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Advertência jurídica importante

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62000C0144

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 14 de Novembro de 2002. - Processo-crime contra Matthias Hoffmann. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha. - IVA - Sexta Directiva - Isenção de determinadas actividades de interesse geral - Organismo - Conceito - Prestações efectuadas por uma pessoa singular - Serviços culturais prestados por um solista. - Processo C-144/00.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-02921


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1. Neste processo, o Bundesgerichtshof submeteu ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial, duas questões relativas à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva»). O litígio surgiu a seguir a uma série de representações dadas pelos três tenores, Luciano Pavarotti, Placido Domingo e José Carreras. A questão que se coloca é a de saber em que medida é devido IVA sobre estas representações.

2. Em concreto, estas questões são relativas ao artigo 13.° , A, da Sexta Directiva que prevê a isenção do IVA em benefício de certas actividades de interesse geral. Estabelece nomeadamente a isenção das prestações de serviços culturais efectuadas por organismos culturais. O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se os solistas podem ser considerados organismos culturais. Coloca a seguir a questão de saber se representações dadas por solistas que foram organizadas, principalmente, com fins comerciais podem constituir actividades de interesse geral.

3. As questões colocadas dão ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar a jurisprudência do acórdão Gregg . Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, em certas circunstâncias, as pessoas singulares podem também constituir organismos de carácter social na acepção do artigo 13.° , A, da Sexta Directiva.

II - Enquadramento jurídico

A - Direito comunitário

4. O artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva obriga os Estados-Membros a isentar de IVA determinadas actividades de interesse geral. No que respeita ao presente processo, esta disposição estabelece o seguinte: «Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[...]

n) Certas prestações de serviços culturais, e bem assim as entregas de bens com elas estreitamente conexas, efectuadas por organismos de direito público ou por outros organismos culturais reconhecidos pelo Estado-Membro em causa».

5. O n.° 2 do artigo 13.° , A, estabelece que:

«a) Os Estados-Membros podem subordinar, caso a caso, a concessão, a organismos que não sejam de direito público, de qualquer das isenções previstas nas alíneas [...] n) do n.° 1 à observância de uma ou mais das seguintes condições:

- os organismos em questão não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro; os eventuais lucros não devem em caso algum ser distribuídos, devendo antes ser destinados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas;

- devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não detenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;

- devem praticar preços homologados pela Administração Pública, ou que não excedam os preços homologados, ou, no que diz respeito às actividades não susceptíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para actividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado;

- as isenções não devem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado;

b) As prestações de serviços e as entregas de bens ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas [...] n) do n.° 1, se:

- não forem indispensáveis à realização das operações isentas;

- se destinarem, essencialmente, a obter para o organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efectuadas em concorrência directa com as empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado.»

6. O artigo 28.° , n.° 3, alínea b), estabelece que:

«Durante o período transitório a que se refere o n.° 4, os Estados-Membros podem:

[...]

b) Continuar a isentar as operações enumeradas no Anexo F, nas condições em vigor no Estado-Membro».

7. O anexo F da Sexta Directiva contém uma lista de operações que podem ser isentas ao abrigo do artigo 28.° , n.° 3, alínea b). O referido anexo menciona no seu ponto 2:

«Prestações de serviços dos autores, artistas e intérpretes de obras de arte, advogados e outros membros de profissões liberais, com excepção das profissões médicas e paramédicas [...]»

B - Direito nacional

8. O processo principal implica, em primeiro lugar, a aplicação da Umsatzsteuergesetz (a lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios) .

9. O artigo 4.° da referida lei isenta de IVA determinadas categorias de bens e serviços. No n.° 20, alínea b), deste artigo, a lei isenta as operações efectuadas por certos organismos públicos. Estão abrangidos os seguintes organismos: teatros, orquestras, conjuntos de música de câmara, coros, museus, jardins botânicos, jardins zoológicos, parques de animais, arquivos, bibliotecas, monumentos e parques classificados. As mesmas disposições são aplicáveis às operações de organismos da mesma natureza pertencentes a outros sujeitos passivos (organismos privados) desde que a autoridade competente de um Land ateste que cumprem os mesmos fins culturais que os organismos visados pelo período precedente.

10. Assim, o artigo 4.° , n.° 20, alínea b), isenta a organização de representações teatrais e de concertos na medida em que sejam iniciativas de teatros, de orquestras, de conjuntos de música de câmara ou de coros visados no artigo 2.° , n.° 20, alínea a).

11. O artigo 12.° da Umsatzsteuergesetz prevê uma taxa reduzida de IVA para as prestações de teatros, orquestras, conjuntos de música de câmara, coros e museus e para as representações teatrais e os concertos organizados por outras empresas.

12. O artigo 18.° da Umsatzsteuergesetz estabelece as modalidades da cobrança. Para garantir o pagamento do imposto, o Ministério Federal das Finanças pode, no que diz respeito a certas actividades, determinar que o imposto seja pago por retenção na fonte. Estão abrangidas, nomeadamente, as operações efectuadas por um sujeito passivo estabelecido no estrangeiro. O Ministério das Finanças fez efectivamente uso desta faculdade.

13. As Umsatzsteuer-Richtlinien (directrizes interpretativas da Administração relativas ao imposto sobre o volume de negócios) contêm precisões destinadas à Administração relativas à tributação do volume de negócios. Dão, nomeadamente, a seguinte interpretação ao artigo 4.° , n.° 20, da Umsatzsteuergesetz:

- Fazem parte de orquestras, conjuntos de música de câmara e de coros todos os grupos de músicos e conjuntos vocais compostos por dois ou mais participantes. O género musical é irrelevante: pode também tratar-se de música ligeira.

- A isenção fiscal dos concertos não é excluída quando neles participem solistas, desde que o conjunto mantenha o seu carácter de concerto. O mesmo se aplica à organização de concertos.

III - Factos e tramitação processual

14. Matthias Hoffmann, acusado no âmbito de um processo penal, explorava, desde 1971, uma agência de concertos que começou por organizar concertos de música pop e mais tarde também de música clássica. No início dos anos 90, tornou-se um dos mais importantes organizadores de concertos da República Federal da Alemanha. Em 1996 e 1997, organizou a digressão mundial dos três tenores Luciano Pavarotti, Placido Domingo e José Carreras. No âmbito desta digressão, foram organizados dois concertos na República Federal da Alemanha.

