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Advertência jurídica importante

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61999C0267

Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 29 de Março de 2001. - Christiane Adam, de casada Urbing contra Administration de l'enregistrement et des domaines. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal d'arrondissement de Luxemburgo - Grão-Ducado do Luxemburgo. - Sexta Directiva IVA - Conceito de profissão liberal - Administrador de condomínio de imóveis. - Processo C-267/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-07467


Conclusões do Advogado-Geral


1 Por decisão de 15 de Julho de 1999 o Tribunal d'arrondissement (Luxemburgo) (a seguir «Tribunal d'arrondissement») colocou ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais relativas à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (1) (a seguir «Sexta Directiva»). Em especial, o Tribunal d'arrondissement pede ao Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre o conceito de profissão liberal constante do anexo F, ponto 2, da Sexta Directiva, nomeadamente a fim de saber se o mesmo abrange a actividade dos administradores de condomínio e se deste modo se pode aplicar a esta actividade a taxa reduzida de IVA prevista pela legislação luxemburguesa para as profissões liberais.

Enquadramento normativo de referência

Legislação comunitária

2 No que se refere à legislação comunitária, é aqui relevante, como já foi referido, a Sexta Directiva. No âmbito desta há que distinguir, pelas razões a seguir claramente enunciadas:

- por um lado, a disciplina relativa à redução das taxas de IVA, na base da legislação luxemburguesa sobre as taxas aplicáveis aos profissionais liberais;

- por outro, a disciplina relativa às isenções de IVA, de que consta a referência às profissões liberais, que constitui o objecto do presente reenvio prejudicial.

A disciplina relativa à redução das taxas de IVA constante dos artigos 12._, n.os 3 e 4, e 28._, n._ 2, alínea e), da Sexta Directiva

3 Inicialmente, o artigo 12._, n._ 4, da Sexta Directiva previa a faculdade de os Estados-Membros sujeitarem certas entregas de bens e prestações de serviços a taxas reduzidas de IVA. Só lhes era imposta a obrigação de fixarem a taxa «de tal modo que o montante do imposto sobre o valor acrescentado resultante da aplicação dessas taxas permit[isse] normalmente deduzir a totalidade do imposto sobre o valor acrescentado, que [fosse] dedutível nos termos do artigo 17._».

4 Posteriormente, essa situação foi em parte modificada pela Directiva 92/77/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e que altera a Directiva 77/388 (a seguir «Directiva 92/77») (2). O artigo 12._, n._ 3, alínea a), da Sexta Directiva - na redacção dada pelo artigo 1._, ponto 1, da Directiva 92/77 - prevê actualmente que «os Estados-Membros podem também optar entre uma ou duas taxas reduzidas, aplicáveis apenas às categorias de bens e serviços especificados no anexo H e que não podem ser inferiores a 5%» (entre os quais, na medida em que tal seja aqui relevante, não figuram as prestações dos profissionais liberais). O artigo 28._ (intitulado «Disposições transitórias»), n._ 2, alínea e), da Sexta Directiva - na redacção dada pelo artigo 1._, ponto 4, da Directiva 92/77 - estabelece além disso que os «Estados-Membros que, em 1 de Janeiro de 1991, aplicavam uma taxa reduzida a bens e serviços não contemplados no anexo H poderão aplicar a taxa reduzida, ou uma das duas taxas reduzidas previstas no n._ 3 do artigo 12._, a esses bens e serviços, desde que a taxa não seja inferior a 12%».

A disciplina relativa às isenções de IVA constante do artigo 28._, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva

5 O artigo 28._, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva dispõe que os Estados-Membros podem «continuar a isentar as operações enumeradas no anexo F, nas condições em vigor no Estado-Membro». Nessas operações, o ponto 2 do anexo F inclui:

«Prestações de serviços dos autores, artistas e intérpretes de obras de arte, advogados e outros membros de profissões liberais, com excepção das profissões médicas e paramédicas, desde que não se trate das prestações referidas no anexo B da Segunda Directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967» (o sublinhado é nosso).

Legislação luxemburguesa em matéria de taxas de IVA

6 O legislador luxemburguês optou por não recorrer à possibilidade de aplicar o artigo 28._, n._ 3, alínea b), da Sexta Directiva para isentar de IVA as operações que acabei de referir. Em contrapartida, fez uso da faculdade de fixar taxas reduzidas, conforme permitido pelos artigos 12._, n.os 3 e 4, e 28._, n._ 2, alínea e), da Sexta Directiva.

