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Advertência jurídica importante

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62000C0136

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 21 de Março de 2002. - Rolf Dieter Danner. - Pedido de decisão prejudicial: Kuopion hallinto-oikeus - Finlândia. - Seguro de reforma voluntário - Subscrição numa companhia estabelecida noutro Estado-Membro - Não dedutibilidade dos prémios - Compatibilidade com os artigos 6.º e 59.º do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.º CE e 49.º CE), 60.º, 73.º-B e 73.º-D do Tratado CE (actuais artigos 50.º CE, 56.º CE e 58.º CE), bem como 92.º do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.º CE). - Processo C-136/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-08147


Conclusões do Advogado-Geral


1. O presente processo, submetido pelo Kuopion hallinto-oikeus (Tribunal Administrativo de Kuopio, Finlândia), respeita, no essencial, à questão da compatibilidade com a livre prestação de serviços das disposições legais finlandesas em matéria fiscal que impedem ou restringem a dedução, para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, dos prémios de seguros de pensão voluntários pagos a companhias de seguros de pensões estrangeiras. O processo é, sob vários aspectos, idêntico aos processos Bachmann e Comissão/Bélgica e proporciona ao Tribunal de Justiça uma oportunidade excelente para verificar o modo como os princípios estabelecidos naqueles processos evoluíram ao longo dos últimos dez anos.

As disposições finlandesas em matéria de dedutibilidade dos prémios de seguros de pensão

2. Nos termos do artigo 96.° , n.° 1, da tuloverolaki (Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, a seguir «LIRPS»), os prémios de seguros de pensão pagos ao abrigo de certos regimes obrigatórios ou legais são dedutíveis na íntegra do rendimento tributável. Esta norma é, de igual modo, aplicável aos prémios pagos ao abrigo de regimes estrangeiros semelhantes.

3. Os prémios de seguros de pensão voluntários estão sujeitos a normas distintas consoante o seguro tenha sido celebrado com uma seguradora finlandesa ou estrangeira e, neste último caso, em função do ano de referência.

4. Nos termos do artigo 96.° , n.os 2 a 6, da LIRPS, os prémios pagos ao abrigo de regimes de pensão voluntários geridos por companhias de seguros finlandesas são, sob determinadas condições e dentro de certos limites, dedutíveis na íntegra ou em parte. A dedução dos prémios na íntegra é permitida, por exemplo, até ao montante de 50 000 FIM, se a pensão for paga a título de pensão de velhice não antes de o segurado completar 58 anos e o mesmo puder provar que a pensão a que teoricamente tem direito não ultrapassa determinada percentagem do seu rendimento . As partes estão de acordo em que, até 1996, as disposições do artigo 96.° , n.os 2 a 6, se aplicavam, sem distinção, aos prémios pagos às seguradoras finlandesas e às estrangeiras.

5. O artigo 96.° , n.° 9, da LIRPS - introduzido menos de doze meses após a adesão da Finlândia à União Europeia e que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1996 - exclui actualmente a dedução dos prémios de seguros de pensão voluntários contratados com seguradoras estrangeiras. A título de excepção, os prémios pagos a companhias estrangeiras continuam a ser dedutíveis em duas situações, nomeadamente:

- quando a pensão é paga por um estabelecimento permanente na Finlândia de uma seguradora estrangeira; e

- quando o interessado tenha transferido a sua residência do estrangeiro para a Finlândia e não tenha estado sujeito, de um modo geral, a impostos na Finlândia, durante os cinco anos anteriores à mudança de residência; neste caso, os prémios são, todavia, dedutíveis apenas no ano da mudança de residência e nos três anos seguintes.

6. O artigo 96.° , n.° 9, está também sujeito a uma disposição transitória. Relativamente aos anos fiscais de 1996 e 1997, os prémios de seguros de pensão voluntários contratados com companhias estrangeiras antes de 1 de Setembro de 1995 estão sujeitos às disposições em vigor em 1995, mas apenas até ao montante de 15 000 FIM anuais.

7. O grupo de trabalho em cuja proposta se baseia o novo artigo 96.° , n.° 9, considerou necessário proibir a dedução dos prémios de seguros de pensão voluntários estrangeiros porque a pensão paga na devida altura ficaria frequentemente excluída, na prática, da tributação na Finlândia, ou porque o beneficiário teria partido para o estrangeiro, ou devido a uma deficiente circulação de informação quanto ao pagamento das pensões .

8. No decurso do processo legislativo que conduziu à adopção do artigo 96.° , n.° 9, o Governo finlandês declarou que o regime fiscal respeitante aos seguros de pensão voluntários formava um conjunto coerente, no qual a dedutibilidade dos prémios de seguros de pensão se baseava na presunção de que, numa fase posterior, as respectivas pensões estariam sujeitas a tributação. A nova disposição foi, assim, justificada pelo facto de ser impossível assegurar a tributação, na Finlândia, das pensões pagas por seguradoras estrangeiras ou verificar se as mesmas preenchiam as várias condições de dedutibilidade previstas no artigo 96.° , n.os 2 a 8, da LIRPS .

Matéria de facto e decisão de reenvio

9. R. D. Danner é médico, de nacionalidades alemã e finlandesa. Aparentemente , viveu e trabalhou na Alemanha até 1977, altura em que se mudou para a Finlândia.

10. Em 1976 começou a pagar prémios de seguro de pensão à Bundesversicherungsanstalt für Angestellte (BfA) e à Berliner Ärtzeversorgung. Segundo informações fornecidas por R. D. Danner, a BfA gere um regime geral de seguros de pensão, o qual é, em princípio, obrigatório para todos os trabalhadores assalariados na Alemanha. Os prémios pagos à BfA, bem como as prestações por esta concedidas estão regulamentados por lei. A Berliner Ärtzeversorgung gere um regime suplementar de seguros de pensão criado por uma organização profissional de médicos, em princípio obrigatório para todos os médicos que trabalham na área geográfica (Berlim) a que o mesmo se aplica. Os prémios pagos à Berliner Ärtzeversorgung, bem como as prestações por esta concedidas, são regulados pelas normas internas desta instituição.

