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Advertência jurídica importante

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61999C0213

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 21 de Septembro de 2000. - José Teodoro de Andrade contra Director da Alfândega de Leixões, sendo interveniente: Ministério Público. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto - Portugal. - Colocação de mercadorias em livre prática - Ultrapassagem do prazo de declaração para um regime aduaneiro - Processo de venda das mercadorias ou de cobrança duma taxa ad valorem. - Processo C-213/99.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-11083


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1 A principal questão suscitada no presente litígio é a da compatibilidade do procedimento estabelecido pela legislação portuguesa para as mercadorias relativamente às quais não foram cumpridas as formalidades aduaneiras exigidas dentro dos prazos estabelecidos (a seguir «processo de demorados») com o direito aduaneiro comunitário e com os princípios gerais do direito comunitário.

II - Enquadramento jurídico

2 O direito aduaneiro comunitário é o que consta do Regulamento (CEE) n._ 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que aprovou o Código Aduaneiro Comunitário ( a seguir «Código Aduaneiro» ou «Código») (1).

3 O artigo 4._ do Código Aduaneiro prescreve:

«Na acepção do presente Código, entende-se por:

...

5) `decisão': qualquer acto administrativo de uma autoridade aduaneira em matéria de legislação aduaneira que decida sobre um caso concreto e que produza efeitos de direito relativamente a uma ou mais pessoas;

...»

4 O artigo 6._, n._ 3, estabelece:

«As decisões tomadas por escrito, que não deferirem os pedidos ou que tenham consequências desfavoráveis para as pessoas a quem se dirigem, serão fundamentadas pelas autoridades aduaneiras. As decisões deverão mencionar a possibilidade de recursos prevista no artigo 243._»

5 O Título III do Código, que compreende os artigos 37._ a 57._, intitula-se «Disposições aplicáveis às mercadorias introduzidas no território aduaneiro da comunidade até que lhes seja atribuído um destino aduaneiro» e o capítulo IV seguinte respeita à «obrigação de atribuir um destino aduaneiro às mercadorias apresentadas à alfândega». O artigo 49._ estabelece os prazos em que deve ser feita a declaração das mercadorias:

«1. As mercadorias que tiverem sido objecto de declaração sumária devem ser sujeitas às formalidades destinadas a atribuir-lhes um destino aduaneiro nos seguintes prazos:

a) Quarenta e cinco dias a contar da data de entrega da declaração sumária, quanto às mercadorias chegadas por via marítima;

b) Vinte dias a contar da data de entrega da declaração sumária, quanto às mercadorias chegadas por qualquer outra via.

2. Quando as circunstâncias o justifiquem, as autoridades aduaneiras podem fixar um prazo mais curto ou autorizar uma prorrogação dos prazos referidos no n._ 1. Esta prorrogação não pode, todavia, exceder as necessidades reais justificadas pelas circunstâncias.»

6 O Capítulo V do Título III respeita ao «Depósito temporário de mercadorias». O artigo 50._ define esta expressão da forma seguinte: «Enquanto aguardam que lhes seja atribuído um destino aduaneiro, as mercadorias apresentadas à alfândega têm, a partir do momento dessa apresentação, o estatuto de mercadorias em depósito temporário». O artigo 53._ estabelece:

«1. As autoridades aduaneiras tomarão imediatamente todas as medidas necessárias, incluindo a venda das mercadorias, para regularizar a situação das mercadorias em relação às quais o cumprimento das formalidades destinadas à atribuição de um destino aduaneiro não tenha sido iniciado nos prazos fixados nos termos do artigo 49._

2. As autoridades aduaneiras podem ordenar a transferência das mercadorias em causa, por conta e risco da pessoa em cuja posse se encontrem, para um local especial sob fiscalização aduaneira, até que se proceda à regularização da sua situação.»

7 O Título VIII, que compreende os artigos 243._ a 246._, respeita ao direito de recurso. O artigo 243._ tem a seguinte redacção:

«1. Todas as pessoas têm o direito de interpor recurso das decisões tomadas pelas autoridades aduaneiras ligadas à aplicação da legislação aduaneira e que lhe digam directa e individualmente respeito. Tem igualmente o direito de interpor recurso qualquer pessoa que, tendo solicitado uma decisão relativa à aplicação da legislação aduaneira junto das autoridades aduaneiras, delas não obtenha uma decisão no prazo fixado no n._ 2 do artigo 6._ O recurso será interposto no Estado-Membro em que a decisão foi tomada ou solicitada.

2. O direito de recurso pode ser exercido:

a) Numa primeira fase, perante a autoridade aduaneira designada para esse efeito, pelos Estados-Membros;

b) Numa segunda fase, perante uma instância independente, que pode ser uma autoridade judiciária ou um órgão especializado equivalente, nos termos das disposições em vigor nos Estados-Membros.»

8 O Título II da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva IVA») (2) define os objectivos desta directiva. O artigo 2._, única disposição deste Título, prevê que:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2. As importações de bens.»

9 O artigo 4._ da Sexta Directiva IVA define o conceito de «sujeito passivo» da forma seguinte:

«1. ... qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n._ 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

...

5. Os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público não serão considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando em conexão com essas mesmas actividades ou operações cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações. Contudo, se exercerem tais actividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente a tais actividades ou operações, desde que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas. As entidades acima referidas serão sempre consideradas sujeitos passivos, designadamente no que se refere às operações enumeradas no Anexo D, desde que as mesmas não sejam insignificantes.

