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Advertência jurídica importante

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62000C0078

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 7 de Junho de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. - Incumprimento de Estado - Artigos 17.º e 18.º da Sexta Directiva IVA - Reembolso do excedente de IVA através da atribuição de títulos da dívida pública - Categoria de contribuintes com créditos de imposto. - Processo C-78/00.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-08195


Conclusões do Advogado-Geral


1 Qualquer gestor de tesouraria pode, a dado momento, mesmo quando a situação da entidade de que depende seja fundamentalmente sã, ver-se confrontado com problemas delicados, quando as entradas de fundos do dia a dia não correspondem às saídas às quais deve fazer face. É a forma como a República Italiana resolveu enfrentar esse desequilíbrio que lhe vale dever hoje justificar-se perante o Tribunal de Justiça a propósito de um incumprimento que lhe imputa a Comissão das Comunidades Europeias.

2 Como explica o governo deste Estado-Membro, «em 1993, o Estado Italiano viu-se obrigado a preocupar-se com a perda imediata de receitas decorrente da cessação de cobrança, na alfândega, de IVA sobre a importação.

Entendeu então ser oportuno, para uma categoria limitada de sujeitos passivos (a saber, aqueles que no decurso do ano anterior, haviam registado importações intracomunitárias superiores a 10% do montante total de importações), prever que os seus créditos fiscais fossem reembolsados em títulos da dívida pública, e não reportados para dedução nos anos seguintes.

O reembolso em títulos da dívida pública, desde 1 de Janeiro de 1994, desta categoria de sujeitos passivos, que, antes da abertura das fronteiras aduaneiras, garantiam receitas fiscais imediatas, permitiu então à administração fiscal assegurar a estabilidade das receitas internas igualmente para o exercício de 1993».

3 As medidas adoptadas pela República Italiana figuram em dois textos sucessivos. Trata-se, em primeiro lugar, do Decreto-Lei n._ 16, de 23 de Janeiro de 1993 (GURI n._ 18, de 23 de Janeiro de 1993), convertido em Lei n._ 75, de 24 de Março de 1993 (GURI n._ 69, de 24 de Março de 1993).

4 O artigo 11._, do referido diploma prevê, nos seus primeiro e segundo parágrafos:

«Os sujeitos passivos que, no decurso do ano de 1992, efectuaram importações de outros Estados-Membros num montante superior a 10% do total das operações efectuadas no decurso do mesmo ano e que declararam um crédito de IVA não inferior a 100 milhões de liras, não poderão reportar esse crédito para dedução nos anos seguintes [...]

As disposições enunciadas no primeiro e segundo parágrafos do artigo 10._ aplicam-se à extinção dos créditos visados no primeiro parágrafo do presente artigo [...] [as referidas disposições regem a extinção dos créditos resultantes da liquidação das declarações anuais de rendimentos e de IVA, pela atribuição de títulos da dívida pública aos sujeitos passivos em questão]. Neste caso, o pedido [de reembolso do IVA através da atribuição de títulos da dívida pública] deve ser apresentado, o mais tardar, até 31 de Março de 1993; a data limite para a execução das operações de verificação é fixada em 30 de Junho de 1993; os juros relativos a cada crédito devem ser calculados em 31 de Dezembro de 1993, a fruição dos títulos da dívida pública verifica-se a partir de 1 de Janeiro de 1994; o valor máximo dos títulos emitidos não pode exceder 7 500 mil milhões de liras, sendo esta despesa imputada na rubrica apropriada do orçamento do Ministério do Tesouro para o exercício financeiro de 1993; o decreto do Ministro do Tesouro, relativo às características, às modalidades e aos procedimentos de atribuição dos títulos da dívida pública, deverá ser publicado no Jornal Oficial o mais tardar em 30 de Novembro de 1993.»

5 Estas modalidades específicas de reembolso foram prorrogadas pelo Decreto-Lei n._ 250, de 28 de Junho de 1995 (GURI n._ 150, de 29 de Junho de 1995), convertido na Lei n._ 349, de 8 de Agosto de 1995 (GURI n._ 196, de 23 de Agosto de 1995), cujo artigo 3._bis, primeiro parágrafo, dispõe:

«Com vista à extinção dos créditos de imposto sobre o valor acrescentado e dos juros respectivos resultantes das declarações relativas ao ano de 1992 apresentadas pelos sujeitos passivos visados no artigo 11._, primeiro parágrafo, do Decreto-Lei n._ 16, de 23 de Janeiro de 1993, convertido em Lei n._ 75, de 24 de Março de 1993, ainda não reembolsados na data da entrada em vigor do presente decreto, o Ministro do Tesouro está autorizado a emitir novos títulos da dívida pública com livre circulação a partir de 1 de Janeiro de 1996 e com uma duração de dez anos, para um montante máximo de 400 mil milhões de liras [...]»