11. Após se ter instalado na Finlândia, R. D. Danner continuou a pagar prémios para os dois regimes alemães. Segundo o mesmo, embora não fosse legalmente exigível, tinha, de facto, de continuar a pagar os prémios à BfA se quisesse beneficiar de uma pensão no caso de invalidez. Além disso, os pagamentos para os dois regimes aumentavam os montantes das pensões a que teria direito.

12. Em 1996, o ano fiscal em causa, R. D. Danner pagou prémios de seguros de pensão às duas seguradoras alemãs no total de 11 176 DEM. No mesmo ano, celebrou um contrato de seguro de pensão com a Keskinäinen Henkivakuutusyhtiö e pagou prémios a esta companhia de seguros de pensão finlandesa no montante de 17 635 FIM. Na sua declaração fiscal relativa a 1996, indicou para efeitos de dedução do seu rendimento, prémios de seguros de pensão num total de 51 163 FIM.

13. As autoridades fiscais só lhe permitiram deduzir os prémios dos seguros de pensão voluntários até ao limite de 10% do seu rendimento colectável, isto é, 22 562 FIM. O pedido de R. D. Danner de rectificação dessa liquidação foi indeferido por decisão de 17 de Fevereiro de 1998.

14. R. D. Danner interpôs recurso dessa decisão para o Kuopion hallinto-oikeus, alegando, para o efeito, que os prémios dos seguros de pensão pagos em 1996 deveriam ser deduzidos na íntegra. Sustenta, em primeiro lugar, que os prémios pagos para os regimes das duas instituições alemãs devem ser considerados prémios para um regime obrigatório e, portanto, inteiramente dedutíveis, em conformidade com o artigo 96.° , n.° 1, da LIRPS. Subsidiariamente, alega que o artigo 96.° , n.° 9, introduzido recentemente, que obsta à dedutibilidade dos prémios de seguros de pensão voluntários celebrados com seguradoras estrangeiras e a respectiva disposição transitória com o seu limite máximo de 15 000 FIM são contrários ao direito comunitário. A dedutibilidade dos prémios pagos às duas seguradoras alemãs deve, por conseguinte, ser apreciada segundo as normas aplicáveis aos prémios de seguros de pensão voluntários celebrados com as seguradoras finlandesas.

15. Por decisão de 22 de Março de 2000, o Kuopion hallinto-oikeus submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A restrição [...] do direito a deduzir do rendimento tributável os prémios de seguros de pensão pagos fora da Finlândia, prevista no artigo 96, n.° 9, primeira parte, da lei finlandesa do imposto sobre o rendimento, viola o artigo 59.° do Tratado CE [...] ou as outras disposições referidas no recurso (artigos 6.° , 60.° , 73.° -B, 73.° -D e 92.° do Tratado CE [...])?»

16. Foram apresentadas observações escritas por R. D. Danner, pelos Governos finlandês e dinamarquês, pela Comissão e pelo Órgão de Fiscalização da EFTA. R. D. Danner e o Governo finlandês responderam por escrito a perguntas colocadas pelo Tribunal de Justiça. Todos quantos apresentaram observações escritas estiveram representados na audiência.

Alcance e pertinência da questão submetida

17. Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se normas como o artigo 96.° , n.° 9, da LIRPS e a respectiva disposição transitória, que impedem ou restringem a dedutibilidade dos prémios de seguros de pensão voluntários geridos por seguradoras estrangeiras são contrárias:

- ao artigo 49.° CE, que garante a livre prestação de serviços,

- ao artigo 56.° CE, que garante a livre circulação de capitais,

- ao artigo 12.° CE, que proíbe a discriminação em razão da nacionalidade, e

- ao artigo 87.° CE, que respeita aos auxílios de Estado.

18. À luz dos factos do processo principal e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Comissão sugere que o Tribunal de Justiça examine, de igual modo, a compatibilidade de tais normas nacionais com o artigo 39.° CE ou com o artigo 43.° CE, os quais garantem a livre circulação dos trabalhadores e a liberdade de estabelecimento , respectivamente.

19. Em nossa opinião, pode presumir-se que o órgão jurisdicional de reenvio - que tem perfeito conhecimento dos acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos nos processos Bachmann, Safir e noutros processos pertinentes - optou, deliberadamente, por não submeter uma questão a respeito desses artigos. Além disso, não foram apresentadas observações acerca da sua interpretação. Propomos, por conseguinte, tratar apenas as disposições mencionadas expressamente na decisão de reenvio.

20. A Comissão também exprime dúvidas sobre se, no caso de R. D. Danner, as autoridades fiscais finlandesas aplicaram, efectivamente, o controvertido artigo 96.° , n.° 9, da LIRPS, ou a respectiva disposição transitória.

21. Em nossa opinião, ainda que as autoridades fiscais finlandesas não tenham aplicado a disposição em causa, a resposta do Tribunal de Justiça à questão submetida poderá ser pertinente para o processo principal (se, por exemplo, o órgão jurisdicional de reenvio tiver poderes não só para apreciar a legalidade da decisão das autoridades fiscais, mas também para decidir qual a norma que estas devem aplicar). Em todo o caso, a questão não é manifestamente irrelevante, de modo que o Tribunal de Justiça deve responder-lhe.

O artigo 49.° CE

Aplicabilidade das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços

22. Recordemos que R. D. Danner está filiado em dois regimes de seguros alemães cuja natureza não é inteiramente clara. Aparentemente, esses regimes são regulados por normas de direito público ou de idêntica natureza. São obrigatórios para os médicos que exercem na Alemanha, ao passo que os médicos que exercem no estrangeiro podem aderir-lhes numa base voluntária. No que toca à natureza dos prémios pagos e dos benefícios auferidos, não foi fornecida qualquer informação precisa.

23. Tal situação suscita a questão preliminar - que deve ser resolvida pelo órgão jurisdicional de reenvio - de saber se os prémios pagos ao abrigo daqueles regimes devem ser considerados prémios pagos ao abrigo de regimes obrigatórios ou legais na acepção do artigo 96.° , n.° 1, da LIRPS, ou prémios pagos ao abrigo de regimes voluntários, abrangidos pelo artigo 96.° , n.os 2 a 9, da mesma lei.