...»

O Anexo D inclui a «armazenagem».

10 Na República Portuguesa, a situação das mercadorias não declaradas para um regime aduaneiro dentro dos prazos previstos é regulada nos artigos 638._ e 639._ do Regulamento das Alfândegas.

11 Segundo o artigo 638._, estas mercadorias serão vendidas em hasta pública quando são ultrapassados os prazos de cumprimento das obrigações legais.

12 O artigo 639._ prevê que os donos das mercadorias podem ainda despachá-las, desde que o requeiram no prazo de seis meses contados a partir da sujeição da mercadoria ao regime de hasta pública. As mercadorias assim despachadas estão sujeitas ao pagamento de todos os encargos e imposições devidas, acrescidos da percentagem de 5% sobre o seu valor (a seguir «taxa de fazendas demoradas» ou apenas «taxa»).

13 O artigo 675._ estabelece:

«O produto líquido da arrematação será distribuído de acordo com a seguinte ordem de prioridades:

...

Tratando-se de mercadorias demoradas, ou nas condições previstas nos n.os 3 e 4 do artigo 638._, o produto líquido da sua venda, depois de deduzidos os recursos próprios comunitários, os direitos aduaneiros nacionais e outras imposições, será depositado à ordem do Estado, para entrar em receita, se não for reclamado no prazo de um mês.»

14 Finalmente, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já se pronunciou a título prejudicial sobre o Regulamento das Alfândegas português no processo Siesse (3). Na sequência desta decisão, o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Constitucional de Portugal concluíram que a taxa de fazendas demoradas era compatível com os princípios do direito comunitário tal como foram interpretados pelo Tribunal de Justiça.

III - Factos e tramitação processual no tribunal nacional

15 De acordo com o despacho de reenvio, J. Andrade (a seguir «recorrente») importou sete paletes de peles de bovino para a Comunidade Europeia, que chegaram ao seu território aduaneiro em 11 de Junho de 1995. O recorrente pediu a prorrogação do prazo para atribuição de um destino aduaneiro às mercadorias. Foi-lhe concedida uma prorrogação do referido prazo por 45 dias pela delegação aduaneira. As mercadorias foram declaradas à Alfândega de Leixões em 15 de Setembro de 1995 para entreposto aduaneiro, e foram despachadas para colocação em livre prática em várias fracções, entre 19 de Setembro de 1995 e 2 de Janeiro de 1996. Em 9 de Maio de 1996, a Alfândega de Leixões instaurou o processo de demorados relativamente às mercadorias em questão.

16 Ao instaurarem tal processo de demorados, as autoridades aduaneiras notificaram o recorrente para pagar o montante de 905.483 PTE, dívida que incluía 310 PTE de imposto do Selo, 773.652 PTE de taxa de fazendas demoradas e 131.521 PTE de IVA, calculado à taxa de 17% sobre o montante da taxa de fazendas demoradas. O recorrente pagou o montante liquidado e, em seguida, impugnou a liquidação no Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, pedindo o respectivo reembolso (4).

17 Considerando que o recurso interposto suscitava questões de direito comunitário cuja solução lhe era necessária para proferir a sua própria decisão, o Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto submeteu ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias um pedido de decisão prejudicial das seguintes questões, ao abrigo do artigo 234._ do Tratado CE:

«1) O procedimento administrativo aduaneiro nacional, tal como descrito supra, na parte em que consagra que, de forma automática, sem prévia notificação, as mercadorias demoradas para além dos prazos legais sejam objecto de processo de demorados (venda) é compatível com o disposto no artigo 53._ do Código Aduaneiro, designadamente com o disposto no n._ 1 deste artigo?

2) Na medida em que o procedimento administrativo aduaneiro nacional prevê como única medida (de forma automática, como se disse), a tomar pelas autoridades aduaneiras nacionais, a organização do processo de demorados que visa unicamente a venda de mercadorias, não poderá ser considerada uma medida desproporcionada, violadora dos direitos de defesa dos contribuintes e qualificável de obstáculo à livre circulação de mercadorias, tanto mais que, sendo aquela medida automática, ela pode operar desde logo, ou seja, no primeiro dia posterior ao termo do prazo de armazenagem legal, sem que o importador disso seja sequer advertido ou avisado?

3) O procedimento administrativo aduaneiro nacional, ao remeter imediatamente para `venda' as mercadorias nas situações referidas, sem qualquer notificação prévia, viola o disposto no artigo 6._, n._ 3, do Código Aduaneiro Comunitário?

4) O procedimento administrativo aduaneiro nacional, ao não prever a obrigatoriedade de qualquer notificação no âmbito do processo de fazendas demoradas, tal como se encontra previsto no artigo 638._ e seguintes do Regulamento das Alfândegas, viola o disposto no artigo 243._ do Código Aduaneiro Comunitário?

5) Na hipótese de a taxa de fazendas demoradas, prevista no artigo 638._ e seguintes do Regulamento das Alfândegas ser qualificada como sanção administrativa processual (tal como vem sendo considerada pela jurisprudência nacional) é a mesma susceptível de tributação em IVA?

6) Admitindo ainda a hipótese referida na quinta questão (a natureza da taxa ser a de sanção administrativa), o facto de aquela taxa ter natureza ad valorem (objectiva) mas sem qualquer referência à culpa do agente, a encargos suportados, em concreto, pelas autoridades aduaneiras a título de medidas cautelares de fiscalização, de armazenagem ou outras, poderá ser considerada violadora do princípio da proporcionalidade?

