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Advertência jurídica importante

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61999C0322

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 14 de Dezembro de 2000. - Finanzamt Burgdorf contra Hans-Georg Fischer e Finanzamt Düsseldorf-Mettmann contra Klaus Brandenstein. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha. - Sexta Directiva IVA - Artigos 5.º, n.º 6, e 11.º, A, n.º 1, alínea b) - Afectação de bens da própria empresa a uso privado - Tributação caso o bem ou elementos que o compõem tenham beneficiado de dedução do IVA a montante - Noção de elementos que compõem o bem objecto da afectação. - Processos apensos C-322/99 e C-323/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-04049


Conclusões do Advogado-Geral


1. Nos presentes processos, o Bundesfinanzhof alemão (Tribunal Fiscal Federal) solicita ao Tribunal de Justiça uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do n.° 6 do artigo 5.° , da alínea e) do n.° 7 do artigo 5.° , da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° e da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Sexta Directiva IVA .

2. Nos termos do n.° 6 do artigo 5.° da directiva, deve ser pago IVA na afectação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado. A exigibilidade do imposto está, no entanto, sujeita à condição de «sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado».

3. Nos presentes processos está em causa o tratamento fiscal da afectação, por parte de um comerciante, de um automóvel para seu uso privado quando, embora tendo inicialmente adquirido o veículo sem direito a dedução de imposto, subsequentemente deduziu imposto nas despesas relacionadas com melhoramentos, manutenção ou uso do veículo em questão.

As disposições relevantes da directiva

4. O artigo 2.° da directiva sujeita a IVA entregas de bens ou prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

5. De acordo com o n.° 6 do artigo 5.° «é equiparada» a entrega efectuada a título oneroso:

«a afectação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado ou do seu pessoal, ou a disposição de bens a título gratuito, ou, em geral, a sua afectação a fins estranhos à empresa, sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado».

6. A alínea a) do n.° 2 do artigo 6.° contém uma norma semelhante:

«São equiparadas a prestações de serviços efectuadas a título oneroso:

a) A utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado;»

7. A alínea c) do n.° 7 do artigo 5.° permite aos Estados-Membros adoptar uma disposição legal suplementar.

«Os Estados-Membros podem equiparar a entrega efectuada a título oneroso:

c) [...] a detenção de bens por um sujeito passivo ou pelos titulares do direito, no caso de cessação da sua actividade económica tributável, sempre que tais bens tenham conferido direito à dedução total ou parcial aquando da respectiva aquisição [...]»

8. A alínea b) do n.° 1 da Parte A do artigo 11.° define a matéria colectável no caso das operações referidas nos n.os 6 e 7 do artigo 5.° Essa matéria colectável é constituída:

«... pelo preço de compra dos bens ou de bens similares, ou, na falta de preço de compra, pelo preço de custo, determinados no momento em que tais operações se efectuam;»

9. De acordo com a alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° , a dedução inicialmente operada é ajustada quando, posteriormente à declaração, se verificarem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções.

10. O objectivo do n.° 6 do artigo 5.° da directiva é o de assegurar a igualdade de tratamento entre um sujeito passivo que afectou bens da própria empresa para seu uso privado e um vulgar consumidor que adquiriu bens do mesmo tipo. Na prossecução daquele objectivo, esta disposição impede que um sujeito passivo que tenha deduzido IVA na compra de bens afectos ao uso da própria empresa se furte ao pagamento de IVA quando afecte esses bens para seu uso privado, desfrutando, por esse meio, de vantagens (resultantes do direito à dedução) para as quais ele não tem direito em comparação com um consumidor que compra bens e paga IVA por eles .

11. Decorre do sistema e do texto da directiva que o n.° 6 do artigo 5.° estabelece uma presunção de entrega de bens e respeita à saída definitiva de bens do património da empresa. A disposição paralela da alínea a) do n.° 2 do artigo 6.° cria, ao contrário, a presunção de uma prestação de serviços e respeita à utilização, para uso privado, de bens que continuam afectos à empresa .

Quadro legal alemão

12. O processo principal refere-se aos anos de 1991 e 1992 e é, como tal, regulado pela Umsatzsteuergesetz (lei alemã relativa ao imposto sobre o volume de negócios) de 1991. O ponto 2 do n.° 1 do artigo 1.° daquela lei sujeita a imposto o autoconsumo de bens e serviços (Eigenverbrauch). A alínea a) do ponto 2 do n.° 1 do artigo 1.° definiu como um dos casos de Eigenverbrauch a afectação (Entnahme) de bens empresariais para fins estranhos à empresa.

13. A legislação alemã aplicável era assim, no essencial, idêntica ao n.° 6 do artigo 5.° da directiva, com uma excepção: o n.° 6 do artigo 5.° sujeita a exigibilidade do imposto à condição de que «... relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado», enquanto a legislação alemã aplicável não continha tal condição.

14. Apesar dessa diferença, as autoridades alemãs aplicaram a condição em causa com base no efeito directo do n.° 6 do artigo 5.° -A, a título de exemplo, a transferência de um automóvel de empresa para uso privado, por exemplo, não era tributada quando o veículo tivesse sido adquirido a um particular sem dedução de imposto .

15. A este respeito surgiu a questão de saber se o n.° 6 do artigo 5.° permitia a tributação quando o comerciante em questão, após a aquisição inicial não dedutível, deduzia o imposto nas despesas relacionadas com melhoramentos, manutenção ou uso dos bens transferidos para uso privado. No centro dessa discussão estava o significado do conceito de «elementos que os compõem» do n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva.

16. Acerca desse assunto o Bundesministerium der Finanzen (Ministério Federal das Finanças) publicou em 13 de Maio de 1994 uma circular que rapidamente ficou conhecida como a circular do limpa pára-brisas (Scheibenwischererlass). A circular determinou os seguintes princípios: se o comerciante tinha direito a deduzir IVA, não quanto aos bens em si mesmos mas quanto aos elementos componentes adicionados depois, a transferência de bens para uso não empresarial está sujeita a IVA. Para simplificar, a transferência de bens para uso não empresarial pode não estar sujeita a IVA quando a despesa (líquida de IVA) em melhoramentos e reparações, manutenção e tratamento dos bens transferidos não exceda 20% do custo inicial de aquisição. Se essa despesa excede em 20% o custo inicial de aquisição, pode-se presumir sem mais verificações, que foram acrescentados aos bens elementos componentes. Como exemplos da despesa a ter em conta, a circular refere gastos com a inspecção de um veículo, com a lavagem, com a substituição da embraiagem e dos calços dos travões e com a aquisição de escovas de limpa pára-brisas novas .