24. Um segundo problema consiste em saber se os serviços prestados pelas duas instituições cabem no âmbito de aplicação das disposições relativas à livre prestação de serviços. É manifesto que os serviços prestados por instituições privadas cabem no âmbito de aplicação dos artigos 49.° CE e seguintes . O Tribunal de Justiça ainda não decidiu, contudo, se essas disposições são aplicáveis, por exemplo, às pensões pagas ao abrigo de regimes de pensão obrigatórios, os quais são regulados por legislação nacional de segurança social e funcionam segundo o princípio da repartição. A este respeito, devemos ter presente que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os cursos ministrados num estabelecimento de ensino superior financiado, essencialmente, através de fundos públicos não constituem serviços na acepção do artigo 50.° CE .

25. No presente processo, R. D. Danner paga os seus prémios a título voluntário, uma vez que não trabalha na Alemanha. Não existe, pois, a necessidade de determinar se os serviços cuja prestação é obrigatória podem caber no âmbito da livre prestação de serviços.

26. Além disso, quanto à natureza das normas que regulam os dois regimes em questão, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação dos artigos 49.° CE e 50.° CE não fica excluída simplesmente pelo facto de se tratar de segurança social .

27. Por último, em conformidade com o artigo 50.° CE, as disposições relativas à livre prestação de serviços são aplicáveis a serviços prestados «normalmente mediante remuneração». Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a característica essencial da «remuneração» reside no facto de a mesma constituir a contrapartida económica do serviço em causa . Embora os pormenores sejam pouco claros, R. D. Danner paga voluntariamente os prémios de seguro, cujo montante é proporcional ao das pensões que irá receber mais tarde.

28. Concluímos, por conseguinte, que as prestações de seguros de pensão dispensadas pelas duas instituições alemãs a R. D. Danner constituem serviços na acepção do artigo 50.° CE.

Restrição à livre prestação de serviços

29. Nos termos das duas primeiras frases do artigo 96.° , n.° 9, da LIRPS «os prémios pagos ao abrigo de seguros de pensão voluntários celebrados com uma seguradora estrangeira não são dedutíveis. Não obstante, será considerada como contratada na Finlândia uma apólice de seguro subscrita por um estabelecimento permanente na Finlândia de uma seguradora estrangeira». Nos termos da norma transitória aplicável aos anos fiscais de 1996 e 1997, é permitida a dedução dos prémios pagos a instituições estrangeiras até ao limite máximo de 15 000 FIM. Os prémios pagos a instituições finlandesas não estão sujeitos a este limite.

30. Em nenhuma das observações apresentadas foi contestado o facto de que aquelas normas constituem uma restrição à livre prestação de serviços, e é manifesto, em nossa opinião, que assim é. Tais normas têm por efeito tornar a prestação de serviços de seguros de pensão entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação destes serviços puramente interna de um Estado-Membro no sentido de que são susceptíveis de dissuadir os interessados de subscreverem seguros de pensão voluntários junto de companhias estrangeiras, assim como de dissuadir as companhias de seguros estrangeiras de oferecer os seus serviços no mercado finlandês . É evidente que a existência de benefícios fiscais é um factor importante na escolha de uma companhia de seguros de pensão. Na verdade, a vantagem da dedutibilidade é, com toda a probabilidade, tão importante que ninguém quererá subscrever um seguro numa companhia estrangeira.

31. Acresce que a recusa em permitir a dedução dos prémios de seguros de pensão celebrados com instituições estrangeiras constitui também uma discriminação em razão da nacionalidade contra as seguradoras estrangeiras. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 49.° CE implica a eliminação de toda e qualquer discriminação do prestador em razão da sua nacionalidade ou com fundamento no facto de se encontrar estabelecido num Estado-Membro diferente daquele em que a prestação é efectuada . No presente processo, a discriminação em razão da nacionalidade do prestador é clara e distinta, uma vez que o artigo 96.° , n.° 9, da LIRPS distingue expressamente entre seguradoras estrangeiras e finlandesas. Apenas as seguradoras estrangeiras são oneradas com o custo da instalação de outro estabelecimento. Além disso, fazendo uma interpretação literal das normas em causa, pode ainda alegar-se que os prémios de seguros de pensão celebrados com um estabelecimento permanente de uma seguradora finlandesa localizada no estrangeiro beneficiam do regime de dedução vantajoso previsto no artigo 96.° , n.os 2 a 6, da LIRPS.

Que justificações podem ser invocadas?

32. É sabido que uma medida que restrinja a livre prestação de serviços pode ser justificada com base em duas categorias de fundamentos, a saber:

- uma excepção prevista expressamente no Tratado (por exemplo, os artigos 45.° CE e 46.° CE, aplicáveis em conformidade com o artigo 55.° CE), ou

- outros fundamentos não previstos no Tratado, mas que o Tribunal de Justiça reconheceu e aceitou qualificar de razões imperiosas de interesse geral.

33. No presente processo, as observações apresentadas apontam, no essencial, quatro razões justificativas, a saber, a necessidade de assegurar a coerência do sistema fiscal finlandês, a eficácia dos controlos fiscais, a necessidade de prevenir a evasão fiscal e a necessidade de proteger a integridade da matéria colectável. Estas razões têm em comum o facto de o Tratado não lhes fazer referência. Por conseguinte, apenas poderiam ser reconhecidas, eventualmente, como justificações possíveis se, de todo, constituíssem razões imperiosas de interesse geral.

34. Uma vez que as normas finlandesas em causa são claramente discriminatórias, poderão as quatro razões justificativas ser, de algum modo, invocadas? Infelizmente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não é clara a respeito desta questão importante.

35. Segundo determinada orientação jurisprudencial, as regulamentações nacionais que façam discriminações no que toca à origem da prestação em causa apenas serão compatíveis com o direito comunitário se estiverem abrangidas por uma disposição derrogatória expressa, como as previstas nos artigos 45.° CE e 46.° CE . O Tribunal de Justiça nunca abandonou formalmente aquele princípio. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça continua a fazer-lhe referência em acórdãos importantes e, por vezes, aplica-o: assim, no processo Royal Bank of Scotland, o qual envolvia uma discriminação directa e manifesta em razão da nacionalidade em matéria de liberdade de estabelecimento, o Tribunal de Justiça negou-se a examinar aquelas razões justificativas que não estavam expressamente previstas no Tratado . O Tribunal de Justiça adoptou o mesmo entendimento no processo Ciola , em matéria de livre de prestação de serviços. O acórdão Ciola é especialmente intricado, visto que o processo envolvia uma discriminação em razão da nacionalidade não directa, mas apenas indirecta.