7) Admitindo, pelo contrário, que a taxa referida não tenha natureza sancionatória mas antes a natureza de prestação de serviços, suportados pelas autoridades aduaneiras, justificar-se-á a tributação em IVA?»

IV - Observações e análise

18 Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pelo recorrente, pela República Portuguesa e pela Comissão das Comunidades Europeias.

19 As questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional abrangem quatro aspectos que analisarei em seguida; a proporcionalidade da sanção (parte da segunda e da sexta questões), os direitos da defesa (primeira questão, parte da segunda questão e terceira e quarta questões), livre circulação das mercadorias (parte da segunda questão, e IVA (quinta e sétima questões).

20 É conveniente fazer uma observação preliminar antes de entrar na apreciação material das questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional. Resulta dos factos, tal como são descritos no despacho de reenvio, que o recorrente declarou as mercadorias em questão para entreposto aduaneiro aos serviços aduaneiros em 15 de Setembro de 1995, e que as mercadorias foram libertadas para colocação em livre prática entre 19 de Setembro de 1995 e 2 de Janeiro de 1996. Por conseguinte, quando os serviços aduaneiros iniciaram o processo de demorados relativamente às mercadorias do recorrente, em 9 de Maio de 1996, estas mercadorias já se encontravam em livre prática na Comunidade e já tinham sido retiradas das instalações dos serviços aduaneiros. Por consequência, não existiu nunca qualquer possibilidade de as mercadorias serem vendidas pelos serviços aduaneiros na sequência da instauração do processo de demorados neste caso. Por esta razão, ao considerar a compatibilidade de tal processo com o princípio da proporcionalidade e qualquer possível violação dos direitos de defesa do recorrente, limitarei a minha análise, salvo quando indicar expressamente o contrário, à compatibilidade da taxa de fazendas demoradas com estes princípios. A minha análise não abrangerá a venda compulsiva das mercadorias dum importador, embora seja inevitável fazer alguma referência a esse processo.

a) Compatibilidade do processo de demorados com o princípio da proporcionalidade

21 Na segunda questão (no que respeita à compatibilidade com o princípio da proporcionalidade) e na sexta questão, o órgão jurisdicional nacional procura saber, em substância, se a cobrança duma taxa de fazendas demoradas, sem notificação ao importador e sem se tomar em consideração o grau de culpabilidade do importador, é compatível com o princípio da proporcionalidade.

22 O recorrente defende que o princípio da proporcionalidade, além de constituir um princípio geral do direito comunitário, está expressamente considerado no artigo 53._ do Código Aduaneiro, que se refere a «todas as medidas necessárias». Argumenta que, quando as mercadorias não foram declaradas dentro dos prazos prescritos, o sistema português as coloca automaticamente para venda ou impõe ao importador o pagamento duma taxa de fazendas demoradas. O recorrente sustenta que qualquer destas opções viola o direito de propriedade do importador, que nunca é chamado a pronunciar-se sobre se a venda ou a imposição da taxa são verdadeiramente necessárias.

23 O recorrente alega que toda a regulamentação portuguesa nesta matéria deveria ser examinada à luz do princípio da proporcionalidade. Argumenta que os tribunais nacionais que têm sustentado este sistema após o acórdão Siesse (5) se têm limitado a apreciar a proporcionalidade da taxa de fazendas demoradas comparando-a com a venda compulsiva das mercadorias do importador e a eventual apropriação do produto da venda pelo Estado. Segundo o recorrente, um regime que condiciona a possibilidade de declaração das mercadorias depois de expirado o prazo ao pagamento dessa taxa, e que inclui montantes que não são necessários para assegurar os objectivos desse procedimento, é desproporcionado em relação a esse objectivo.

24 Finalmente, o recorrente alega que, uma vez que o montante da taxa de fazendas demoradas é calculada ad valorem, no montante de 5% do valor aduaneiro das mercadorias, tal montante é desproporcionado. Acresce que o direito português, ao estabelecer sanções, prevê normalmente a graduação consoante o grau de culpabilidade do acusado. Assim, a taxa de fazendas demoradas não é cobrada em condições semelhantes às aplicáveis às sanções nacionais, como o Tribunal de Justiça já decidiu (6).

25 A República Portuguesa argumenta que o artigo 53._ do Código confere aos Estados-Membros poder discricionário sobre a forma de disciplinar a situação das mercadorias não declaradas nos prazos prescritos. O artigo 53._ refere-se explicitamente à venda de tais mercadorias como um meio possível de regular tal situação. O regime português é uma resposta eficaz à necessidade de encorajar o respeito dos prazos. Mas, mesmo assim, este regime prevê alguma flexibilidade, na medida em que proporciona aos importadores a possibilidade de fazerem a declaração fora de prazo, logo que paguem a taxa de fazendas demoradas.

26 A República Portuguesa afirma também que a razoabilidade do regime se manifesta na possibilidade de o importador requerer a prorrogação do prazo para atribuição dum destino aduaneiro.

27 Finalmente, a República Portuguesa apoia-se na conclusão do seu Tribunal Constitucional que, na sequência da decisão do Tribunal de Justiça no referido acórdão Siesse, decidiu que a imposição duma sanção ad valorem é compatível com o princípio da proporcionalidade (7).

