Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva»), no que diz respeito a uma forma de venda de mercadorias financiada através do recurso a um crédito. A Primback Ltd ofereceu aos seus clientes a possibilidade de pagarem o mobiliário adquirido através do recurso a um crédito sem juros. O preço afixado correspondia ao preço que o comprador a crédito devia pagar escalonadamente. O crédito era concedido por uma empresa terceira. Esta empresa terceira só pagava à Primback Ltd um montante deduzido do custo do crédito, no caso vertente 18%. As partes não estão de acordo sobre a questão de saber se a Primback Ltd deve pagar IVA sobre o preço afixado ou somente sobre o montante que efectivamente recebeu.

II - Disposições pertinentes do direito comunitário

2. As disposições pertinentes da Sexta Directiva estão assim redigidas:

Artigo 11.°

«A) No território do país

1. A matéria colectável é constituída:

a) No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações;

b) a d) [...]

2. [...]

3. A matéria colectável não inclui:

a) As reduções de preço resultantes de desconto por pagamento antecipado;

b) Os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza;

c) [...]»

Artigo 13.°

«Isenções no território do país

A. [...]

B. Outras isenções

Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

a) a c) [...]

d) As seguintes operações:

1. A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efectuada por parte de quem os concedeu;

2. a 6. [...]»

III - Matéria de facto

3. A Primback Ltd é um comerciante de mobiliário a retalho. Vende móveis destinados a serem financiados através do recurso a crédito sem juros. O cliente que compra mercadorias com recurso a crédito sem juros recebe da Primback Ltd uma factura da venda dos bens. O preço que figura na factura corresponde ao preço afixado dos bens. Como a Primback Ltd é retalhista, não é obrigada, de acordo com a legislação do Reino Unido, a passar uma factura indicando o montante do IVA, salvo se solicitada pelo cliente. Simultaneamente, o cliente celebra com um estabelecimento financeiro um contrato de mútuo sem juros de montante igual ao preço (a pronto pagamento) das mercadorias.

4. Nos termos das condições gerais do contrato de mútuo, o estabelecimento financeiro tem a obrigação de emprestar ao cliente uma quantia igual ao «montante do crédito» e de transferir esse montante para a Primback Ltd.

5. As relações jurídicas entre Primback Ltd e diversos estabelecimentos financeiros parecem basear-se em acordos verbais celebrados a nível local e variando, por conseguinte, de uma região para outra.

6. O desenrolar prático desta operação é ilustrado pelo exemplo-tipo seguinte, no qual a Primback Ltd vendeu a um cliente, em 16 de Julho de 1992, um conjunto de salão de três elementos pelo preço de 699 GBP, acrescido de 10 GBP pela entrega. O estabelecimento financeiro foi a «Avco Trust». Referindo-se à decisão de um órgão jurisdicional hierarquicamente inferior, a decisão de reenvio resume esta operação da seguinte maneira:

«i) Na factura constavam as seguintes palavras manuscritas 24 meses de crédito sem juros. O preço era pagável na entrega, o espaço no final da factura referia COD-Avco.

ii) Na mesma data foi efectuado um registo da factura B 4834 na folha de caixa diária da Primback. Na rubrica Vendas aparecia o valor de 709 GBP. A entrada de dinheiro foi deixada em branco. A quantia de 127,62 GBP surge na rubrica apoio financeiro. Foi apresentado um Registo de Conferência de Caixa de 16 de Julho, não revelando qualquer entrada de dinheiro para a transacção em causa.

iii) [...]

iv) No seguimento do pagamento pela Avco, foi registada a quantia de 581,38 GBP(das 709 GBP devidas em relação à factura B 4834) como receita referente a essa factura, na Declaração de Receitas da Primback, de 16 de Setembro de 1992. O saldo de 127,62 GBP é uma vez mais referido como apoio financeiro. [...]»

