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Advertência jurídica importante

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61999C0516

Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 29 de Janeiro de 2002. - Walter Schmid. - Pedido de decisão prejudicial: Berufungssenat V der Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland - Áustria. - Conceito de 'órgão jurisdicional nacional' na acepção do artigo 234.º CE - Incompetência do Tribunal de Justiça. - Processo C-516/99.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-04573


Conclusões do Advogado-Geral


1. Por despacho de 21 de Dezembro de 1999, a Quinta Secção de Recurso da Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland (a seguir «Secção de Recurso») submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 73.° -B 3 73.° -D do Tratado CE (actuais artigos 56.° e 58.° CE). Em substância, a Secção de Recurso interrogou o Tribunal sobre a compatibilidade com o direito comunitário de uma disposição nacional que disciplina de maneira diferente a carga fiscal sobre os rendimentos do capital conforme estes sejam provenientes de sociedades nacionais ou estrangeiras.

I Quadro normativo

As normas comunitárias

2. As normas comunitárias relevantes para a presente questão são os artigos 73.° -B e 73.° -D do Tratado CE. O primeiro dispõe, no seu n.° 1, que «são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros». O segundo acrescenta, todavia que:

«1. O disposto no artigo 73.° -B não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial de instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. [...)]

3. As medidas e os procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.° »

As normas nacionais

3. O sistema tributário austríaco prevê que a tributação dos rendimentos das sociedades de capitais nacionais se processe a dois níveis diferentes: a nível da sociedade, mediante um imposto sobre os lucros por esta obtidos, à taxa de 34%; e a nível dos accionistas, através da tributação dos dividendos e dos outros benefícios distribuídos pela sociedade (rendimentos de capitais).

4. Relativamente à tributação dos accionistas, que aqui nos interessa directamente, o regime aplicável é diferente consoante se trate de rendimentos de capitais nacionais ou estrangeiros, tendo em conta que «os capitais serão considerados nacionais quando a entidade que distribui os rendimentos tenha residência, ou direcção ou sede no território nacional ou quando seja uma filial, no território nacional, de um instituto de crédito [...]» .

a) A tributação dos rendimentos de capitais nacionais

5. Relativamente a tais rendimentos a legislação austríaca permite aos contribuintes escolher entre duas opções: a aplicação de um imposto especial com carácter liberatório a uma taxa fixa de 25%; ou a aplicação do imposto sobre rendimentos normal, com redução de 50% da taxa.

6. No primeiro caso, o contribuinte deverá pagar um imposto igual a 25% dos rendimentos de capitais, os quais, por virtude do assim chamado efeito liberatório do imposto, já não serão sujeitos ao imposto sobre os rendimentos normal. Os rendimentos de capitais não concorrerão assim para determinar o rendimento colectável para efeitos de aplicação deste último imposto; e isto com a provável consequência de reduzir a taxa aplicável, cujo valor varia em função do nível dos rendimentos. O imposto com carácter liberatório é cobrado, em princípio, mediante retenção na fonte (i. e., através da sociedade) ; nalguns casos em que não é possível proceder à retenção, prevê-se todavia que o imposto seja satisfeito «mediante o pagamento em autoliquidação à entidade que distribui os rendimentos de uma importância igual à que seria retida na fonte sobre os rendimentos de capitais» .

7. Quando o contribuinte decida não optar pelo imposto especial de carácter liberatório, aplica-se em vez deste o imposto sobre rendimentos normal, com redução de 50% da taxa . Neste caso, os rendimentos de capitais concorrem para determinação do rendimento colectável, com o provável aumento da taxa aplicável ao conjunto dos rendimentos; em compensação, no entanto, os rendimentos de capitais beneficiarão da redução de 50% da taxa assim determinada.

8. Para maior clareza convém ainda observar que não é possível estabelecer a priori qual dos dois sistemas de tributação será mais favorável ao contribuinte. Se é verdade que o segundo sistema conduz a uma tributação dos rendimentos sobre o capital inferior ou no máximo igual à liberatória (visto que a taxa máxima do imposto sobre rendimentos na Áustria não pode superar os 50%) é também verdade que o segundo sistema pode comportar o aumento da taxa aplicável aos outros rendimentos do contribuinte. Isto porque, como se disse, ao contrário do que ocorre no sistema liberatório, o segundo sistema implica que os rendimentos de capitais concorram para determinar o rendimento colectável total, com o provável aumento da taxa aplicável ao conjunto dos rendimentos.

b) A tributação dos rendimentos de capitais estrangeiros

9. O regime acima descrito aplica-se, como se disse, apenas aos rendimentos de capitais nacionais, enquanto os rendimentos provenientes da participação em sociedades estrangeiras estão sujeitos ao imposto sobre os rendimentos normal. Isto significa que concorrem para determinar o rendimento colectável total, com o provável aumento da taxa aplicável, e ficam normalmente sujeitos ao imposto sobre rendimentos (que na Áustria, como se disse, pode chegar aos 50%), sem beneficiar de qualquer redução. Portanto, a tais rendimentos, não só não se aplica o imposto especial, à taxa fixa de 25% e com efeito liberatório, como nem sequer beneficiam da redução de 50% da taxa aplicável.