28 A Comissão concorda com as autoridades portuguesas em que o artigo 53._ do Código confere aos Estados-Membros um poder discricionário quanto à sanção que podem aplicar. Mas qualquer sanção deve ser eficaz, dissuasiva e proporcionada (8). Os Estados-Membros são obrigados, nos termos do artigo 10._ CE, a punir as violações do direito comunitário.

29 Todavia, a Comissão não crê que a legislação portuguesa seja proporcionada aos objectivos que prossegue. Enquanto o Tribunal de Justiça, no acórdão Siesse, declarou que a venda das mercadorias era uma solução de último recurso, o regime português estabelece a presunção absoluta de que essa venda é sempre necessária para regularizar a situação das mercadorias em questão.

30 A Comissão afirma também que um regime de responsabilidade objectiva não é adequado, dado que a infracção em questão não é de natureza grave e deveria existir uma possibilidade de isenção da sanção (por exemplo em caso de força maior). Além disso, a natureza objectiva da sanção deve ser clara e inequívoca, o que não é o caso.

31 Por último, a Comissão considera que o facto de a sanção ser calculada ad valorem não significa necessariamente que seja desproporcionada. No caso presente, a aplicação de tal sanção inclui-se no poder discricionário do Estado-Membro. Além disso, no processo Siesse, o Tribunal de Justiça não decidiu que o montante de 5% da taxa de fazendas demoradas era desproporcionado. A Comissão observa que a taxa de 5% representa a responsabilidade total do importador em relação às autoridades aduaneiras e não é cobrada qualquer outra importância para cobrir despesas administrativas ou juros.

32 Como já expliquei, a minha análise limitar-se-á principalmente, se não exclusivamente, à compatibilidade da taxa de fazendas demoradas com o princípio da proporcionalidade.

33 O princípio da proporcionalidade é um princípio fundamental do direito comunitário cuja tutela deve ser assegurada pelo Tribunal de Justiça (9). Para ser proporcionada relativamente aos objectivos que prossegue, uma medida deve ser necessária e adequada para os atingir, os objectivos não devem poder ser atingidos por meios menos restritivos e as vantagens prosseguidas não devem ser desproporcionadas relativamente aos efeitos onerosos das medidas (10).

34 Tal como a Comissão afirmou, com razão, é necessário que exista um processo para regularizar a situação das mercadorias sempre que o importador não tenha cumprido as formalidades aduaneiras prescritas. Conservar as mercadorias em depósito temporário representa um custo para os Estados-Membros e existe o risco de que as mercadorias percam o seu valor comercial ou provoquem danos nas instalações de armazenagem das autoridades. A imposição dum prazo-limite para lhes atribuir um destino aduaneiro é, por isso, uma regra de boa administração que contribui para o tratamento e o processamento mais eficazes dessas mercadorias pelas autoridades aduaneiras.

35 Acresce que a Comissão tem razão quando observa que o facto de se sancionar a falta de observância destes prazos pode ser benéfico. Constitui uma dissuasão para repetições posteriores das mesmas infracções pelos importadores, encoraja a observância em geral desses prazos, põe termo aos armazenamentos e controlos temporários das mercadorias pelas autoridades aduaneiras e garante o pagamento dos direitos aduaneiros se estes ainda não tiverem sido pagos.

36 Visto neste contexto, entendo que o termo «necessárias» usado no artigo 53._, n._ 1, do Código Aduaneiro, abrange a imposição duma sanção que tem um efeito genérico de dissuasão do não cumprimento de formalidades aduaneiras.

37 O Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de apreciar a regulamentação portuguesa em questão no caso vertente. No processo Siesse, o Tribunal de Justiça considerou que o Regulamento (CEE) n._ 4151/88 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições aplicáveis às mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade (11), que precedeu o Código Aduaneiro, não precludiu a possibilidade de as mercadorias relativamente às quais foi ultrapassado o prazo-limite de declaração poderem ver a sua situação regularizada pela aceitação duma declaração para colocação em livre prática (12). No que respeita a quaisquer sanções (entre as quais a taxa de fazendas demoradas) que o Estado-Membro possa impor aos operadores económicos que não cumprem os referidos prazos, o Tribunal de Justiça decidiu que, embora os Estados-Membros disponham dum poder discricionário nesta matéria, devem assegurar que as infracções ao direito comunitário são sancionadas de forma eficaz, proporcionada e dissuasiva (13). Além disso, tais sanções devem obedecer aos princípios gerais do direito comunitário, em particular ao princípio da proporcionalidade, e ser calculadas em condições semelhantes às aplicáveis a infracções do direito nacional da mesma natureza e gravidade (14). O Tribunal de Justiça declarou que o controlo do respeito destes princípios compete ao órgão jurisdicional nacional (15).

38 O Tribunal de Justiça considerou o pagamento da taxa de fazendas demoradas como «uma medida de segurança destinada a garantir o pagamento efectivo do direito [aduaneiro] correspondente» (16) e o advogado-geral considerou que era um meio de as autoridades aduaneiras manterem a «garantia» de obterem o ressarcimento das despesas que efectuaram (17).