7 Segundo resulta da decisão de reenvio, o artigo 40._, n._ 4, alínea b), da Lei luxemburguesa de 12 de Fevereiro de 1979 relativa ao IVA previa que aos serviços abrangidos pelo exercício de uma profissão liberal fosse aplicada uma taxa reduzida de 6% (em vez da taxa normal de 15%), dentro dos limites e nas condições estabelecidas por regulamento grão-ducal.

8 Na decisão de reenvio é igualmente assinalado que o artigo 4._ do Regulamento grão-ducal de 7 de Março de 1980, que estabelece os limites e as condições de aplicação da taxa reduzida para efeitos do disposto no referido artigo 40._ da Lei de 12 de Fevereiro de 1979, incluiu no conceito de profissão liberal as actividades de procurador, advogado, notário, oficial de diligências, administrador de bens, engenheiro, arquitecto, mediador, verificador, técnico, químico, inventor, perito, revisor oficial de contas, veterinário, jornalista, repórter fotográfico, intérprete, tradutor e outras actividades análogas.

9 O artigo 40._ da lei sobre o IVA foi posteriormente alterado pelo artigo 8._ da Lei orçamental de 20 de Dezembro de 1991, que fixou, a partir de 1993, uma taxa intermédia de 12% para as actividades que caiam no âmbito do exercício de uma profissão liberal; a respeito de tais actividades, um novo Regulamento grão-ducal de 21 de Dezembro de 1991 reproduziu a lista não exaustiva prevista no referido regulamento de 7 de Março de 1980. Segundo as informações fornecidas pela Comissão, tal alteração da taxa estaria relacionada com a adopção, a nível comunitário, da Directiva 92/77, atrás referida.

A actividade de administrador de condomínio no Grão-Ducado do Luxemburgo

10 Conforme igualmente assinalado na decisão de reenvio, na acepção da Lei de 16 de Maio de 1975 sobre o estatuto do condomínio dos imóveis, os co-proprietários de um imóvel ou de um grupo de imóveis estão obrigatoriamente agrupados num condomínio dotado de personalidade jurídica.

11 Segundo as disposições do Regulamento grão-ducal de 13 de Junho de 1975, que estabelece as medidas de execução da lei relativa à compropriedade, o administrador do condomínio é, geralmente, designado pela assembleia geral de condóminos e as suas funções podem ser assumidas por qualquer pessoa singular ou colectiva. O administrador está encarregado de garantir a execução das disposições do regulamento do condomínio e das deliberações da assembleia geral; administra o imóvel; ocupa-se da conservação e manutenção do mesmo; em caso de urgência, manda proceder por sua própria iniciativa à execução de quaisquer trabalhos necessários à preservação do imóvel; representa nos termos da lei, com prévia autorização da assembleia, o condomínio nos actos civis e em juízo.

Matéria de facto e questões prejudiciais

12 Christiane Adam exerce a actividade de administradora de condomínio no Luxemburgo. Nas declarações de IVA relativas a tal actividade para os exercícios de 1991-1994 aplicou a taxa prevista pela legislação luxemburguesa para as profissões liberais, entre as quais se deve incluir, em sua opinião, a actividade em questão.

13 Não foi no entanto essa a opinião da Administration de l'enregistrement et des domaines, que emitiu os respectivos avisos de rectificação para impor o pagamento da taxa normal de 15%. De nada valeram as reclamações apresentadas por C. Adam contra tais avisos, porque o director da Administration de l'enregistrement et des domaines indeferiu as mesmas por decisões de 11 e de 15 de Novembro de 1996.

14 C. Adam interpôs então recurso das decisões da Administration de l'enregistrement et des domaines no Tribunal d'arrondissement de Luxembourg alegando que a sua actividade tinha natureza de profissão liberal e que tal qualificação implicava, na acepção da legislação fiscal luxemburguesa, a aplicação de uma taxa reduzida de IVA de 6% para os anos de 1991-1992 e de uma taxa intermédia de 12% para os anos de 1993-1994, em vez da taxa normal de 15%.

15 Ao examinar a questão, o juiz a quo observou antes de mais que a legislação luxemburguesa relativa ao IVA, embora indique uma lista de actividades que cabem no conceito de profissão liberal, não dá uma definição de tal conceito. Todavia, afirmando que a referida legislação transpõe as directivas comunitárias sobre o IVA, o Tribunal d'arrondissement deduziu que a «legislação luxemburguesa relativa à taxa aplicável à actividade das profissões liberais deve ser interpretada em conformidade com as disposições comunitárias em matéria de IVA».

16 Mais especialmente, observou que de acordo com a Sexta Directiva a taxa «normal» de IVA é estabelecida por cada Estado-Membro e que o artigo 12._ da Sexta Directiva permite aos Estados-Membros estabelecerem taxas reduzidas ou agravadas para determinadas prestações, e, por fim, que as disposições transitórias do artigo 28._, n._ 3, da directiva permitem aos Estados-Membros continuar a isentar de IVA determinadas operações enumeradas no anexo F, entre as quais, precisamente, as dos «membros das profissões liberais».

17 Partindo desta última afirmação, o Tribunal d'arrondissement decidiu submeter ao Tribunal de Justiça, ex artigo 234._ CE, as seguintes questões prejudiciais:

«1) O conceito de profissão liberal a que se refere o anexo F, ponto 2, da Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, constitui um conceito autónomo de direito comunitário?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2) O conceito de profissão liberal abrange a actividade profissional do administrador de condomínio de imóveis?»

Posições das partes

18 Além das partes no processo principal, apresentaram observações ao Tribunal de Justiça o Governo dinamarquês e a Comissão. As suas conclusões podem ser resumidas da seguinte forma.

19 Tanto a Administration de l'enregistrement et des domaines como a Comissão sublinharam que a disposição comunitária cuja interpretação é solicitada não é aqui aplicável, dado que a legislação nacional em causa diz respeito redução das taxas de IVA para os profissionais liberais, prevista nos artigos 12._, n.os 3 e 4, e 28._, n._ 2, alínea e), da Sexta Directiva, e não às isenções de IVA, referidas no artigo 28._, n._ 3, alínea b), e no anexo F da própria directiva, evocado na primeira questão. Enquanto a Administration de l'enregistrement et des domaines daí deduz a incompetência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre as questões prejudiciais que lhe foram submetidas (e só subsidiariamente sugere uma resposta negativa para ambas), a Comissão propõe que se responda igualmente às questões do juiz a quo, ainda que apenas para precisar que a determinação das operações sujeitas a taxa reduzida é da competência dos Estados-Membros, apenas se impondo que seja respeitado o princípio da neutralidade do IVA.

20 Por seu lado, C. Adam alega que o Tribunal de Justiça é competente, porque a legislação em matéria de IVA é «eminentemente comunitária». Quanto ao mérito da questão, afirma que a actividade de administrador de condomínio deve ser qualificada de profissão liberal.

21 Por fim, o Governo dinamarquês, sem abordar a questão da competência do Tribunal de Justiça, propõe que se responda à primeira questão no sentido de que o conceito de profissão liberal constante do anexo F, ponto 2, da Sexta Directiva é um conceito de direito comunitário, que deve, todavia, ser definido à luz do direito nacional dos Estados-Membros. Por conseguinte, aquele governo não considera necessário responder à segunda questão, embora afirme, a título subsidiário, que a mesma deve ser resolvida em sentido afirmativo.

Análise jurídica

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

22 Como resulta também da discussão entre as partes, parece-me que no presente processo se coloca antes de mais a questão da existência das condições para um reenvio prejudicial nos termos do artigo 234._ CE. Assim, antes de mais, há que verificar se a disposição comunitária (o anexo F, ponto 2, da Sexta Directiva) cuja interpretação é solicitada é relevante para a resolução do litígio no processo principal e se deste modo a intervenção do Tribunal de Justiça, conforme exigido pelo artigo 234._ CE, é necessária para a decisão do juiz a quo.

23 Nesta matéria, como é sabido, é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, em princípio, «compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça» (3).

24 É também sabido, por outro lado, que o Tribunal de Justiça se reserva uma margem de apreciação dos juízos tecidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, afastando até, eventualmente, a admissibilidade do reenvio. Em especial, em várias ocasiões o Tribunal de Justiça «considerou não poder pronunciar-se sobre uma questão prejudicial colocada por um órgão jurisdicional nacional quando é manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra comunitária, solicitadas pela jurisdição nacional, não têm qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, [ou] ainda quando o problema é hipotético» (4). Deste modo, «se se concluir que a questão submetida não é manifestamente pertinente para a solução do litígio, o Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se sobre as questões prejudiciais» (5). Por esta razão, nomeadamente, o Tribunal de Justiça julgou-se incompetente na hipótese de «ser manifesto que [o] direito comunitário[...] não pode aplicar-se, nem directa nem indirectamente, às circunstâncias do caso concreto» (6).

25 Ora, parece-me ser de difícil contestação que no presente caso a disposição comunitária cuja interpretação é solicitada não é aplicável ao processo principal, como sustentado pela Administration de l'enregistrement et des domaines e pela Comissão, e de resto as outras partes não o contestam. Com efeito, como se viu atrás, a legislação luxemburguesa em causa diz respeito à fixação de uma taxa reduzida de IVA para as profissões liberais; não diz, de facto, respeito às isenções de IVA na acepção do artigo 28._, n._ 3, alínea b), e do anexo F, ponto 2, da Sexta Directiva.

26 De resto, o próprio juiz nacional parece estar bem consciente de tal, já que na decisão de reenvio, correctamente, manteve distinta a disciplina relativa às taxas reduzidas (que no caso concreto serve de pressuposto à legislação luxemburguesa em causa) da relativa às isenções de IVA. No entanto, como já foi dito, o Tribunal d'arrondissement atribui importância decisiva ao facto de que «a legislação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado transpõe directivas comunitárias na matéria». Em especial, parece ser determinante o facto de que a disciplina comunitária sobre as isenções de IVA, embora não sendo aqui aplicável, faz referência ao conceito de profissões liberais à semelhança da legislação nacional em causa no processo principal; e que, ainda que de todo independentes entre si, ambas as normas respeitam ao IVA. Daqui resulta, segundo o Tribunal d'arrondissement, a necessidade de interpretar a «legislação luxemburguesa relativa à taxa aplicável à actividade das profissões liberais[...] em conformidade com as disposições comunitárias em matéria de IVA».

27 Embora seja de apreciar a preocupação do juiz luxemburguês de basear a sua própria decisão no direito comunitário e nos seus conceitos, devo dizer que a ligação entre a questão discutida no processo principal e a norma comunitária cuja interpretação é solicitada parece-me bastante forçada e assim demasiado fraca para daí se inferir a pertinência das questões prejudiciais e, deste modo, a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre as mesmas.

28 Antes de mais, devo assinalar novamente que, embora inserida na directiva, a disposição comunitária cuja interpretação é solicitada é completamente distinta das que são relevantes para efeitos do processo pendente no órgão jurisdicional nacional. Em segundo lugar, embora seja verdade que os artigos 12._, n.os 3 e 4, e 28._, n._ 2, alínea e), da Sexta Directiva permitem aos Estados-Membros a aplicação de taxas reduzidas a determinadas actividades, é também incontestável que a decisão de fazer uso dessa faculdade é da competência dos Estados-Membros e que para a definição de quais as actividades os mesmos não são de facto obrigados a reportar-se à lista prevista no anexo F da Sexta Directiva, relativo à isenção de IVA. Não se verifica assim, aqui, qualquer possibilidade de estabelecer uma ligação interpretativa entre as disposições nacionais sobre as actividades sujeitas a uma taxa reduzida e as da Sexta Directiva relativas às operações que podem ser alvo de isenção. Evidentemente que tal ligação também não se pode basear na circunstância genérica, e direi, quase fortuita, de a disposição nacional e a comunitária dizerem ambas respeito ao IVA.

29 Atendendo ao que já foi dito, parece-me que no presente caso nem sequer se pode pôr a hipótese, como talvez se pudesse fazer lendo nas entrelinhas da decisão de reenvio, de uma espécie de remissão indirecta para a legislação comunitária (no presente caso, o anexo F da Sexta Directiva) por parte das disposições em causa. Ou seja, pretendo dizer que no caso sub judice não se pode invocar a conhecida jurisprudência Dzozi (7), segundo a qual «[não] resulta nem dos termos do artigo 177._ nem do objecto do processo instituído por esse artigo que os autores do Tratado tenham entendido excluir da competência do Tribunal de Justiça os reenvios prejudiciais que se referem a uma disposição comunitária no caso particular em que o direito nacional de um Estado-Membro remete para o conteúdo dessa disposição para determinar as regras aplicáveis a uma situação puramente interna desse Estado» (8).