6 Recorde-se que o mecanismo comunitário do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») está inteiramente articulado em torno do princípio segundo o qual qualquer sujeito passivo tem direito a deduzir do imposto do qual é devedor em razão das operações que tenha efectuado, o imposto que ele próprio haja pago aos seus fornecedores no momento da aquisição dos bens ou serviços necessários ao exercício da sua actividade, o que distingue radicalmente o IVA dos sistemas de impostos em cascata, nos quais os impostos pagos nas diversas etapas do circuito comercial se adicionam.

7 Este princípio vem traduzido nos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (1) (a seguir «Sexta Directiva»).

8 O artigo 17._, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva estabelece:

«1. O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

b) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens importados;

c) o imposto sobre o valor acrescentado devido nos termos do n._ 7, alínea a), do artigo 5._ e do n._ 3 do artigo 6._»

9 O artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva dispõe, por seu lado:

«Quando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido num determinado período fiscal, os Estados-Membros podem operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respectivo reembolso, nas condições por eles fixadas.

Todavia, os Estados-Membros podem recusar o transporte ou o reembolso quando o excedente for insignificante.»

10 Entendendo que as disposições da legislação italiana supracitadas constituíam violação destes artigos da Sexta Directiva, a Comissão intentou contra a República Italiana a acção por incumprimento registada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Março de 2000 sob o número C-78/00, ora em apreço.

11 No petição da acção, a Comissão conclui pedindo ao Tribunal que declare que, ao prever a substituição do reembolso do IVA pela atribuição de títulos da dívida pública - de resto, realizada tardiamente - a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de imposto para 1992, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem em virtude do disposto nos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva, e condene a República Italiana nas despesas. Esta última conclui, por seu lado, pedindo que a acção seja julgada improcedente.

12 Analisemos, antes de mais, qual é exactamente a violação da Sexta Directiva que a Comissão imputa à República Italiana, pois resulta da leitura da correspondência trocada entre as duas partes, durante a fase pré-contenciosa do litígio, que poderá ter existido alguma ambiguidade relativamente a este ponto.

13 Com efeito, num primeiro momento, a Comissão defendeu que a atribuição dos títulos de empréstimo aos sujeitos passivos titulares de um crédito de IVA para 1992, constituía, nas condições em que havia sido efectuada, uma violação da regra que impõe que o reporte seja efectuado no período seguinte àquele em que surgiu um montante de dedução autorizado superior ao imposto que deveria ser pago ao Tesouro.

14 Defendia, a esse propósito, não só que esta atribuição devia ter sido efectuada, segundo as próprias disposições da legislação italiana, em 1994, e não em 1993, como também, e talvez sobretudo, que a atribuição dos títulos se tinha, na realidade, verificado, em numerosos casos, com atrasos significativos.

15 Em contrapartida, não contestava, de forma clara, o reembolso sob a forma da atribuição de títulos. Só mais tarde a Comissão veio a sustentar, de forma explícita, que a atribuição de títulos da dívida pública não consubstanciava um reembolso nos termos previstos no artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, passando a entender a atribuição dos referidos títulos apenas como uma circunstância agravante da infracção.

16 Esta clarificação verificou-se contudo suficientemente cedo para que a acção não possa ser contestada com fundamento em discordância entre a interpelação, o parecer fundamentado e a petição.

17 O Governo italiano não perde, evidentemente, a oportunidade de retirar argumentos de fundo do que pode parecer uma oscilação na posição da Comissão, mas não contesta a admissibilidade da acção, e os argumentos que apresenta em sua defesa assentam na questão de saber se, tendo escolhido usar a faculdade que lhe é concedida pelo artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva de optar pelo reembolso dos créditos do IVA em vez do reporte para o exercício seguinte, podia legitimamente proceder a esse reembolso através da atribuição de títulos de dívida pública.