7. O cliente não estava a par dos acordos entre a Primback Ltd e os estabelecimentos financeiros.

8. A Administração Fiscal britânica considerou que é devido o imposto sobre o valor acrescentado IVA pela totalidade do montante que o cliente paga pela mercadoria e não pela quantia recebida pela Primback Ltd do estabelecimento financeiro, dado que o montante total é pago pelas mercadorias. Daí concluíram que o IVA declarado pela Primback Ltd era inferior ao que esta deveria ter declarado para o período compreendido entre 12 de Junho de 1989 e 31 de Dezembro de 1990. Assim, em 27 de Fevereiro de 1992, a Administração Fiscal notificou a Primback Ltd de que procederia a uma liquidação exigindo-lhe o pagamento de £ 16.469, a título de IVA (posteriormente reduzido para £ 15.530). O valor total em causa é de £ 53.106.

9. O recurso interposto pela Primback Ltd foi rejeitado em primeira e em segunda instância, mas foi julgado procedente em terceira instância e encontra-se actualmente pendente na House of Lords.

10. A jurisdição de primeira instância considerou que existiam, no caso vertente, duas operações distintas. Por um lado, a Primback Ltd teria acordado com o estabelecimento financeiro a concessão de um crédito sem juros ao cliente, cujo custo, correspondente aos juros que seriam devidos pelo cliente se o mesmo fosse acordado com juros, seria assumido pela Primback Ltd. Por outro lado, o estabelecimento financeiro teria acordado com o cliente pagar o preço total dos móveis. Proceder-se-ia apenas a uma compensação entre o preço de venda e o custo do crédito a pagar pela Primback Ltd. O IVA seria, em consequência, devido pela totalidade do preço de venda.

11. A segunda instância [High Court of Justice (England & Wales, ...)] referiu que, em virtude das disposições internas, estas operações seriam tratadas como vendas ao estabelecimento financeiro. A Primback Ltd deveria incluir essas vendas no seu volume de negócios bruto, como se tivesse recebido um pagamento em dinheiro pela totalidade da quantia devida pelo cliente. Em consequência, o IVA seria devido pela totalidade do preço de venda.

12. De acordo com a decisão de reenvio, a terceira instância [Court of Appeal (England & Wales)...] entendeu que:

i) o valor do que a Primback forneceu não era o valor total da factura,

ii) o valor do fornecimento da Primback não devia incluir o valor da concessão de crédito,

iii) se a prestação de crédito devia ser avaliada, o seu valor devia ser, prima facie, sensivelmente equivalente à quantia deduzida pela empresa financeira aquando do pagamento à Primback,

iv) a liquidação de IVA, pelos Comissioners (este termo refere-se à administração fiscal recorrida), pelo montante total do preço facturado dos bens, significaria o lançamento de IVA sobre a prestação de crédito,

v) tal violaria o disposto no artigo 13.° , B, alínea d), n.° 1, da Sexta Directiva e no item 2 do Group 5 do Schedule 6 do 1983 Act, de acordo com os quais a concessão de crédito estava isenta de IVA e

vi) a expressão «o montante total devido» no paragraph 14 da Notice deveria ser interpretada como significando a quantia recebida pela Primback da terceira parte interveniente, a empresa financeira, e não o montante referido na factura. Tal entendimento era conforme ao disposto nos artigos 13.° , B, alínea d), n.° 1, e 27.° da Sexta Directiva.

13. Discordando, um dos juízes sustentou que o fornecimento de mobiliário, efectuado mediante contrapartida monetária, devia ser avaliado no montante da contraprestação, acrescido do imposto aplicável. Assim, o IVA era efectivamente devido pela totalidade do montante facturado ao cliente.

IV - As questões prejudiciais

14. A House of Lords decidiu submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a título prejudicial, as seguintes questões, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE):

«1) Quando um retalhista propõe a venda, a um único preço, de bens com a opção de um crédito a prazo alargado para o seu pagamento, sendo o crédito concedido por terceiro, sem custo adicional para o cliente, qual o valor tributável pelo qual o retalhista deve contabilizar os bens fornecidos, para efeitos do disposto no artigo 11.° , A), n.° 1, alínea a), e do artigo 13.° , B), alínea d), n.° 1, da Directiva do Conselho 77/388/CEE? Em especial, o valor tributável é:

a) o valor total a pagar pelo cliente;

b) o valor total referido em a) deduzido o valor do crédito;

c) se for negativa a resposta à hipótese acima referida em b), o valor efectivamente recebido pelo retalhista, ou

d) um valor calculado noutra base e a ser assim, qual?