II Factos e tramitação processual

10. W. Schmid reside na Áustria. Em 1997, o seu rendimento consistiu essencialmente em dividendos de sociedades com sede na Alemanha, em especial dividendos distribuídos pela MAN AG.

11. A taxa aplicável aos rendimentos de W. Schmid nesse ano foi calculada pela Administração fiscal com base no conjunto dos rendimentos de origem austríaca, dos rendimentos de capitais e dos rendimentos provenientes do estrangeiro. Feitas as deduções previstas, a taxa aplicável foi fixada em 27,17% e os rendimentos provenientes das acções alemãs foram também integralmente sujeitos a essa taxa.

12. Em 3 de Dezembro de 1998, W. Schmid interpôs recurso da liquidação do imposto relativo ao ano de 1997 para a Secção de Recurso, sustentando basicamente que os dividendos distribuídos pelas acções ordinárias da MAN AG deveriam ser tributados a uma taxa reduzida em 50%.

13. No quadro do exame de tal recurso, a Secção de Recurso considerou que existiam sérias dúvidas sobre a compatibilidade da legislação nacional com a comunitária, salientando que a diversidade de tratamento reservado aos rendimentos de capitais nacionais relativamente aos estrangeiros poderia constituir um obstáculo à livre circulação dos capitais prevista no Tratado. Portanto, por despacho de 21 de Dezembro de 1999, decidiu suspender a instância e submeteu ao Tribunal as seguintes questões prejudiciais:

«1) O disposto no artigo 73.° -B, n.° 1, conjugado com o disposto no artigo 73.° -D, n.os 1, alíneas a) e b), e 3, do Tratado CE [actuais artigos 56.° , n.° 1, CE e 58.° , n.os 1, alíneas a) e b), e 3, CE] é contrário a uma norma como a do § 97 da Einkommensteuergesetz 1988 (lei de 1988 relativa ao imposto sobre o rendimento) (BGBl. 1988/400, na redacção da BGBl. 1996/797) [com fundamento no § 1, n.° 1, ponto 1, alínea c), da Endbesteuerungsgesetz, BGBl. 1993/11], nos termos da qual se não admite a tributação definitiva no caso de dividendos, juros e demais rendimentos provenientes de acções detidas no estrangeiro, pelo que a taxa que incide sobre as acções possuídas dentro do país é de 25%, enquanto a que corresponde a acções possuídas no estrangeiro pode atingir 50%?

2) O disposto no artigo 73.° -B, n.° 1, conjugado com o disposto no artigo 73.° -D, n.os 1, alíneas a) e b), e 3, do Tratado CE [actuais artigos 56.° , n.° 1, CE e 58.° , n.os 1, alíneas a) e b), e 3, CE] é contrário a uma norma como a do § 37, n.os 1 e 4, da EStG 1988 (BGBl. 1988/400), nos termos da qual os proventos de qualquer tipo resultantes da participação através de acções em sociedades de capitais no próprio país são tributados a uma taxa reduzida a metade da taxa média aplicável à totalidade do rendimento, enquanto não beneficiam da referida redução os proventos de qualquer tipo resultantes da participação em sociedades de capitais com sede e direcção comercial noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado terceiro?»

14. No processo que se desenrolou seguidamente perante o Tribunal de Justiça, apresentaram observações, além da República da Áustria, a República Francesa e a Comissão. As duas primeiras concluíram pela compatibilidade da legislação nacional com as normas comunitárias pertinentes; opinião contrária tem a Comissão, segundo a qual tal legislação viola as disposições do Tratado em matéria de livre circulação dos capitais.

15. A fim de obter alguns esclarecimentos e precisões sobre a complexa legislação nacional em matéria de tributação dos rendimentos de capitais, por carta de 5 de Junho de 2001, o Tribunal de Justiça dirigiu algumas perguntas à Secção de Recurso em aplicação do artigo 104.° , n.° 5, do seu Regulamento de Processo. Por carta de 27 de Junho de 2001, a Secção de Recurso respondeu às perguntas do Tribunal, fornecendo esclarecimentos amplos e detalhados que permitiram configurar com maior precisão o quadro normativo acima descrito de forma sintética.

III Análise jurídica

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

16. Antes de examinar o mérito das referidas questões prejudiciais é necessário estabelecer se a Secção de Recurso é uma jurisdição na acepção do artigo 234.° CE e se, portanto, o Tribunal de Justiça tem competência para responder às questões. Tanto a Comissão como o Governo austríaco manifestam alguma dúvida a este respeito, concluindo ambos, no entanto, pela natureza jurisdicional do órgão. No entanto, a questão pareceu relevante à própria Secção de Recurso, dado que no despacho de reenvio esta teve a preocupação de indicar as razões pelas quais, na sua opinião, lhe deve ser reconhecida natureza jurisdicional na acepção do artigo 234.°

17. Observa-se, por outro lado, que as dúvidas não dizem respeito a todos os elementos que o Tribunal geralmente leva em consideração para este fim. Como é bem sabido, com efeito, «nos termos de uma jurisprudência constante, para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234.° CE, questão que releva unicamente do direito comunitário, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, tais como a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência» . Ora bem, as dúvidas no caso vertente dizem apenas respeito à «qualidade de terceiro» da Secção de Recurso (requisito que, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, parece ter sido absorvido pela independência do órgão) e à natureza contraditória do procedimento. Estão, pelo contrário, fora de dúvida a sua origem legal, o seu carácter permanente, a obrigatoriedade da sua jurisdição e o facto da mesma aplicar normas jurídicas. De seguida, limitar-nos-emos, portanto, a apreciar se a Secção de Recurso possui também os dois primeiros requisitos.