15. M. Hoffmann não efectuou retenção de IVA sobre os cachets pagos aos três solistas nem tão pouco pagou à Administração alemã das contribuições e impostos o imposto a eles relativos. Ora, M. Hoffmann estava obrigado a fazê-lo por força da Umsatzsteuergesetz , dado que os verdadeiros sujeitos passivos (a saber, os três solistas) se encontravam estabelecidos no estrangeiro.

16. M. Hoffmann é acusado de fraude fiscal devido, nomeadamente, aos factos acima relatados. Por sentença de 22 de Dezembro de 1998, o Landgericht condenou o acusado a uma pena de prisão.

17. No que respeita ao presente processo, a decisão do Landgericht assenta nos seguintes fundamentos. A isenção prevista no artigo 4.° , n.° 20, alínea a), da Umsatzsteuergesetz só é válida para os organismos, o que exclui os artistas individuais. No que diz concretamente respeito às representações dos três tenores, estas assentam mais nas suas personalidades respectivas do que no espectáculo no seu conjunto. Além disso, foi celebrado um contrato separado com cada um deles. Seguidamente, o Landgericht referiu que, mesmo segundo a interpretação lata feita pelas Umsatzsteuer-Richtlinien, um organismo na acepção do referido artigo 4.° , n.° 20, alínea a), deve incluir, no mínimo, dois participantes.

18. O Landgericht considerou que esta interpretação da legislação nacional não é contrária ao artigo 13.° da Sexta Directiva. Com efeito, o artigo 13.° , A, n.° 2, confere aos Estados-Membros a liberdade de submeterem a certas condições a isenção fiscal de organismos que não sejam de direito público. Esta disposição estabelece, por exemplo, que o organismo não deve procurar sistematicamente o lucro e que deve ser gerido a título essencialmente gratuito. O legislador comunitário indica deste modo que a isenção visa, antes de mais, os organismos economicamente débeis que servem o interesse geral.

19. Em seguida, o Landgericht afirma que os Estados-Membros são livres de não prever as isenções de IVA referidas no artigo 13.° , A. Em qualquer dos casos, estas excepções não podem beneficiar pessoas singulares.

20. Em apoio do recurso que interpôs da sua condenação para o Bundesgerichtshof, M. Hoffmann alega que a recusa em aplicar a isenção de IVA é contrária ao direito comunitário. Trata-se, em seu entender, de uma discriminação injustificada. É certo que a Sexta Directiva admite excepções à regra da cobrança de IVA, dispondo o legislador nacional, a este respeito, de uma «competência complementar», ainda que a transposição não deva conduzir a resultados contrários aos objectivos do direito comunitário. A escolha do número de pessoas em causa, enquanto critério, é contrária ao objectivo da Sexta Directiva que visa garantir a igualdade perante o imposto e deste modo evitar as distorções da concorrência. Quanto a este aspecto, o acusado faz referência à alteração da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos organismos com carácter social, no seguimento da qual, contrariamente ao anterior entendimento do Tribunal de Justiça , o conceito de «organismo» já não designa apenas as pessoas colectivas, mas também as pessoas singulares (v. acórdão Gregg ).

21. O Ministério Público adoptou, no processo principal, uma posição diferente. A isenção do IVA tem por objectivo subsidiar certos organismos de direito público. Um tal subsídio justifica-se pelo facto de o público não estar disposto a pagar preços mais elevados por acontecimentos culturais. O Ministério Público afirma que a jurisprudência do Tribunal de Justiça aprova, enquanto tal, o subsídio de empresas pela concessão de facilidades em matéria de imposições. Simplesmente, a jurisprudência não permite prejudicar os empresários em razão da sua forma jurídica. A questão determinante é saber se os artistas devem, neste caso, ser colocados em pé de igualdade com os organismos que beneficiam de uma ajuda financeira por parte das autoridades.

22. Por despacho de 5 de Abril de 2000, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de Abril de 2000, o Bundesgerichtshof submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Deve interpretar-se o artigo 13.° , A), n.° 1, alínea n), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), no sentido de que o conceito utilizado de outros organismos culturais reconhecidos [...] também abrange um solista que realiza prestações de serviços culturais?

2) No caso de resposta afirmativa à primeira questão: resultam algumas limitações da expressão [...] certas actividades de interesse geral utilizada no artigo 13.° , A, designadamente quando as prestações do solista prosseguem principalmente objectivos comerciais?»

23. Foram apresentadas observações escritas por M. Hoffmann, pela Comissão e pelos Governos da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido. Na audiência de 3 de Outubro de 2002, M. Hoffmann, a Comissão e o Governo da República Federal da Alemanha expuseram oralmente os seus pontos de vista.

IV - Jurisprudência pertinente

A - Em geral

24. Como sabemos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Sexta Directiva é abundante, quer se trate da mesma directiva na sua globalidade quer do artigo 13.° , A, em particular.

25. A proliferação de processos relativos à Sexta Directiva explica-se, em nosso entender, pelas suas características. Aquela directiva apresenta, com efeito, carácter detalhado, na medida em que prevê numerosas excepções ao seu princípio fundamental, segundo o qual todas as operações dão origem à obrigação de pagar IVA. Contudo, apesar da Sexta Directiva ser detalhada, isso não significa que o alcance das excepções não ofereça dúvidas, nem tão pouco que a sua formulação seja suficiente para regular todas as situações - mesmo futuras. Pelo contrário, um regime tão detalhado como este não pode, por natureza, regular uma realidade em constante evolução. Esta constatação é tanto mais verdadeira quanto nos encontramos em matéria fiscal, onde uma regulamentação pode desde logo em si mesma, provocar alterações nos mecanismos jurídicos ou em matéria de direito das sociedades destinadas a evitar o pagamento de imposições.

26. Os traços principais da jurisprudência do Tribunal de Justiça estão ligados às características assim descritas da Sexta Directiva. Por um lado, a jurisprudência mostra-se estrita, por outro, o Tribunal de Justiça toma em consideração a intenção que animou o legislador comunitário no momento da concepção de certos conceitos jurídicos. As presentes conclusões apoiam-se nesta jurisprudência do Tribunal de Justiça.