2) Sendo o valor tributável o valor total a pagar pelo cliente deduzido o valor do crédito (v. Pergunta 1, b, supra), como deve este ser avaliado?

3) A resposta à questão 1 é influenciada pelo facto de

a) o fornecimento de bens ao cliente ser descrito como condição feita a crédito sem juros,

b) o cliente assinar, no momento da venda, um contrato de mútuo, com uma empresa financeira cujos termos incluem

i) obrigação da empresa financeira de pagar ao retalhista quantia igual à do mútuo (o qual é de montante igual ao preço anunciado dos bens)

ii) uma declaração de que a taxa de juro aplicável ao mútuo é de 0% e

iii) uma autorização do cliente para que a empresa financeira pague o total do mútuo ao retalhista e o acordo da empresa financeira nesse sentido, e

c) por acordo separado entre o retalhista e a empresa financeira (cujos termos não são referidos ao cliente), o montante recebido pelo retalhista ser inferior em determinado montante ao valor total do preço anunciado dos bens?»

V - Argumentação das partes

15. Em conformidade com o artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino Unido, a Comissão e a Primback Ltd apresentaram observações escritas. Com excepção da República Federal da Alemanha, todas as partes estiveram presentes na audiência.

16. A República Federal da Alemanha, o Reino Unido e a Comissão concluem que é devido imposto sobre o valor acrescentado pela totalidade do preço afixado.

17. Baseiam-se todas no acórdão Bally . Neste acórdão o Tribunal de Justiça decidiu:

«O artigo 11.° , letra A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que, no caso de, numa operação de venda, o preço da mercadoria for pago com cartão de crédito e entregue ao fornecedor pelo emissor do cartão, após retenção de uma percentagem como comissão remuneradora de uma prestação de serviço deste último ao fornecedor da mercadoria, esta retenção deve ser incluída na matéria colectável do imposto que o fornecedor sujeito passivo deve pagar ao fisco.»

18. Esta conclusão assenta na consideração do Tribunal de Justiça de que a operação de compra com cartão de crédito se decompõe numa operação de compra que engloba a totalidade do preço de venda, que inclui o IVA devido sobre esse montante, e, por outro lado, numa prestação de serviços do emissor do cartão que cobra uma comissão que está isenta de IVA. Neste caso, o IVA facturado ao consumidor final e calculado com base na totalidade do preço também deve ser integralmente entregue ao fisco . A comissão devida ao organismo emissor do cartão de crédito não constitui uma contrapartida que o cliente paga ao emissor do cartão com o preço de venda, mas a contrapartida do vendedor por um serviço que lhe é prestado pelo organismo emissor do cartão . O facto de o pagamento ser efectuado por intermédio do organismo emissor do cartão em nada altera o facto de o preço indicado ao comprador constituir a matéria colectável .

19. A República Federal da Alemanha sublinha que, no presente caso, se torna ainda mais claro do que no processo Bally que o pagamento que o estabelecimento credor faz à Primback Ltd é efectuado em virtude de uma relação jurídica distinta da operação de venda, uma vez que o comprador não tinha conhecimento do montante desse pagamento.

20. No entendimento do Governo do Reino Unido, o custo do crédito constitui um encargo da Primback Ltd, ao mesmo título que as despesas de publicidade ou as relacionadas com as instalações, que também não são dedutíveis da matéria colectável do IVA.

21. O Governo alemão sublinha, além disso, que a solução que preconiza decorre igualmente dos princípios gerais do sistema comum do IVA. O IVA deve onerar a despesa do consumidor o mais exactamente possível e deve, desde logo, ser determinado com base no montante pago.

22. Os Governos do Reino Unido e irlandês acrescentam que o facto de indirectamente imputar juros ao adquirente não está em consonância com as exigências do artigo 13.° , B, da Sexta Directiva. Este estabelece que o custo do crédito deve ser claramente indicado quando a operação de crédito se relaciona com uma transacção passível de IVA .

23. Os dois governos observam, além disso, que a argumentação da Primback Ltd é susceptível de induzir em erro o consumidor sobre as condições efectivas do crédito, nomeadamente, no que diz respeito à natureza do crédito.