18. Relativamente à «qualidade de terceiro» das Secções de Recurso, as dúvidas neste caso manifestadas têm origem no facto de, tal como mencionaram a Comissão e o Governo austríaco, as referidas Secções serem chamadas a julgar das decisões da Administração fiscal, a que elas próprias pertencem. Como resulta, com efeito, do próprio despacho de reenvio, as Secções de Recurso são órgãos das direcções regionais da Administração fiscal, cujos presidentes assumem em princípio também a sua presidência, a menos que decidam nomear em sua substituição um funcionário da administração. Mais particularmente, no seio das direcções regionais da Administração fiscal estão instituídas Comissões de Recurso, cujos membros são em parte delegados das organizações profissionais e em parte nomeados pelo Ministro Federal das Finanças ou pelos presidentes das direcções regionais; no âmbito de tais comissões, os presidentes das direcções regionais formam depois diversas Secções de Recurso compostas de cinco membros: o presidente, um funcionário da Administração fiscal e três delegados das organizações profissionais. Além desta ligação estrutural com a Administração, na opinião da Comissão, levaria também a duvidar da «qualidade de terceiro» das Secções de Recurso o facto de estas participarem como partes nos eventuais processos instaurados contra as suas decisões perante o Tribunal Administrativo.

19. Não obstante tais observações, a Comissão conclui todavia que, no caso vertente, não está em falta o requisito da «qualidade de terceiro», visto que:

uma norma constitucional (o § 271, n.° 1, BAO) estabelece que no exercício das suas funções os membros das Secções de Recurso não estão sujeitos a qualquer vínculo ou instrucção;

prevê-se que estes jurem pela sua honra tomar decisões imparciais (§ 271, n.° 2, BAO);

a lei estabelece os casos de impedimento face aos quais os membros das Secções de Recurso devem declarar-se impedidos, podendo também as partes requerer que aqueles o façam (§ 271, n.° 2, BAO);

a maioria dos membros das Secções de Recurso é constituída por membros delegados das organizações profissionais e não por funcionários da administração;

os presidentes das direcções regionais da Administração fiscal podem recorrer das decisões das Secções de Recurso para o Tribunal Administrativo, o que demonstra que essas decisões podem também ser desfavoráveis à Administração.

20. O Governo austríaco, por sua vez, recorda, no entanto, que parte da doutrina austríaca duvida da «qualidade de terceiro» das Secções de Recurso essencialmente por duas razões: em primeiro lugar, por causa do «papel duplo» desempenhado pelos presidentes das direcções regionais que, para além de chefiarem as referidas direcções, participam na formação das Secções de Recurso e assumem, em princípio, a sua presidência; em segundo lugar, por causa da «utilização mista» dos funcionários que compõem as Secções de Recurso, os quais conjugam a actividade exercida no seio de tais secções com a normalmente exercida junto da Administração fiscal. Todavia, tais objecções são superadas por outro sector da doutrina em nome da prática geralmente seguida de, por um lado, os presidentes das direcções regionais da Administração fiscal não assumirem directamente a presidência das Secções de Recurso e, por outro, os funcionários que compõem as mesmas secções não intervirem nas questões e nos processos de que se ocupam normalmente no seio da Administração fiscal. À luz de tal prática e das referidas disposições sobre os casos de impedimento, o Governo austríaco conclui que existem argumentos para sustentar que as Secções de Recurso são órgãos jurisdicionais na acepção do artigo 234.° CE.

21. Foi neste sentido, como se disse, que a Secção de Recurso se pronunciou expressamente, apoiando-se no referido § 271, n.° 1, BAO, que subtrai os membros das Secções de Recurso a qualquer vínculo ou instrucção externos.

22. Quanto ao requisito do contraditório, a Secção de Recurso afirma não poder duvidar-se da natureza contraditória do processo que corre perante ela, dado que é amplamente reconhecido às partes (isto é, aos contribuintes) o direito de fazer valer por escrito os seus pontos de vista e de participar numa eventual audiência (§§ 115, n.° 2, 161, n.° 1, 183, n.° 4, 279 e 284, n.° 1, BAO). Só a Comissão manifestou alguma perplexidade a este respeito, visto não estar prevista a participação no processo da Administração fiscal «de primeira instância». Tendo em conta, porém, o poder conferido aos presidentes das direcções regionais de impugnar as decisões das Secções de Recurso, a Comissão conclui que, não obstante, é possível sustentar a natureza contraditória do processo em causa; e isto especialmente se se considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «a exigência de um processo contraditório não é um critério absoluto» .