17. O Bundesfinanzhof, ao contrário, considerou, numa sentença de 30 de Março de 1995 , que as despesas com a manutenção ou uso de bens que tenham dado origem a dedução não podem afectar a tributação da afectação a uso privado dos bens em si mesmos. Isto porque as despesas com a manutenção ou uso de bens não conduziam, em geral, à aquisição ou criação de «elementos componentes» de bens no sentido do n.° 6 do artigo 5.° da directiva. Nesta sentença o Bundesfinanzhof referiu-se amplamente à sentença do Tribunal de Justiça no acórdão Kühne . Nesse processo o Tribunal de Justiça determinou que não decorria da alínea a) do n.° 2 do artigo 6.° da Sexta Directiva a obrigação de tributar o uso privado, por um sujeito passivo, de um automóvel adquirido, em segunda mão, a um particular sem dedução de imposto, apesar do facto de o sujeito passivo ter deduzido imposto nos custos decorrentes da manutenção e uso dos bens. As normas tributárias aplicáveis à entrega de bens empresariais deviam ser distinguidas das relativas às despesas tributáveis respeitantes ao seu uso e manutenção.

O processo principal e as questões prejudiciais

Processo C-322/99

18. O Sr. Fischer dirigia uma empresa de comercialização de automóveis usados (carros antigos). Em 1989 adquiriu, para a sua empresa, um «RR Bentley» ao preço de 28 000 DEM, a um vendedor particular e, assim, sem possibilidade de dedução de imposto. Em 1990 procedeu à sua recuperação, efectuando importantes reparações na carroçaria e pintura, pelo que pagou 10 800 DEM, acrescidos de 1 512 DEM de IVA, tendo deduzido o IVA daquela factura. Em 31 de Dezembro de 1992, cessou a actividade e transferiu alguns dos carros antigos não vendidos, incluindo o «RR Bentley», para o seu património privado.

19. O Finanzamt Burgdorf (Repartição de Finanças de Burgdorf) decidiu que a transferência do Bentley era uma transferência de bens empresariais para uso privado, sujeita a imposto. Utilizou como base de cálculo o valor parcial (Teilwert) de 20 000 DEM e, em conformidade, liquidou IVA no valor de 2 800 DEM.

20. O Sr. Fischer, baseando-se no n.° 6 do artigo 5.° da directiva, apresentou uma reclamação e posteriormente uma impugnação judicial considerada procedente pelo Finanzgericht (jurisdição competente em matéria fiscal).

21. No seu recurso para o Bundesfinanzhof, o Finanzamt invocou a violação da alínea a) do ponto 2 do n.° 1 do artigo 1.° da Umsatzsteuergesetz de 1991, e, para isso, apoiou-se nos seguintes argumentos: segundo o n.° 6 do artigo 5.° da directiva, a transferência para uso privado pode ser tributável quando o imposto sobre o valor acrescentado sobre os bens em questão ou sobre os elementos componentes é total ou parcialmente dedutível. Mesmo que o Sr. Fischer não tenha deduzido imposto na compra do veículo, fê-lo quanto às importantes reparações e pintura levadas a cabo. De acordo com a jurisprudência do Bundesfinanzhof, despesas com a manutenção e uso de bens não significam «elementos componentes» no sentido do n.° 6 do artigo 5.° A suposição subjacente é que tal despesa é normalmente consumida durante o uso comercial dos bens e, por isso, não resulta em consumo final no momento da transferência para uso privado. Isto não acontece no caso de medidas que resultem num acréscimo duradouro do valor dos bens (e, assim, do seu valor quando transferidos para o uso privado). Devem ser tratados como elementos componentes dedutíveis que foram adicionados aos bens. Em tais casos, o sistema requer que a transferência de bens para uso privado seja sujeita a imposto a fim de evitar que o seu consumo final seja livre de imposto. No presente processo, os importantes trabalhos no veículo são equivalentes à subsequente aquisição e custos de fabrico e justificam, assim, a tributação da transferência do «RR Bentley» para o uso privado do Sr. Fischer.

22. O Bundesfinanzhof colocou as seguintes questões a título prejudicial:

«1) Os trabalhos de carroçaria e pintura efectuados (com dedução inicial de imposto) num automóvel de passageiros (adquirido sem direito a dedução do imposto) após a sua afectação a uso privado têm como efeito que,

a) o veículo deve ser considerado, nos termos do n.° 6 do artigo 5.° da [Sexta] Directiva, um bem sujeito a dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado, ou

b) devem os gastos posteriores àquela afectação ser considerados elementos que compõem o bem objecto da dedução do imposto?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: sobre que incide a tributação, no sentido do n.° 6 do artigo 5.° da directiva:

a) sobre o veículo, incluindo as prestações nele efectuadas (trabalhos de carroçaria e pintura) ou

b) apenas sobre as prestações efectuadas (trabalhos de carroçaria e pintura)?

3) Se a resposta à segunda questão for afirmativa: a matéria colectável, na acepção da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° da directiva, é o preço de compra do automóvel (ou de outro idêntico) acrescido do preço das reparações, fixado à data da afectação, ou apenas o preço das prestações do serviço de reparação (com dedução prévia de imposto)?

4) Como se conjugam os n.os 6 e 7, alínea c), do artigo 5.° da directiva?

5) Caso a resposta à primeira questão seja no sentido de que as prestações (trabalhos de carroçaria e pintura) efectuadas posteriormente (com dedução de imposto) não estão sujeitas a imposto pela afectação do bem (veículo), nos termos do n.° 6 do artigo 5.° da directiva: a dedução do imposto relativamente a estas prestações deve ser ajustada nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da directiva?»