36. No entanto, na maioria dos processos recentes que envolvem regulamentações nacionais susceptíveis de ser consideradas (directamente) discriminatórias, o Tribunal de Justiça tem evitado avaliar se as regulamentações em causa eram discriminatórias e tem examinado razões justificativas não previstas expressamente no Tratado. Para este efeito, o Tribunal de Justiça ou qualificou a regulamentação em causa como mero obstáculo à livre prestação de serviços ou aludiu a uma «diferença de tratamento» susceptível de ser justificada com base em razões não previstas no Tratado . Os acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica são exemplos dessa orientação jurisprudencial. Em ambos os acórdãos, a natureza discriminatória das normas em causa no que toca à livre prestação de serviços não foi nem analisada, nem sequer mencionada, e as normas foram justificadas pela necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal belga, justificação esta não prevista expressamente no Tratado nem reconhecida anteriormente pela jurisprudência.

37. Atendendo à importância fundamental da questão de saber se as medidas (manifestamente) discriminatórias como as que estão em causa no processo principal podem ser justificadas por razões não expressamente previstas no Tratado, o Tribunal de Justiça deveria clarificar a sua posição, de forma a garantir a necessária segurança jurídica. Essa clareza e essa segurança jurídica são essenciais para os órgãos jurisdicionais nacionais, os litigantes, os governos dos Estados-Membros, as instituições e os cidadãos em geral.

38. Acrescentaríamos que a principal tarefa do Tribunal de Justiça nas decisões prejudiciais não é decidir casos particulares com base em factos pouco distintos, nem resolver um problema do órgão jurisdicional nacional num caso concreto, mas sim declarar de modo claro e coerente, para benefício de todos os nacionais da Comunidade, qual é o entendimento correcto da lei e proferir decisões de alcance geral. Somente esta função, mais ampla, explica o procedimento único pelo qual os Estados-Membros e a Comissão são sistematicamente convidados a apresentar observações e, na verdade, a razão pela qual o acórdão do Tribunal de Justiça e as conclusões do advogado-geral, em todos os processos, são publicados em não menos de onze línguas.

39. O presente processo ilustra bem a razão pela qual não se pode aceitar o actual estado de incerteza a respeito desta questão essencial do direito comunitário. Aquando do processo legislativo que conduziu à adopção das normas controversas, as autoridades finlandesas estavam cientes dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica. Não tinham, porém, a certeza - como resulta dos travaux préparatoires apresentados ao Tribunal de Justiça - se, de acordo com estes acórdãos, normas manifestamente discriminatórias podiam ser justificadas com o objectivo de preservar a coerência fiscal. É evidente que aquele tipo de incerteza pode causar prejuízos económicos substanciais aos governos, às empresas e aos cidadãos.

40. Quanto às razões justificativas susceptíveis de ser invocadas, consideramos inadequado invocar diferentes razões, consoante a norma é discriminatória (directa ou indirectamente) ou envolve uma restrição não discriminatória da prestação de serviços. Uma vez aceite a possibilidade de invocar outras justificações que não as previstas no Tratado, parece não existir qualquer motivo para aplicar uma categoria de justificações às medidas discriminatórias e outra categoria às restrições não discriminatórias. Seguramente que o texto do Tratado não fornece qualquer razão para o fazer: o artigo 49.° CE não faz alusão à discriminação mas, em termos genéricos, às «restrições à livre prestação de serviços». Em todo o caso, é difícil aplicar com rigor a distinção entre normas (directa ou indirectamente) discriminatórias e não discriminatórias. Além disso, existem objectivos de interesse geral não mencionados expressamente no Tratado (a protecção do ambiente ou a protecção do consumidor, por exemplo) que, em determinadas circunstâncias, podem ser tão legítimos e imperiosos quanto os que são mencionados no Tratado. A análise deve, por conseguinte, incidir na questão de saber se a razão invocada constitui um objectivo legítimo de interesse geral e, neste caso, se a restrição pode ser convenientemente justificada de acordo com o princípio da proporcionalidade. Em todo o caso, quanto mais discriminatória for a norma, menos provável se torna que a mesma seja conforme com o princípio da proporcionalidade. Tal solução estaria de acordo com a abordagem implícita do Tribunal de Justiça nos processos mais recentes relativos à livre prestação de serviços. Acrescentaríamos que a mesma solução é aplicável à livre circulação de mercadorias. Com efeito, responderia à necessidade de conferir idêntica importância, na avaliação de restrições à livre circulação de mercadorias, a interesses não menos vitais do que os enunciados no artigo 30.° CE, designadamente a protecção do ambiente .

41. Uma vez que consideramos não ser adequado estabelecer uma distinção rígida entre razões justificativas para normas discriminatórias e não discriminatórias, examinaremos as quatro razões invocadas.

A necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal finlandês

42. Recordaremos que nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica o Tribunal de Justiça reconheceu que a restrição da dedutibilidade dos prémios pagos a instituições estrangeiras pode ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal belga. O acórdão do Tribunal de Justiça baseou-se na suposição de que, nos termos da lei belga, existia uma relação directa entre a dedutibilidade dos prémios e a tributação dos montantes pagos pelas seguradoras nos termos dos contratos de seguros de pensão e de vida: no sistema belga, a perda de receitas resultante da dedução dos prémios de seguro era compensada pela tributação das pensões, das anuidades ou do capital pagos pelas companhias de seguros; em contrapartida, no caso em que os prémios não tivessem sido deduzidos, estes montantes estavam isentos de tributação.