24. A Primback Ltd remete para dois princípios fundamentais da legislação em matéria de IVA:

- a concessão de crédito está isenta de IVA e

- a matéria colectável não deve exceder o montante efectivamente cobrado pelo fornecedor.

Em consequência, só é devido IVA sobre o montante que o estabelecimento financeiro entregou à Primback Ltd.

25. Era incontestável estarmos em presença, no caso em apreço, de duas transacções, a saber, uma compra de mobiliário sujeita a IVA, por um lado, e a concessão de um crédito isento de IVA, por outro. Era possível e impunha-se distinguir claramente estas duas operações.

26. Reportando-se às conclusões do advogado-geral P. Léger no processo Madgett e Baldwin , a Primback Ltd afirma que o valor do crédito constitui uma parte significativa do preço total. A concessão do crédito era material e economicamente dissociável . A concessão do crédito não visa encorajar apenas a fruição ou a utilização da entrega de mercadorias . O consumidor tinha consciência da distinção entre a venda e a operação de crédito, de modo que o preço único indicado na factura não era determinante .

27. No entendimento da Primback Ltd, a concessão de um crédito está isenta de IVA. Isto resultava igualmente das conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo Muys' e De Winter's Bouw- en Aannemingsbedrijf . De acordo com estas conclusões, o diferimento do pagamento estaria em princípio isento de IVA, nomeadamente quando não é financiado por um fornecedor, mas por terceiro. O risco da transferência do valor gerado pelo negócio da operação tributável para uma operação isenta, que exigia uma particular transparência das diferentes operações, não existia quando o crédito é concedido por terceiro. Aliás, no que concerne a esta operação triangular, o Reino Unido não tinha efectivamente previsto disposições no sentido de distinguir as diferentes transacções.

28. Mesmo admitindo que os encargos do crédito eram pagos ao estabelecimento mutuante pela Primback Ltd (e não pelo cliente), os encargos que esta receberia por ter servido de intermediário na celebração da operação de crédito estariam incluídos no preço acordado entre a Primback Ltd e o cliente. Todavia, estes encargos também estavam isentos de IVA.

29. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a matéria colectável do IVA a pagar pela Primback Ltd era constituída pelo montante que efectivamente recebera.

30. Esta análise não era afectada pelo acórdão Bally . Neste processo, o serviço prestado ao fornecedor não era a concessão de um crédito. No processo Bally, o comerciante tinha aliás claramente calculado o IVA sobre o montante total, enquanto a Primback Ltd não calculara o IVA separadamente.

31. A título subsidiário, a Primback Ltd alega que o pagamento a pronto das mercadorias sob a forma de um crédito sem juros constituía um desconto. Como este também está isento de IVA, este imposto seria dedutível até ao montante correspondente ao custo efectivo do crédito.

VI - Apreciação jurídica

32. Em conformidade com o artigo 11.° , letra A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, a matéria colectável do IVA é constituída pela contrapartida obtida pelo sujeito passivo do IVA. A directiva não precisa a forma como essa contrapartida deve ser determinada.

33. A resposta a dar às questões prejudiciais depende da questão de saber se o valor da contrapartida deve ser determinado de acordo com as modalidades exteriores da venda, que prevêem uma venda ao preço total, financiada através de um crédito sem juros, ou se o valor económico da operação para a Primback Ltd pode servir de base à determinação do valor da contrapartida, ou seja, uma venda a um preço francamente inferior, a que acrescem os encargos de financiamento através de um crédito.

34. É de jurisprudência constante que a contrapartida constitui o valor subjectivo daquilo que quem fornece a prestação realmente recebe, e não um valor «normal», calculado segundo critérios objectivos . A referência à contrapartida efectivamente recebida conduz a priori a admitir que apenas o montante entregue pelo estabelecimento mutuante à Primback Ltd pode ser considerado contrapartida. No entanto, se o Tribunal de Justiça tomar em consideração o valor subjectivo da prestação, é unicamente para rejeitar uma estimativa posterior da base de tributação fundada em critérios objectivos. O elemento determinante não parece ser a oposição entre uma estimativa objectiva e uma estimativa subjectiva, mas sim a consideração de que a aplicação ulterior de critérios puramente objectivos não tem em conta o acordo das partes no que diz respeito ao valor em dinheiro da prestação. O valor acordado é apenas subjectivo na medida em que se baseia nas declarações de vontade de dois sujeitos de direito, ou seja, os co-contratantes.