39 No caso presente, resulta do despacho de reenvio que todos os direitos aduaneiros devidos pelos bens importados foram pagos aquando da sua introdução em livre prática e, como já referi, esta data precedeu a abertura do processo de demorados por parte das autoridades. Por isso, não se pode entender que a aplicação da taxa de fazendas demoradas neste processo prossegue o objectivo de assegurar que o importador pague qualquer dívida relativa a direitos aduaneiros sobre as mercadorias. A sua aplicação, no que respeita à relação entre o demandante e as autoridades no que toca às mercadorias em causa, apenas visa penalizá-lo por não cumprir os prazos legais e recuperar o valor de despesas geradas pela armazenagem prolongada das mercadorias juntamente com os juros devidos por força do pagamento tardio dos direitos aduaneiros iniciais.

40 Ao decidir quanto à proporcionalidade da taxa de fazendas demoradas, o tribunal nacional deve ter em conta o seu fim, bem como as outras razões para se aplicar tal sanção, como as que destaquei nos n.os 34 e 35, supra. O tribunal nacional deve assegurar-se de que o sistema em apreço respeita o princípio da proporcionalidade em termos gerais e não apenas na aplicação ao caso concreto.

41 Uma fixação ad valorem tem o mérito de ser proporcional ao valor das mercadorias. É também objectiva e de montante previsível.

42 Resulta quer do despacho de reenvio, quer das observações escritas, que a aplicação da taxa de fazendas demoradas é automática, uma vez que não existe qualquer disposição que preveja excepções. Naturalmente, se o tribunal nacional concluir que as autoridades aduaneiras cometeram um erro, seja ao aplicar a taxa, seja ao calcular o seu valor, o importador deverá ser exonerado, pelo menos na medida do erro, do pagamento da referida taxa.

43 Apesar de a Comissão criticar a rigidez da aplicação da taxa em casos de força maior, não se me afigura possível atingir uma conclusão quanto a esse ponto neste processo. A jurisprudência revela que o Tribunal de Justiça analisa a questão da força maior no contexto do quadro legal do caso concreto. Tal como referido no acórdão First City Trading, «é jurisprudência constante que a noção de força maior não tem o mesmo conteúdo nos diversos domínios de aplicação do direito comunitário, devendo o seu significado ser determinado em função do quadro legal no qual está destinado a produzir os seus efeitos» (18). O artigo 53._ do Código Aduaneiro apenas permite que as autoridades tomem as medidas «necessárias» para regularizar a situação das mercadorias. No caso presente, trata-se de um Estado-Membro que está a implementar o direito comunitário no seu ordenamento jurídico nacional. É ponto assente que os Estados-Membros devem respeitar os direitos fundamentais e a proporcionalidade, tal como estes princípios são interpretados pelo Tribunal de Justiça, ao implementarem o direito comunitário (19). Daí parece decorrer, pelo menos na presença de circunstâncias que configurem força maior, que a venda forçada dos bens do importador, uma vez que afecta directamente um direito de propriedade, não se afigura como uma medida proporcionada. Mas o recorrente não apresentou qualquer prova de circunstâncias que possam configurar força maior que pudesse ter provocado a sua omissão de despachar as mercadorias a tempo. Na realidade, as mercadorias foram despachadas, ainda que tardiamente, e os direitos aduaneiros normais foram pagos. Quando a questão se limita à cobrança de uma sanção pecuniária, como no caso presente, não me parece adequado enveredar pela especulação tentando definir o âmbito de aplicação do conceito de força maior na falta de qualquer prova que o justifique.

44 Não se ignora que o demandante alegou que a taxa de fazendas demoradas não foi aplicada em condições análogas às aplicáveis em direito nacional para infracções da mesma natureza e gravidade. Contudo, na falta de informação no despacho de reenvio sobre este ponto, não posso proceder a uma apreciação detalhada sobre esta alegação. Há que lembrar que, no acórdão Siesse, o Tribunal de Justiça declarou, como condição de validade da sanção, que esta seja regida por «condições substantivas e processuais análogas às aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância semelhantes» (20). Estou convicto de que o Tribunal de Justiça, no acórdão Siesse, tinha a preocupação de assegurar que a infracção seja punida em condições que sejam no mínimo tão estritas como as aplicáveis nos termos do direito nacional. Se a sanção for proporcional ao seu objectivo pode não ser necessário que seja idêntica ao seu equivalente nacional; por outras palavras, pode ser uma sanção mais estrita.

(b) Respeito dos direitos da defesa

45 Nas primeira e na segunda questões (no que respeita à possível violação dos direitos de defesa dos contribuintes), e na terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional nacional pretende saber, no essencial, se o facto de o processo de demorados português operar automaticamente e sem notificação prévia viola os artigos 6._, n._ 3, 53._, n._ 1 ou 243._ do Código Aduaneiro.

46 O recorrente reafirma que qualquer processo iniciado relativamente a mercadorias a que não tenha sido atribuído um destino aduaneiro deve ser necessário. Entende que, a menos que o importador seja notificado da abertura desse processo, não pode demonstrar que a venda ou a imposição da taxa de fazendas demoradas são desnecessárias relativamente às suas mercadorias. A inexistência de notificação resulta também na sua impossibilidade de exercer o seu direito fundamental de defesa. Na sua opinião tal processo deve ser contraditório.

47 O demandante alega ainda que a abertura do processo de demorados é uma «decisão» na acepção do artigo 4._, n._ 5, do Código Aduaneiro. É ainda uma decisão que «tem consequências desfavoráveis» pelo que, nos termos do artigo 6._, n._ 3, deve ser fundamentada e deve referir a faculdade de recurso prevista no artigo 243._

48 O República Portuguesa, porém, reafirma que, para dar abertura ao processo de demorados, não é necessária qualquer decisão. A abertura deste é consequência directa da violação do artigo 49._ do Código Aduaneiro e, nos termos do artigo 53._ do mesmo código, as autoridades têm o dever de regularizar a situação das mercadorias. Assim, não se aplica o artigo 6._, n._ 3, nem o artigo 243._ do Código. De qualquer forma, alega que o importador tem a faculdade de recorrer durante o processo e que, assim, o artigo 243._ não foi violado.