Apreciação

23. Passando a apreciar a questão, cremos poder limitar o nosso exame aos dois pontos controversos no presente caso, sem termos de analisar os outros requisitos exigidos pelo Tribunal: por maioria de razão, não nos parece que seja ocasião de reabrir nesta sede uma discussão sobre a idoneidade dos mesmos requisitos, considerados isoladamente ou no seu conjunto, para servirem de critérios de qualificação da natureza dos órgãos de reenvio.

24. Começando, portanto, pelo requisito do contraditório, observamos desde logo que as dúvidas expressas pela Comissão não nos parecem justificadas. Parece-nos, com efeito, que o carácter contraditório do processo em causa é suficientemente garantido pela ampla possibilidade oferecida aos contribuintes que contestam as decisões da Administração fiscal de fazerem valer os seus pontos de vista perante as Secções de Recurso. O facto de a Administração fiscal não ser formalmente representada no âmbito dos processos instruídos por um dos seus órgãos pode fazer duvidar, como diremos em breve, da efectiva «qualidade de terceiro» do órgão encarregado de julgar, mas não nos parece suficiente para excluir o carácter contraditório do processo.

25. Mais complexa e controversa é a questão da «qualidade de terceiro» das Secções de Recurso, isto é, o facto de estas poderem efectivamente ser consideradas como terceiros, por um lado, face aos contribuintes que interpõeem recurso e, por outro, face à Administração fiscal que adoptou as decisões impugnadas.

26. Recordamos a este respeito que, em alguns acórdãos precedentes, o Tribunal de Justiça considerou expressa e especificamente a «qualidade de terceiro» dos órgãos de reenvio como requisito necessário para lhes reconhecer a natureza de jurisdição na acepção do artigo 234.° CE, e isto especialmente nos casos em que os ditos órgãos pertenciam às Administrações que tinham adoptado as decisões impugnadas perante si . Assim, no acórdão Corbiau, o Tribunal de Justiça precisou claramente que «a noção de órgão jurisdicional se reveste de um carácter comunitário e só pode, pela própria natureza, designar uma autoridade que tenha a qualidade de terceiro em relação àquela que adoptou a decisão objecto do recurso» . Neste processo, a «qualidade de terceiro» foi em particular excluída relativamente ao director das contribuições e impostos do Luxemburgo na medida em que, «[c]olocado no topo dessa administração, tem uma ligação orgânica evidente com os serviços que determinaram a imposição contestada e contra a qual a reclamação que lhe foi apresentada é dirigida. Esta conclusão é confirmada, de resto, pelo facto de, em caso de eventual recurso para o Conseil d'État, o referido director ser parte no litígio» .

27. De igual modo, no acórdão Gabalfrisa, o Tribunal de Justiça considerou necessário avaliar se os Tribunales Económico-Administrativos espanhóis possuíam «a qualidade de terceiro relativamente aos serviços que adoptaram a decisão que é objecto da reclamação» . Neste processo, em especial, a questão colocava-se porque, como tinha sublinhado o advogado-geral A. Saggio, «o Tribunal económico-administrativo, como o próprio Governo espanhol reconhece, não pertence à administração da justiça, mas depende organicamente do Ministério da Economia e das Finanças (Ministerio de Economia y Hacienda)», isto é, da mesma «administração cujos actos são objecto de recurso para o Tribunal, pelos contribuintes» . Esta ligação orgânica com o Ministério das Finanças não foi, todavia, considerada suficiente pelo Tribunal de Justiça para excluir a «qualidade de terceiro» do órgão de reenvio, dado que a legislação espanhola garantia «uma separação funcional entre [...] os serviços da administração fiscal encarregados da gestão, da cobrança e da liquidação e [...] os Tribunales Económico-Administrativos, os quais decidem das reclamações apresentadas contra as decisões adoptadas pelos referidos serviços sem receber qualquer instrução da administração fiscal». Neste acórdão, o Tribunal não deu tanta importância ao facto de o órgão de reenvio e os serviços que adoptaram a decisão impugnada incorporados na mesma Administração como ao facto de, neste caso, estar garantida uma clara separação funcional entre ambos .

28. Posto isto, sem que seja necessário apreciar aqui a efectiva coerência dos acórdãos citados e a oportunidade de reconsiderar, como foi sugerido , a abordagem menos rigorosa adoptada no acórdão Gabalfrisa, parece-nos evidente que, segundo os critérios de apreciação seguidos nos dois acórdãos acima citados, as Secções de Recurso não se encontram, de qualquer forma, numa posição de «terceiros».