43. Os Governos finlandês e dinamarquês sustentam que a regulamentação em causa no presente processo pode ser justificada por razões idênticas. Na sua opinião, o sistema fiscal finlandês baseia-se na mesma relação entre a dedutibilidade dos prémios de seguros de pensão voluntários e a sujeição ao imposto sobre o rendimento das pensões pagas pelas companhias de seguros. A perda de receitas decorrente da dedução dos prémios é compensada, em princípio, pela tributação das pensões numa fase posterior. Referindo-se à recente comunicação da Comissão relativa à «[e]liminação dos obstáculos fiscais aos regimes de pensões profissionais transfronteiras» , ambos os governos afirmam que o sistema finlandês encoraja a poupança e os planos de reforma ao permitir o diferimento da tributação dos prémios pagos; contribui, deste modo, para fazer face ao envelhecimento demográfico, na medida em que reduz as receitas fiscais actuais em troca de uma receita fiscal posterior mais elevada.

44. O Governo finlandês afirma sujeitar a tributação não só as pensões pagas pelas seguradoras finlandesas e estrangeiras a residentes (tributação dos residentes) mas também, segundo o disposto no artigo 10.° da LIRPS, as pensões pagas pelas seguradoras finlandesas a não residentes (tributação na fonte). Se o contribuinte pagou prémios a uma seguradora finlandesa, existe, assim, a garantia de que a pensão será tributada na Finlândia, mesmo que o contribuinte se mude para o estrangeiro. Já não se verifica, porém, a mesma garantia no caso de o contribuinte que se muda para o estrangeiro ter pago prémios a uma seguradora estrangeira. A fim de preservar a coerência do sistema fiscal finlandês, os prémios de seguros de pensões pagos a seguradoras estrangeiras não deveriam, por conseguinte, ser dedutíveis.

45. Segundo o Governo finlandês, não é possível garantir a coerência daquele sistema através de meios menos restritivos do que os que estão ora em causa. Um mecanismo de «claw-back» (recuperação), por exemplo, mediante o qual o contribuinte que se vai mudar para o estrangeiro tivesse de «restituir» os benefícios fiscais decorrentes da dedutibilidade dos prémios de pensões voluntários constituiria uma restrição desproporcionada à livre circulação de trabalhadores ou à liberdade de estabelecimento. Além disso, o artigo 96.° , n.° 9, permite (sob determinadas condições e por um período limitado de tempo) a dedução dos prémios pagos ao abrigo de um regime estrangeiro, quando o interessado tenha transferido a sua residência do estrangeiro para a Finlândia.

46. Estes argumentos não nos convencem e estamos de acordo com R. D. Danner, a Comissão e o Órgão de Fiscalização da EFTA em que, atendendo à estrutura do sistema fiscal finlandês, o Governo finlandês não pode invocar a necessidade de preservar a coerência fiscal nem alegar que a regulamentação em causa viola, em todo o caso, o princípio da proporcionalidade.

47. A título liminar, será útil observar que o próprio conceito de coerência fiscal introduzido pelo Tribunal de Justiça nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica tem sido amplamente criticado . Na sua jurisprudência subsequente, o Tribunal de Justiça salientou que os Estados-Membros apenas podem invocar a necessidade de preservar a coerência fiscal se se verificar uma relação directa entre qualquer benefício fiscal e a correspondente desvantagem e, em nenhum caso posterior, admitiu que os Estados-Membros invocassem a coerência fiscal.

48. No presente processo não se verifica, em nossa opinião, qualquer relação directa entre a dedutibilidade dos prémios e a tributação das pensões. Segundo o sistema fiscal finlandês, as pensões pagas pelas companhias de seguros estrangeiras aos residentes na Finlândia serão tributadas, independentemente do facto de os prémios pagos a essas companhias terem sido dedutíveis. Se R. D. Danner permanecer na Finlândia, as pensões que vier a receber dos dois regimes alemães estarão sujeitas ao imposto finlandês sobre o rendimento, apesar de não lhe ser permitida a dedução dos prémios pagos ao abrigo desses regimes. O sistema finlandês é, neste aspecto, assimétrico e diverge num ponto essencial do sistema simétrico cuja existência o Tribunal de Justiça presumiu nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica. Uma vez que, no que toca a contribuintes como R. D. Danner, não se verifica uma relação directa entre a dedutibilidade e a tributação, consideramos que a Finlândia não pode invocar a necessidade de preservar a coerência fiscal.

49. Contra este argumento, o Governo finlandês sustenta que, ao abrigo dos princípios gerais do direito fiscal, R. D. Danner poderá solicitar a chamada «dedução natural» no momento em que as pensões forem devidas, com fundamento na não dedutibilidade dos prémios correspondentes. O próprio Governo finlandês admite, todavia, não ser certo que os tribunais finlandeses reconhecessem o direito a essa «dedução natural» no caso de R. D. Danner. Em nossa opinião, para salvaguardar os direitos de R. D. Danner ao abrigo do direito comunitário, o princípio da segurança jurídica obriga a que o direito a esse benefício fiscal futuro seja inequívoco. Além disso, o direito à dedução não equivale à isenção total de imposto sobre os futuros pagamentos de pensões presumida nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica. Por conseguinte, não estamos persuadidos de que a chamada «dedução natural» garanta a necessária simetria do regime finlandês.

50. Em segundo lugar, resulta do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Wielockx que, no presente processo, a coerência fiscal é assegurada por uma convenção bilateral concluída com a Alemanha.

51. Nos termos do artigo 21.° da referida convenção, destinada a evitar a dupla tributação em matéria de imposto sobre o rendimento, de imposto sobre o capital e de outros impostos , as parcelas dos rendimentos dos residentes de um Estado contratante não visadas nos artigos precedentes da convenção são tributadas apenas no Estado da residência respectivo. As pensões pagas ao abrigo de contratos de seguros de pensão voluntários estão abrangidas por esta cláusula de alcance geral . Em contrapartida, nos termos do artigo 18.° , n.° 2, da convenção, as prestações que os residentes de um Estado contratante auferirem ao abrigo da legislação de segurança social do outro Estado contratante estão isentas no Estado de residência respectivo .

