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Advertência jurídica importante

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62000C0169

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 20 de Septembro de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra República da Finlândia. - Incumprimento de Estado - Artigos 2.º e 28.º, n.º 3, alínea b), e anexo F, ponto 2, da Sexta Directiva IVA - Acto de adesão da República da Finlândia - Isenção das prestações de serviços dos autores, artistas e intérpretes de obras de arte - Disposições derrogatórias. - Processo C-169/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-02433


Conclusões do Advogado-Geral


I Introdução

1. No caso vertente, a Comissão convida o Tribunal de Justiça a declarar, nos termos do artigo 226.° CE, que a República da Finlândia, ao manter em vigor uma legislação que isenta de imposto sobre o valor acrescentado tanto a venda de obras de arte pelos seus autores, ou por intermediários, como a importação de obras de arte directamente adquiridas aos seus autores, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «directiva»). Mais concretamente, a Comissão considera que, embora a directiva preveja a possibilidade, durante um período transitório, de isentar de IVA os serviços dos artistas, não permite isentar, como prevê a legislação finlandesa , os bens por eles entregues.

II Enquadramento jurídico

2. O artigo 2.° da directiva estabelece as bases da colecta do IVA ao dispor o seguinte:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2. As importações de bens.»

3. O artigo 12.° institui os princípios da aplicação da taxa reduzida do IVA. O n.° 3, alínea c) , prevê que:

«Os Estados-Membros podem estabelecer que a taxa reduzida ou uma das taxas reduzidas, que aplicam nos termos do terceiro parágrafo da alínea a), seja igualmente aplicável às importações de objectos de arte e de colecção ou de antiguidades definidos no ponto A, alíneas a), b) e c), do artigo 26.° -A.

Sempre que exercerem essa faculdade, os Estados-Membros podem aplicar igualmente essa taxa reduzida às entregas de objectos de arte, na acepção do ponto A, alínea a), do artigo 26.° -A:

efectuadas pelo autor ou pelos seus sucessores,

efectuadas esporadicamente por um sujeito passivo que não seja um sujeito passivo revendedor, se esses objectos de arte tiverem sido importados pelo próprio sujeito passivo, ou lhe tiverem sido entregues pelo autor ou pelos seus sucessores, ou lhe tiverem conferido o direito à dedução total do imposto sobre o valor acrescentado.»

4. O artigo 13.° estabelece as regras da isenção de IVA. A sua parte A, n.° 1, alínea n), regula a isenção no que diz respeito a «Certas prestações de serviços culturais, e bem assim as entregas de bens com elas estritamente conexas, efectuadas por organismos de direito público ou por outros organismos culturais reconhecidos pelo Estado-Membro em causa.»

5. O artigo 28.° , n.° 3, initio e alínea b), dispõe que:

«Durante o período transitório a que se refere o n.° 4, os Estados-Membros podem:

[...]

b) Continuar a isentar as operações enumeradas no anexo F, nas condições em vigor no Estado-Membro.»

6. O anexo F apresenta a lista das operações que podem ser isentas em aplicação do artigo 28.° , n.° 3, alínea b). O ponto 2 deste anexo menciona: «Prestações de serviços dos autores, artistas de obras de arte, advogados e outros membros de profissões liberais, com excepção das profissões médicas e paramédicas [...].»

7. O anexo XV, título IX, do Acto relativo às condições de adesão do Reino da Noruega, da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (a seguir «acto de adesão»), versa matéria fiscal. O ponto 2, alínea n), desse título, estipula que:

«n) Para efeitos do n.° 3, alínea b), do artigo 28.° , e enquanto a mesma isenção for aplicável por qualquer dos actuais Estados-Membros, a República da Finlândia pode isentar do imposto sobre o valor acrescentado:

os serviços prestados por autores, intérpretes e executantes referidos no ponto 2 do anexo F;

[...].»

8. A legislação fiscal finlandesa isenta de IVA a venda de uma obra de arte cujo autor seja o proprietário. Esta isenção é aplicável tanto à venda da obra de arte pelo próprio autor, como à venda por um intermediário. A mesma isenção se aplica quanto à importação de uma obra de arte directamente adquirida ao seu autor.

III Factos e tramitação processual

9. Em 16 de Fevereiro de 1998, a Comissão enviou à República da Finlândia uma notificação de incumprimento, em virtude de ter mantido em vigor uma legislação que isenta de imposto sobre o valor acrescentado, em determinados casos, a venda e a importação de obras de arte.