Processo C-323/99

23. O Sr. Brandenstein é consultor e auditor fiscal por conta própria. Em 8 de Novembro de 1985, adquiriu um automóvel a um particular por 33 600 DEM. Não foi discriminado o IVA na factura. Até 1991 o veículo fazia exclusivamente parte dos bens empresariais do Sr. Brandenstein. Durante esse período dispendeu um total de 16 028,54 DEM (IVA incluído) em reparações, mudanças de pneus, instalação de um conversor catalítico em 1987 e a substituição do pára-brisas em 1991. Em todos os casos declarou a dedução de imposto. Em 1991 transferiu o automóvel para seu uso privado.

24. No aviso para pagamento de IVA de 1991, o Finanzamt Düsseldorf-Mettmann (Repartição de Finanças de Düsseldorf-Mettmann) considerou que a transferência do automóvel para uso privado era tributável segundo a alínea a) do ponto 2 do n.° 1 do artigo 1.° da Umsatzsteuergesetz de 1991. Utilizou como base para avaliação a quantia que o queixoso havia declarado como valor da transferência para o uso privado para efeito do imposto sobre o rendimento (7 500 DEM) e liquidou IVA no valor de 1 050 DEM.

25. O Sr. Brandenstein reclamou, argumentando que a transferência para uso privado de bens da empresa, aquisição na qual o IVA não era dedutível, não devia ser tributada. Em reforço das suas razões referiu o acórdão Kühne do Tribunal de Justiça e a jurisprudência do Bundesfinanzhof.

26. O Finanzamt ideferiu a reclamação. Baseou-se na comunicação do Bundesministerium der Finanzen de 13 de Maio de 1994 . A transferência do automóvel estava sujeita a IVA porque a despesa (líquida de IVA) em melhoramentos, reparações e manutenção importou em mais de 20% do custo inicial de aquisição, 33 600 DEM.

27. A impugnação judicial do Sr. Brandenstein para o Finanzgericht daquela decisão foi bem sucedida. Nas razões para a sua decisão, o Finanzgericht afirmou que estavam preenchidos os requisitos para a isenção de imposto segundo o n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva, uma vez que as despesas do Sr. Brandenstein no veículo, enquanto o mesmo fazia parte da sua empresa, não alteraram nem ampliaram o seu uso potencial, nem aumentaram substancialmente o seu valor.

28. No seu recurso sobre questões de direito para o Bundesfinanzhof, o Finanzamt argumentou, essencialmente, que o Sr. Brandenstein ou adicionou ao automóvel «elementos componentes», compreendidos no sentido dessa expressão, os quais - pelo menos em parte - não foram consumidos antes da transferência para o uso privado, ou, independentemente (ou em acréscimo), adquiriu «bens». Segundo o Finanzamt, «elementos componentes» são partes de uma unidade natural (natürliche Sacheinheit) ou de um objecto compósito, os quais perderam a sua autonomia (Selbständigkeit) através da sua combinação.

29. O Bundesfinanzhof colocou as seguintes questões a título prejudicial:

«1) [O n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva] aplica-se quando a dedução não haja incidido sobre o bem em si mas sobre prestações de serviços e entregas que, após a sua aquisição, o sujeito passivo haja recebido para aquele bem?

2) Que deve entender-se por elemento componente para efeito desta disposição?

3) Como se determina a matéria colectável na afectação quando a dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado não incidir sobre o bem afectado mas sobre alguns dos seus elementos componentes?

4) Não sendo aplicável o primeiro período do n.° 6 do artigo 5.° da Directiva 77/388/CEE, a dedução inicial do imposto por um sujeito passivo relativamente a prestações de serviços ou entregas para um bem adquirido sem direito à dedução do imposto deve ser ajustada nos termos do artigo 20.° da mesma directiva?»

30. Os processos C-322/99 e C-323/99 foram apensos, para efeitos de audiência e acórdão, por despacho de 6 de Julho de 2000.

31. Observações escritas foram apresentadas em ambos os processos pelo Governo alemão e pela Comissão e no processo C-322/99, pelo Governo grego. Na audiência de discussão oral, o Sr. Brandenstein, o Governo alemão e a Comissão encontravam-se representados.

Tributação segundo o n.° 6 do artigo 5.°

32. A primeira questão no processo C-322/99 e a primeira e segunda questões no processo C-323/99 levantam o problema de saber se há exigibilidade de imposto nos termos do n.° 6 do artigo 5.° quando, apesar de o IVA na aquisição do veículo não ser dedutível, o IVA tiver sido deduzido em reparações levadas a cabo no automóvel após a aquisição.

33. No caso de resposta afirmativa à primeira questão, o tribunal a quo deseja saber, através da sua segunda questão no processo C-322/99, se, de acordo com o n.° 6 do artigo 5.° , é exigível o imposto quanto aos bens em questão e elementos componentes tidos como um todo, ou somente no que diz respeito aos elementos componentes posteriormente incorporados.

34. Os veículos que os Senhores Fischer e Brandenstein afectaram ao seu uso privado são «bens corpóreos» no sentido do n.° 1 do artigo 5.° da Sexta Directiva e devem, em consequência, ser classificados como «bens» para efeitos do artigo 5.° Podem, por isso, ser objecto de uma entrega equiparada, nos termos do n.° 6 do artigo 5.° , a uma entrega de bens.

35. É pacífico que antes da sua afectação a uso privado aqueles veículos faziam exclusivamente parte dos bens empresariais dos queixosos. É igualmente indiscutível que o IVA na aquisição de automóveis não era dedutível.

36. A questão é saber se a afectação desses automóveis a uso privado pode, não obstante, ser tributada uma vez que o Sr. Fischer e o Sr. Brandenstein deduziram IVA nas reparações levadas a cabo nos veículos após a sua aquisição. Deve ser relembrado que eles deduziram IVA em «importantes trabalhos de carroçaria e pintura» (processo C-322/99) e em «reparações, mudanças de pneus, instalação de um conversor catalítico e a substituição do pára-brisas» (processo C-323/99).

37. A resposta a esta questão depende da interpretação dos termos do n.° 6 do artigo 5.° «sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado».

38. Como o tribunal a quo acertadamente explica , duas leituras são possíveis, ambas podendo levar à tributação nos termos do n.° 6 do artigo 5.° Em situações como as do processo principal pode ser argumentado:

- que o IVA relativamente a «esses bens» era «parcialmente» dedutível, ou

- que o IVA relativamente «aos elementos que os compõem» era dedutível.

39. Vamos ver se uma ou outra das duas leituras possíveis se aplica no caso em apreço.

O IVA relativamente aos «bens» em questão é «parcialmente» dedutível?