52. No acórdão Wielockx, num contexto factual e jurídico semelhante (mas não idêntico) ao do presente processo, o Tribunal de Justiça declarou:

«[...] em aplicação das convenções contra a dupla tributação, que, como a mencionada anteriormente, seguem o modelo da convenção-tipo da OCDE, o Estado tributa todas as pensões recebidas pelos residentes no seu território, independentemente do Estado onde foram pagas as cotizações, mas, inversamente, não sujeita ao imposto as pensões recebidas no estrangeiro, mesmo que elas tenham por origem cotizações pagas no seu território que considerou dedutíveis. A coerência fiscal não está, assim, estabelecida ao nível de uma mesma pessoa, por uma correlação rigorosa entre a dedutibilidade das cotizações e a tributação das pensões, sendo transferida para outro nível, o da reciprocidade das regras aplicáveis nos Estados contratantes. Sendo a coerência fiscal assegurada com base numa convenção bilateral celebrada com outro Estado-Membro, este princípio não pode ser invocado para justificar a recusa de uma dedução como a que está aqui em causa» .

53. Ao concluir esta convenção com a Alemanha, a Finlândia renunciou, nos termos do artigo 21.° da mesma, ao direito de tributar as pensões pagas pelas companhias de seguros de pensão voluntária finlandesas aos residentes na Alemanha. Inversamente, a Finlândia tem o direito de tributar todas as pensões auferidas pelos residentes no seu território. Nos termos do artigo 18.° , n.° 2, as prestações auferidas ao abrigo da legislação de segurança social do outro Estado contratante estão isentas de imposto no Estado da residência do beneficiário. Se R. D. Danner permanecer na Finlândia e aquela norma se aplicar às pensões concedidas ao abrigo de um ou de ambos os regimes alemães, a Finlândia renunciou, efectivamente, ao direito de tributar os rendimentos de um dos seus residentes.

54. A coerência fiscal não está, assim, estabelecida ao nível de uma mesma pessoa, por uma correlação rigorosa entre a dedutibilidade dos prémios e a tributação das pensões, tendo antes sido transferida para outro nível, o da reciprocidade das normas aplicáveis nos dois Estados contratantes. Uma recusa manifestamente discriminatória da dedução dos prémios de seguros de pensão estrangeiros não contribui para manter este outro tipo de coerência fiscal.

55. A Finlândia procura responder ao argumento baseado na convenção contra a dupla tributação, sugerindo que a solução não pode depender da existência de uma convenção desta natureza num caso concreto. Salienta que poderia não existir qualquer convenção com a Alemanha e que o direito comunitário não pode exigir aos Estados-Membros que as concluam.

56. O argumento do Governo finlandês parece difícil de harmonizar com o acórdão Wielockx. Contudo, ainda que fosse correcto afirmar que a solução não pode depender da existência de uma convenção contra a dupla tributação, aplicável num caso concreto, em nossa opinião, o argumento não colheria. O que é importante, a nosso ver, não é a existência de uma convenção especial aplicável ao caso vertente, mas a existência entre os Estados-Membros de uma rede geral de convenções contra duplas tributações (mesmo que cada Estado-Membro não tenha concluído convenções com todos os outros Estados-Membros). O raciocínio lógico subjacente ao acórdão Wielockx parte da existência dessa rede geral, a qual demonstra que os Estados-Membros estão geralmente dispostos a renunciar, com base na reciprocidade, ao direito de tributar na fonte as pensões pagas aos residentes noutro Estado-Membro. Consequentemente, uma pessoa que tenha podido deduzir prémios de seguros de pensões do seu rendimento colectável num Estado-Membro, mas que, posteriormente, se mude para outro Estado-Membro não terá, frequentemente, de pagar impostos sobre a sua pensão, no primeiro Estado-Membro. Além disso, uma pessoa que tenha podido deduzir num Estado-Membro A prémios pagos ao abrigo de um regime de pensões num Estado-Membro B poderá auferir a sua pensão num Estado-Membro C e não estar sujeita ao pagamento de imposto sobre a sua pensão nem em A, nem em B, mas sim em C. Por conseguinte, o argumento baseado na coerência fiscal não tem fundamento.

57. Em terceiro lugar, e em todo o caso, é desproporcionado proibir que todos aqueles que pagam prémios de seguro a seguradoras estrangeiras deduzam esses prémios pelo simples facto de alguns deles poderem vir a deixar o país. Sem pretender tomar uma posição acerca da compatibilidade com o direito comunitário de um mecanismo como o de «claw-back», por exemplo - mediante o qual contribuintes que se mudam para outro país devem restituir os benefícios fiscais obtidos com a dedução dos prémios de pensões - parece-nos evidente que mesmo um mecanismo dessa ordem seria menos restritivo do que uma proibição geral de dedução que afecta todos aqueles que permanecem na Finlândia. A natureza excessiva da restrição é perfeitamente ilustrada pelo caso de R. D. Danner: não lhe é permitido efectuar a dedução dos prémios pagos ao abrigo dos regimes alemães, não obstante o facto de possuir fortes ligações à Finlândia e ser, por isso, improvável - como o mesmo convincentemente explicou - que venha a deixar a Finlândia por simples razões de ordem fiscal (acrescentou que, em todo o caso, não havia motivos para considerar a Alemanha um paraíso fiscal).

A necessidade de garantir a eficácia da fiscalização tributária e de prevenir a evasão fiscal («fraude fiscale»)

58. Os Governos finlandês e dinamarquês alegam que a recusa em permitir a dedução dos prémios pagos ao abrigo de regimes geridos por seguradoras estrangeiras é justificada pela necessidade de garantir a eficácia da fiscalização tributária e de prevenir a evasão fiscal.

59. Em sua opinião, é difícil ou mesmo impossível verificar se os regimes estrangeiros preenchem as várias condições de dedutibilidade previstas no artigo 96.° , n.os 2 a 6, da LIRPS. Mesmo nos casos em que preenchem essas condições no momento da dedução, é impossível impedir a modificação posterior das condições do seguro dos regimes estrangeiros.

60. Segundo aqueles governos, é, de igual modo, impossível fiscalizar e, por isso, tributar de maneira eficaz as pensões ou outras prestações pagas a residentes na Finlândia ao abrigo de regimes estrangeiros. A este respeito, o Governo finlandês sustenta que algumas companhias de seguros de pensões estrangeiras anunciam os seus serviços indicando que as pensões escapariam à tributação na Finlândia.