49 A Comissão alega que não é necessário notificar os importadores nos termos do artigo 6._, n._ 3, do Código. O texto do artigo 53._ do Código obriga as autoridades a actuar «imediatamente». Impor uma condição adicional de notificação dos importadores tornaria o processo mais lento e atrasaria o cumprimento do dever da autoridade.

50 A Comissão alega que o artigo 6._, n._ 3, do Código não é aplicável. Não é necessário que as autoridades adoptem a decisão sob forma escrita para dar abertura ao processo. A decisão pode ter consequências desfavoráveis para o seu destinatário mas nem todas as decisões desfavoráveis têm que ter a forma escrita. As decisões só têm que ter a forma escrita quando respondem a pedidos feitos pelos próprios particulares. Por último, a aplicação do artigo 6._, n._ 3, pressupõe que uma decisão tomada nos seus termos seja dirigida a um particular identificado. Esse nem sempre é o caso nos processos de demorados, uma vez que as autoridades nem sempre estão em condições de identificar o importador em tempo útil.

51 Quanto ao direito de recurso previsto no artigo 243._ do Código, a Comissão distingue entre a imposição da taxa de fazendas demoradas e a venda forçada das mercadorias. Não é necessário informar os importadores da aplicação de uma coima de que tomarão conhecimento quando for pedido o respectivo pagamento. No que respeita à venda das mercadorias, a Comissão entende que, quando a venda é urgente, os importadores não têm que ser imediatamente informados mas que, mesmo neste caso, devem ser informados logo que possível. As obrigações que incumbem às autoridades são de alguma forma aligeiradas pela publicação obrigatória, nos termos do artigo 659._ do Regulamento das Alfândegas português, de uma lista das mercadorias postas em venda nos termos de processos de demorados. Por outro lado, a Comissão estabelece outra distinção conforme o importador seja ou não conhecido das autoridades: se os importadores forem desconhecidos pode tornar-se muito oneroso localizá-los pelo que não é exigida qualquer notificação mas, se forem conhecidos, devem ser informados do seu direito a recorrer. Se os importadores conhecidos das autoridades não forem informados do seu direito a recorrer, não terão possibilidade de demonstrar a inexistência de necessidade ou erro das autoridades aduaneiras e existirá em consequência um risco efectivo de prejuízo irreparável. Este risco é reforçado pelo facto de os poderes muito limitados de que o juiz nacional dispõe nesse processo serem muito limitados.

52 Há que manter presente que a observância dos direitos de defesa é um princípio fundamental do direito comunitário, nos termos do qual os destinatários de decisões das autoridades públicas que, como neste caso, afectem sensivelmente os seus interesses devem ter a possibilidade de exprimir utilmente os seus pontos de vista (21).

53 O Código Aduaneiro prevê o exercício deste direito a uma audição justa no artigo 6._, n._ 3, e no artigo 243._ O artigo 243._ não dispõe só por si que o importador seja informado do direito de recurso. Por outro lado, o artigo 6._, n._ 3, dispõe efectivamente que o importador deve ser notificado quer dos motivos pelos quais foi tomada a decisão quer do seu direito de recorrer. A aplicabilidade do artigo 6._, n._ 3, está sujeita a determinadas condições; em primeiro lugar, deve ser tomada uma «decisão» (tal como definida no artigo 4._, n._ 5, do Código); em segundo lugar, a decisão deve ter sido adoptada por escrito, e, por último, a decisão deve «não deferir[...] pedidos» ou ter «consequências desfavoráveis» para o destinatário.

54 A República Portuguesa insiste em que, nos termos da lei portuguesa, a abertura do processo de demorados é consequência legal automática do não cumprimento do artigo 49._ do Código Aduaneiro. Contudo, creio que ao conceito de «decisão» deve dar-se uma interpretação uniforme na Comunidade. O facto de uma decisão ter sido ou não tomada não pode depender da forma pela qual os diversos Estados-Membros interpretam as suas obrigações face ao artigo 53._ do Código.

55 Considero que uma «decisão» é um acto que manifesta o exercício de um juízo ou de um poder de apreciação. É um acto praticado depois da consideração de vários factores e, nos termos do direito comunitário, deve tal acto referir os factores ou as razões que levaram a esse exercício do poder de forma a que o seu destinatário esteja em condições de conseguir efectivamente pôr em causa a sua validade (22).

56 Em Portugal, logo que o importador exerce o seu direito de despachar depois do prazo, nos termos do artigo 639._ do Regulamento das Alfândegas, passa a ser devida a taxa de fazendas demoradas de 5%. Tal como acima salientei, para ser conforme ao direito comunitário, a taxa deve respeitar determinados princípios. Para o presente efeito, darei por assente que a taxa é proporcionada e que é aplicada em condições análogas às existentes no direito nacional para infracções da mesma natureza e gravidade, uma vez que a questão de possível violação dos direitos de defesa do importador apenas se coloca se for esse o caso. Presumindo que assim é, a aplicação da taxa de fazendas demoradas é efectivamente automática, tal como alega a República Portuguesa, no sentido de que a sua aplicação não depende do exercício de um juízo ou de um poder de apreciação. Assim sendo, não entendo que a imposição da taxa seja uma «decisão» nos termos do direito comunitário.