10. O Governo finlandês respondeu, por carta de 6 de Abril de 1998, que o disposto no acto de adesão, o artigo 28.° , n.° 3, e o anexo F da directiva, tendo em conta os respectivos objectivos, autorizam a República da Finlândia a manter essa isenção.

11. Em 4 de Novembro de 1998, a Comissão emitiu um parecer fundamentado. Em resposta a este parecer, o Governo finlandês reiterou o seu ponto de vista. A Comissão intentou assim a presente acção, em 8 de Maio de 2000.

IV Argumentos das partes

12. Na petição, a Comissão invoca, em primeiro lugar, o artigo 2.° da directiva, o qual consagra o princípio de que as entregas e as importações de bens estão sujeitas a IVA. De seguida, esclarece que a directiva não prevê qualquer isenção para a entrega ou a importação de obras de arte. Refere o artigo 12.° , n.° 3, alínea c), da directiva, que apenas permite aos Estados-Membros estabelecer uma taxa reduzida. Finalmente, a Comissão observa que o anexo F da directiva, o qual enumera as operações que os Estados-Membros podem isentar de IVA com base no artigo 28.° , n.° 3, da directiva, diz efectivamente respeito aos serviços dos autores, artistas e intérpretes de obras de arte, mas não à venda e à importação de obras de arte. Com efeito, trata-se de bens e não de serviços. Em resumo, na opinião da Comissão, a República da Finlândia não respeitou as obrigações que lhe cabem por força do artigo 2.° da directiva.

13. O Governo finlandês alega que, no momento da sua adesão à União Europeia, foi consagrada uma excepção que lhe permite manter em vigor a isenção de obras de arte cujo autor é também o proprietário. Invoca para tanto a referência feita no acto de adesão às disposições conjugadas do artigo 28.° , n.° 3, alínea b), com o anexo F da directiva.

14. O Governo finlandês não partilha o ponto de vista da Comissão no que diz respeito à primeira venda e à importação de uma obra de arte. Apesar de as noções de bens e de serviços constantes da directiva deverem ser claramente distinguidas e apesar de as obras de arte enquanto tais deverem ser geralmente consideradas bens, a interpretação da isenção dos artistas, na opinião do Governo finlandês, não pode apenas basear-se na redacção da disposição. Uma simples interpretação literal reduziria o âmbito de aplicação desta isenção a ponto de o tornar praticamente inexistente. Com efeito, se, como sustenta a Comissão, a isenção só abrangesse a arte plástica enquanto esta não revestir a forma de um bem móvel, então ela só se aplicaria ao caso especial em que a obra de arte está directamente integrada pelo artista num bem imóvel cujo comprador é o proprietário . O Governo finlandês alega que, segundo a interpretação da Comissão, mesmo a transmissão de uma obra de arte criada por encomenda, como um retrato, caberia na noção de bem móvel e escaparia assim à isenção.

15. Tudo isto se prende, no entender do Governo finlandês, com o facto de a noção de artista constante do anexo F, ponto 2, da directiva dever ser interpretada no sentido de abranger o artista plástico, dado que, para os outros artistas, ficaram consagradas as noções de «intérpretes de obra de arte» e «autores». Compreendo este ponto de vista, uma vez que, tratando-se por exemplo da arte musical, o artista que executa a obra é o intérprete de uma obra de arte, sendo o autor o seu compositor.

16. O Governo finlandês considera que há que ter em conta a finalidade da disposição em causa, das outras regras da directiva aplicáveis às actividades culturais, bem como o princípio da neutralidade fiscal.

17. É também necessário ter em conta a especificidade apresentada pela primeira venda de uma obra de arte. Não se pode equiparar esta operação à produção e à venda de bens de consumo. Além disso, o Governo finlandês remete para três propostas mais antigas da Comissão que previam uma isenção permanente de IVA para as transmissões de obras de arte pelo próprio artista .

18. O Governo finlandês cita ainda o relatório da Comissão de 2 de Julho de 1991 , do qual transparece alguma incerteza no que se refere à classificação da transmissão de uma obra de arte como bem ou como serviço. Na petição, a Comissão contesta, aliás, que este relatório tenha relevância para o caso em apreço.

19. Uma interpretação demasiado estreita da directiva geraria também, na opinião do Governo finlandês, uma diferença de tratamento entre as diversas profissões artísticas e, por conseguinte, uma violação do princípio da neutralidade fiscal. Este princípio representa o objectivo primeiro do regime do IVA. A este propósito, o Governo finlandês refere os acórdãos Ufficio distrettuale delle imposte dirette di Fiorenzuola d'Arda e o./Comune di Carpaneto Piacentino e o. e Gregg .

20. O Governo finlandês menciona também o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da directiva, o qual prevê a isenção permanente de certas prestações de serviços culturais.