61. Ainda segundo os mesmos, essas dificuldades de fiscalização do preenchimento das condições de dedutibilidade e do pagamento das pensões devem-se, em primeiro lugar, ao facto de que, embora possam impor às instituições nacionais a obrigação de informar a Administração fiscal acerca de qualquer pagamento efectuado, as autoridades finlandesas já não têm essa faculdade no que toca às seguradoras estabelecidas no estrangeiro. Em segundo lugar, enquanto o contribuinte que procura deduzir os prémios pagos ao abrigo de regimes estrangeiros tem interesse em prestar toda a informação necessária, já não tem o mesmo incentivo em fornecer informações completas e precisas acerca de modificações posteriores do contrato de seguro ou das pensões e prestações recebidas do estrangeiro. Em terceiro lugar, a troca de informações entre Estados-Membros prevista na Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos também não constitui um instrumento eficaz para superar as dificuldades encontradas.

62. Estes argumentos não nos convencem e estamos de acordo com R. D. Danner, a Comissão e o Órgão de Fiscalização da EFTA em que as normas controversas violam o princípio da proporcionalidade. Em nossa opinião, é possível alcançar os objectivos legítimos de eficácia dos controlos fiscais e de prevenção da evasão fiscal através de meios consideravelmente menos restritivos do que a proibição geral da dedutibilidade de todos os prémios pagos a seguradoras estrangeiras.

63. É jurisprudência assente que a eficácia da fiscalização tributária constitui uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado . A necessidade de prevenir a evasão fiscal coincide, no presente processo, com a necessidade de garantir uma fiscalização tributária eficaz.

64. Através das medidas contestadas, a Finlândia procura salvaguardar dois interesses fiscais distintos.

65. Em primeiro lugar, pretende assegurar que nenhuma dedução seja concedida nos casos em que não existe o direito à mesma (controlo eficaz da dedutibilidade dos prémios). A dedução dos prémios deve ser permitida apenas nos casos em que os prémios são efectivamente pagos, em que o regime do seguro estrangeiro preenche as condições fixadas pela legislação finlandesa para efeitos de dedutibilidade (no que toca, por exemplo, à natureza e ao montante das prestações ou à idade de reforma) e em que essas condições continuam a estar preenchidas mesmo após a dedução ter sido concedida.

66. No que respeita àquele primeiro interesse, resulta claramente dos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica que um Estado-Membro pode invocar a Directiva 77/799 a fim de controlar se os pagamentos foram efectuados noutro Estado-Membro, quando seja necessário ter em conta esses pagamentos para calcular correctamente o imposto sobre o rendimento. Em todo o caso, a administração fiscal pode exigir ao contribuinte, se assim o entender, as provas relativas ao pagamento dos prémios e às condições do seguro de pensão e recusar, eventualmente, a autorização de dedução quando essas provas não forem fornecidas. Uma vez que a dedução está dependente da aprovação das autoridades, existe um forte incentivo para que o contribuinte forneça informações precisas e completas. Daqui resulta que o facto de o Estado-Membro ao qual foi solicitada informação, nos termos da Directiva 77/799, não ter base jurídica para exigir das seguradoras as informações necessárias, não pode justificar a não dedutibilidade dos prémios de seguro de pensão pagos a instituições estabelecidas no estrangeiro .

67. Em segundo lugar, a Finlândia pretende garantir que as pensões pagas pela instituição seguradora a residentes na Finlândia sejam, de facto, tributadas (controlo eficaz da tributação das pensões).

68. É certo que, nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica, o Tribunal de Justiça admitiu que as disposições então em causa eram proporcionadas, no sentido de que não era possível garantir a coerência do sistema belga através de disposições menos restritivas. Atendendo, porém, ao rigor da restrição ora em causa, é necessário reexaminar a proporcionalidade da medida finlandesa no contexto do presente processo.

69. Quanto ao rigor da restrição, devemos ter presente que o efeito da disposição é, provavelmente, o de excluir as seguradoras estrangeiras, no seu conjunto, do mercado finlandês. Trata-se, pois, de uma medida concebida não para garantir o controlo efectivo das prestações de serviços de seguros transfronteiriças, mas para excluir as prestações de serviços transfronteiriças, no seu conjunto, com base na premissa de que não é possível efectuar qualquer controlo eficaz. É, igualmente, claro que essa exclusão total funciona não só em desfavor de agentes económicos desonestos, mas também em detrimento de companhias de seguros sérias e de contribuintes honestos, que não têm qualquer interesse em favorecer ou participar em práticas ilícitas.

70. No que toca à possibilidade de salvaguardar a aplicação da regulamentação fiscal dos Estados-Membros com recurso a meios menos restritivos do que a eliminação, de facto, de todas as prestações de seguros de pensão transfronteiriças, as autoridades fiscais dos Estados-Membros podem, em nossa opinião, contar com três fontes de informação potenciais, a saber, o contribuinte em causa, o Estado-Membro da instituição pagadora e, talvez a mais importante, a própria instituição seguradora pagadora.

71. Em primeiro lugar, não existe evidentemente qualquer problema se o contribuinte em causa incluir honestamente na sua declaração de rendimentos as pensões recebidas do estrangeiro. Mas a Administração fiscal não fica inteiramente dependente de tal declaração. Normalmente, antes de receber uma pensão de uma instituição estrangeira, o contribuinte terá requerido a dedução dos prémios pagos àquela instituição. Os requerimentos de dedução e as provas documentais fornecidas pelo contribuinte naquela ocasião constituem, em nossa opinião, uma fonte de informação valiosa acerca dos pagamentos das pensões que o mesmo virá a receber mais tarde. Com base nas informações prestadas na fase da dedução, as autoridades fiscais poderão mesmo, porventura, presumir que os pagamentos das pensões são efectuados, salvo se o contribuinte apresentar prova adequada do contrário.

72. Em segundo lugar, os Estados-Membros poderiam efectuar trocas de informações sobre as prestações pagas pelas instituições de pensões aos residentes dos outros Estados-Membros, o que lhes permitiria verificar o cumprimento das obrigações fiscais dos seus residentes. A estrutura para esse intercâmbio já existe, nos termos da Directiva 77/799. Na sua comunicação já referida, a Comissão faz propostas pormenorizadas com vista a instaurar um sistema de troca automática e eficiente de informações, no domínio das pensões profissionais .

73. Independentemente dessas propostas específicas, o Tribunal de Justiça declarou que as autoridades de um Estado-Membro podem invocar a Directiva 77/799 para obter das autoridades competentes de outro Estado-Membro todas as informações que julguem necessárias para determinar o montante exacto do imposto sobre o rendimento devido por um contribuinte, em função da legislação que elas próprias aplicam .

74. Em terceiro lugar, e talvez o ponto mais importante, parece-nos que um Estado-Membro pode garantir que as companhias de seguros estabelecidas no estrangeiro cooperem e prestem as informações necessárias acerca dos pagamentos que efectuam aos residentes. Pode, por exemplo, fazer depender a dedutibilidade dos prémios pagos ao abrigo de um regime estrangeiro da existência de um acordo prévio entre a seguradora que gere aquele regime e as suas autoridades. Nos termos de um acordo dessa natureza, o Estado-Membro poderia exigir informações completas e precisas acerca dos pagamentos de pensões efectuados por aquela seguradora. Poderia, de igual modo, ficar acordado que as condições do seguro não poderiam ser alteradas substancialmente, após concessão da dedução. Deve presumir-se que as companhias de seguros - que são, afinal e em regra, empresas estáveis e de prestígio, fiscalizadas de perto pelo Estado onde estão estabelecidas - não tentarão violar ou iludir tais acordos. Mas mesmo no caso de incumprimento, o Estado-Membro poderia aplicar sanções adequadas como, por exemplo, a suspensão imediata das deduções relativamente aos prémios pagos por residentes . Até mesmo uma política rigorosa que exclua do mercado de um Estado-Membro as instituições estrangeiras que não cooperem de boa fé seria manifestamente menos restritiva do que uma política de exclusão, de facto, do mercado de todas as instituições estrangeiras.

75. Nestes termos, as medidas contestadas não podem ser justificadas com base na necessidade de garantir uma fiscalização tributária eficaz ou de prevenir a evasão fiscal.

A necessidade de preservar a integridade da matéria colectável

76. O Governo dinamarquês alega que a restrição do direito à dedução dos prémios pagos a instituições estrangeiras é justificado pela necessidade de preservar a integridade da matéria colectável. Segundo o seu ponto de vista, o Tribunal de Justiça reconheceu no acórdão Safir que aquela necessidade constituía razão imperiosa de interesse geral. Se os prémios de seguro pagos a seguradoras estrangeiras fossem dedutíveis, os residentes em Estados-Membros com impostos sobre o rendimento elevados seriam fortemente incitados a contratar seguros com instituições estabelecidas em Estados-Membros onde esses impostos são menos elevados. Tal situação seria propícia a manobras para obter o melhor enquadramento fiscal, abusos e desvios das leis fiscais dos Estados-Membros com impostos sobre o rendimento mais elevados, bem como uma desenfreada corrida ao «dumping fiscal», com consequências devastadoras para os Estados-Membros que financiam através da receita fiscal uma assistência social de elevada qualidade. Além disso, os Estados-Membros têm um interesse legítimo em não conceder o benefício fiscal da dedutibilidade dos prémios de seguro quando a poupança encorajada pela dedução é constituída no estrangeiro.

77. Estes argumentos não nos convencem.

78. Não entendemos que o Tribunal de Justiça tenha reconhecido a necessidade de preservar a integridade da matéria colectável como razão justificativa legítima. Pelo contrário, considerou que a prevenção da redução de receitas não figura entre as razões enunciadas no artigo 46.° CE e não pode ser considerada como uma razão imperiosa de interesse geral . No acórdão Safir, o Tribunal de Justiça apenas declarou que, nas circunstâncias do processo, a necessidade de preencher o vazio fiscal não era susceptível de justificar a medida nacional restritiva em causa.

79. Em todo o caso, o argumento do Governo dinamarquês da «corrida desenfreada» está baseado na premissa errada de que impostos sobre o rendimento pouco elevados no Estado de estabelecimento da instituição de seguros de pensão estrangeira constituem um incentivo para os contribuintes contratarem seguros de pensão nesse Estado. Uma vez que, na maioria dos casos, as pensões pagas por aquelas instituições serão tributadas pelo Estado da residência do contribuinte (e não pelo Estado de origem), às taxas aí em vigor, não existe, em nossa opinião, qualquer incentivo fiscal para contratar seguros de pensão com seguradoras estrangeiras.

80. O último argumento do Governo dinamarquês pode ser entendido como um reconhecimento de que normas como as que estão em causa são essenciais para proteger as seguradoras estabelecidas num Estado-Membro da concorrência de outros Estados-Membros. Devemos recordar, porém, que as liberdades fundamentais previstas no Tratado foram concebidas para impedir não só as restrições à aquisição de bens ou serviços de outros Estados-Membros, mas também os incentivos concebidos pelos Estados-Membros à aquisição prioritária de bens ou de serviços nacionais, em detrimento dos bens ou dos serviços provenientes de outros Estados-Membros .

81. Consequentemente, visto que as disposições tais como as que estão em causa no processo principal não podem ser justificadas com base em nenhuma das razões invocadas, são proibidas pelo artigo 49.° CE.

Os artigos 12.° CE, 56.° CE e 87.° CE

82. Atendendo ao resultado claro da análise baseada no artigo 49.° CE e na ausência de um debate desenvolvido a respeito dos artigos 12.° CE, 56.° CE e 87.° CE, quer perante o órgão jurisdicional de reenvio quer perante o Tribunal de Justiça, parece desnecessário e inútil examinar aquelas disposições.

Conclusão

83. À luz das considerações que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão submetida:

«Uma regulamentação fiscal de um Estado-Membro que restrinje ou exclui a dedutibilidade, para efeitos de imposto sobre o rendimento, dos prémios pagos ao abrigo de regimes de pensão voluntários a prestadores de pensões estabelecidos noutros Estados-Membros, ao mesmo tempo que permite a dedutibilidade dos prémios pagos ao abrigo de regimes de pensão voluntários equivalentes, geridos por prestadores estabelecidos no primeiro Estado-Membro é contrária ao artigo 49.° CE.»