57 O acto de notificar o importador de que incorre na taxa de fazendas demoradas não exigiria fundamentação detalhada. Tal como expuseram o recorrente e os intervenientes nas suas observações escritas, o valor da taxa é sempre fixado ad valorem em 5% do valor das mercadorias, o qual pode ser declarado de forma simples.

58 Uma vez que não entendo que tenha sido tomada qualquer «decisão» no caso presente, as autoridades não estavam obrigadas a notificar o recorrente ou a referir a possibilidade de recurso ao abrigo do artigo 243._ do Código Aduaneiro. Contudo, o recorrente mantém a possibilidade de contestar a imposição da taxa de fazendas demoradas no seu caso concreto. Pode, por exemplo, invocar erro das autoridades ou, como no caso presente, contestar a proporcionalidade da taxa. No caso presente, afigura-se que, ao recorrer para o Tribunal Fiscal Aduaneiro, o recorrente demonstrou que, mesmo não sendo aplicáveis os artigos 6._, n._ 3, e 243._ do Código, o importador não fica privado do direito a uma decisão judicial sobre a validade da imposição da taxa de fazendas demoradas.

59 Contudo, parece-me adequado dar dois exemplos de situações em que entendo que teria sido tomada uma «decisão» na acepção do artigo 4._, n._ 5, do Código Aduaneiro, e em que, portanto, o artigo 6._, n._ 3, teria aplicação. Em primeiro lugar, não há dúvida de que, quando, nos termos do artigo 49._ da Código, uma autoridade aduaneira decide fixar um período mais curto para atribuição de um destino aduaneiro ou decide não prorrogar o limite do prazo quando isso tiver sido requerido, exerce um poder de apreciação e, logo, toma uma «decisão». Em segundo lugar, entendo que, quando se processa a venda forçada das mercadorias do importador nos termos do artigo 638._ do Regulamento das Alfândegas português, isso constitui igualmente uma decisão. A venda nos termos do artigo 638._ tem por base o artigo 53._ do Código, nos termos do qual não é, contudo, obrigatória. Basear-se na opção contida no artigo 53._ implica o exercício de um poder de apreciação ou um juízo por parte das autoridades aduaneiras. Estas terão, em particular, de considerar que essa venda das mercadorias, e não qualquer outra solução, é necessária. Acresce que, embora tal venda seja certamente admissível, em princípio, nos termos do artigo 53._, constitui, na realidade, uma ofensa do direito de propriedade do importador, particularmente se se considerar que, sob determinadas condições enumeradas no artigo 675._ do Regulamento das Alfândegas português, o Estado-Membro se pode apropriar do produto da venda. O direito fundamental da propriedade do importador deve ser respeitado (23). Em consequência, entendo que os importadores cujas mercadorias vão ser postas em venda devem, logo que possível e com tempo suficiente, ser notificados da «decisão». A menos que sejam dessa forma notificados, o seu direito de propriedade será violado sem possibilidade de exercerem a faculdade de pagamento da taxa de fazendas demoradas prevista no artigo 639._ do Regulamento das Alfândegas português.

(c) Livre circulação de mercadorias

60 Na segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se a imposição da taxa de fazendas demoradas constitui um obstáculo à livre circulação de mercadorias.

61 A taxa de fazendas demoradas não é certamente uma medida de efeito equivalente a direitos aduaneiros prevista no artigo 25._ CE, na medida em que apenas se aplica a mercadorias oriundas do exterior da Comunidade (24).

62 Não obstante, o recorrente alega que a taxa é uma distorção do princípio do tratamento uniformizado por todos os Estados-Membros de mercadorias originárias de países terceiros. Alega que este princípio emerge da criação da união aduaneira prevista no artigo 23._ CE. O facto de ser calculado IVA sobre o valor da taxa confirma a sua verdadeira natureza de obstáculo à livre circulação de mercadorias.

63 A Comissão concorda em que, desde a criação da Pauta Aduaneira Comum, os Estados-Membros não podem introduzir unilateralmente novos direitos aduaneiros sobre mercadorias importadas de países terceiros nem aumentar os existentes (25). Contudo, observa também, no que concordo, que a taxa de fazendas demoradas não se aplica indiscriminadamente a todos os importadores, mas só àqueles que não cumpriram os prazos de atribuição de destino aduaneiro. Assim, a taxa não é um obstáculo à livre circulação de mercadorias (26).

(d) IVA

64 Na quinta e sétima questões, o órgão jurisdicional nacional pergunta se as autoridades aduaneiras podem tributar em IVA o montante da taxa de fazendas demoradas.

65 O recorrente, a República Portuguesa e a Comissão concordam todos no sentido de que a taxa de fazendas demoradas é uma sanção administrativa processual que não deve estar sujeita a IVA. Concordo com esta análise na medida em que, ao impor a taxa, a autoridade aduaneira está a actuar como «autoridade pública» pelo que não é, nos termos do artigo 4._ da Sexta Directiva IVA, «sujeito passivo». Por conseguinte, não é devido IVA (27).

66 A Comissão tem razão ao afirmar que não pode surgir distorção da concorrência do facto de as autoridades aduaneiras exercerem este poder punitivo. As autoridades não têm potenciais concorrentes neste domínio, pelo que o importante princípio da neutralidade do IVA não pode ser violado.