21. À luz do que precede, o Governo finlandês conclui que decorre do acto de adesão, bem como do artigo 28.° e do anexo F da directiva, que a primeira transmissão de uma obra de arte efectuada pelo seu autor pode estar isenta de IVA. Deduz do artigo 14.° , n.° 1, da directiva que o mesmo acontece na importação de obras de arte. Finalmente, sublinharei que o Governo finlandês reconhece o mérito da acção naquilo que diz respeito à corretagem de obras de arte cujo autor seja o proprietário.

22. Em resposta à argumentação do Governo finlandês, a Comissão reconhece que a República da Finlândia pode manter isenções com base no acto de adesão. Em contrapartida, contesta que a legislação finlandesa caiba no âmbito de aplicação do anexo F, ponto 2, da directiva, ao qual se refere o acto de adesão.

23. O anexo F contém uma lista de isenções enumeradas de forma casuística. O poder dos Estados-Membros em manter isenções é, aliás, temporário. Deve pois esse poder ser interpretado de modo estrito e literal. A este propósito, a Comissão cita os acórdãos Bulthuis-Griffioen e Skripalle . O mesmo deverá acontecer no que diz respeito ao acto de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia . A Comissão considera que esta abordagem se justifica por maioria de razão no caso vertente, uma vez que só se pode recorrer à derrogação relativamente a práticas existentes no Estado-Membro. A interpretação do Governo finlandês é contrária ao texto do anexo e levaria mesmo, no entender da Comissão, a que os livros ficassem isentos de IVA, o que é incompatível com o anexo H, ponto 6, da directiva.

24. A Comissão não concorda com o argumento de que a interpretação por ela proposta reduziria praticamente a zero o âmbito de aplicação da isenção prevista no anexo F, ponto 2, da directiva. Esta isenção não abrange apenas os artistas e intérpretes de obras de arte (como os artistas de circo, os cantores e os actores), mas também os advogados e outras profissões liberais.

25. A Comissão suscita uma consideração de ordem económica. A prestação de um serviço está concluída com a referida prestação, ao passo que um bem pode ser sucessivamente vendido. Em caso de entrega de uma obra de arte, por exemplo a uma galeria, decorreria da isenção do IVA o facto de o próprio artista não poder deduzir o IVA por ele pago em relação às matérias-primas, como a tinta e a tela utilizadas para realizar o quadro. O IVA é transferido para o sujeito passivo que comprou a obra de arte, por exemplo a galeria. Esta consequência é contrária ao objectivo de aligeirar a fiscalidade no domínio da arte. Esta consideração económica constituiu, na opinião da Comissão, um argumento para rejeitar as propostas de alteração da directiva referidas pelo Governo finlandês .

26. A Comissão não acolhe o argumento de que o seu ponto de vista levaria a distinções artificiais relativamente a entregas de obra de arte. Pelo contrário, a diferença de tratamento decorre do tipo de contrato celebrado pelo artista. Há entrega de um bem, como a venda de um quadro ou de uma escultura, quando o artista vende uma obra que realizou. Há prestação de serviços quando o comanditário é, desde o início, proprietário da obra de arte, por exemplo quando um retrato é realizado por encomenda.

27. A Comissão sublinha que qualquer diferença de tratamento das várias operações tem um carácter subjectivo. O princípio da neutralidade fiscal não pode ser invocado no caso vertente para se opor a uma interpretação estrita da regulamentação.

28. A Comissão examina igualmente o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), da directiva. Esta disposição contém uma derrogação ao princípio da colecta do IVA e deve, por conseguinte, ser interpretada, no seu entender, de modo restritivo. Para além disso, esta disposição destina-se aos serviços. A derrogação só pode beneficiar a entrega de bens se esta última estiver estreitamente ligada, e portanto de algum modo subordinada, a uma prestação de serviços.

29. O Governo finlandês sublinha de novo na sua tréplica que resulta da abordagem da Comissão que a isenção prevista para os artistas no anexo F, ponto 2, está praticamente destituída de conteúdo. O facto de este anexo se aplicar também a outros grupos profissionais, e não só aos artistas, nada altera. Em segundo lugar, não concorda com o ponto de vista da Comissão de que a distinção entre obras de arte e objectos utilitários é subjectiva. Com efeito, a directiva fornece uma definição precisa de obra de arte. Em terceiro lugar, o Governo finlandês considera que a afirmação da Comissão de que um bem, ao contrário de um serviço, pode ser vendido várias vezes não colhe. Cita, a título de exemplo, a venda de uma obra musical efectuada pelo seu intérprete. Em quarto lugar, o Governo finlandês sublinha que, no momento da revenda de uma obra de arte, o vendedor só deve pagar IVA relativamente à sua própria margem comercial, mesmo que tenha adquirido a obra de arte sem imposto. Não haveria assim dupla tributação, como parece sugerir a Comissão. Além disso, os artistas vendem muitas vezes directamente aos consumidores.