35. No presente processo, parece claro, pelo menos à primeira vista, que as partes convencionaram que a contrapartida consiste no preço total afixado da mercadoria. Do ponto de vista contratual, parece que a Primback Ltd se encontra inteiramente vinculada por este acordo, nomeadamente em caso de anulação da operação.

36. Existe no entanto igualmente um outro acordo (subjectivo) entre a Primback Ltd e a sociedade de financiamento, que permitia determinar o valor real exacto do crédito sem juros no momento da compra dos móveis e deduzir este valor do preço total acordado entre a Primback Ltd e o adquirente dos móveis. A favor da tomada em consideração deste segundo acordo para efeitos da determinação da base de tributação do contrato celebrado entre a Primback Ltd e o adquirente dos móveis, a Primback Ltd invoca uma consideração de ordem económica da operação em causa. Em conformidade com esta consideração, a aquisição dos móveis pode decompor-se em duas operações, a saber, a compra das mercadorias, por um lado, e a operação de financiamento, por outro. O cliente final paga apenas 82% da sua prestação pela mercadoria comprada, mais 18% pelo financiamento da compra da mercadoria. Como os representantes do Reino Unido e da Irlanda admitiram na audiência, os encargos de financiamento correspondentes estavam, em princípio, isentos de IVA por força do artigo 13.° , B, alínea d), n.° 1, da Sexta Directiva, enquanto concessão de um crédito , se o financiamento, incluindo o seu custo, tiver sido claramente separado da aquisição da mercadoria.

37. É fundamentalmente o acórdão Bally que parece opor-se a uma tal apreciação segundo critérios económicos. Neste processo, tratava-se de decidir se no quadro de uma operação de venda paga com cartão de crédito o IVA deve ser pago sobre o preço total ou se há lugar à dedução da comissão recebida pelo emissor do cartão de crédito. O Tribunal de Justiça decidiu que nesse caso a matéria colectável corresponde ao preço total. Todavia, este acórdão não pode ser aplicado directamente ao presente processo. Este acórdão referia-se a um tipo de operação que, mesmo de um ponto de vista económico, não comportava elementos potencialmente isentos sob a forma de operação de crédito, mas uma prestação de serviços por um emissor de cartões de crédito no quadro das operações de pagamento, em que um ligeiro efeito de crédito é, no máximo, a consequência acessória de um pagamento diferido. Podemos basear-nos no acórdão Bally para eliminar uma apreciação segundo critérios económicos apenas na medida em que deste acórdão é possível deduzir critérios gerais. Para além do acórdão Bally, importa, neste contexto, tomar em consideração o acórdão Kuwait Petroleum , em que o Tribunal de Justiça atendeu igualmente à aparência da operação para o consumidor.

38. No acórdão Kuweit Petroleum, o Tribunal de Justiça considerou que os selos eram entregues gratuitamente aos clientes por ocasião da compra da gasolina e que a sua entrega não podia, por conseguinte, conduzir a uma diminuição da matéria colectável para efeitos do cálculo do IVA sobre estas operações . Neste aspecto, o referido acórdão pode ser relevante no presente processo, uma vez que se previra que o crédito era concedido sem juros.

39. Nos dois processos, o sujeito passivo do IVA efectuava regularmente dois tipos de operações, facturando o mesmo preço aos clientes. O preço que o vendedor factura ao cliente que paga com cartão de crédito, como era o caso no acórdão Bally , é, regra geral, o mesmo que é reclamado ao cliente que paga a pronto. É apenas a forma de pagamento que difere. Por conseguinte, é coerente calcular o IVA da mesma maneira que para as operações a pronto. No acórdão Kuweit Petroleum, o Tribunal de Justiça sublinhou que o preço da gasolina era o mesmo, independentemente de o comprador levantar ou não os selos objecto de controvérsia .