30 De facto, abstraindo aqui da perplexidade que poderia suscitar esta jurisprudência (9), parece-me de excluir que esta possa ser invocada a respeito de situações como a que está aqui em exame. Tal é claro se se tomar como referência o acórdão Kleinwort/Benson (10), em que o Tribunal de Justiça se declarou incompetente para interpretar uma norma da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na medida em que se tratava no caso concreto de «permitir ao tribunal a quo decidir sobre a aplicação, não da própria Convenção, mas do direito nacional do Estado contratante a que pertence aquele órgão jurisdicional» (11). Tal conclusão, além de se fundar no carácter não vinculativo da interpretação pedida ao Tribunal de Justiça, fundava-se também em especial no facto de que as disposições da Convenção tinham sido tomadas como modelo e só tinham sido parcialmente reproduzidas no ordenamento do Estado interessado, não tendo sido objecto de uma «devolução directa e incondicional para o direito comunitário», através da qual este passaria a ser aplicável na ordem jurídica interna, ainda que fora do campo de aplicação da própria Convenção (12).

31 Os acórdãos posteriores, Leur-Bloem (13) e Giloy (14), também conduzem a conclusões semelhantes, embora nestes acórdãos o Tribunal de Justiça se tenha declarado competente. No primeiro, o Tribunal de Justiça declarou ser «competente, nos termos do artigo 177._ do Tratado, para interpretar o direito comunitário quando este não rege directamente a situação em causa, mas o legislador nacional decidiu, aquando da transposição para o direito nacional das disposições de uma directiva, aplicar às situações puramente internas o mesmo tratamento que às que se regem pela directiva, de modo que alinhou a sua legislação interna pelo direito comunitário» (15). Neste caso, com efeito, o Tribunal de Justiça é competente na medida em que o legislador nacional, chamado a transpor para direito interno determinada regulamentação comunitária tornou a mesma, intencional e plenamente, extensiva a situações puramente internas.

32 No acórdão Giloy, o Tribunal de Justiça precisou pelo contrário que «quando uma legislação nacional está em conformidade, para as soluções que dá a uma situação interna, com as soluções dadas pelo direito comunitário, a fim de assegurar um processo único em situações comparáveis, existe um verdadeiro interesse comunitário em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou noções que extraiu do direito comunitário sejam interpretadas de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devam aplicar» (16). Mais especificamente, o Tribunal de Justiça declarou-se competente no caso em que «as disposições em causa do direito nacional se aplicam indistintamente - e, por vezes, mesmo simultaneamente - a situações que relevam, por um lado, do direito nacional, e, por outro, do direito comunitário», com a consequência de que «o direito nacional impõe que as disposições nacionais em causa sejam sempre aplicadas em conformidade» com as normas comunitárias pertinentes (17). Neste caso, a competência do Tribunal de Justiça deriva do facto de que o direito nacional exige que se apliquem a determinadas situações internas a disciplina exigida por normas comunitárias.

33 Distinta é a situação no caso sub judice. De facto, como se viu:

- a disposição luxemburguesa sobre a aplicação de uma taxa reduzida às actividades abrangidas pelo exercício de uma profissão liberal foi adoptada autonomamente pelas autoridades do referido país, e não para transpor para o ordenamento interno uma disposição comunitária específica. Para definir as actividades sujeitas a uma tarifa reduzida, essas autoridades não estavam de facto obrigadas a fazer referência a disposições comunitárias, como as previstas no artigo 28._, n._ 3, e no anexo F da Sexta Directiva;

- para determinar as prestações sujeitas a uma taxa reduzida, a legislação luxemburguesa não remeteu, nem directa nem indirectamente, para a legislação comunitária, que não se tornou assim aplicável no ordenamento nacional. Por outro lado, nem ao definir as prestações sujeitas a uma taxa reduzida, o legislador luxemburguês tomou como modelo a disposição da Sexta Directiva sobre a isenção de IVA;

- a mera circunstância de a referência às profissões liberais figurar quer na lista relativa às actividades isentas de IVA, prevista no anexo F da Sexta Directiva, quer na relativa às actividades sujeitas a uma taxa reduzida prevista no artigo 40._ da lei luxemburguesa não quer certamente dizer que esta última tenha pretendido reproduzir, nem mesmo parcialmente, a formulação de uma norma comunitária.

34 Em suma, parece-me que, na situação em exame, uma eventual decisão do Tribunal de Justiça correria o risco de ser meramente hipotética ou abstracta, porque totalmente alheia ao contexto factual e normativo do processo principal. A definição do conceito de profissão liberal constante do anexo F da Sexta Directiva deve pelo contrário ser feita, conforme princípios de interpretação assentes, à luz do conteúdo e da finalidade da norma em que se insere tal conceito; o mesmo não pode ser automaticamente transposto para direito nacional e utilizado para definir um conceito análogo constante de uma norma de conteúdo e finalidade diversos (18).