29. A este respeito, observo em primeiro lugar as Secções de Recurso são órgãos das direcções regionais da Administração fiscal, isto é, das administrações competentes para adoptar as decisões submetidas ao seu juízo. Além disso, como sublinha o Governo austríaco, tal ligação estrutural com a Administração fiscal, é, por outro lado, reforçada:

i) pelo papel especial confiado aos presidentes das direcções regionais, que, além de chefiarem tais ramos da Administração, assumem (pelo menos em princípio) também a presidência das Secções de Recurso e intervêm na sua formação, escolhendo discricionariamente os membros das Comissões de Recurso que devem compor cada secção ;

ii) pelo facto de mesmo o segundo membro da Secção de Recurso proveniente da Administração fiscal continuar a desempenhar normalmente as suas próprias funções no seio desta Administração.

30. No caso vertente, não só subsiste aquela «ligação orgânica evidente» com a Administração fiscal, que, no acórdão Corbiau, levou a que se negasse a natureza jurisdicional do director das contribuições e impostos, como relativamente aos membros das Secções de Recurso provenientes da Administração fiscal (entre os quais o presidente) não está sequer prevista aquela forma de «separação funcional» que, segundo a jurisprudência Gabalfrisa, poderia, ainda assim, garantir a «qualidade de terceiro» do órgão encarregado de julgar. De resto, tais objecções de princípio não podem ser afastadas com base na prática invocada pelo Governo austríaco segundo a qual, por um lado, os presidentes das direcções regionais não assumem directamente a presidência das Secções de Recurso e, por outro, os funcionários que compõem as referidas Secções não intervêm nas questões e nos processos de que se ocupam normalmente no seio da Administração fiscal. Com efeito, está claro que a natureza jurisdicional dos órgãos de reenvio deve ser apreciada com base na legislação vigente nos Estados-Membros e não em meras práticas nacionais, livremente modificáveis pelos sujeitos interessados e dificilmente controláveis pelo Tribunal de Justiça.

31. Que as Secções de Recurso não são «terceiros» face aos serviços da Administração fiscal donde provêm as decisões impugnadas parece ainda confirmado por outros dois elementos. Em primeiro lugar, pelo facto de aqueles serviços não assumirem o papel de «parte» no processo instaurado perante as Secções de Recurso, no qual só podem participar os contribuintes que contestam as decisões da Administração fiscal. A falta de participação no processo dos serviços responsáveis pela decisão impugnada contradiz, com efeito, a ideia de que as Secções de Recurso se encontram em posição de «terceiros» relativamente às duas partes opostas e parece, pelo contrário, pressupor que, nessa sede, são as próprias Secções de Recurso a tutelar os interesses da Administração. Em segundo lugar, o que foi dito parece confirmado também pelo facto de, como sublinhou a Comissão, as Secções de Recurso participarem na qualidade de recorridas nos eventuais recursos interpostos das suas decisões para os tribunais administrativos. A possibilidade de defender a sua própria decisão frente a um juiz administrativo e o facto de assumir o papel de parte no respectivo processo parecem-nos, com efeito, dificilmente conciliáveis com a posição de «terceiro» que deve distinguir a função jurisdicional. Isto resulta claramente, aliás, do acórdão Corbiau, onde se precisou que a ausência do requisito da «qualidade de terceiro» relativamente ao director das contribuições e impostos era «confirmada, de resto, pelo facto de, em caso de eventual recurso para o Conseil d'État, o referido director ser parte no litígio» .

32. Os dois elementos acima considerados induzem, na nossa opinião, a que se conclua que os processos perante as Secções de Recurso constituem na realidade simples recursos administrativos, mediante os quais os contribuintes podem fazer reexaminar as decisões da Administração fiscal por órgãos criados para este efeito no seio da mesma Administração (em que participam também sujeitos externos), aos quais é reconhecido um especial estatuto de independência. Observo, de resto, que, na ausência de uma clara separação funcional relativamente aos serviços de onde provêm as decisões impugnadas, o simples facto de os membros de tais órgãos administrativos estarem subtraídos ao controlo e às instruções dos superiores hierárquicos não vale, por si só, como garantia da «qualidade de terceiro» dos órgãos em questão .

33. À luz das considerações que precedem concluímos que as Secções de Recurso não estão na posição de «terceiros» nem relativamente aos contribuintes que interpõem recurso, por um lado, nem à Administração fiscal que adoptou a decisão impugnada, por outro. Daqui resulta que não se pode reconhecer-lhes natureza jurisdicional, na acepção do artigo 234.° CE, e que, por conseguinte, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre as questões prejudiciais que lhe foram submetidas. Resta sublinhar que tal conclusão não pode de modo nenhum prejudicar a aplicação uniforme do direito comunitário, visto que as decisões das Secções de Recurso podem ser impugnadas perante o Tribunal Administrativo, cuja natureza jurisdicional na acepção do artigo 234.° CE não suscita dúvida alguma.

Quanto ao mérito

34. Tendo em consideração as conclusões a que chegámos relativamente à admissibilidade da presente questão prejudicial, examinaremos apenas a título subsidiário as questões submetidas ao Tribunal de Justiça.