40. De acordo com o Governo grego, no processo C-322/99 o IVA sobre os «bens em questão» era «parcialmente» dedutível no sentido do n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva. Considera que os trabalhos de carroçaria e pintura levados a cabo no «RR-Bentley» do Sr. Fischer foram muito importantes, como o atestam os seus custos consideráveis (em comparação com o preço de compra). Esses custos devem, portanto, ser vistos como tendo contribuído para o custo total de aquisição do automóvel em questão.

41. De uma maneira geral, na opinião do Governo grego, o conceito de «bens» no n.° 6 do artigo 5.° refere-se não só à sua aquisição inicial mas também a todos os tipos de despesa posterior que aumente, a longo prazo, o valor desses bens. Só despesas de manutenção e uso dos bens sem influência duradoura no seu valor podem ser ignoradas ao determinar se o IVA sobre os «bens» em questão é «parcialmente» dedutível. A interpretação sugerida é, portanto, compatível com os acórdãos Kühne e Mohsche . Neles o Tribunal de Justiça considerou que o n.° 2 do artigo 6.° da Sexta Directiva sujeitava a tributação o uso privado de bens de uma empresa na condição de os bens, em si mesmos, e já não a despesa com a sua manutenção ou uso, terem dado origem a dedução.

42. Concordamos, todavia, com a Comissão e com o Governo alemão, os quais mantêm que o n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva não pode ser interpretado dessa forma.

43. Em primeiro lugar, a alternativa «dedução parcial» parece criada para cobrir somente situações nas quais os bens em questão foram afectados parcialmente à actividade empresarial do sujeito passivo e parcialmente às suas actividades privadas. Um bom exemplo é dado no acórdão Armbrecht no qual um comerciante optou, no momento da aquisição de uma propriedade, por imputar somente uma parte ao seu negócio e reservar o restante para seu uso privado. Só nesses casos é inteiramente correcto falar de imposto «parcialmente» dedutível. Nos presentes processos, ao contrário, a aquisição inicial dos automóveis usados não deu origem a qualquer dedução, enquanto os subsequentes trabalhos nos carros deram origem a diversas deduções «totais».

44. Em segundo lugar, consideramos que a expressão «... relativamente a esses bens [...], tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado», refere-se somente a imposto sobre a aquisição inicial ou produção desses bens e já não a imposto sobre despesas subsequentes nos bens. Isso porque o imposto sobre as despesas subsequentes está coberto, na medida em que seja relevante para efeitos de aplicação do n.° 6 do artigo 5.° , pela expressão «... ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado» (v. parágrafos 45 a 77, infra).

O IVA sobre «elementos que os compõem» era dedutível?

45. A discussão perante o Tribunal de Justiça concentrou-se no significado da expressão «elementos que os compõem» do n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva.

46. O Governo alemão considera, essencialmente, que toda a espécie de despesas (incluindo as despesas com prestações de serviços) que mantêm ou aumentam o valor desses bens dão lugar à aplicabilidade do conceito de «elementos componentes».

47. A Comissão considera, ao contrário, que «elementos componentes» só podem resultar de entregas de bens e não de prestações de serviços. Além disso, entregas de bens de valor limitado, que não aumentem claramente o valor dos bens em questão, não podem ser consideradas como «elementos componentes».

- Os «elementos componentes» podem ser acrescentados após a aquisição inicial?

48. A questão preliminar é saber se o conceito «elementos que os compõem» é limitado a elementos já presentes no momento da aquisição inicial ou se inclui também elementos acrescentados posteriormente.

49. Concordamos com o Governo alemão e com a Comissão, que consideram que os «elementos componentes» podem ser acrescentados depois da aquisição inicial dos bens em questão.

50. Mesmo que as versões alemã, finlandesa, grega, holandesa, sueca e dinamarquesa do n.° 6 do artigo 5.° usem expressões temporalmente neutras, idênticas à inglesa «component parts», decorre das versões francesa («les éléments le composant»), espanhola («los elementos que lo componen»), italiana («gli elementi che lo compongono») e portuguesa («aos elementos que os compõem»), que o momento relevante para determinar se o IVA sobre os elementos componentes era dedutível é o momento da afectação ao uso privado e não o momento da aquisição inicial. A redacção do n.° 6 do artigo 5.° apoia, portanto, a interpretação de que os elementos componentes podem ser acrescentados após a aquisição inicial.

51. Além disso, o n.° 6 do artigo 5.° é destinado, como já foi dito , a impedir que um sujeito passivo que tenha deduzido IVA na compra de bens destinados ao seu negócio fuja ao pagamento de IVA quando afecta esses bens a uso privado. Tendo em conta esse objectivo, não podem ser tratados diferentemente elementos componentes preexistentes e elementos componentes acrescentados após a aquisição inicial. Em ambas as situações o IVA sobre os elementos componentes era dedutível tendo em conta um uso posterior nas transacções tributáveis do comerciante e, em ambos os casos, um comerciante que afecta os bens a uso privado deveria ser impedido de beneficiar de uma dedução para a qual ele não tem mais direito do que um mero consumidor que compra bens e paga IVA por eles .

52. Por consequência, o conceito «elementos componentes» inclui elementos acrescentados após a aquisição inicial.

- As prestações de serviços podem dar origem a «elementos componentes»?

53. A questão é saber se «elementos componentes» podem surgir somente através de entregas de bens ou também através de prestações de serviços. Essa questão pode ser relevante no processo C/322-99, no qual o Sr. Fischer deduziu IVA sobre «importantes trabalhos de carroçaria e pintura» no «RR-Bentley» e no processo C-323/99, no qual o Sr. Brandenstein deduziu IVA em «manutenção» e «pequenas reparações».