35 À luz do que precede, penso poder concluir no sentido de que as questões prejudiciais colocadas pelo Tribunal d'arrondissement de Luxembourg não são pertinentes para a resolução do litígio principal e que não estão portanto reunidas as condições previstas no artigo 234._ CE para que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a interpretação do conceito de profissões liberais constante do anexo F, ponto 2, da Sexta Directiva.

Quanto ao mérito das questões

36 Se por acaso o Tribunal julgar que é competente e vier a pronunciar-se sobre as questões colocadas pelo Tribunal d'arrondissement de Luxembourg, creio que a resposta a tais questões se encontra nas considerações anteriormente tecidas e que conduzem às conclusões sugeridas pela Comissão. Por outras palavras, considero que se deve responder ao juiz a quo que o artigo 28._, n._ 3, e o anexo F da Sexta Directiva dizem respeito às operações susceptíveis de ser isentas de IVA e não àquelas, como as operações objecto do litígio principal, sujeitas a uma taxa reduzida de IVA e que, assim, a definição das mesmas, incluindo o conceito de «profissões liberais», é uma questão que não é pertinente em termos de direito comunitário, sendo da competência dos Estados-Membros.

Conclusões

37 Com base nas considerações anteriores, proponho portanto que o Tribunal de Justiça declare que não é competente para se pronunciar sobre as questões prejudiciais colocadas pelo Tribunal d'arrondissement de Luxembourg. De qualquer forma, o artigo 28._, n._ 3, e o anexo F da Sexta Directiva respeitam às operações susceptíveis de ser isentas de IVA e não àquelas, como as operações objecto do litígio principal, sujeitas a uma taxa reduzida de IVA e que, assim, a definição das mesmas, incluindo o conceito de «profissões liberais», é uma questão que não é pertinente em termos de direito comunitário, sendo da competência dos Estados-Membros.

(1) - JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(2) - JO L 316, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(3) - Acórdão de 13 de Julho de 2000, Idéal Tourisme (C-36/99, Colect., p. I-6049, n._ 20). No mesmo sentido, v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Junho de 1999, Tarantik (C-421/97, Colect., p. I-3633, n._ 33), e de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C-415/93, Colect., p. I-4921, n._ 59).

(4) - Acórdão Idéal Tourisme, já referido, n._ 20. V., igualmente, acórdãos de 9 de Março de 2000, EKW e Wein & Co. (C-437/97, Colect., p. I-1157, n._ 52); Bosman, já referido, n._ 61; de 16 de Julho de 1992, Lourenço Dias (C-343/90, Colect., p. I-4673, n.os 17 e 18); e de 16 de Julho de 1992, Meilicke (C-83/91, Colect., p. I-4871, n._ 25).

(5) - Acórdão Lourenço Dias, já referido, n._ 20.

(6) - Acórdãos de 17 de Julho de 1997, Leur-Bloem (C-28/95, Colect., p. I-4161, n._ 26), e Giloy (C-130/95, Colect., p. I-4291, n._ 22).

(7) - Acórdão de 18 de Outubro de 1990 (C-297/88 e C-197/89, Colect., p. I-3763).

(8) - N._ 36.

(9) - V., a este respeito, as conclusões do advogado-geral G. Tesauro no processo Kleinwort/Benson (C-346/93, Colect. 1995, p. I-615, n.os 24 e 25), e do advogado-geral F. G. Jacobs nos processos Leur-Bloem e Giloy, já referidos, n.os 75-81.

(10) - Processo C-346/93, já referido.

(11) - N._ 14.

(12) - N.os 16 e 19.

(13) - Processo C-28/95, já referido.

(14) - Processo C-130/95, já referido.

(15) - N._ 34.

(16) - N._ 28.

(17) - N._ 27.

(18) - V., nomeadamente, acórdãos de 31 de Março de 1992, Hamlin Electronics (C-338/90, Colect., p. I-2333, n._ 12), e de 1 de Junho de 1995, Analog Devices (C-467/93, Colect., p. I-1403, n._ 8). Em especial, o Tribunal afirmou reiteradamente que duas expressões idênticas inseridas em normas diferentes com uma ratio diversa podem ter uma interpretação diferente: v., por exemplo, o conhecido parecer 1/91, relativo ao primeiro projecto de acordo EEE, em que se precisou que «a identidade dos termos das disposições do acordo e das disposições comunitárias correspondentes não significa que devam necessariamente ser interpretadas de modo idêntico» (parecer 1/91, de 14 de Dezembro de 1991, Colect., p. I-6079, n._ 14).