35. Recordamos a este respeito que na primeira questão a Secção de Recurso perguntou essencialmente se é compatível com o direito comunitário, e em especial com as disposições do Tratado sobre a livre circulação de capitais, uma norma nacional que prevê a possibilidade de aplicar o imposto especial com carácter liberatório («tributação definitiva») acima descrito apenas aos rendimentos de capitais nacionais. Na segunda questão perguntou se é compatível com o direito comunitário uma norma nacional segundo a qual, em caso de aplicação do imposto sobre os rendimentos normal, apenas os rendimentos de capitais nacionais podem beneficiar de uma redução de 50% da taxa aplicável.

36. Considerando que, como se viu, os sistemas de tributação a que se referem as duas questões podem ser escolhidos alternativamente (apenas) pelos titulares de rendimentos de capitais nacionais, parece-nos que convém proceder a uma análise conjunta dos referidos sistemas, de maneira a poder avaliar no seu conjunto a compatibilidade do regime em exame com o direito comunitário. Mais precisamente, parece-nos conveniente avaliar se é conforme às disposições do Tratado sobre a livre circulação de capitais o facto de se dar às pessoas que auferem rendimentos de capitais nacionais a possibilidade de escolher entre um dos dois sistemas de tributação acima descritos, enquanto aos rendimentos de capitais estrangeiros se aplica tão só ao imposto sobre rendimentos normal sem redução de taxa.

37. Para este fim dever-se-á, em primeiro lugar, estabelecer se um regime legal do tipo ora em causa pode determinar uma restrição aos movimentos de capitais, na acepção do artigo 73.° -B do Tratado, para depois, em caso afirmativo, apreciar se o referido regime legal pode ser justificado nos termos do artigo 73.° -D.

Quanto ao carácter restritivo do regime legal em causa

38. Relativamente ao primeiro aspecto devemos sobretudo recordar que «constituem restrições aos movimentos de capitais, na acepção [do artigo 73.° B do Tratado], as medidas impostas por um Estado-Membro susceptíveis de dissuadir os seus residentes de [...] efectuarem investimentos noutros Estados-Membros» . O Tribunal de Justiça precisou, mais particularmente, que «o facto de subordinar a concessão de uma vantagem fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares accionistas, como a isenção dos dividendos, à condição de estes provirem de sociedades com sede no território nacional constitui uma restrição aos movimentos de capitais» . Isto porque o referido regime:

por um lado, «tem como efeito dissuadir os nacionais de um Estado-Membro que residam [no Estado-Membro em causa] de investirem os respectivos capitais em sociedades com sede noutro Estado-Membro»;

por outro lado, «tem também efeito restritivo quanto às sociedades com sede noutros Estados-Membros na medida em que lhes levanta um obstáculo à recolha de capitais [no Estado-Membro em causa] visto que os dividendos que paguem aos residentes neste país serão tratados, em termos de fiscalidade, de forma menos favorável que os distribuídos por uma sociedade com sede [no mesmo país], pelo que as respectivas acções ou partes sociais serão menos atractivas para os investidores que residam neste país que as de sociedades com sede neste Estado-Membro» .

39. Assim precisada a noção de «restrições aos movimentos de capitais» na acepção do artigo 73.° -B, parece evidente ter de identificar-se tal restrição num regime como o que está em causa, o qual, relativamente aos rendimentos de capitais nacionais, permite escolher entre o imposto com carácter liberatório, à taxa fixa de 25%, e o imposto sobre rendimentos normal, a uma taxa reduzida em 50%, enquanto relativamente aos rendimentos de capitais estrangeiros prescreve a aplicação do imposto sobre rendimentos normal sem redução de taxa. Com efeito, não restam dúvidas de que tais normas reservam um tratamento de favor aos rendimentos de capitais nacionais, desencorajando os investidores nacionais de adquirir participações em sociedades de outros Estados-Membros e colocando a estas últimas um obstáculo à recolha de capitais no Estado-Membro em causa.

40. Que o regime legal austríaco em causa concede um tratamento de favor aos rendimentos de capitais nacionais relativamente aos rendimentos de capitais estrangeiros resulta, de resto, evidente do próprio caso que deu origem ao processo principal.

41. Os rendimentos de capitais que W. Schmid recebeu das sociedades alemãs concorreram de facto para a determinação do seu rendimento colectável e foram sujeitos ao imposto sobre rendimentos normal, à taxa de 27,17%, sem beneficiar de redução alguma. Se, em vez disso, os mesmos rendimentos tivessem sido distribuídos por uma sociedade austríaca, W. Schmid teria podido escolher entre as seguintes opções: i) sujeitar tais rendimentos ao imposto liberatório, com a consequência de os mesmos não concorrerem para a determinação do seu rendimento colectável (o que teria determinado uma redução da taxa aplicável aos outros rendimentos) e de lhes ser aplicada uma taxa fixa de 25%; e ii) sujeitar os rendimentos em questão ao imposto sobre rendimentos normal, com uma redução de 50% da taxa. Não restam dúvidas de que os rendimentos de capitais de W. Schmid receberam na Áustria um tratamento fiscal desfavorável relativamente ao que teriam recebido se fossem provenientes de sociedades austríacas.

42. Do que foi dito importa, portanto, reter que, ao reservar aos rendimentos de capitais nacionais um tratamento fiscal de favor relativamente aos rendimentos de capitais estrangeiros, o regime legal em causa comporta uma restrição aos movimentos de capitais em princípio proibida pelo artigo 73.° -B do Tratado.