18 Quais são os argumentos em confronto?

19 Segundo a Comissão, que se apoia no acórdão de 18 de Dezembro de 1997, Molenheide e o. (2), quando um Estado-Membro opta pelo reembolso de um crédito de IVA, esse reembolso deve ser imediato e deve consistir em pôr à disposição do sujeito passivo o montante em dinheiro.

20 É certo que os Estados-Membros podem fixar as modalidades de reembolso, mas unicamente se não for posto em causa esse carácter imediato e essa liquidez.

21 Ora, não poderemos considerar que esse carácter imediato e essa liquidez estão assegurados quando é atribuído ao sujeito passivo um título da dívida pública com vencimento a 5 ou 10 anos.

22 Esse sujeito passivo, se pretender efectivamente dispor, para fazer face às necessidades do seu negócio, do montante que lhe é devido pelo Estado italiano, deverá encontrar um adquirente para o título de empréstimo que lhe foi atribuído, sem ter a certeza de que este o comprará pelo seu valor nominal, devendo, além disso, seguramente, pagar as comissões cobradas pelo intermediário financeiro que intervier na transacção.

23 Com efeito, segundo a Comissão, a operação realizada pela República Italiana apresenta todas as características de um empréstimo forçado.

24 Diversa é, evidentemente, a posição do Governo italiano. Este alega, antes do mais, que não operou nenhuma redução dos créditos de IVA de que os sujeitos passivos eram titulares. Os créditos destes foram reconhecidos na íntegra. Sustenta, em seguida, que tendo optado pelo reembolso em vez do reporte, não fez mais do que utilizar a faculdade que lhe oferecia o artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, de definir as modalidades de reembolso.

25 A este propósito, argumenta que, por «fixar as condições», deve entender-se mais do que a escolha entre o cheque bancário, a transferência bancária ou postal ou a remessa em dinheiro.

26 Segundo este governo, muitas outras modalidades podem ser encaradas, desde que não conduzam a uma espoliação do sujeito passivo titular de um crédito de IVA.

27 Ora, neste aspecto, nenhuma censura poderia ser formulada a respeito das modalidades soberanamente escolhidas pela República Italiana.

28 Com efeito, se os títulos só foram emitidos a partir de 1 de Janeiro de 1994, os sujeitos passivos beneficiaram até essa data dos juros previstos na legislação italiana em matéria de reembolso de imposto. Os próprios títulos da dívida produziam juros a uma alta taxa com um diferencial relativamente à inflação, que atingia, por exemplo, 7,8% em 1998.

29 Até 1999, esta taxa de juro ter-se-ia revelado constantemente superior à taxa prevista para os reembolsos de impostos. Em todo o caso, os títulos eram negociáveis sem nenhuma dificuldade, sendo admitidos à cotação oficial, e podiam, em princípio, tendo em conta a taxa de juro que lhes era aplicável, ser negociados acima do seu valor nominal, de forma que o sujeito passivo, caso o pretendesse, tinha a possibilidade, a todo o momento, de obter, em troca dos seus títulos, um montante em dinheiro pelo menos igual ao valor do seu antigo crédito de IVA.

30 O Governo italiano salienta, finalmente, que, concentrando as suas críticas sobre o atraso com que os títulos foram atribuídos, a Comissão teria, de facto, reconhecido que a extinção de um crédito de IVA, através da atribuição, a título de reembolso, de títulos de um empréstimo de Estado, é perfeitamente admissível à luz do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, desde que a atribuição dos títulos não sofra qualquer atraso que cause prejuízo económico ao sujeito passivo.

31 Reconhece que, neste aspecto, se podem ter verificado alguns atrasos, mas afirma que estes eram devidos a certas dificuldades e erros materiais ao nível das administrações implicadas, e que tal não pode pôr em causa, no seu princípio, a operação.

32 O que valem estes argumentos?

33 Digamos, desde já, que uma questão de princípio só pode ter uma resposta de princípio, e que, consequentemente, não vemos qualquer interesse em discutir os lucros ou as perdas que teriam registado, em concreto, os sujeitos passivos italianos aos quais foram atribuídos, para reembolso dos seus créditos de IVA, títulos da dívida pública.

34 A única questão à qual temos que responder é a de saber se esta atribuição é, por si só, admissível ao abrigo das regras previstas na Sexta Directiva.