67 Se, pelo contrário, as autoridades aduaneiras prestassem um serviço de armazenagem, este poderia estar sujeito a IVA. A armazenagem é enunciada no ponto 9 do Anexo D da Sexta Directiva IVA pelo que, de acordo com o terceiro parágrafo do artigo 5._, n._ 4, estas autoridades seriam «sujeitos passivos» uma vez que os serviços que prestam não são «insignificantes».

V - Conclusão

68 Em face do exposto e em minha opinião deverá responder-se às questões submetidas pelo Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto da seguinte forma:

- O direito comunitário não se opõe a que a autoridade aduaneira competente exija o pagamento de uma sanção, fixada ad valorem em 5% do valor aduaneiro das mercadorias, ao aceitar a declaração para introdução em livre prática depois de expirados os prazos previstos no artigo 49._ do Regulamento (CEE) n._ 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, desde que o valor dessa sanção seja fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade e em condições análogas às aplicáveis no direito nacional a infracções da mesma natureza e gravidade. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se a sanção em causa nos autos principais está em conformidade com esses princípios.

- Quando o importador fica sujeito à sanção por efectuar a declaração para introdução em livre prática depois de expirados os prazos previstos no artigo 49._ do Regulamento n._ 2913/92, não é tomada pelas autoridades aduaneiras qualquer «decisão» na acepção do artigo 4._, n._ 5, do mesmo regulamento, não sendo aplicáveis o artigo 6._, n._ 3, nem o artigo 243._ desse regulamento.

- A sanção por se efectuar a declaração para introdução em livre prática depois de expirados os prazos previstos no artigo 49._ do Regulamento n._ 2913/92 não constitui um obstáculo à livre circulação de mercadorias.

- A sanção por se efectuar a declaração para introdução em livre prática depois de expirados os prazos previstos no artigo 49._ do Regulamento n._ 2913/92 é uma sanção administrativa processual não estando, assim, sujeita a IVA nos termos da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.

(1) - JO L 302, p. 1.

(2) - JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(3) - Acórdão de 26 de Outubro de 1995, Siesse/Director da Alfândega de Alcântara (a seguir «Siesse»), (Processo C-36/94, Colect., p. I-3573).

(4) - A Secretaria do Tribunal de Justiça foi informada de que o Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto foi extinto na sequência da publicação do Decreto-Lei n._ 301-A/99, de 5 de Agosto de 1999, e de que o presente processo foi transferido para o Tribunal Tributário de Primeira Instância do Porto.

(5) - Já referido na nota 3, supra.

(6) - Acórdão Siesse, já referido na nota 3 supra.

(7) - Acórdão do Tribunal Constitucional de 29 de Junho de 1999, Siesse, 940/88.

(8) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 1997, Ebony Maritime and Loten Navigation/Prefetto della Provincia di Brindisi e o. (C-177/95, Colect., p. I-1111).

(9) - Acórdão de 26 de Novembro de 1985, Miro (182/84, Recueil, p. 3731, n._ 14).

(10) - V. as minhas Conclusões de 29 de Junho de 2000 no processo C-217/99, Comissão/Bélgica, n._ 35, e a análise contida na nota 18 infra.

(11) - JO L 367, p. 1. Este regulamento é, em todos os sentidos relevantes para o presente processo, idêntico ao Código Aduaneiro.

(12) - Acórdão Siesse, já referido na nota 3 supra, n._ 12.

(13) - Ibidem, n.os 20 e 24.

(14) - N.os 20 e 24.

(15) - N._ 25.

(16) - N._ 23.

(17) - N._ 27 das conclusões do advogado-geral Elmer.

(18) - Acórdão de 29 de Setembro de 1998, The Queen/Intervention Board for Agricultural Produce, ex parte First City Trading e.o. (C-263/97, Colect., p. I-5547, n._ 41). V., também, n._ 29 nas minhas conclusões nesse mesmo processo e as conclusões do advogado-geral Jacobs de 16 de Março de 2000, Comissão/Bélgica (C-236/99, n.os 15 a 33).

(19) - Acórdão de 13 de Julho de 1989, Wachauf/Bundesamt für Ernharung und Forstwirtschft (5/88, Colect., p. 2609, n._ 19).

(20) - Ibidem, n._ 20.

(21) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1974, Transocean Marine Paint Association/Comissão (17/74, Colect., p. 463, n._ 15), e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Fevereiro de 2000, The Procter & Gamble Company/Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), (T-122/99, Colect., p. II-0000, n._ 42).

(22) - Acórdão de 4 de Julho de 1963, Alemanha/Comissão (24/62, Recueil, p. 129, n._ 69; Colect. 1962-1964, p. 251).

(23) - Acórdão de 13 de Dezembro de 1979, Hauer/Land Rheinland-Pfalz (44/79, Recueil, p. 3727, n._ 17).

(24) - Acórdão Siesse, já referido na nota 3, supra, n._ 17.

(25) - Ibidem, n._ 17, e acórdão de 13 de Dezembro de 1973, Diamantarbeiders/Indiamex (37/73 e 38/73, Colect., p. 633, n._ 22).

(26) - Ibidem, n._ 18.

(27) - Acórdão de 25 de Julho de 1991, Ayuntamiento de Sevilla (C-202/90, Colect., p. I-4247, n._ 18).