Quanto à possível justificação do regime legal com base no artigo 73.° -D

43. Todavia, o facto de um regime legal como o que está em causa impor uma restrição aos movimentos de capitais na acepção do artigo 73.° -B do Tratado não acarreta necessariamente, como já se referiu, a sua incompatibilidade com as normas sobre a livre circulação de capitais. Recordamos novamente que nos termos do artigo 73-D, n.° 1, do Tratado, «[o] disposto no artigo 56.° não prejudica o direito de os Estados-Membros [...] [a]plicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido», nem o direito de «[t]omarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos» . Para responder às questões prejudiciais formuladas pela Secção de Recurso dever-se-á ainda apreciar se o referido regime legal pode ser justificado com base no artigo 73.° -D, n.° 1, do Tratado.

44. A este respeito, devo salientar que tal disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais , deve ser interpretada restritivamente e, portanto, não pode justificar disposições e medidas nacionais que constituam «um meio de discriminação arbitrária» ou «uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais [...] prevista no artigo 73.° -B» (Artigo 73.° -D, n.° 3, do Tratado). Daqui decorre que as restrições resultantes de um regime do tipo ora em causa apenas podem ser admitidas nos termos do artigo 73.° -D, n.° 1, quando as diferenças de tratamento entre os rendimentos de capitais nacionais e os rendimentos de capitais estrangeiros sejam objectivamente justificadas pela diferença das situações ou por motivos imperativos de interesse geral . De resto, recordamos que, relativamente às medidas destinadas a impedir violações da legislação fiscal nacional, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de esclarecer que «[u]ma medida, para poder ser abrangida pelo artigo 73.° -D do Tratado, deve respeitar o princípio da proporcionalidade, no sentido de que deve ser adequada a garantir a consecução do objectivo que prossegue e não ultrapassar o necessário para o atingir» ; para tal, a medida deve ainda ser «necessária para a protecção dos objectivos visados» que não podem ser «alcançados através de medidas menos restritivas da livre circulação de capitais» .

45. Para estabelecer se as restrições aos movimentos de capitais resultantes do regime fiscal em causa podem ser admitidas nos termos do artigo 73.° -D, n.° 1, do Tratado há, portanto, que apreciar se, como sustentam os Governos austríaco e francês, as diferenças de tratamento entre os rendimentos de capitais nacionais e os rendimentos de capitais estrangeiros são objectivamente justificadas e não comportam discriminações arbitrárias ou restrições dissimuladas à livre circulação de capitais.

46. A este respeito, a República da Áustria afirma em primeiro lugar que o imposto com carácter liberatório está previsto apenas para os rendimentos distribuídos por sociedades nacionais porque o mesmo pressupõe necessariamente a existência de um credor de imposto que, por força do direito austríaco, possa ser obrigado a proceder à retenção na fonte. Uma vez que, no caso dos rendimentos de capitais distribuídos por sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros tal obrigação não poderia ser imposta, seria tecnicamente impossível aplicar neste caso o imposto com carácter liberatório.

47. Tal argumentação não nos parece todavia convincente. Se é verdade, com efeito, que para aplicar na Áustria a retenção na fonte é necessária a presença de alguém que se substitua à Administração fiscal na cobrança do imposto neste país, não é verdade que o imposto com carácter liberatório pressupõe necessariamente uma retenção na fonte. Pensamos que para cobrar um imposto do tipo ora em causa (caracterizado por uma taxa fixa de 25% e pelo efeito liberatório) poderiam ser previstas modalidades técnicas diversas e de modo a poderem ser aplicadas sem dificuldade também aos rendimentos provenientes de sociedades estrangeiras.

48. De resto, como foi sublinhado pela Comissão, um exemplo neste sentido é oferecido pela própria legislação austríaca já referida, segundo a qual, em determinados casos em que não é possível proceder à retenção na fonte, o imposto com carácter liberatório pode ser satisfeito «mediante o pagamento em autoliquidação à entidade que distribui os dividendos de uma importância igual à que seria retida na fonte sobre os rendimentos de capitais» . Para os rendimentos provenientes de sociedades estrangeiras poder-se-ia, portanto, prever, uma forma similar de «pagamento em autoliquidação» à Administração fiscal, que permitisse aplicar também a estes rendimentos o imposto com carácter liberatório e eliminar assim as referidas restrições aos movimentos de capitais.

49. Em segundo lugar, no que se refere à redução de 50% da taxa no caso de sujeição de rendimentos de capitais nacionais ao imposto sobre rendimentos normal, os Governos austríaco e francês sustentam que tal redução se impõe para garantir a coerência do sistema fiscal nacional e que, à luz dos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica , tal finalidade «pode justificar uma regulamentação que restrinja as liberdades fundamentais» . O regime em exame seria em especial justificado pelo facto de os lucros obtidos pelas sociedades estabelecidas na Áustria estarem já sujeitos neste país a um imposto à taxa fixa de 34% e ser portanto incongruente tributar novamente os mesmos lucros no momento da sua distribuição aos accionistas, sujeitando-os integralmente ao imposto sobre rendimentos.