35 A esta simples questão a nossa resposta é claramente negativa. Se nos reportarmos ao texto do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, constatamos que o direito à dedução, sempre que no final de um período de tributação o sujeito passivo se encontre em situação creditícia, deve levar, por escolha do Estado-Membro em causa, quer ao reporte do excedente para o período seguinte quer ao reembolso.

36 Está excluído que o legislador comunitário tenha querido abrir duas possibilidades com resultados tão diferentes para os sujeitos passivos. Seria manifestamente esse o caso se, quando um Estado-Membro optasse pelo reembolso, o sujeito passivo tivesse que esperar anos até poder dispor, em dinheiro, do montante devido, enquanto que o sujeito passivo autorizado a reportar o seu crédito no exercício seguinte veria o seu crédito rapidamente satisfeito por via de compensação.

37 Resta saber qual é o último momento em que o reembolso tem de se verificar. A Comissão cita, a este propósito, o acórdão de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz (3), no qual o Tribunal declarou que «o direito a dedução previsto nos artigos 17._ e seguintes da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Segundo jurisprudência constante [...], este direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante».

38 O «direito à dedução» exerce-se pois «imediatamente», mas poder-se-á daqui deduzir algo no que toca ao momento em que o «reembolso» de um excedente de IVA deve ser efectuado por um Estado-Membro?

39 No n._ 45 do acórdão Molenheide e o., já referido, o Tribunal alerta para «a obrigação que incumbe às autoridades nacionais de proceder a um reembolso imediato nos termos do artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva».

40 A este propósito, convém no entanto lembrar que, de acordo com o disposto no artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva, o problema do reporte do excedente ou do reembolso apenas se coloca quando «o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido em determinado período fiscal» (4).

41 Se o direito à dedução nasce pois «imediatamente», e diversas vezes, no decurso de determinado período, o direito ao reporte ou ao reembolso do excedente só pode ser exercido no termo do período em questão. Não deverão ser confundidos entre si.

42 Não deixa também de ser verdade que, a partir do final de determinado «período fiscal», os Estados-Membros deverão permitir o reporte do excedente para o período seguinte ou reembolsar. Como a compensação entre o crédito reportado e as novas dívidas de IVA será efectuada de forma progressiva ao longo do novo período, poderia conceber-se que o reembolso se pudesse também operar em várias etapas no decurso do mesmo período. Mas deveria estar terminado, o mais tardar, no final deste mesmo período.

43 Não é, pois, admissível que créditos fiscais relativos ao exercício de 1992 possam ser «reembolsados» a partir de 1 de Janeiro de 1994, através da atribuição de títulos de empréstimo emitidos pelo Estado que se vencem ao fim de 5 ou 10 anos.

44 A única certeza quanto a um título deste tipo (evidentemente, excluindo a hipótese, apesar de o passado nos ter ensinado que não é puramente teórica, de bancarrota do Estado) é a do reembolso no prazo fixado, precedido de um pagamento periódico de juros à taxa fixada. Esta certeza está nos antípodas da liquidez associada a um pagamento em moeda com curso legal no Estado em que se efectua o pagamento, que se verifique o mais tardar no termo do período fiscal seguinte.

45 Efectivamente, na prática, como afirma o Governo italiano, o facto de tais títulos serem admitidos a cotação oficial confere-lhes igualmente uma certa forma de liquidez. Mas esta liquidez está longe de ser sempre perfeita. A Bolsa é um mercado onde apenas pode vender aquele que encontra um comprador e a admissão a cotação oficial não constitui, por si só, garantia de que qualquer vendedor encontrará sempre - seja qual for o número de títulos dos quais se quer desfazer - um comprador pronto para os adquirir. É ainda menos garantido que esse eventual comprador esteja disposto a pagar um preço correspondente ao valor nominal do título.

46 Qualquer pessoa que conheça minimamente o funcionamento do mercado bolsista sabe que a cotação das obrigações, isto é, dos títulos de empréstimo, varia em função da evolução da taxa de juro. Um título de empréstimo a 3% não terá qualquer comprador pelo seu valor nominal se a taxa das novas emissões se estabelecer em 5%. O comprador de um título antigo a 3% só estará disposto a pagar um preço que lhe assegure um rendimento real de 5%, ou seja, um preço largamente inferior ao valor nominal. Pelo contrário, um título que produza 10% de juros será vendido acima do seu valor nominal, se as novas emissões apenas oferecerem uma taxa de juro de 5%.