54. O Governo alemão considera, segundo uma interpretação teleológica do n.° 6 do artigo 5.° da directiva, que quer as prestações de serviços, quer as entregas de bens podem dar origem a elementos componentes. Na sua opinião, o objectivo do n.° 6 do artigo 5.° é impedir que o consumo privado de um sujeito passivo (na forma de transferência de bens empresariais para o seu património privado) escape aos impostos. A afectação de bens empresariais a uso privado leva a um consumo privado se esses bens ou o valor que representam não foram totalmente consumidos enquanto faziam parte dos bens empresariais do sujeito passivo. O mesmo decorre indirectamente da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° , a qual estabelece como matéria colectável o preço de compra dos bens determinado no momento da transferência para o uso privado. A tributação segundo o n.° 6 do artigo 5.° depende, assim, do estado material em que os bens em questão deixam a esfera empresarial e passam a fazer parte dos bens privados do sujeito passivo. O estado material dos bens na altura da afectação a uso privado depende, por sua vez, da eventual realização de trabalhos de melhoramento ou manutenção dos bens em questão. Dado que as prestações de serviços (por exemplo, reparações na carroçaria) podem, tal como as entregas de bens (por exemplo, a entrega de um motor novo), em termos económicos, ter os mesmos efeitos positivos a longo prazo no estado material e valor dos bens em questão, o conceito dos elementos componentes deve ser interpretado como incluindo prestações de serviços que aumentam ou mantêm o valor dos bens. Relativamente a isto, o Governo alemão aponta também para as dificuldades práticas da distinção entre prestações de serviços e entregas de bens. O trabalho efectuado em bens após a sua aquisição inicial envolve tipicamente entregas mistas de serviços e de bens (por exemplo, a substituição de um pára-brisas).

55. Do nosso ponto de vista, a redacção inequívoca do n.° 6 do artigo 5.° e o sistema da directiva não permitem uma interpretação tão extensiva do conceito de elementos componentes.

56. As versões francesa (les éléments le composant), espanhola (los elementos que lo componen) e italiana (gli elementi che lo compongono) da directiva usam palavras que poderiam ser traduzidas para inglês por «component elements». As versões alemã (Bestandteile) e holandesa (bestanddelen) utilizam palavras próximas da expressão efectivamente utilizada na versão inglesa da directiva, nomeadamente «component parts». Apesar dessa pequena diferença entre «elements» e «parts», a terminologia usada em todas as versões sugere que os «elementos componentes», de acordo com o n.° 6 do artigo 5.° , devem ser objectos físicos e palpáveis integrados nos bens em questão. Não vemos como serviços que não implicam entregas de bens (por exemplo, lavagem de carro ou reparações de carroçaria) podem levar a «elementos» ou «peças» no sentido do n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva.

57. Isto é confirmado por uma interpretação sistemática do n.° 6 do artigo 5.° Em todas as versões linguísticas o conceito de elementos componentes está directamente ligado à primeira parte da alternativa do n.° 6 do artigo 5.° , a saber, «esses bens». Por exemplo, na versão inglesa o IVA deve ter sido deduzido nos elementos «que os» compõem («thereof»). Consequentemente, se os «bens» são definidos, segundo o n.° 1 do artigo 5.° , como bens corpóreos, os «elementos que os compõem» devem ser da mesma natureza. Uma prestação de serviços é definida, a contrario, como uma prestação que não constitui uma entrega de bens (n.° 1 do artigo 6.° da directiva).

58. Além disso, não partilhamos os receios subjacentes à posição do Governo alemão, nomeadamente de que a exclusão de prestações de serviços do conceito de elementos componentes levará a um significativo aumento de consumo privado não tributado e, deste modo, à evasão fiscal. Ou os serviços em questão não resultam num acréscimo duradouro do valor dos bens (por exemplo, uma lavagem de carro) e são, por isso, consumidos no quadro da actividade da empresa antes da transferência para uso privado; ou, quando os serviços em questão resultam num acréscimo duradouro do valor dos bens em causa (por exemplo, reparações importantes na carroçaria), a dedução inicial pode ser ajustada de acordo com a alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da directiva (v. n.os 84 a 93, infra).

59. Finalmente, é verdade que os trabalhos levados a cabo num automóvel envolvem, muitas vezes, entregas mistas de serviços e de bens. Mas isso não significa que as prestações de serviços não possam ser distinguidas das entregas de bens. Por forma a determinar se uma determinada transacção constitui uma entrega de bens ou uma prestação de serviços, as suas características essenciais devem ser identificadas . Quando a entrega de bens é só um elemento de uma transacção na qual a prestação de serviços predomina largamente, a transacção em causa deve ser vista como uma prestação de serviços . A manutenção, por exemplo, pode implicar a entrega de parafusos, filtros de óleo ou velas de ignição. A pintura requer a entrega de tinta. Nesses casos, em que o trabalho num veículo automóvel envolve entregas de bens acessórios e menores indissoluvelmente ligadas aos serviços em questão, esse trabalho deve ser visto como uma prestação de serviços no âmbito do n.° 1 do artigo 6.° da Sexta Directiva e não pode, por isso, ser abrangido pelo conceito de «elementos componentes».

60. Por consequência, prestações de serviços (incluindo aquelas que abrangem necessariamente entregas de bens acessórios e menores) não podem dar origem a «elementos componentes» no sentido do n.° 6 do artigo 5.°

- Que categorias de entregas de bens conduzem a «elementos componentes»?

61. Se só entregas de bens podem dar origem a «elementos componentes» no sentido do n.° 6 do artigo 5.° , põe-se a questão de saber se todas essas entregas devem ser tidas em conta. No processo C-323/99, por exemplo, o Sr. Brandenstein deduziu IVA nas «mudanças de pneus, na instalação de um conversor catalítico e na substituição de um pára-brisas». Questões idênticas surgem relativamente à substituição de uma bateria ou à instalação de um motor mais potente ou de um telefone para automóvel.

62. O Governo alemão considera que todas as entregas não consumidas enquanto os bens e os elementos componentes estavam afectados à empresa do sujeito passivo devem, em princípio, ser objecto de tributação nos termos do n.° 6 do artigo 5.° Consequentemente, as entregas de bens que podem ser classificadas como despesas de manutenção podem também dar origem a «elementos componentes» dos bens, com a única condição de essas entregas poderem ser usadas e consumidas durante um certo período de tempo.

63. A Comissão sugere, ao contrário, como já foi referido, uma interpretação mais restritiva do conceito de «elementos componentes». Na sua opinião, só entregas que claramente aumentem o valor dos bens em questão dão origem a elementos componentes. Entregas de bens de valor comparativamente limitado não deveriam ser tidas em conta.

64. Se bem compreendemos estas duas posições divergentes, o Governo alemão consideraria, por exemplo, uma bateria nova como um «elemento componente», enquanto a Comissão provavelmente não. Quer a Comissão quer o Governo alemão provavelmente admitiriam que um motor novo seja considerado como um elemento componente.