40. No presente caso, nada leva a admitir que o preço facturado aquando da venda de mercadorias financiadas por meio de um crédito sem juros seja diferente do facturado em caso de pagamento a pronto. Na audiência, o representante da Primback Ltd sublinhou que o comprador que paga a pronto pode negociar um desconto, embora tenha admitido que tal desconto não é automaticamente concedido ao comprador que paga a pronto. Consequentemente, os factos, tal como se apresentam no presente caso, correspondem aos dos processos Bally e Kuweit Petroleum. Parece igualmente que o direito britânico do consumo é crítico em relação a uma aplicação sistemática da prática de descontos indicado pela Primback Ltd .

41. No processo Bally, o Tribunal de Justiça sublinhou igualmente que o retalhista enquanto sujeito passivo do IVA indicou no documento de venda o IVA correspondente ao montante total pago pelo comprador . Tal não é o caso, em princípio, no presente processo, uma vez que a Primback Ltd não indica separadamente o montante correspondente ao IVA. Na audiência as partes não estavam todavia de acordo sobre a questão de saber se, caso o IVA estivesse indicado na factura, a Primback Ltd poderia indicar somente o montante que lhe é pago pelo estabelecimento financeiro. O representante da Primback Ltd admitiu que, pelo menos na hipótese de venda a pronto sem desconto, o IVA, caso devesse ser indicado separadamente, seria calculado por referência ao preço total.

42. Por outro lado, o Tribunal de Justiça interpretou as operações tal como se apresentavam no acórdão Bally no sentido de a percentagem retida pelo emissor do cartão corresponder ao valor do serviço prestado ao fornecedor. O comprador é um terceiro em relação a esta transacção . O advogado-geral C. Gulmann acrescentou que o comprador ignora os acordos entre o emissor do cartão de crédito e o fornecedor . Estas considerações parecem correctas no caso vertente. O comprador não conhece os acordos celebrados entre a Primback Ltd e a sociedade de financiamento. Na audiência, os representantes do Governo do Reino Unido e da Comissão sublinharam que havia que estabelecer uma separação clara entre a relação comercial entre a Primback Ltd e a sociedade de financiamento e a operação de venda entre a Primback Ltd e o adquirente, que está sujeita a IVA. Em virtude do contrato de mútuo ligado ao contrato de venda, a sociedade de financiamento tinha de pagar o montante total do preço de venda à Primback Ltd. Poder-se-ia igualmente conceber que este montante fosse pago ao cliente, que por seu lado pagaria a mercadoria. O assumir dos custos do crédito pela Primback Ltd pressuporia, pelo contrário, um contrato distinto celebrado com a sociedade de financiamento e seria efectuado através de uma compensação, que não teria incidência a nível do IVA.

43. É no entanto de reconhecer à Primback Ltd que, no presente caso, a separação das duas operações é contrária a uma apreciação em função das circunstâncias económicas. É apenas de um ponto de vista puramente formal que o assumir, pela Primback Ltd, do custo do crédito decorre de um acordo-quadro separado, concluído com a sociedade de financiamento. No entanto, é a consequência directa de uma venda de mercadorias. De um ponto de vista económico, a distinção é desde logo incoerente.

44. Em definitivo, a jurisprudência exposta supra conduz, todavia, a que o que é determinante não seja o critério objectivo de uma apreciação segundo critérios económicos, mas a convenção (subjectiva) concluída entre as partes na operação sujeita a IVA. Esta jurisprudência permite às partes interessadas conhecer a matéria colectável. Isto tem, por um lado, o efeito de garantir a segurança jurídica e permite, por outro, um certo controlo do sujeito passivo do IVA pelo beneficiário do serviço. Se tivermos em conta não apenas esta convenção, mas também um acordo concluído entre uma das partes e um terceiro, de que a segunda parte na operação de base não tem todavia conhecimento, as partes estariam de novo em dúvida quanto à matéria colectável. No caso em apreço, as partes no contrato de venda acordaram no preço de venda total e estão vinculadas por esse acordo. Do ponto de vista desta convenção, a operação de crédito entre a Primback Ltd e a sociedade de financiamento é uma operação estranha à venda de móveis. Eventuais reservas não manifestadas pela Primback Ltd não podem conduzir a conclusão diferente.