47 Se o detentor de um título de empréstimo decidir vendê-lo antes do vencimento, vê-se confrontado com a sorte, que pode sorrir-lhe hoje, mas ser-lhe desfavorável amanhã.

48 Ora, quando o artigo 18._, n._ 4, da Sexta Directiva se refere ao reembolso, não pretende certamente incluir, entre os modos de reembolso, uma modalidade que confronta o credor com o acaso, seja ele qual for.

49 Acresce que a negociação de um título de empréstimo na Bolsa dá necessariamente origem a despesas, visto que pressupõe a intervenção de um intermediário, forçosamente remunerado. Só se o comprador pagar um preço superior ao valor nominal é que o vendedor de um título pode esperar receber efectivamente um montante igual ao valor nominal.

50 Perante a afirmação do Governo italiano de que a atribuição ao sujeito passivo de títulos de empréstimo emitidos pelo Estado não coloca problemas ao nível da liquidez, os interessados poderiam suscitar uma questão insidiosa, mas perfeitamente pertinente, a de saber se, para pagar os diferentes impostos a que estão sujeitos em virtude da sua actividade, lhes é permitido apresentar para pagamento os títulos que lhes foram atribuídos, em vez de pagarem através de cheque ou de transferência.

51 Na nossa opinião, não há dúvidas quanto à resposta que obteriam por parte do Tesouro italiano. Por maioria de razão, dificilmente concebemos, uma vez que as autoridades italianas ainda não seguiram a via traçada pelos revolucionários franceses que decretaram o curso forçado dos assignats, a possibilidade de agirem desse modo para pagar aos seus fornecedores ou assalariados, se estes pudessem legitimamente, tendo em conta o disposto na Sexta Directiva, contar com os seus créditos de IVA para assegurar o equilíbrio das suas tesourarias.

52 Realçamos também que a tónica posta pelo Governo italiano no «bom negócio» que, segundo ele, teriam realizado os sujeitos passivos aos quais foram atribuídos os títulos criados a partir de 1994, na sequência da evolução das taxas de juro em Itália, é revelador da tentativa deste governo de fugir o mais possível ao debate no terreno dos princípios, no qual a sua posição é indefensável.

53 Parece-nos igualmente revelador o facto de o Governo italiano, numa nota de 19 de Fevereiro de 1999 do gabinete do Ministro do Tesouro, do Orçamento e do Planeamento Económico, junta aos autos, afirmar - para explicar que a operação realizada em aplicação dos supracitados decretos-lei de 1993 e de 1995 não pode, de forma alguma, ser entendida como um reporte para lá do período seguinte ao do exercício do direito à dedução e que implicou, pelo contrário, a extinção de qualquer dívida do Tesouro italiano no tocante ao IVA perante os sujeitos passivos em questão - que estamos em presença de «uma modalidade de reembolso que consistiu em substituir a dívida constituída pelo crédito fiscal do sujeito passivo por outra dívida representada pelo título da dívida pública».

54 Pela nossa parte, não podemos admitir que o sistema comunitário do IVA se possa conformar com aquilo que aparenta ser um truque de prestidigitação, graças ao qual o Estado italiano teria reembolsado os seus credores, assumindo perante eles uma dívida com vencimento longínquo.

55 Este tipo de operação talvez caiba entre as prerrogativas do «poder soberano» do legislador italiano, para retomar uma expressão utilizada pelo Governo italiano numa das notas por ele dirigidas à Comissão, mas unicamente no que respeita a imposições que escapam totalmente ao domínio do direito comunitário.

56 Em conclusão da presente análise, relativa à admissibilidade, face à Sexta Directiva, da operação efectuada pela República Italiana, não podemos deixar de partilhar da opinião da Comissão, segundo a qual se trata, de facto, de um empréstimo forçado.

57 Ao titular de um crédito que dá direito a um pagamento imediato em dinheiro é atribuído, em vez desse pagamento, outro título de crédito que, por decisão do legislador, extingue a dívida do Tesouro respeitante ao IVA.

58 Segundo a Comissão, tal substituição deve, nas relações entre duas entidades privadas, ser analisada como uma novação.