50. De opinião diferente é a Comissão, que considera injustificado o tratamento diferenciado dos dividendos conforme provenham de sociedades nacionais ou estrangeiras. Sublinha em especial que o regime em causa não pode ser justificado pela alegada exigência de garantir a coerência do sistema fiscal nacional para evitar uma forma de dupla tributação (em sentido económico), dado que o imposto sobre as sociedades e o imposto sobre os rendimentos de capitais dizem respeito a sujeitos diferentes.

51. Com efeito, parece-nos também que no caso vertente não se pode legitimamente invocar a exigência reclamada nos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica. Recordamos, com efeito, que nestes processos «existia um nexo directo, por estar em causa o mesmo contribuinte, entre a atribuição da isenção fiscal e a compensação deste benefício mediante tributação, efectuadas no quadro do mesmo imposto. Tratava-se, na ocorrência, do nexo entre a deductibilidade das contribuições e a tributação dos montantes devidos pelos organismos seguradores em cumprimento de contratos de seguro de reforma e de vida, que se impunha preservar para salvaguardar a coerência do sistema fiscal em causa» . No caso vertente não subsiste, pelo contrário, um nexo directo entre o imposto sobre as sociedades e a aplicação do imposto sobre rendimentos a uma taxa reduzida em 50%, dado que, tal como no processo Verkooijen, se trata de «impostos distintos que atingem contribuintes distintos» (as sociedades e os accionistas) . Conforme ficou estabelecido no acórdão Verkooijen, não consideramos, portanto, que as restrições aos movimentos de capitais resultantes do regime em causa possam ser justificadas pela exigência de garantir a coerência do regime fiscal nacional.

52. Em terceiro lugar, a República da Áustria afirma que o regime em causa pode ser justificado pelo facto de apenas rendimentos de capitais estrangeiros poderem beneficiar da dedução de «despesas profissionais», que não concorrem, portanto, para a determinação do rendimento colectável total.

53. Contudo, também este argumento pode ser facilmente rejeitado à luz do acórdão Verkooijen. Para refutar o argumento semelhante dos Países Baixos relativo à «eventual vantagem fiscal para os contribuintes que recebam [naquele país] dividendos de sociedades com sede noutro Estado-Membro» o Tribunal de Justiça considerou suficiente «salientar que resulta de jurisprudência constante que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode justificar-se pela existência de outras vantagens fiscais, supondo mesmo que tais vantagens existam» .

54. O Governo francês sustenta, por fim, que se o imposto com carácter liberatório ou a redução de taxa fossem estendidos aos dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros, a Administração fiscal do país de residência do accionista não poderia controlar de maneira eficaz os rendimentos provenientes das sociedades. O regime em causa poderia por isso ser justificado nos termos do artigo 73.° -D, n.° 1, alínea b), do Tratado, segundo o qual o disposto no artigo 73.° -B não prejudica o direito de os Estados-Membros «[t]omarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções à sua leis e regulamentos».

55. Na nossa opinião, todavia, tal argumento não tem fundamento. É evidente que o regime em causa não garante de modo algum a eficácia dos controlos fiscais, visto que o tratamento menos favorável reservado aos rendimentos de capitais estrangeiros não permite controlar se estes são regularmente declarados ao fisco austríaco para serem sujeitos ao imposto sobre rendimentos normal.

56. Resulta do que precede, portanto, que os elementos invocados pelos Governos austríaco e francês não podem justificar, na acepção do artigo 73.° -D, n.° 1, do Tratado, as restrições aos movimentos da capitais resultantes do regime fiscal em causa. Deve, portanto, concluir-se que o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado se opõe a uma legislação do tipo ora em causa, que permite apenas aos titulares de rendimentos de capitais nacionais escolher entre o imposto especial com carácter liberatório e o imposto sobre rendimentos normal, com redução de 50% da taxa, enquanto prevê que os rendimentos de capitais estrangeiros estão necessariamente sujeitos ao imposto sobre rendimentos normal sem redução de taxa.

Conclusões

57. À luz das considerações precedentes, propomos que o Tribunal declare que não é competente para se pronunciar sobre as questões prejudiciais colocadas pela Secção de Recurso. Caso, todavia, o Tribunal se considere competente, propomos que se responda a essas questões da seguinte forma:

«O artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado (actual artigo 56.° , n.° 1, CE) opõe-se a um regime do tipo previsto nos §§ 37 e 97 EStG 1988 (BGBl 1988/400, no texto publicado em BGBl 1996/797), que permite apenas aos titulares de rendimentos de capitais nacionais escolher entre o imposto especial com carácter liberatório e o imposto sobre rendimentos normal, com redução de 50% da taxa, enquanto prevê que os rendimentos de capitais estrangeiros estão necessariamente sujeitos ao imposto sobre rendimentos normal, sem redução de taxa. Tal regime legal não pode ser considerado justificado nos termos do artigo 73.° -D, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 58.° , n.° 1, CE).»