65. Na redacção do n.° 6 do artigo 5.° , nada indica se deduções de IVA em peças de valor relativamente diminuto deveriam originar ou não tributação ao abrigo daquela disposição.

66. Concordamos, por isso, com a Comissão que o conteúdo do conceito de «elementos componentes» dos bens, não pode ser determinado sem ter em conta as consequências legais do n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva. É, deste modo, necessário confrontar imediatamente o problema levantado pela segunda questão no processo C-322/99, concretamente se, caso o n.° 6 do artigo 5.° seja aplicável, há obrigação de tributar os bens em questão e os elementos componentes tidos como um todo ou somente os elementos componentes adicionados.

67. O n.° 6 do artigo 5.° refere que a afectação de «bens» a uso privado ou a «sua» afectação a fins estranhos à empresa deve ser equiparada a entrega efectuada a título oneroso, «sempre que», relativamente a esses bens «ou» aos elementos que os compõem, tenha havido dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Decorre desta redacção inequívoca que a afectação de bens em causa e não só de parte desses bens está sujeita a imposto. Acresce que a formulação da condição («sempre que» e não «até ao ponto de», «ou» e não «e») indica que a dedução de IVA nos elementos componentes basta para despoletar a tributação da transferência para uso privado dos bens e seus elementos componentes no seu conjunto e que os autores da directiva não pretenderam criar um sistema de tributação pro rata.

68. Quer a Comissão quer o Governo alemão salientam que, numa interpretação literal, o n.° 6 do artigo 5.° pode, assim, conduzir a dupla tributação. Um automóvel usado adquirido a um particular sem possibilidade de dedução de IVA carrega IVA consigo que, normalmente, foi suportado por um consumidor final no momento de uma aquisição anterior. Se um trabalho no veículo passível de dedução de IVA, tal como a instalação de um novo motor, dá origem a um «elemento componente» no sentido do n.° 6 do artigo 5.° , a transferência do automóvel para uso privado acarreta a tributação do veículo como um todo. Consequentemente, tudo no veículo excepto o novo motor, será tributado uma segunda vez. Os interessados que apresentaram observações estão também cientes de que a dupla tributação é, em princípio, contrária ao objectivo geral de neutralidade fiscal inerente ao sistema do imposto sobre o valor acrescentado .

69. Parece que, nestes casos, a solução mais desejável seria a aplicação de IVA sobre o valor residual dos objectos relativamente aos quais o IVA foi originariamente deduzido. Isso iria de encontro ao princípio da neutralidade e asseguraria a igualdade de tratamento entre sujeitos tributáveis e não tributáveis.

70. A redacção clara e o historial legislativo sugerem, no entanto, que o legislador aceitou deliberadamente o risco da dupla tributação e presumivelmente fê-lo por razões práticas. Por exemplo, na versão alemã da proposta inicial da Comissão, a frase condicional em questão começava por «insoweit» (desde que) . Tal formulação poderia ter sido interpretada como criando um sistema de tributação pro rata. A versão final da directiva usa, no entanto, «wenn» (sempre que).

71. Estamos, assim, perante um dilema quanto à interpretação do conceito de «elementos componentes» do n.° 6 do artigo 5.° Ou o conceito é interpretado restritivamente, o que pode entrar em conflito com o objectivo específico do n.° 6 do artigo 5.° , nomeadamente o de evitar que um sujeito passivo usufrua de deduções vantajosas para as quais ele não tem direito em comparação com um vulgar consumidor, ou esse conceito é interpretado extensivamente, o que pode entrar em conflito com o objectivo geral da neutralidade fiscal.

72. Do nosso ponto de vista, uma primeira etapa na resolução deste dilema consiste em distinguir claramente os «elementos componentes» dos bens independentes. Sempre que dois bens são reunidos sem perderem, definitivamente, a sua autonomia física e económica, não devem ser considerados elementos componentes. Isso é compatível quer com a redacção do n.° 6 do artigo 5.° quer com o objectivo de neutralidade fiscal. Se, para fins fiscais, os dois bens permanecem independentes, a sua transferência para uso privado deve ser vista como dois factos tributáveis independentemente. Relativamente a cada um desses factos a condição do n.° 6 do artigo 5.° , concretamente a de que o IVA foi deduzido, deve ser cumprida. A dupla tributação dos bens relativamente aos quais o IVA não foi deduzido encontra-se, deste modo, excluída.

73. Consideramos, por isso, que a mudança de pneus ou a instalação de um telefone para automóvel ou de um auto-rádio, por exemplo, não cria «elementos componentes» do automóvel em causa. Uma vez que os bens em questão podem facilmente ser separados do veículo e ser objecto de transacções independentes não perdem definitivamente a sua autonomia física e económica. A transferência para o uso privado de um veículo com auto-rádio ou com telefone deve, desse modo, ser vista, para fins de IVA, como diversas afectações a uso privado de bens independentes e para cada uma dessa afectações os pressupostos do n.° 6 do artigo 5.° devem estar preenchidos.

74. O segundo elemento da solução é, no nosso ponto de vista, o de excluir do conceito de «elementos componentes» entregas de bens que não resultem num acréscimo duradouro do valor dos «bens em questão» mas que simplesmente contribuam para manter esse valor. Parece desproporcionado aceitar a dupla tributação dos «bens em questão» quando o risco de o sujeito passivo usufruir de uma vantagem dedutiva não existe porque o valor das peças adicionadas é consumido enquanto estão afectadas à empresa ou quando a vantagem resultante da dedução decorrente da transferência dos bens em causa para uso privado é pequena em comparação com as desvantagens da dupla tributação.

75. Concordamos, assim, com a Comissão, em que a dedução do IVA na substituição de um limpa pára-brisas ou de uma bateria de automóvel descarregada não deviam conduzir à tributação do veículo como um todo quando este é transferido para uso privado, enquanto a instalação de um motor mais potente ou de um conversor catalítico com o fim de modernizar o veículo podem fazê-lo. Esta solução também tem a vantagem de conduzir a um resultado idêntico ao do acórdão Kühne .