27. No recente acórdão Comissão/Alemanha , o Tribunal de Justiça especifica determinados elementos determinantes neste processo. Desde logo, o Tribunal de Justiça afirma que o artigo n.° 2 da Sexta Directiva contém uma definição de sujeição, enquanto tal, ao IVA. Efectivamente, esta disposição define as operações que devem ser sujeitas a IVA, a saber, as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, assim como as importações de bens. A Sexta Directiva prevê isenções de IVA para determinadas categorias dessas operações, nomeadamente no título X, em que se integra o artigo 13.° Quando uma isenção não se encontra prevista na Sexta Directiva constitui uma derrogação à regra geral do artigo 2.° desta. Semelhante derrogação só pode ser compatível com o direito comunitário se for autorizada nos termos da referida directiva.

28. Quanto a este aspecto, o Tribunal de Justiça mostra-se, portanto, estrito na sua interpretação, na medida em que não admite outras excepções além das que a Sexta Directiva prevê expressamente. Esta interpretação decorre de um dos importantes princípios em que o legislador comunitário se baseou para a redacção da Sexta Directiva. Trata-se do princípio de igualdade de tratamento fiscal, que deve permitir prevenir as distorções da concorrência. Deste ponto de vista, as excepções à harmonização devem ser interpretadas de forma estrita. Com efeito, cada uma delas contribui para aumentar a desigualdade das cargas fiscais entre os Estados-Membros .

29. A este respeito, temos de referir um segundo princípio que inspirou o legislador comunitário, a saber, o da neutralidade fiscal. Ao aplicar este princípio, o legislador comunitário quis garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA .

30. Quanto a este aspecto, regressemos ao acórdão Comissão/Alemanha, já referido. O Tribunal de Justiça considera que as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva constituem noções autónomas do direito comunitário que têm como objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. O artigo 13.° , A, tem por objectivo isentar do IVA certas actividades de interesse geral. Esta disposição não exclui, porém, todas as actividades de interesse geral, mas apenas as que nela são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada . A maioria destas isenções - entre as quais a que nos interessa, prevista na alínea n) - diz respeito a organismos que actuam no interesse público num sector social, cultural, religioso e desportivo ou num sector análogo. O seu objectivo consiste, assim, em conceder um tratamento mais favorável, em matéria de IVA, a determinados organismos cujas actividades são orientadas para fins distintos dos fins comerciais .

B - Quanto ao artigo 13.° , A, n.° 1

31. Relativamente às isenções de actividades culturais, remetemos para as nossas conclusões no processo Comissão/Finlândia, nas quais sustentámos que o legislador comunitário optou por um regime equilibrado de IVA sobre a arte . Determinadas actividades culturais podem ser isentas de IVA ao abrigo do artigo 13.° ; outras podem ser isentas durante um período transitório; a outras ainda os Estados-Membros podem aplicar uma taxa de IVA reduzida.

32. As isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva dizem respeito a actividades que prosseguem determinados objectivos. Estas actividades nem sempre são definidas por referência a conceitos puramente materiais ou funcionais. A maior parte das disposições - entre as quais a isenção prevista na alínea n) - precisa igualmente quais os operadores económicos que estão autorizados a fornecer as prestações isentas .

33. O acórdão Gregg , reveste-se, a este propósito, de particular importância. Nele, o Tribunal de Justiça interpreta a Sexta Directiva no que respeita à limitação do benefício da isenção unicamente às actividades efectuadas por estabelecimentos ou organismos. Segundo o Tribunal de Justiça estes termos são, em princípio suficientemente amplos para incluir pessoas singulares. Ao utilizá-los, o legislador comunitário demonstrou que não tinha intenção de limitar o benefício das isenções apenas às operações realizadas por pessoas colectivas, tendo antes pretendido alargar o âmbito de aplicação destas isenções às operações efectuadas por particulares. É certo que os conceitos de «estabelecimento» e de «organismo» sugerem a existência de uma entidade individualizada que desempenha uma função especial. Todavia, isto não significa que, regra geral, só as pessoas colectivas satisfaçam esta condição. Uma ou diversas pessoas singulares que explorem uma empresa podem também constituir um «estabelecimento» ou um «organismo».

34. O Tribunal de Justiça baseia esta interpretação - que pretende ampla no que diz respeito a este ponto - no princípio da neutralidade fiscal. As empresas que efectuem as mesmas operações não podem ser tratadas diferentemente em matéria de cobrança de IVA, em razão da sua forma jurídica .

35. No acórdão Comissão/Espanha, o Tribunal de Justiça declarou que, sem prejuízo do n.° 2, do artigo 13.° , A, os Estados-Membros não podem fixar condições que afectem a definição do conteúdo das exonerações previstas no artigo 13.° , A, n.° 1. Só podem ser impostas condições que se destinem a garantir a aplicação correcta e simples das exonerações previstas e que visem as medidas destinadas a prevenir as fraudes, a evasão fiscal e os eventuais abusos .

C - Quanto ao artigo 13.° , A, n.° 2

36. O artigo 13.° , A, n.° 2, da Sexta Directiva prevê condições suplementares a que os Estados-Membros podem submeter a concessão de determinadas isenções referidas no artigo 13.° , A, n.° 1. Estas condições suplementares apenas podem ser impostas quando a isenção se aplicar a organismos que não sejam de direito público. A enumeração das condições no artigo 13.° , A, n.° 2, tem carácter exaustivo .

37. No âmbito do caso em apreço, apenas nos interessam as condições descritas nos dois primeiros travessões da disposição. A questão que se coloca é saber qual a margem de apreciação que tais condições facultam aos legisladores nacionais. A este propósito há que referir dois acórdãos recentes do Tribunal de Justiça proferidos em 21 de Março de 2002, a saber, os acórdãos Kennemer Golf e Zoological Society of London .

38. O acórdão Kennemer Golf interpreta o primeiro travessão. O Tribunal de Justiça decidiu que se deve tratar de um organismo sem fins lucrativos. As contas de um organismo dessa natureza podem apresentar um saldo positivo no final de um exercício, mas o organismo não pode visar a obtenção de lucros no sentido de vantagens pecuniárias para os seus membros.

39. O acórdão Zoological Society of London diz respeito ao segundo travessão. A condição suplementar segundo a qual o organismo deve ser gerido e administrado a título essencialmente gratuito é interpretada pelo Tribunal de Justiça à luz do contexto jurídico dentro do qual esta condição se inclui. Para o Tribunal de Justiça, o legislador comunitário quis fazer uma distinção entre as actividades das empresa comerciais e as dos organismos que não têm por fim gerar lucros para os seus membros. O objectivo desta condição é pois a de reservar o benefício da isenção de IVA aos organismos que não tenham fins comerciais, ao exigir que as pessoas que participam na gestão e na administração de tais organismos não tenham um interesse financeiro próprio nos seus resultados, sob a forma de uma remuneração, de uma distribuição de lucros ou de qualquer outro interesse financeiro, mesmo que indirecto.

40. Definitivamente, o segundo travessão oferece aos Estados-Membros a possibilidade de conferir um conteúdo ao objectivo de interesse geral visado quando os beneficiários da isenção são organismos distintos dos de direito público. É evidente que o legislador comunitário partiu do princípio de que as actividades prosseguidas pelos organismos de direito público são, enquanto tais, de interesse geral.

41. Por outro lado, o legislador comunitário presume que o interesse geral é melhor servido por organismos não comerciais do que por organismos comerciais. Consequentemente, confere explicitamente aos Estados-Membros competência para concederem um tratamento fiscal diferente a estas duas categoria de organismos. Esta competência é tão lata que a isenção pode levar a falsear a concorrência em detrimento das empresas comerciais, que são sujeitos passivos de IVA. Com efeito, a condição formulada no quarto travessão - que se opõe às distorções da concorrência - tem carácter facultativo.

V - Resposta à primeira questão

A - Contexto da apreciação

42. A primeira questão respeita ao conceito de organismo cultural utilizada no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da Sexta Directiva. Um solista - ou seja, uma pessoa singular - pode ser considerado um organismo? Não se pode responder a esta questão sem analisar com mais precisão o conteúdo e o alcance dos conceitos de serviços culturais e de organismos culturais na acepção do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n).

43. Para clarificar a questão, salientamos que o n.° 2 do artigo 13.° , A, não tem qualquer relevância. Independentemente do facto de a questão do órgão jurisdicional de reenvio incidir sobre o n.° 1, o n.° 2 não permite aos Estados-Membros impor condições no que diz respeito à dimensão (mínima) de um organismo. A enumeração das condições no n.° 2 tem, com efeito, um carácter exaustivo.

44. A questão da interpretação comporta, essencialmente, quatro elementos. Desde já há que determinar que serviços culturais podem aspirar à isenção prevista pelo artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da Sexta Directiva. Com efeito, a isenção não beneficia os serviços culturais em todas as situações. A isenção só tem lugar se os serviços forem prestados por determinados organismos culturais. O segundo elemento é a questão de saber que implicações tem esta limitação a determinados organismos.

45. O terceiro elemento constitui o cerne da questão colocada, a saber, se uma pessoa singular pode também ser considerada um organismo. O quarto elemento está ligado ao conteúdo que o legislador alemão deu a este conceito autónomo. O artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n) - contrariamente ao artigo 13.° , A, n.° 2 - reconhece aos Estados-Membros um poder de apreciação no que diz respeito aos organismos que são de direito público. A isenção de IVA só deve, por conseguinte, ser concedida aos organismos culturais reconhecidos pelo Estado-Membro em causa. Compete ao Tribunal de Justiça decidir em que medida o legislador nacional pode, tendo em vista o reconhecimento de um organismo cultural, impor como condição que este último possua uma dimensão mínima.

46. Abordaremos estes elementos à luz das principais linhas da jurisprudência que referimos no título anterior. Em resumo: os conceitos utilizados no artigo 13.° , A, são conceitos autónomos de direito comunitário que devem - na medida em que esteja em causa o alcance de uma isenção - ser interpretados estritamente. O ponto essencial do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), é a isenção de certas actividades culturais. A limitação a determinados organismos é uma condição secundária. A isto acresce que a possibilidade de distinguir entre os organismos que podem e os que não podem aspirar a uma isenção deve ser apreciada à luz do princípio da neutralidade fiscal.

B - Serviços culturais

47. Tal como referimos no n.° 31 supra, o legislador comunitário optou por um regime equilibrado de IVA sobre a arte. Apenas alguns serviços, e não todos os serviços culturais, podem beneficiar da isenção prevista no artigo 13.° , A. No contexto do presente processo, que respeita a concertos de música clássica, distinguimos, como fez a Comissão nas suas observações, dois serviços. O primeiro é aquele que é prestado aos espectadores de um concerto em contrapartida da compra de um bilhete de ingresso. A compra deste bilhete dá-lhes o direito a assistir ao concerto ou, noutros termos, a receber um serviço de carácter cultural. Pode invocar o seu direito face ao cocontratante, quer este seja a sala onde o concerto é dado, um organizador independente, como o acusado no processo principal, ou o próprio conjunto musical. Os trabalhos preparatórios da Sexta Directiva revelam que o conceito de serviços culturais inclui, em qualquer dos casos, as prestações de serviços efectuadas em benefício do público. A contrapartida destes serviços é constituída pelo preço pago pelo público. Não há qualquer dúvida de que estes serviços estão isentos de IVA desde que, bem entendido, estejam reunidas as outras condições previstas no artigo 13.° , A. Esta conclusão não está, aliás, em discussão no caso em apreço.

48. Tal como decorre dos factos não contestados expostos perante o Tribunal de Justiça, os serviços oferecidos ao público por M. Hoffmann (e que se traduzem na venda de bilhetes de ingresso) foram isentos de IVA. Mas, o litígio principal incide sobre um segundo serviço, respeitante à cobrança de IVA sobre os cachets pagos por M. Hoffmann, acusado no processo principal, aos três solistas. Para responder à questão prejudicial, é essencial determinar se a isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), é extensível a este serviço que resulta da relação jurídica por força da qual cada um dos intérpretes se comprometeu e estava obrigado perante o organizador do concerto a executar a obra.