59 Pela nossa parte, entendemos que a operação realizada pela República Italiana se aparenta mais a uma dação em cumprimento.

60 Mas, seja como for, nas relações de direito privado, uma operação desse tipo necessita evidentemente do acordo do credor.

61 Mesmo admitindo que no direito público italiano tal não seja o caso, este direito não poderia sobrepor-se ao direito comunitário, o qual entendemos ter demonstrado que interdita esse modo de reembolso dos créditos do IVA.

62 Tendo afastado, desde o início, qualquer discussão sobre o efeito concreto, para os sujeitos passivos, dos supracitados decretos-lei de 1993 e de 1995, visto que, na nossa opinião, a existência do incumprimento é totalmente independente deste efeito, não nos deteremos sobre as considerações apresentadas pela Comissão no tocante à particular gravidade desse incumprimento, tendo em conta que os títulos de empréstimo só foram atribuídos tardiamente. Sendo a acção por incumprimento uma acção de simples apreciação e não tendo o Tribunal, em nenhum caso, que se pronunciar sobre qualquer sanção, relativamente à qual a gravidade da infracção poderia revelar-se importante, parece-nos que, ainda que essa circunstância apontada pela Comissão seja efectivamente de molde a tornar ainda mais patente o incumprimento da República Italiana, o Tribunal não tem que a mencionar no dispositivo do acórdão.

63 A gravidade da infracção constituiria, certamente, um elemento a ter em conta se o Tribunal fosse levado a exercer as competências que lhe são conferidas pelo artigo 171._, n._ 2, do Tratado CE (actual artigo 228._, n._ 2, CE), mas tal não é o caso no presente processo.

64 Resta-nos um último ponto a examinar. São as considerações tecidas pela República Italiana a respeito das dificuldades que enfrentaria caso o Tribunal julgasse procedente o pedido da Comissão.

65 Permitimo-nos ser extremamente breves neste ponto, sendo tão claro que tais considerações não podem de modo nenhum, à luz da jurisprudência constante, ser tomadas em consideração no caso de uma acção fundada no artigo 169._ do Tratado CE (actual artigo 226._ CE). Ou há incumprimento e o Tribunal não pode deixar de o declarar, ou não há, e a acção improcede. Uma vez declarado o incumprimento pelo acórdão do Tribunal de Justiça, cabe ao Estado-Membro ver qual a medida a adoptar para fazer cessar esse incumprimento. Se entender que tal é impossível, deverá informar a Comissão. Caberá então a esta apreciar se se justifica intentar uma nova acção, ao abrigo do artigo 171._, n._ 2, do Tratado, e, em última instância, será ao Tribunal de Justiça que caberá decidir, caso tal acção seja intentada, se o Estado-Membro não cumpriu as suas obrigações ao não assegurar uma execução satisfatória do acórdão sobre o incumprimento, e se se justifica a condenação no pagamento de uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária.

66 Mas, tal como para a gravidade do incumprimento, também estas considerações não são pertinentes no presente processo.

67 Antes de concluir, gostaríamos ainda de notar, apesar de tal não ter sido invocado em nenhuma das peças processuais escritas, que a operação decidida pela República Italiana não constitui apenas violação da Sexta Directiva.

68 Com efeito, como a atribuição de títulos de dívida pública em substituição do reembolso previsto na Sexta Directiva, só foi efectuada em relação a determinados sujeitos passivos que dispunham de um crédito de IVA decorrente de importações efectuadas a partir de outros Estados-Membros, parece-nos óbvio, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que estamos perante uma violação do artigo 95._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90._ CE). O IVA é, com efeito, uma imposição interna abrangida na previsão deste artigo, que é muito directamente infringido pela discriminação operada, no que respeita às modalidades de restituição de um excesso de cobrança de imposto, entre os importadores e os outros operadores.

Conclusão

69 Em conclusão, propomos ao Tribunal:

- que declare que, ao prever a substituição do reembolso do imposto sobre o valor acrescentado pela atribuição de títulos da dívida pública a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de impostos para 1992, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem em virtude do disposto nos artigos 17._ e 18._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme;

- condenar a República Italiana nas custas.

(1) - JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(2) - C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96, Colect., p. I-7281, n._ 45.

(3) - C-62/93, Colect., p. I-1883, n._ 18.

(4) - Sublinhado pelo autor.