45. Parece, no entanto, que o acórdão Argos Distributors se opõe a que se atribuam consequências jurídicas à ignorância do comprador . Nesse processo, tratava-se de IVA que devia ser pago aquando de uma venda em que o vendedor aceitou um vale para pagamento do preço. O valor do vale estava inscrito no próprio vale e o preço das mercadorias postas à venda estava afixado. Os compradores podiam pagar com o vale ou a dinheiro. Todavia, a Argos tinha previamente vendido esses vales a terceiros, a maior parte das vezes empregados dos compradores, a quem concedia descontos que dependiam da quantidade de vales comprados. Estes vales eram de seguida oferecidos aos adquirentes, regra geral como prémios ou presentes. Nesse acórdão, a ignorância, ou mesmo o erro, do comprador sobre o montante real do preço de venda não se opunha a que a matéria colectável fosse constituída pelo preço que os terceiros efectivamente pagaram pelos vales. Todavia, nesse processo, o terceiro, adquirente dos vales, e o vendedor tinham concluído um acordo (subjectivo) sobre o preço reduzido. A contrapartida efectivamente obtida por Argos era determinada apenas com base neste acordo, e não com base no contrato celebrado com o comprador da mercadoria. Assim, a ignorância do comprador, neste caso específico, não tinha consequências. Isto não basta para pôr em causa a regra geral segundo a qual é o acordo entre o sujeito passivo e o prestador de serviços que é determinante.

46. Além disso, dado o risco de abuso, transacções obscuras, como as em causa no presente processo, não devem poder beneficiar de uma redução do encargo do IVA. A introdução geral para as isenções do IVA do artigo 13.° , B, da Sexta Directiva exige que, aquando da aplicação das isenções previstas na Directiva, os Estados-Membros adoptem medidas com o fim de «assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso». Este objectivo deve desde logo ser tomado em consideração para efeitos da interpretação da Sexta Directiva no que diz respeito às isenções do IVA.

47. É verdade que, no presente processo, não existe o risco de abuso ligado ao facto de certos elementos que fazem parte do preço de venda serem transformados em elementos do crédito, que o advogado-geral F. G. Jacobs assinalou no processo Muys' en De Winter's Bouw- en Aannemingsbedrijf , nos casos que o próprio vendedor concede o crédito. Todavia, é de temer que interdependências explícitas ou ocultas entre o vendedor e a sociedade de financiamento sejam propícias a tal abuso, sobretudo quando se trata da concessão de um crédito por bancos pertencentes ao mesmo grupo.

48. Importa por último notar que o facto de o IVA ser devido sobre o montante total do preço de venda afixado, apesar de as apreciações próprias de outros domínios não terem incidências a nível do direito fiscal , estabelece uma concordância com o princípio da transparência previsto em matéria de direito do consumo - artigo 129.° - A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 153.° CE). A aplicação da Directiva em matéria de crédito ao consumo parece excluída , mas a maneira como a Primback Ltd organiza as suas operações é, no mínimo, contrária à ideia segundo a qual o consumidor tem o direito de ser informado sobre os custos efectivos do crédito .

49. Para efeitos da determinação da matéria colectável, importa, por conseguinte, na hipótese de uma venda financiada por meio de um crédito sem juros, saber se o comprador foi informado, no contrato de venda, sobre os custos efectivos do crédito que o vendedor espera deduzir da matéria colectável.

50. Esta consideração opõe-se igualmente ao argumento subsidiário da Primback Ltd segundo o qual a concessão de um crédito sem juros constituiria um desconto dedutível nos termos do artigo 11.° , A, n.° 3, da Sexta Directiva. Também a este propósito seria necessário existir um acordo subjectivo entre as partes no contrato de venda sobre uma redução ulterior do preço ou do custo do crédito, o que não parece ser o caso.

VII - Conclusão

51. Proponho, por conseguinte, que se responda às questões colocadas da seguinte maneira:

«Quando um retalhista propõe, por um preço único, mercadorias e um crédito sem juros para pagar o referido preço e que o crédito é concedido por uma pessoa que não o retalhista e sem outros encargos para o cliente, se, portanto, o custo efectivo do crédito não se encontrar indicado separadamente, a matéria colectável que serve de base para o cálculo do IVA é constituída pelo montante total devido pelo cliente».