49. Não decorre explicitamente dos trabalhos preparatórios da Sexta Directiva que esse serviço também esteja abrangido pelo campo de aplicação da isenção de IVA. A isto acresce que, no artigo 28.° , n.° 3, alínea b), e no anexo F, n.° 2, a Sexta Directiva previu uma isenção especial, durante um período transitório, para os serviços de artistas executantes (intérpretes de obras de arte). Por outro lado, a taxa reduzida de IVA pode ser-lhes aplicada nos termos do artigo 12.° n.° 3, alínea a) . Tendo em conta o ponto de partida adoptado pelo Tribunal de Justiça - a saber uma interpretação estrita das excepções à cobrança de IVA - estes elementos jogam a favor de uma exclusão do serviço em causa do campo de aplicação do artigo 13.° , A.

50. É bastante importante referir que a aplicabilidade da isenção aos cachets pagos aos intérpretes não está, em si mesma, em causa no âmbito deste reenvio prejudicial. Assim, até o próprio Governo da República Federal da Alemanha reconhece que os intérpretes podem, mesmo após ter expirado o período transitório mencionado no artigo 28.° , n.° 3, continuar a beneficiar da isenção de IVA, desde que as condições de aplicação do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), estejam reunidas. Em princípio, a legislação alemã também admite esta isenção (excepto para os solistas). Na audiência, a Comissão confirmou que, em sua opinião, o serviço em causa pode ser isento de IVA. Para M. Hoffmann, este serviço está de tal forma relacionado com o que o organizador fornece ao público que seria contrário ao objectivo visado pela isenção submeter os cachets a IVA. Este objectivo consiste precisamente em garantir, através de uma medida fiscal, que o preço de uma prestação de serviço cultural seja razoável.

51. Somos também de opinião que a isenção é igualmente extensível ao serviço prestado pelo intérprete nas condições do litígio do processo principal. Como M. Hoffmann, consideramos determinante o elo que liga o serviço directamente prestado ao público e o serviço prestado pelos solistas a M. Hoffmann. Existe uma ligação directa entre os dois serviços. O preço que M.Hoffmann deve pagar aos solistas faz parte das suas despesas e, regra geral, é repercutido directamente no público.

52. Se a operação com os solistas não devesse ser isenta de IVA e se as despesas efectuadas por M. Hoffmann para assegurar a sua própria prestação devessem, portanto, ser tributadas, a eficácia da medida de isenção ficaria diminuída. Portanto, o objectivo desta medida - que gostaríamos de definir, no caso em apreço, como um tratamento mais favorável de determinadas actividades culturais - não seria alcançado.

53. A título supletivo, salientamos ainda o seguinte: foi aplicada aos serviços prestados pelos intérpretes a isenção temporária prevista no artigo 28.° , n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva. De certa forma, esta isenção constitui uma duplicação da isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), se tivermos em conta a nossa concepção do alcance desta última. Da mesma forma, existe uma sobreposição entre esta última isenção e a possibilidade de aplicar uma taxa reduzida de IVA nos termos do artigo 12.° , n.° 3. Contudo, a simples existência desta sobreposição não é, em si mesma, suficiente para justificar outra interpretação do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n). O artigo 12.° da Umsatzsteuergesetz demonstra que a sobreposição não implica necessariamente uma formulação ambígua pelo legislador nacional e, portanto, uma insegurança jurídica para os sujeitos passivos. Esta disposição prevê expressamente que os organismos não reconhecidos estão sujeitos a IVA a uma taxa reduzida.

C - Organismos culturais

54. Voltemos à limitação da isenção aos serviços culturais prestados por organismos de direito público ou por outros organismos culturais reconhecidos pelo Estado-Membro em causa. A Sexta Directiva não só determina que podem ser isentas de IVA as actividades que prosseguem determinados objectivos mas designa também - e trata-se aqui de uma exigência suplementar - os operadores económicos que estão autorizados a fornecer as prestações isentas .

55. No âmbito da interpretação desta limitação, importa estar atento aos quatro pontos seguintes:

- o que implica esta limitação aos organismos culturais?

- os organismos de carácter comercial estão excluídos da isenção?

- qual é a relação entre a limitação e o princípio da neutralidade fiscal?

- qual é a margem de manobra de que dispõem os Estados-Membros para reconhecer ou não organismos?

56. O critério do carácter cultural de um organismo deveria, tanto quanto possível, ser interpretado da mesma forma que o do carácter cultural do serviço prestado . Limitando-nos ao domínio em causa no litígio principal, verificamos que o legislador comunitário estava essencialmente a pensar em organismos no seio dos quais têm lugar actividades culturais, tais como salas de concerto e teatros. Uma vez que estas salas de concerto e estes teatros tanto podem ser organismos de direito público, como adoptar a forma de uma pessoa de direito privado, era necessário não limitar a isenção aos organismos de direito público. Com efeito, o regime não tem por objectivo conceder a estes últimos um benefício fiscal relativamente aos organismos de direito privado. Consequentemente, a Sexta Directiva dá também a possibilidade aos Estados-Membros de isentar de IVA organismos culturais similares de direito privado. Para ilustrar a nossa posição, remetemos para a legislação alemã que impõe como condição para a isenção dos organismos de direito privado que estes prossigam a mesma «missão cultural» que os organismos isentos na qualidade de pessoas de direito público.

57. Todavia, a isenção não deve abranger apenas as salas de concerto e os teatros. Os intérpretes não estão excluídos. E não há nenhuma razão para que o sejam. São estes artistas que fornecem a prestação cultural. E - como acima verificamos - esta prestação constitui um serviço cultural na acepção do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da Sexta Directiva. Em resumo: todos os organismos que prestam serviços culturais de forma regular são, por definição, organismos culturais.

58. O segundo ponto prende-se com a questão de saber em que medida os organismos com carácter comercial estão excluídos da isenção. Este ponto é importante, desde logo, por causa do acórdão Kennemer Golf , no qual o Tribunal de Justiça afirmou que o objectivo das isenções do artigo 13.° , A, consiste em conceder um tratamento mais favorável, em matéria de IVA, a determinados organismos cujas actividades são orientadas para fins distintos dos fins comerciais. Fazemos, seguidamente, notar que aquela disposição designa da mesma maneira os organismos reconhecidos pelos Estados-Membros e os de direito público, que, enquanto tais, são destituídos (ou não é suposto terem) carácter comercial.

59. A Sexta Directiva nem por isso deixa de permitir a organismos de carácter comercial beneficiarem da isenção. Convém observar a este respeito que o texto da Sexta Directiva não exclui os organismos de carácter comercial. Mais surpreendentemente, a Sexta Directiva confere no n.° 2 do artigo 13.° , A, a faculdade de excluir tais organismos. Com efeito, os Estados-Membros têm, nos termos desta disposição, o poder, sem a tal estarem obrigados, de excluir os organismos de carácter comercial. Na legislação alemã - cuja aplicação está em causa no processo principal - não está prevista tal exclusão.

60. Terceiro ponto: o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da Sexta Directiva não trata, portanto, todos os sujeitos passivos da mesma maneira. Só alguns beneficiam da isenção. O regime é, assim, contrário ao princípio da neutralidade fiscal, na medida em que, segundo parece, situações idênticas recebem um tratamento fiscal diferente em razão do fim das actividades prosseguidas . O Tribunal de Justiça justifica expressamente esta desigualdade no acórdão Kennemer Golf . Resulta deste acórdão que o princípio da neutralidade fiscal nem sempre prevalece.

61. Este princípio não se opõe a um tratamento diferenciado de operações comparáveis, mas não idênticas. A este respeito, salientámos nas nossas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Finlândia , que a Sexta Directiva possui um carácter muito pormenorizado, tendo automaticamente como consequência que, num certo número de casos, operações de algum modo comparáveis, mas não idênticas, são tratadas de maneira diferente. A Sexta Directiva criou diversas delimitações, em que os parâmetros estabelecidos nem sempre apresentam um carácter natural. Isto é seguramente verdade no que respeita às isenções enumeradas no artigo 13.° , A, que apenas abrangem determinadas actividades de interesse geral - e não todas estas actividades na sua totalidade .

62. Dito isto, tal como foi afirmado no acórdão Gregg, já referido, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se frontalmente a que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam, em razão da sua forma jurídica, tratados diferentemente em matéria de cobrança de IVA.

63. Parece-nos, contudo útil voltar a abordar a relação entre o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), e o princípio da neutralidade fiscal, a fim de apreciar se a diferença de tratamento em razão do fim prosseguido pelas actividades deve ser considerada uma diferença de tratamento entre situações idênticas ou comparáveis. O tratamento diferenciado é admissível no segundo caso, mas não no primeiro.

64. Deste ponto de vista, verificamos que a limitação ratione personae do alcance da isenção, referida no número anterior, é permitida. Com efeito, a isenção não visa como o Landgericht afirmou no processo principal, favorecer os organismos economicamente débeis, mas sim tornar o teatro mais acessível ao público. O custo do bilhete de ingresso constitui, sobretudo, um obstáculo no que diz respeito às representações culturais (de acesso mais difícil) que não atraem o grande público. Esse problema não se coloca, ou coloca-se menos, para as representações de carácter comercial, que são, em si mesmas, rentáveis. Nelas, o público está em larga medida, disposto a pagar o preço reclamado pelo organizador. Neste último caso, a isenção de IVA - que, aliás, apenas provoca uma redução relativamente limitada do preço - não teria qualquer utilidade para atingir o objectivo pretendido. Se a isto acrescentarmos que a isenção implica uma diminuição das receitas fiscais, parece-nos justificado considerar as operações isentas e as que o não são simplesmente comparáveis e não idênticas.

65. O quarto ponto prende-se com o poder discricionário dos Estados-Membros. Parece-nos evidente que a competência reconhecida a um Estado-Membro, no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), para reconhecer (ou não) um organismo que não seja de direito público não constitui objecto de uma disposição específica. Em princípio, esta competência é discricionária - desde que os limites fixados pelo artigo 13.° sejam respeitados . Esta liberdade é tão ampla que um Estado-Membro pode mesmo prever, na sua legislação, que nenhum organismo cultural que não seja de direito público será reconhecido. Mas os Estados-Membros podem também, por exemplo, utilizar como critério o carácter comercial ou não do organismo cultural. Na República Federal da Alemanha, esta escolha recaiu noutro critério: os organismos visados devem, nos termos de um certificado da autoridade competente de um Land, cumprir uma «missão cultural».

66. No caso em apreço, a Comissão argumenta que, no exercício desta competência, os Estados-Membros devem respeitar o direito comunitário e, em especial, o princípio da neutralidade fiscal. Aderimos a este ponto de vista da Comissão, acrescentando as seguintes precisões. Quando um Estado-Membro faz uso de uma competência discricionária que lhe foi concedida para reconhecer organismos, este uso está sujeito ao respeito pelos princípios gerais do direito comunitário. Mais especificamente:

- o exercício dessa competência não pode ir contra o objectivo visado pelo artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n). Noutros termos, não pode prejudicar o efeito útil da disposição.

- o exercício da competência não pode conduzir a uma desigualdade no tratamento de situações idênticas. Dito de outra forma, é preciso respeitar o princípio da neutralidade fiscal. Já abordámos acima este princípio.

67. No que respeita ao efeito útil, observemos o seguinte. Os Estados-Membros estão em geral obrigados a alcançar o resultado visado por uma directiva, bem como a tomar toda e qualquer medida, geral ou particular, apropriada para garantir o cumprimento dessa obrigação. Formulado em termos negativos, isto significa que os Estados-Membros se devem abster de tomar medidas que impeçam a produção do resultado que a directiva pretende alcançar. Concretamente, trata-se de um poder discricionário implícito. Este poder é lato, mas o seu exercício não pode esvaziar o regime do seu conteúdo . Há portanto que verificar, no caso em apreço, se a medida nacional que exclui os solistas da isenção de IVA, é susceptível de esvaziar o regime do seu conteúdo.

D - Uma pessoa singular pode também ser considerada um organismo?

68. Isto conduz-nos ao terceiro elemento da questão colocada, a saber, se uma pessoa singular pode ser considerada um organismo. Estamos perante o cerne da questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Segundo os Governos da República Federal da Alemanha, do Reino Unido e dos Países Baixos, tal não é possível. A República Federal da Alemanha faz notar, a este respeito, que a interpretação de um conceito contido numa disposição comunitária deve ser o mais possível fiel ao seu texto. Em seu entender, deve existir um mínimo de concordância entre um termo e o seu sentido usual. M. Hoffmann e a Comissão são de opinião contrária.

69. Resulta do acórdão Gregg, já referido, que a forma jurídica do organismo não tem importância, desde que se trate de uma entidade individualizada desempenhando uma função particular. O processo Gregg dizia respeito a duas pessoas singulares que exerciam conjuntamente uma determinada função. Estas pessoas exploravam uma empresa (mais concretamente uma casa de saúde), actuando assim, face ao exterior, como uma entidade única. O caso em apreço inscreve-se num outro contexto, a saber, o sector cultural e, mais especificamente, o da interpretação musical.

70. O caso em que um duo ou um trio musical exerce a sua arte face ao exterior como um conjunto, inclusivamente no âmbito das relações contratuais com os organizadores de concertos, constitui uma hipótese comparável com a do processo Gregg. Por analogia com o acórdão Gregg, parece-nos indiscutível que um conjunto musical dessa natureza, que inclui duas ou mais pessoas singulares, pode ser considerado um organismo cultural na acepção da Sexta Directiva.

71. Assim sendo, não vemos - e ainda menos tendo em consideração as circunstâncias do processo principal - por que é que um solista não pode ser considerado uma entidade desse tipo. À parte o facto de se tratar de apenas uma pessoa, um solista é em tudo comparável a um conjunto musical. Tendo em conta o princípio da neutralidade fiscal - e na falta de maior clareza do texto da Sexta Directiva acerca deste ponto - parece-me incorrecto interpretar esta directiva no sentido de que a isenção de IVA depende do número dos membros que compõem um conjunto musical. A este respeito, estamos de acordo com M.Hoffmann e a Comissão quando defendem que uma exclusão absoluta dos solistas é contrária ao direito comunitário. Esta conclusão não é afectada pelas linhas directrizes de 1994 sobre a interpretação do artigo 13.° , para as quais remete a República Federal da Alemanha. É verdade que essas linhas directrizes excluem os artistas individuais. Contudo, não só não têm carácter vinculativo como, por outro lado, consideramos que o seu conteúdo ficou ultrapassado depois do acórdão Gregg, já referido.

72. Isto não significa que um particular que fornece uma prestação de serviços culturais possa, em todas as circunstâncias, ser considerado um organismo cultural. Em nosso entender, é fundamental que o particular (o solista) exerça a sua actividade face ao exterior enquanto entidade. Por outro lado, a prestação que é ou não objecto de cobrança de IVA deve consistir numa prestação individualizada, que o solista não fornece como membro de um grupo, como acontece numa orquestra - para não sair do domínio da música clássica.

73. A título exemplificativo, observemos ainda que as circunstâncias do caso em apreço nos convencem ainda mais a considerar os solistas como organismos. Com efeito, trata-se de solistas cujos interesses profissionais, que são consideráveis, poderiam muito bem ser geridos por uma pessoa colectiva. E se assim fosse, o acusado no processo principal teria celebrado os contratos com essa pessoa colectiva. O facto de não ter sido esse o caso - tal como resulta das circunstâncias da causa - é acidental e não pode provocar um tratamento fiscal diferente.

74. Resumindo, o direito comunitário não exclui um solista da isenção.

E - O poder discricionário dos Estados-Membros no caso em apreço

75. Abordemos agora o quarto elemento, referido no n.° 65 supra: salvo se se tratar de organismos de direito público, a isenção de IVA prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), só beneficia aos organismos culturais que o Estado-Membro em causa tenha reconhecido. Supondo que o artigo 4.° , n.° 20, da Umsatzsteuergesetz deve ser interpretado no sentido de que os solistas estão excluídos da isenção de IVA, tal significa que, na República Federal da Alemanha, um solista não pode ser considerado um organismo cultural. Tendo em atenção a interpretação que acima demos da Sexta Directiva, a exclusão dos solistas da isenção de IVA decorre, no caso em apreço, unicamente da regulamentação nacional. Esta só prevê a isenção - na parte que nos diz respeito - em benefício de grupos musicais e de conjuntos vocais constituídos por duas ou mais pessoas.

76. É, bem entendido, ao juiz alemão que compete interpretar a lei alemã. A questão que se coloca ao Tribunal de Justiça no âmbito deste processo é apenas saber se um Estado-Membro que faça depender o eventual reconhecimento de um organismo do número de membros que o compõem ultrapassa os limites do poder discricionário que lhe foi atribuído. A Comissão considera que uma exclusão geral dos solistas não é compatível com a margem discricionária, na medida em que conduz, por parte do Estado-Membro, a um tratamento diferenciado baseado em critérios subjectivos.

77. Analisemos primeiro o problema sob o prisma do princípio do efeito útil: trata-se de verificar se a medida nacional que exclui os solistas do benefício da isenção de IVA é susceptível de esvaziar o regime da sua substância. A este respeito, há, em primeiro lugar, que ter em conta o objectivo da isenção. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça no acórdão Kennemer Golf, a isenção visa conceder um tratamento mais favorável a determinados organismos cujas actividades estão orientadas para fins não comerciais . Insistimos no facto de o regime não prever que todos os organismos não comerciais devam receber um tratamento mais favorável. Como já acima referimos, os Estados-Membros dispõem, quanto a esta matéria, da margem de apreciação necessária. Ora, entendemos que uma regulamentação nacional que reserva o tratamento mais favorável apenas aos organismos culturais com mais de um membro não esvazia o regime da sua substância. Tal regulamentação apenas restringe o alcance da isenção no Estado-Membro em causa.

78. Em contrapartida, tal como afirmou o Tribunal de Justiça no acórdão Gregg, já referido, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se frontalmente a que operadores económicos que efectuam as mesmas operações sejam, devido à sua forma jurídica, tratados de forma diferente em matéria de cobrança de IVA. Em nosso entender, este raciocínio é aplicável, por analogia, ao caso em apreço. O tratamento diferenciado respeita aqui a grupos musicais compostos, por um lado, de um membro e, por outro, de dois ou mais membros, que efectuam operações idênticas. Além disso, não existe nenhuma relação entre esta diferença de tratamento e o objectivo prosseguido pelo regime. Consideramos, assim, esta distinção um tratamento desigual de casos idênticos.

79. Na medida em que estamos perante operações idênticas e não apenas comparáveis, somos de opinião de que o regime instituído pela República Federal da Alemanha é contrário ao princípio da neutralidade fiscal. No entanto isto não é suficiente para concluir pela existência de uma violação do direito comunitário. Na verdade, por exemplo, um tratamento diferenciado poderia revelar-se necessário por razões de controlo. Contudo, no caso em apreço não é invocada qualquer razão especial para justificar a diferença.