76. Embora nalguns casos a solução acima conduza à dupla tributação, contrária ao sistema da directiva, essa consequência deve ser vista no contexto dos problemas mais amplos decorrentes da directiva quanto à venda de bens em estado de uso, particularmente quando bens comprados a um particular são posteriormente revendidos por um comerciante no exercício do seu negócio .

77. Decorre das considerações precedentes que as disposições do n.° 6 do artigo 5.° , relativas a «elementos componentes», se aplicam somente quando os «bens» são entregues no sentido do n.° 1 do artigo 5.° (com exclusão dos serviços), quando esses bens se tornam parte integrante dos «bens em questão» ao perderem a sua autonomia física e económica e quando há um acréscimo duradouro do valor total dos bens. Decorre igualmente do acima referido que, quando essas condições são preenchidas, há exigibilidade de imposto relativamente à afectação a uso privado dos bens em questão e dos elementos componentes, vistos como um todo, e não apenas quanto aos elementos componentes.

Matéria colectável nos termos da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.°

78. Através da terceira questão em cada processo, o tribunal a quo pretende saber se em situações como as do processo principal, onde há uma entrega nos termos do n.° 6 do artigo 5.° , a matéria colectável nos termos da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° , deve ser determinada por referência ao preço de compra do veículo e dos elementos componentes vistos como um todo ou só relativamente aos elementos componentes.

79. Na nossa opinião, decorre de uma leitura combinada da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° e do n.° 6 do artigo 5.° e da interpretação do n.° 6 do artigo 5.° dada acima, que a matéria colectável deve ser determinada por referência ao preço de compra do veículo e dos elementos componentes vistos como um todo. De acordo com a primeira e principal alternativa da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° , a matéria colectável relativa a entregas referidas no n.° 6 do artigo 5.° será o preço de compra dos «bens», determinado no momento em que tais operações se efectuam. Para a determinação da matéria colectável a alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° refere-se, assim, aos bens sujeitos a tributação nos termos do n.° 6 do artigo 5.° Tal como referimos acima , de acordo com a sua redacção clara, o n.° 6 do artigo 5.° sujeita a imposto os bens e os seus elementos componentes vistos como um todo.

80. Nesse sentido, se em situações tais como as do processo principal, exigibilidade de imposto surge nos termos do n.° 6 do artigo 5.° , a matéria colectável nos termos da alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° da Sexta Directiva deve ser determinada por referência ao preço dos bens e dos seus elementos componentes vistos como um todo.

Relação entre o n.° 6 do artigo 5.° e a alínea c) do n.° 7 do artigo 5.°

81. Com a quarta questão no processo C-322/99, o tribunal a quo pretende saber qual a relação entre, por um lado, o n.° 6 do artigo 5.° e, por outro, a alínea c) do n.° 7 do artigo 5.° , relativo à detenção de bens por um sujeito passivo no caso da cessação da sua actividade económica tributável.

82. A alínea c) do n.° 7 do artigo 5.° permite aos Estados-Membros introduzir uma disposição especial para situações em que um sujeito passivo cessa a sua actividade.

83. No presente processo é, contudo, pacífico que a Alemanha não fez uso da faculdade conferida pela alínea c) do n.° 7 do artigo 5.° Concordamos, por isso, com a Comissão que, na ausência dessa disposição especial, a tributação da afectação a uso privado de bens após a cessação da actividade é regulada exclusivamente pelo n.° 6 do artigo 5.° Não se torna, portanto, necessário interpretar a alínea c) do n.° 7 do artigo 5.°

Ajustamento das deduções nos termos do artigo 20.°

84. A quinta questão no processo C-322/99 e a quarta questão no processo C-323/99 levantam o novo problema de saber se a dedução inicial por despesas com trabalhos efectuados nos automóveis em questão pode ser ajustada segundo o artigo 20.° da Sexta Directiva, se, de acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça, nenhuma exigibilidade de imposto surgir ao abrigo do n.° 6 do artigo 5.°

85. Deve ser relembrado que, no nosso ponto de vista, prestações de serviços dedutíveis de imposto e entregas de bens que não resultem num acréscimo duradouro do valor dos bens em questão não podem ser vistos como «elementos componentes» e que não existe, portanto, nenhuma entrega equiparada segundo o n.° 6 do artigo 5.° , quando os bens objecto de tais operações são afectos a uso privado. Deve igualmente ser recordado que no processo C-322/99, o Sr. Fischer deduziu IVA em importantes trabalhos na carroçaria e em pintura e, no processo C-323/99, o Sr. Brandenstein deduziu IVA na manutenção, pequenas reparações e substituição do limpa pára-brisas.

86. Nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° a dedução inicialmente operada é ajustada:

«quando, posteriormente à declaração, se verificarem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, designadamente no caso de anulação de compras ou de obtenção de redução nos preços; todavia, não se efectuará ajustamento no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados e no caso de afectação de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras, nos termos do n.° 6 do artigo 5.° Todavia, os Estados-Membros podem exigir o ajustamento respeitante às operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo.»

87. De acordo com o tribunal a quo todos os trabalhos levados a cabo nos veículos em questão após a sua aquisição inicial constituem despesas para efeitos das operações tributáveis dos senhores Fischer e Brandenstein, nos termos do n.° 2 do artigo 17.° da Sexta Directiva. Portanto, ambos usufruíram, ao tempo em que os trabalhos foram executados, de um direito à imediata e integral dedução de imposto. Contudo, os objectivos empresariais em questão não foram completamente cumpridos quanto aos automóveis em questão, já que o Sr. Fischer cessou a totalmente actividade e o Sr. Brandenstein afectou o seu veículo a uso privado. Na opinião do tribunal a quo pode, desta forma, ser argumentado que, se os trabalhos com direito a dedução de IVA efectuados nos automóveis após a sua aquisição não devem ser tributados ao abrigo do n.° 6 do artigo 5.° (juntamente com a transferência para uso privado), a afectação de veículos a uso privado deve ser vista como uma alteração de elementos no sentido da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Sexta Directiva e, portanto, conduzir a um ajustamento das deduções inicialmente operadas.

88. O Governo alemão argumenta que, por uma questão de princípio, o artigo 20.° não pode ser aplicado em casos de afectação de bens a uso privado. Refere que as regras sobre entregas equiparadas dos artigos 5.° e 6.° da directiva constituem um regime jurídico completo e exaustivo regulador do uso privado de bens e serviços, o qual preclude a aplicação cumulativa e/ou paralela das regras sobre ajustamentos de deduções da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.°

89. Concordamos, todavia, com a Comissão em que, em princípio, a directiva permite que a afectação de bens a uso privado seja vista como uma alteração de elementos no sentido da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° Isso decorre de uma comparação do texto actual dessa disposição com a disposição correspondente da proposta da Comissão . De acordo com a alínea c) do n.° 1 do artigo 20.° da proposta, os ajustamentos estavam expressamente excluídos em todos os casos especificados no n.° 3 do artigo 5.° da mesma proposta, o qual incluía as diferentes categorias de afectação de bens a fins não empresariais. O texto da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° tal como foi aprovado, na medida em que exclui da possibilidade de ajustamento somente duas categorias de afectações a uso privado, as quais são especificamente mencionadas no n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva, nomeadamente afectações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras, permite, deste modo, aos Estados-Membros prever ajustamentos relativamente a outro tipo de afectações. O ponto é, pois, não tanto se são possíveis, por uma questão de princípio, ajustamentos de deduções no âmbito do artigo 20.° , mas antes em que situações o n.° 6 do artigo 5.° deixa espaço para tais ajustamentos.

90. Consideramos, por um lado, que, pelo menos quanto à junção de um «elemento componente» no sentido do n.° 6 do artigo 5.° , com direito a dedução de IVA, a aplicação do artigo 20.° está excluída. Nesses casos, todas as deduções de IVA por trabalhos levados a cabo no bem em questão são, quando aplicável, automaticamente «corrigidas» através do mecanismo da entrega equiparada nos termos do n.° 6 do artigo 5.° Como acima referido, o n.° 6 do artigo 5.° sujeita a imposto os bens em questão e os seus elementos componentes vistos como um todo. De acordo com a alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° , a matéria colectável é determinada com referência ao preço de compra dos bens em causa determinado no momento em que tais operações se efectuam. Esse preço é, por sua vez, também afectado pelo trabalho com direito a dedução de IVA levado a cabo nesses bens (incluindo aquelas prestações de serviços e bens que não conduziram a novos elementos componentes). Na medida em que o valor criado pelo trabalho com direito a dedução de IVA está ainda presente no valor dos bens em questão no momento da sua transferência para uso privado, as deduções injustificadas são, assim, compensadas pela tributação segundo o n.° 6 do artigo 5.°

91. Por outro lado, quando o trabalho subsequente com direito a dedução de IVA não deu origem a «elementos componentes», as regras sobre ajustamento de deduções podem proporcionar uma rede de segurança adequada por forma a evitar que um sujeito passivo usufrua de vantagens injustificadas em matéria de dedução. Deve ser recordado que as regras de ajustamento de deduções prosseguem um objectivo idêntico à ficção legal do n.° 6 do artigo 5.° , nomeadamente o de impedir que um sujeito passivo que beneficiou do direito à dedução possa usufruir de vantagens económicas injustificadas. O método da entrega equiparada do n.° 6 do artigo 5.° foi escolhido meramente por «razões de neutralidade e simplicidade» . Consideramos por isso que, em princípio, as deduções de imposto em prestações de serviços e entregas de bens que não deram origem a elementos componentes podem ser ajustadas de acordo com o artigo 20.° no momento da transferência dos bens em causa para uso privado.

92. Ao ajustar essas deduções deve, contudo, ter-se em atenção que o valor das prestações de serviços e de bens em questão pode ter sido consumido no âmbito do negócio antes que a transferência para uso privado ocorra. Desde que essas prestações com direito a dedução tenham sido consumidas no âmbito da empresa, não podem mais ser transferidas para uso privado e, aquando da transferência para uso privado não há, portanto, nenhuma alteração de elementos que requeira o ajustamento de deduções. Uma vez que os dois tipos de prestações em causa, nomeadamente prestações de serviços e entregas de bens que não resultem num acréscimo duradouro do valor dos bens em causa, irão ser, pela sua própria natureza, muitas vezes, consumidas antes da transferência dos bens para uso privado, não será necessário, em muitos casos, um ajustamento das deduções.

93. Por consequência, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Sexta Directiva, as deduções em trabalhos levados a cabo em bens após a sua aquisição podem ser ajustadas no momento da transferência desses bens para uso privado se as disposições do n.° 6 do artigo 5.° relativas aos «elementos componentes» não são aplicáveis às prestações em questão. São, no entanto, possíveis ajustamentos desde que o valor do trabalho em questão não tenha sido consumido no âmbito da empresa antes de os bens serem transferidos para uso privado.

Conclusões

94. Pelas razões acima expostas as questões colocadas deverão, a nosso ver, ser respondidas da seguinte forma:

«1) As disposições do n.° 6 do artigo 5.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, relativas aos elementos componentes aplicam-se somente quando bens são entregues no sentido do n.° 1 do artigo 5.° (e não serviços), desde que esses bens se tornem parte integrante dos bens em questão perdendo a sua autonomia física e económica e desde que haja um acréscimo duradouro no valor total do bem.

2) Quando elementos componentes com direito a dedução tenham sido integrados no bem, é exigível o imposto relativamente à afectação a uso privado quanto aos bens e elementos componentes vistos como um todo.

3) Quando surge a exigibilidade de imposto nos termos do n.° 6 do artigo 5.° , como consequência da integração em bens de elementos componentes com direito a dedução de imposto, a matéria colectável segundo a alínea b) do n.° 1 da parte A do artigo 11.° da Sexta Directiva deve ser determinada com referência ao preço dos bens e seus elementos componentes vistos em conjunto.

4) Na ausência de uma disposição nacional especial de aplicação da alínea c) do n.° 7 do artigo 5.° da Sexta Directiva, a tributação da afectação de bens a uso privado após a cessação da actividade é regulada exclusivamente pelo n.° 6 do artigo 5.° da directiva.

5) As deduções levadas a cabo por trabalhos feitos no bem após a sua aquisição podem ser ajustadas, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Sexta Directiva, no momento da transferência desses bens para uso privado se as disposições do n.° 6 do artigo 5.° relativas a elementos componentes não forem aplicáveis. Os ajustamentos são, no entanto, possíveis na medida em que o valor do trabalho em questão não tenha sido consumido no âmbito da empresa antes da transferência dos bens para uso privado.»