V Apreciação

30. O litígio centra-se, no essencial, em torno da interpretação das disposições conjugadas do artigo 28.° e do anexo F, ponto 2, da directiva. A primeira entrega de uma obra de arte efectuada pelo seu autor pode estar abrangida pela noção de «prestações de serviços dos [...] artistas»? A Comissão dá uma resposta negativa. Baseia-se no facto de esta disposição dever ser interpretada de modo estrito e literal, visto tratar-se de uma derrogação. O Governo finlandês responde afirmativamente, invocando para tanto o contexto e o objectivo da disposição.

31. Concordo com a ideia de base da Comissão. É óbvio que, no caso vertente, se trata de uma derrogação que se afasta da harmonização dos regimes do IVA organizada pela directiva. Esta última dá aos Estados-Membros a possibilidade de preverem uma derrogação temporária ao princípio da obrigatoriedade do IVA. Esta disposição tem incidência no nível da carga fiscal. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela directiva . Resulta de jurisprudência constante que as disposições que têm carácter de derrogação de um princípio são de interpretação estrita . O advogado-geral N. Fennelly observou nas conclusões proferidas no processo Victoria Film que «não há qualquer motivo para não aplicar ao anexo F o princípio da interpretação estrita das isenções» .

32. Em meu entender, deve ser efectuada uma interpretação estrita e literal da derrogação retomada no acto de adesão em conjugação com o artigo 28.° , n.° 3, initio e alínea b), e com o anexo F, ponto 2, da directiva. Neste contexto, considero importante a distinção entre bens e serviços prevista no n.° 1 do artigo 2.° da directiva. Esta distinção decorre directamente do próprio Tratado CE. A directiva impõe aos Estados-Membros que cobrem IVA tanto em relação aos bens como aos serviços. No entanto, a isenção referida no anexo F, ponto 2, da directiva só diz respeito aos serviços. Assim, a entrega de bens está sujeita a IVA.

33. A este propósito, direi que o legislador deve ter deliberadamente optado por excluir da isenção as entregas de bens. Com efeito, nas outras rubricas do anexo F, os bens estão expressamente mencionados, às vezes ao lado da prestação de serviços. Cite-se, por exemplo, a fórmula utilizada no ponto 5 do anexo F, isto é, «Prestações de serviços e as entregas de bens acessórios das referidas prestações» efectuadas pelos serviços públicos postais, no domínio das telecomunicações. O artigo 13.° da directiva recorre a fórmula idêntica para isentar «Certas prestações de serviços culturais, e bem assim as entregas de bens com elas estreitamente conexas».

34. Em traços gerais, a argumentação do Governo finlandês é que a distinção entre serviços e bens não é fácil quando estão em causa operações efectuadas por artistas, ou, pelo menos, que tal distinção é susceptível de produzir efeitos perversos.

35. Custa-me a compreender o modo como o Governo finlandês chegou à conclusão de que é difícil estabelecer uma distinção entre bens e serviços quando se trata de artistas plásticos. Neste contexto, o artista plástico em nada difere de qualquer outro profissional. Tome-se, por exemplo, o escritor. A actividade de escrever deve ser entendida em si como um serviço, ao passo que o livro resultante desse acto deve ser considerado um bem. O Governo finlandês parece também julgar que uma obra de arte não pode ser equiparada a um qualquer bem de consumo. Não se duvide que um número significativo de apreciadores de arte defenderão este ponto de vista do Governo finlandês, mas é evidente que ele não tem pertinência no plano jurídico.

36. Analisemos agora a afirmação finlandesa de que uma distinção nítida entre serviços e bens levaria a que a isenção pelo menos no que se refere aos artistas não apresentasse qualquer interesse prático. Em meu entender, esta consequência pode efectivamente ocorrer. No entanto, tal consequência, mesmo que considerada por um Estado-Membro como politicamente pouco desejável, não pode levar o Tribunal de Justiça a efectuar uma interpretação lata da isenção da directiva, contrariando assim o próprio texto. Só o legislador comunitário pode afastar essa consequência, alterando a directiva.