F - Em resumo

80. Resumindo, responderíamos afirmativamente à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, baseando-nos nas seguintes considerações:

- A prestação de serviços fornecida pelo intérprete de uma obra de arte ao organizador de uma representação pode, da mesma forma que a prestação que o organizador fornece ao público, entrar no campo de aplicação do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da Sexta Directiva.

- Os Estados-Membros dispõem de um amplo poder de apreciação para reconhecer os «organismos culturais» que não sejam de direito público enquanto organismos susceptíveis de beneficiarem da isenção do IVA. É-lhes legítimo utilizar como critério o carácter comercial ou não de um organismo cultural.

- Este poder de apreciação, apesar de amplo, não é ilimitado. Deve ser exercido no respeito dos princípios gerais do direito comunitário, tais como o do efeito útil e o da neutralidade fiscal.

- Um solista pode ser considerado um «organismo cultural» na acepção do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n) da Sexta Directiva, sob condição de exercer a sua actividade face o exterior enquanto entidade e de a prestação que é ou não objecto de cobrança de IVA consistir numa prestação individualizada.

- A exclusão absoluta dos solistas por uma regulamentação nacional não põe em causa o efeito útil da Sexta Directiva. Todavia, tal regulamentação é contrária ao princípio da neutralidade fiscal. Consequentemente, não existindo uma razão especial que a justifique, a exclusão viola o direito comunitário.

VI - Resposta à segunda questão

81. Respondemos afirmativamente à primeira questão. Resta-nos agora abordar a segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

82. Esta questão prende-se com a limitação da isenção ao abrigo do artigo 13.° , A, da Sexta Directiva a actividades de interesse geral. O conceito de interesse geral consta do título do artigo.

83. M. Hoffmann alega que as diversas isenções previstas no artigo 13.° , A, estão formuladas com precisão e que todas elas visam uma subvenção na prossecução de um interesse geral. O Governo da República Federal da Alemanha é da mesma opinião, na medida em que faz notar que o título daquela disposição não contém nenhuma limitação que os Estados-Membros devam ter em consideração no momento da transposição da Sexta Directiva para o direito nacional. Em contrapartida, segundo os Governos do Reino Unido e dos Países Baixos, decorre da conceito de interesse geral que os organismos que procuram sistematicamente o lucro não podem beneficiar da isenção. Quanto a esta questão, a Comissão remete para o artigo 13.° , A, n.° 2. Os organismos de carácter comercial seriam excluídos da isenção com base nesta disposição.

84. Desde logo, observamos que o título de um artigo não faz parte do dispositivo de uma regulamentação. À semelhança do título do instrumento normativo, no seu conjunto, ou de parte deste instrumento, o título (cabeçalho) de um artigo define o objecto da disposição que se segue. Um título tem carácter explicativo. A diferença fundamental entre a parte dispositiva e a parte explicativa de um texto normativo ficou bem expressa no Acordo interinstitucional de 22 de Dezembro de 1998 sobre as directrizes comuns em matéria de qualidade de redacção da legislação comunitária . Sendo assim, podemos inferir do título de uma disposição a intenção do legislador. É nesta medida que o título pode ser relevante para a apreciação do Tribunal de Justiça. É também neste sentido que interpretamos o conceito de «interesse geral» incluída no título do artigo 13.° , A. Este conceito não inclui, portanto, nenhuma limitação directa, mas circunscreve a interpretação das isenções estabelecidas pelo artigo 13.°

85. Dito isto, o título não tem no caso em apreço, qualquer significado autónomo. Referimos, a este respeito, o texto do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n). Esta disposição apenas se aplica aos serviços culturais prestados por determinados organismos culturais. A simples exigência de que tanto as prestações de serviços como os organismos tenham carácter cultural implica, em si mesma, que a isenção respeita ao interesse geral. Quanto a este ponto partilhamos as posições defendidas por M. Hoffmann e pelo Governo da República Federal da Alemanha.

86. Por outro lado, também podemos interpretar o conceito de interesse geral de uma outra maneira, a saber, como um interesse não comercial. Os elementos de apreciação tomados em consideração no âmbito da primeira questão prejudicial permitem também que nos pronunciemos de forma definitiva sobre esta interpretação. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que a isenção de IVA tinha por objectivo tratar mais favoravelmente determinados organismos cujas actividades estão orientadas para fins distintos dos fins comerciais. Este objectivo encontra também a sua expressão nas condições que os Estados-Membros podem impor, nos termos do artigo 13.° , A, n.° 2, para concederem o benefício da isenção a organismos que não sejam de direito público . Mas, uma vez mais, o título, não reveste, a este respeito qualquer significado autónomo. Com efeito, tal como já referimos ao responder à primeira pergunta, os organismos comerciais não estão excluídos enquanto tais. Para mais, as condições previstas no artigo 13.° , A, n.° 2, de que os Estados-Membros se podem socorrer para excluir organismos comerciais têm carácter facultativo. Da leitura deste n.° 2, não resta qualquer dúvida de que o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), não se opõe a que organismos comerciais - que não prossigam uma actividade de interesse geral no sentido estrito que é aqui dado a este conceito - possam também beneficiar da isenção.

87. Em resumo:

- O conceito de «interesse geral» utilizado no título do artigo 13.° , A, não tem significado autónomo.

- A Sexta Directiva não exclui os organismos de carácter comercial, enquanto tais, do benefício da isenção.

VII - Conclusões

88. Tendo em conta as considerações precedentes, propomos que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais colocadas pelo Bundesgerichtshof da seguinte forma:

«- Relativamente à primeira questão: um solista pode ser considerado um organismo cultural na acepção do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, sob condição de exercer a sua actividade face ao exterior enquanto entidade e de a prestação que é ou não objecto de cobrança de IVA se traduzir numa prestação individualizada. A exclusão absoluta dos solistas por uma regulamentação nacional não põe em causa o efeito útil da Sexta Directiva. Todavia, tal regulamentação contraria o princípio da neutralidade fiscal. Consequentemente, não existindo uma razão especial que a justifique, a exclusão viola o direito comunitário.

- Quanto à segunda questão: o conceito de interesse geral utilizado no título do artigo 13.° , A, não tem significado autónomo.»