37. Para além disso, resulta da interpretação da isenção efectuada pela Comissão que esta, mesmo assim, ainda tem um certo interesse prático. Com efeito, afirma que as obras de arte feitas por encomenda podem beneficiar da isenção. Parece-me que a arte por encomenda é bastante mais frequente do que o exemplo referido pelo Governo finlandês, isto é, o fresco na casa ou na empresa do comprador.

38. Também não consigo deduzir do objectivo da derrogação ou de outras disposições da directiva respeitantes às actividades culturais que o acto de adesão, lido em conjugação com o artigo 28.° , n.° 3, initio e alínea b), e com o anexo F, ponto 2, da directiva, possa englobar a entrega de bens. O legislador comunitário não teve manifestamente a intenção de excluir do IVA todas as operações efectuadas por artistas. Em primeiro lugar, direi que a isenção invocada pelo Governo finlandês é facultativa. Em segundo lugar, ela só é válida durante um período transitório. Em terceiro lugar, a própria directiva prevê um instrumento destinado a permitir aos Estados-Membros a contenção da carga fiscal sobre a arte. Com efeito, podem aplicar uma taxa reduzida nos termos do artigo 12.° , n.° 3. O artigo 13.° , A, n.° 1, alínea n), vai ainda mais longe para certas prestações de serviços e entregas de bens. Esta disposição concede isenção do IVA se as prestações de serviços e entregas de bens forem efectuadas por organismos de direito público ou por outros organismos culturais reconhecidos pelo Estado-Membro em causa.

39. Em meu entender, o legislador comunitário optou assim por um regime equilibrado de IVA sobre a arte. A este propósito, a isenção temporária ao abrigo do artigo 28.° , n.° 3, initio e alínea b), e do anexo F, ponto 2, tem um papel secundário. Uma interpretação estrita dessa isenção não colidiria, de modo algum, com os objectivos da directiva, isto no caso de se admitir a possibilidade de qualquer outra interpretação.

40. O alcance do princípio da neutralidade fiscal foi também suscitado no âmbito do litígio em apreço. Este princípio é fundamental para o regime do IVA comunitário de que a directiva faz parte. Opõe-se a que operadores que efectuam as mesmas operações sejam sujeitos a tratamentos diferentes do ponto de vista do IVA . Neste aspecto, o Tribunal de Justiça confirmou recentemente que a dupla tributação é contrária ao princípio da neutralidade fiscal .

41. Em minha opinião, não se pode deduzir deste princípio que a entrega de obras de arte efectuada pelo artista deve beneficiar da isenção. Com efeito, não se pode considerar a entrega de uma obra de arte e a prestação de um serviço efectuadas por um artista, como, por exemplo, a realização de um retrato por encomenda, como operações idênticas. Como afirma acertadamente a Comissão, trata-se de operações diferentes, sendo determinante para o efeito o tipo de contrato celebrado pelo artista.

42. Neste contexto, gostaria ainda de referir que a directiva estabelece, em várias disposições e com bastante precisão, uma distinção entre operações que estão sempre sujeitas à taxa normal do IVA, operações que podem ser submetidas a uma taxa reduzida e operações que podem beneficiar de isenção total. Num sistema de natureza tão pormenorizada é inevitável que, num certo número de casos, operações de algum modo comparáveis, mas não idênticas, sejam tratadas de maneira diferente.

43. A directiva criou assim diversas delimitações, dado que os casos-limite nem sempre apresentam um carácter natural, mas dependem do modo como o legislador comunitário utilizou a sua margem de discricionariedade. A delimitação que ainda assim é mais natural é aquela que separa os bens dos serviços. Não vejo pois de que forma o princípio da neutralidade fiscal tornaria inaplicável essa delimitação.

44. O litígio suscita igualmente a questão de saber se a isenção do imposto para as obras de arte pode gerar uma dupla tributação. Dado resultar das considerações antecedentes que essa isenção não decorre do regime da directiva, não me debruçarei sobre o risco da dupla tributação.

45. A título subsidiário, direi o seguinte. Pode deduzir-se da contestação que o Governo finlandês também quis, no momento das negociações da adesão, isentar do IVA a primeira entrega de obras de arte. Não pode este aspecto ser tido em conta no presente caso. Com efeito, não se trata de saber o que pretendeu uma das partes no decurso das negociações; o que é determinante é o resultado dessas negociações, consagrado no texto do acto de adesão.

VI Conclusões

46. Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que:

a) declare que a República da Finlândia, ao manter em vigor uma legislação que isenta de imposto sobre o valor acrescentado tanto a venda de obras de arte pelos seus autores, ou por intermediários, como a importação de obras de arte directamente adquiridas aos seus autores, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme;

b) condene a República da Finlândia nas despesas, nos termos do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo.