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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
ANTONIO TIZZANO
apresentadas em 3 de Julho de 2003(1)


Processo C-387/01



Harald Weigel e Ingrid Weigel
contra
Finanzlandesdirektion für Voralberg


[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria)]

«Livre circulação dos trabalhadores – Importação de veículo automóvel pessoal – Imposto sobre o consumo de combustível dos veículos automóveis – Direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente – Imposições fiscais discriminatórias – Imposto sobre o volume de negócios – Sexta Directiva IVA»






1.        Por despacho de 20 de Setembro de 2001, o Verwaltungsgerichtshof (Áustria) (tribunal administrativo, a seguir «Verwaltungsgerichtshof») submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, três questões em que o órgão jurisdicional nacional pergunta, substancialmente, se os artigos 12.° CE, 23.° CE, 25.° CE, 39.° CE e 90.° CE ou as directivas comunitárias em matéria de IVA se opõem a um regime nacional que sujeita a imposição fiscal um veículo importado de outro Estado-Membro, por ocasião da sua matrícula, tributando-o com base no consumo de combustível, se esse regime for aplicado ao veículo pessoal de um particular que transfere a sua residência de um Estado-Membro para outro por razões decorrentes do seu trabalho.

I – Enquadramento jurídico

A – A legislação comunitária

As disposições do Tratado

2.        Como é sabido, o artigo 12.° CE proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, no âmbito de aplicação do Tratado. Este princípio é aplicado, entre outros, pelo artigo 39.° CE, segundo o qual a livre circulação dos trabalhadores, na Comunidade, implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

3.        Como também é sabido, os artigos 23.° CE e 25.° CE, ao disciplinarem o funcionamento da união aduaneira, proíbem a imposição, no comércio entre Estados-Membros, de direitos aduaneiros de importação e de quaisquer encargos de efeito equivalente.

4.       É nesta proibição que assenta a disposição do primeiro parágrafo do artigo 90.° CE, segundo a qual nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam sobre produtos nacionais similares.

Direito derivado

– O regime do IVA

5.        Nos termos do artigo 2.° da Directiva 77/388/CEE do Conselho (a seguir «Sexta Directiva IVA»)  (2) , estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

«1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2. As importações de bens».

6.        O artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva IVA tem a seguinte redacção:

«Salvo o disposto noutras normas comunitárias, designadamente nas disposições comunitárias em vigor relativas ao regime geral da detenção, circulação e controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, as disposições da presente directiva não impedem que um Estado-Membro mantenha ou introduza impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos e apostas, sobre consumos especiais, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, desde que esses impostos, direitos e taxas não dêem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira».

– O regime das isenções fiscais

7.        A Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado-Membro (a seguir «Directiva 83/183»)  (3) visa eliminar obstáculos fiscais que coloquem entraves à livre circulação das pessoas no interior da Comunidade. O artigo 1.° da directiva define o seu âmbito de aplicação nos seguintes termos:

«1. Os Estados-Membros concedem, nas condições e nos casos a seguir indicados, uma isenção dos impostos sobre o volume de negócios, dos impostos sobre consumos específicos e outros impostos sobre o consumo normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de um outro Estado-Membro.

2. A presente directiva não abrange os direitos e imposições específicas e/ou periódicas respeitantes à utilização desses bens no interior do pais, tais como, por exemplo, os direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis, os impostos de circulação rodoviária, as taxas de televisão».

B – A legislação nacional

8.        A Normverbrauchsabgabegesetz (Lei relativa aos impostos sobre o consumo médio de combustível, a seguir «NoVAG»)  (4) instituiu o Normverbrauchsabgabe (a seguir «NoVA»), um imposto sobre o consumo médio de combustível dos veículos automóveis. O Nova é devido no momento da aquisição de um veículo automóvel ainda não matriculado no território nacional (§ 1, n.° 1, da NoVAG), da sua locação comercial (§ 1, n.° 2, da NoVAG) ou, em qualquer outro caso, no momento da primeira matrícula de um veículo automóvel no território nacional (§ 1, n.° 3, da NoVAG).

9.        O sujeito passivo do imposto é o vendedor ou o locador, nos casos de venda e de locação comercial (§ 4, n.° 1, da NoVAG) mas, nos casos de primeira matrícula, o sujeito passivo é aquele em nome de quem o veículo automóvel foi matriculado (§ 4, n.° 2, da NoVAG).

10.      No caso de aquisição, a base de tributação do imposto é definida no § 5 da NoVAG e fixada de acordo com o valor do veículo automóvel, calculado nos termos do § 4 da Umsatzsteuergesetz (Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios).

11.      Em todos os outros casos, a base tributável corresponde ao valor corrente do veículo automóvel, sem IVA. Este valor é normalmente calculado, no caso de importação intracomunitária, com referência às cotações Eurotax nacionais  (5) : trata-se, portanto, do valor médio entre o preço de compra e o de venda (IVA e NoVA excluídos) correspondente, em geral, ao preço que poderia ser obtido com a venda, no território nacional, a um particular do veículo importado.

12.      Para efeitos do NoVA, o valor corrente pode afastar-se da referida média Eurotax, tendo em consideração a garantia e o serviço pós-venda, as reparações eventualmente necessárias, o equipamento e o uso do veículo.

13.      O preço de compra no estrangeiro pode ser considerado como o valor corrente no qual se baseia o NoVA, se não se afastar em mais de 20% da cotação média Eurotax. Caso contrário, o sujeito passivo do imposto é obrigado a justificar, caso a caso, a diferença de mais de 20% em relação à referida cotação média.

14.      Nos termos do § 6, n.° 2, da NoVAG, a taxa do imposto aplicável aos veículos automóveis é variável em função do consumo de combustível e corresponde ao valor do consumo de combustível, em litros, diminuído de três litros (no caso de veículos a diesel, de dois litros) e multiplicado por dois. Por força do § 6, n.° 3, da NoVAG, a taxa não pode, no entanto, exceder 16% da base tributável.

15.      Nos termos do § 6, n.° 6, da NoVAG, se o facto gerador do imposto não estiver sujeito a IVA, na Áustria, e, por conseguinte, o montante do IVA não estiver incluído na base de tributação do NoVA, é fixado um adicional equivalente a 20% do imposto de base .

16.      Assim, o NoVA é composto por um imposto de base (a seguir «NoVA-imposto de base») e por um eventual adicional (a seguir «NoVA-imposto adicional»), devido quando o facto gerador do imposto não for a aquisição do veículo, mas outro facto não sujeito a IVA, tal como a primeira matrícula do veículo no país.

II – Matéria de facto e tramitação processual

17.      Em 1996, os recorrentes, cidadãos alemães originariamente residentes na Alemanha, transferiram a sua residência para a região de Voralberg, na Áustria. A transferência deveu-se ao facto de H. Weigel ter assumido a direcção da Voralberger Landesbibliothek (biblioteca do Land de Voralberg).

18.      Na altura da transferência, cada um dos recorrentes levou consigo o seu automóvel, tendo pedido a respectiva matrícula na Áustria. Em consequência, por decisão do Finanzamt Feldkirch, de 2 de Outubro de 1996, foi aplicado aos recorrentes o NoVA sobre ambos os automóveis, dado que em ambos os casos se tratava da primeira matrícula no território nacional (§ 1, n.° 3, da NoVAG).

19.      O imposto exigido ao primeiro recorrente dizia respeito a um veículo ligeiro de passageiros da marca «Mitsubishi Space Wagon GLXi», tendo como ano de construção 1995. Como base de tributação para a determinação do imposto serviu um valor, apurado segundo as cotações Eurotax, de 187 000 ATS. Com a aplicação da taxa de imposto de 14% calculou-se um NoVA de 26 180 ATS. Nos termos do § 6, n.° 6, da NoVAG, foi aplicado um adicional de 20% do imposto de base, no valor de 5 236 ATS. O montante total do imposto, incluindo o imposto de base e o adicional, foi, por conseguinte, de 31 416 ATS.

20.      O imposto exigido à segunda recorrente dizia respeito a um veículo ligeiro de passageiros da marca «Nissan Sunny Y10 L2», tendo como ano de construção 1993. Como base de tributação para a determinação do imposto serviu um valor, apurado segundo as cotações Eurotax, de 71 000 ATS. Com a aplicação de uma taxa de imposto de 9% calculou-se um NoVA de 6 390 ATS, a que acrescia um adicional no valor de 1 278 ATS, o que perfaz o montante global de 7 668 ATS.

21.      Os recorrentes interpuseram recurso para o Verfassungsgerichtshof (tribunal constitucional). Este recusou-se a conhecer do recurso e, a pedido dos recorrentes, remeteu-o ao tribunal administrativo competente, o Verwaltungsgerichtshof, no qual os recorrentes alegaram a incompatibilidade, com o direito comunitário, do regime fiscal descrito.

22.      Considerando que a solução do litígio implicava a interpretação do direito comunitário, o órgão jurisdicional austríaco submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)O artigo 39.° CE (livre circulação de trabalhadores) ou o artigo 12.° CE (discriminações em razão da nacionalidade) devem ser interpretados no sentido de que existe uma violação dessas disposições quando é exigido o pagamento de um imposto sobre o consumo médio de combustível (Normverbrauchsabgabe) (imposto de base e adicional) em relação a um veículo introduzido no território da República da Áustria, proveniente de outro território da Comunidade, por ocasião de uma transferência de residência devida a mudança do local de trabalho?

2)O artigo 90.° CE [...] ou os artigos 23.° CE [...] e 25.° CE [...] obstam à cobrança do imposto sobre o consumo médio referido na primeira questão prejudicial?

3)Será compatível com a Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios [...] na sua versão resultante da Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991 [...], que seja exigido o adicional fixado como parte do imposto sobre o consumo médio referido na primeira questão prejudicial?»

23.      No processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas os recorrentes, os Governos austríaco, finlandês e dinamarquês e a Comissão.

III – Análise jurídica

Quanto à primeira questão prejudicial

24.      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em suma, se as disposições do Tratado em matéria de livre circulação dos trabalhadores ou a proibição geral de discriminação constante do artigo 12.° CE se opõem à aplicação do NoVA a um particular que transfere a sua residência no interior do mercado comum por razões de trabalho levando consigo o seu automóvel. No entanto, como se verá, o debate processual aconselha a que não se limite a análise da medida austríaca às disposições do Tratado expressamente mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, tomando também em consideração algumas disposições do direito derivado, constantes da Directiva 83/183, que prosseguem o mesmo objectivo.

25.      Refira-se, antes de mais, que, em rigor, a resposta a esta questão exigiria uma abordagem diferenciada no que se refere ao NoVA-imposto de base e ao NoVA-imposto adicional (supra, n.os 15 e 16). Todavia, ocupar-me-ei deste último, no que diz respeito aos aspectos fiscais específicos, na análise da segunda questão, pelo que posso, de momento, limitar-me ao NoVA-imposto de base. Examinarei em seguida, e por ordem, a compatibilidade deste com o artigo 39.° CE e com a Directiva 83/183.

O NoVA e a liberdade de circulação dos trabalhadores

26.      Na opinião dos recorrentes, o regime em análise é incompatível com o artigo 39.° CE, pois dá lugar a uma evidente discriminação dos trabalhadores provenientes de outros Estados-Membros. De facto, só estes são obrigados a pagar o NoVA quando mudam de residência, ao passo que um trabalhador que transfere a sua residência no interior do país não tem que pagar este imposto.

27.      Os governos intervenientes coincidem em propor que se dê uma resposta negativa à primeira questão, apresentando uma série de argumentos também em grande medida coincidentes.

28.      Alegam, em primeiro lugar, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, disposições nacionais não discriminatórias que só indirectamente condicionam o acesso ao mercado de trabalho não constituem um entrave à livre circulação dos trabalhadores  (6) . Ora, exactamente, o imposto em causa não tem qualquer efeito directo no que toca à possibilidade de trabalhadores provenientes de outros Estados-Membros terem acesso a um trabalho na Áustria.

29.      Por conseguinte, o NoVA deve ser considerado uma das muitas disposições da ordem jurídica nacional que um trabalhador migrante, que se estabelece noutro Estado-Membro, deve ter em conta e cujas consequências negativas por vezes suporta, devido à falta de harmonização comunitária das legislações nacionais.

30.      Em todo o caso, o Governo austríaco alega que a imposição do NoVA não é uma medida discriminatória, pois a sua aplicação a situações como a do caso em apreço visa, na realidade, garantir a igualdade de tratamento fiscal entre os trabalhadores nacionais, que pagam o NoVA no momento da aquisição do seu veículo automóvel, e os imigrantes.

31.      Tratando-se, portanto, de uma medida indistintamente aplicável, o referido entrave à livre circulação das pessoas, se existisse, seria justificado por razões imperativas de interesse geral, como a protecção do ambiente, a segurança rodoviária e a luta contra a erosão da base fiscal. Por conseguinte, a medida em questão não pode ser considerada contrária ao artigo 39.° CE.

32.      Por seu lado, a Comissão só marginalmente aprecia a conformidade do NoVA com o artigo 39.° CE, porque, em sua opinião, este imposto deve ser apreciado sobretudo à luz da Directiva 83/183.

33.      Com efeito, na opinião da Comissão, dado que o NoVA é incompatível com essa directiva na parte em que excede o custo administrativo das formalidades de matrícula do veículo, era desnecessário perguntar se é ou não compatível com o artigo 39.° CE, pelo menos – obviamente – na parte que não excede o custo do serviço prestado e que, portanto, não é incompatível com a directiva.

34.      Seja como for, na opinião da Comissão, nessa parte, o NoVA não é contrário ao artigo 39.° CE. De facto, também a Comissão considera que os eventuais inconvenientes derivados desta imposição não resultam de uma discriminação entre os trabalhadores nacionais e os provenientes de outros Estados-Membros, mas sim da falta de medidas de harmonização das regras relativas à matrícula dos veículos automóveis e, por conseguinte, das divergências que existem entre as legislações nacionais  (7) .

35.      Por último, a Comissão observa que, dado o seu carácter não discriminatório, a imposição austríaca em questão, sempre na parte em que não contraria a referida directiva, também não pode ser considerada contrária ao artigo 12.° CE.

36.      Voltando à apreciação das teses avançadas pelos intervenientes, observo, antes de mais, que, segundo jurisprudência constante, «[a]o proibirem que um Estado-Membro aplique, no âmbito de aplicação do Tratado, as suas leis de forma diversa em função da nacionalidade, os artigos 7.° e 48.° do Tratado [actuais artigos 12.° CE e 39.° CE] não têm em vista as eventuais disparidades de tratamento que possam resultar, dum Estado-Membro para outro, das divergências que existem entre as legislações dos diferentes Estados-Membros, desde que estas afectem todas as pessoas sujeitas à sua aplicação, segundo critérios objectivos e sem relação com a sua nacionalidade»  (8) .

37.      Ora, parece-me, tal como aos Estados-Membros intervenientes no presente processo, que é precisamente isto que acontece no caso em apreço, devido à imposição, na Áustria, ao contrário do que sucede noutros Estados-Membros, designadamente na Alemanha, de um imposto sobre o consumo de combustível dos veículos automóveis. Com efeito, esta divergência determina, embora indirectamente, um inegável agravamento das condições de circulação das pessoas, mas essa é – precisamente – a consequência inevitável da aplicação, aos trabalhadores migrantes, da legislação do país de destino.

38.      No entanto, aquilo que para os presentes efeitos interessa salientar é que a aplicação dessa legislação ocorre em obediência a um critério, como o da primeira matrícula de um veículo no país, que pode ser considerado – para utilizar os termos do Tribunal de Justiça – objectivo e não discriminatório.

39.      Decorre directamente da referida jurisprudência que uma imposição como o NoVA-imposto de base, não é contrária ao artigo 39.° CE.

O NoVA e a Directiva 83/183

40.      Passo agora a analisar se, como alegam os recorrentes no processo principal e a Comissão, a imposição controvertida é contrária à Directiva 83/183, designadamente ao seu artigo 1.°, n.° 1, nos termos do qual os Estados-Membros concedem uma isenção dos impostos sobre o volume de negócios, dos impostos sobre consumos específicos e outros impostos sobre o consumo normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de um outro Estado-Membro.

41.      Na realidade, esta questão não é objecto de uma pergunta específica do órgão jurisdicional nacional; no entanto, esteve no cerne de um amplo debate na audiência e não pode ser ignorada, porque, como é sabido, «o Tribunal tem por missão interpretar todas as disposições de direito comunitário de que os órgãos jurisdicionais nacionais têm necessidade para decidir sobre os litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são submetidas por esses órgãos jurisdicionais»  (9) .

42.      Na opinião dos recorrentes, portanto, o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183/CEE é aplicável ao NoVA, pois este é, na realidade, um imposto sobre o volume de negócios.

43.      A Comissão chega à mesma conclusão, pelo menos na parte em que o NoVA-imposto de base excede o custo administrativo da matrícula do veículo automóvel. Com efeito, a disposição da directiva proíbe não só as imposições que constituam um entrave directo às importações de bens, mas também as que onerem operações estritamente ligadas à própria importação e é este, precisamente, o caso da matrícula de um veículo automóvel.

44.      No entender da Comissão, também não se pode invocar, em sentido contrário, o artigo 1.°, n.° 2, da directiva, que exclui da isenção os «direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis». A isenção fiscal, prevista no n.° 1 do mesmo artigo, constitui, com efeito, uma actuação do princípio da livre circulação das pessoas, de modo que a excepção prevista no artigo 1.°, n.° 2, deve ser interpretada em sentido restritivo. Em especial, deve ser essa a interpretação do conceito de «direito cobrado aquando do registo», o qual deve compreender apenas os direitos destinados a cobrir as despesas do registo.

45.      Neste sentido, de resto, apontam também as versões francesa e inglesa da directiva. A primeira refere «droits» e não «taxes»; a segunda utiliza o termo «fees», que indica as quantias pagas em contrapartida de um serviço.

46.      Digo, desde já, que essa interpretação literal não me convence, pois parece-me mais persuasiva a conclusão oposta a que chegaram os Estados-Membros que apresentaram observações neste processo.

47.      Com efeito, tal como os Governos austríacos, dinamarquês e finlandês, também penso que imposições como o NoVA-imposto de base, cobradas por ocasião da matrícula de um veículo automóvel, não constituem «impostos sobre o volume de negócios, impostos sobre consumos específicos e outros impostos sobre o consumo normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de um outro Estado-Membro» e, por conseguinte, devem considerar-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 83/183/CEE.

48.      Observo, em primeiro lugar, como o Governo austríaco, que o NoVA não parece inserir-se nos «impostos normalmente exigíveis na importação definitiva» de bens pessoais, na acepção daquela disposição, pois o imposto austríaco é exigível, pelo contrário, em consequência da matrícula. Para perceber a diferença da natureza do NoVA em relação aos impostos referidos na directiva, basta considerar a hipótese da importação de um veículo automóvel de colecção ou de um veículo que não se destine a circular na via pública. Neste caso, com efeito, não é devido qualquer imposto.

49.      Além disso, concordo com o Governo finlandês quando este observa que o artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 83/183/CEE, exclui da isenção fiscal relativa à importação definitiva de bens pessoais os «direitos e imposições [...] respeitantes à utilização desses bens no interior do país». De facto, também julgo que uma imposição como o NoVA diz respeito especificamente à utilização de um veículo automóvel no interior do país e não à sua mera importação (basta pensar na isenção, já referida, de um veículo de colecção ou que não se destine a circular).

50.      Em meu entender, portanto, essas imposições devem antes ser qualificadas de «direitos e imposições específicas e/ou periódicas respeitantes à utilização desses bens no interior do pais, tais como, por exemplo, os direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis, os impostos de circulação rodoviária», explicitamente excluídos da isenção por força do artigo 1.°, n.° 2, da mesma directiva.

51.      Observo, por isso, acompanhando os Governos austríaco e finlandês, que uma interpretação que exclua a obrigação de os Estados-Membros concederem uma isenção do NoVA nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da referida directiva sobre as isenções fiscais é inteiramente compatível com a proposta de directiva relativa ao regime fiscal aplicável aos veículos automóveis de particulares transferidos a título definitivo para outro Estado-Membro no âmbito de uma mudança de residência  (10) .

52.      Com efeito, de acordo com essa proposta, a adopção de uma directiva que proíba aos Estados-Membros aplicar «impostos de matrícula e/ou outros impostos sobre o consumo [...] aos veículos automóveis de particulares matriculados noutro Estado-Membro e introduzidos no seu território a título definitivo no âmbito de uma mudança de residência habitual de um particular» (artigo 1.°) é necessária devido, precisamente, à insuficiência do regime previsto na Directiva 83/183 (quarto, quinto e sétimo considerandos).

53.      Mas não só. Parece-me correcto o que defende o Reino da Dinamarca, segundo o qual, afirmar, como faz a Comissão, que o artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 83/183, ressalvando os «direitos cobrados aquando do registo», apenas diz respeito às taxas destinadas a cobrir as despesas administrativas, equivale a reconhecer àquela disposição um carácter meramente repetitivo. Com efeito, é sabido que a recuperação das despesas decorrentes do cumprimento de uma formalidade administrativa di per se não contrária ao direito comunitário, como é, no caso em apreço, a matrícula de um veículo destinado a ser utilizado no território nacional, constitui uma medida compatível com o Tratado.

54.      Por último, a tese da Comissão parece-me dificilmente compatível com o que o Tribunal de Justiça já teve ocasião de observar – tomando posição, note-se, precisamente em relação ao NoVA austríaco – no recente acórdão Cura Anlagen. Nesse acórdão, com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, como a tributação dos veículos automóveis ainda não foi harmonizada a nível comunitário, os Estados-Membros são livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito comunitário  (11) .

55.      Em conclusão, entendo que a aplicação de um imposto como o NoVA-imposto de base a um trabalhador migrante que se estabelece na Áustria, proveniente de outro Estado-Membro, e importa o seu veículo não é incompatível com o regime das isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado-Membro, a que se refere a Directiva 83/183/CEE, designadamente o seu artigo 1.°

56.      Portanto, proponho que se responda à primeira questão no sentido de que uma medida nacional que consiste na aplicação de uma imposição como o NoVA-imposto de base – devida em virtude da primeira matrícula no território nacional de um veículo automóvel e calculada em função do valor deste e do seu consumo de combustível – a um trabalhador migrante que se estabelece na Áustria proveniente de outro Estado-Membro e que importa o seu veículo, matriculando-o, não é contrária ao artigo 39.° CE. Essa imposição também não é contrária ao regime das isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado-Membro, previsto na Directiva 83/183/CEE, designadamente no seu artigo 1.°, n.° 1.

Quanto à segunda questão prejudicial

57.      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça duas questões distintas, que exigem uma abordagem sucessiva. Em primeiro lugar, pergunta se a imposição controvertida constitui um direito aduaneiro ou um encargo de efeito equivalente, na acepção dos artigos 23.° CE e 25.° CE. Em segundo lugar, pergunta, em suma, se a legislação austríaca em questão dá lugar a uma imposição interna discriminatória, contrária ao artigo 90.° CE e, em caso afirmativo, em que medida.

A – O NoVA e os artigos 23.° CE e 25.° CE

Argumentos das partes

58.      Os recorrentes propõem, de forma nem sempre inequívoca, que se dê uma resposta afirmativa à questão, pois consideram que a medida austríaca é contrária à proibição de encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros.

59.      Em sua opinião, ao onerar um veículo automóvel aquando da sua primeira matrícula no território nacional, o NoVA incide directamente na importação de uma mercadoria; por conseguinte, seria equivalente a um direito aduaneiro e, assim, contrário aos artigos 23.° CE e 25.° CE.

60.      Em todo o caso, o NoVA não deveria ser aplicável no caso em apreço dado que, nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 918/83, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras no momento da introdução em livre prática de mercadorias na Comunidade  (12) , «são admitidos com franquia de direitos de importação os bens pessoais importados por pessoas singulares que transfiram a sua residência habitual para o território aduaneiro da Comunidade». Segundo os recorrentes, de facto, este regime de franquias também deve ser aplicável na hipótese de uma transferência de residência no interior da Comunidade pois, de outro modo, estabelecer-se-ia, sem motivo justificado, um tratamento mais gravoso das deslocações intracomunitárias, relativamente às que implicam a passagem da barreira aduaneira comunitária.

61.      Os Governos austríaco e finlandês, bem como a Comissão, consideram, porém, que o NoVA e o imposto adicional não são direitos ou encargos de efeito equivalente, antes se inserindo num sistema geral de imposições internas. Com efeito, são aplicáveis a todos os veículos, quer sejam adquiridos no interior do Estado ou no estrangeiro, onerando-os com base em critérios objectivos e não discriminatórios (no caso em apreço, a matrícula na Áustria). Ambas as medidas fiscais extravasam o âmbito da proibição prevista nos artigos 23.° CE e 25.° CE, antes devendo ser apreciadas sobretudo com base no artigo 90.° CE.

62.      Pela minha parte, devo dizer que o Regulamento n.° 918/83, invocado pelos recorrentes no processo principal, não me parece constituir um parâmetro válido de apreciação, para os presentes efeitos. Efectivamente, aplica-se no contexto das importações de bens provenientes de um país extracomunitário e, por conseguinte, não é de todo aplicável no contexto da transferência de bens no interior da Comunidade.

63.      Como já afirmei, o ponto sobre o qual nos devemos interrogar é o de saber se uma imposição como o NoVA (imposto de base e adicional) deve ou não ser qualificada de direito ou de encargo de efeito equivalente na acepção dos artigos 23.° CE e 25.° CE e se, por conseguinte, é contrária a um dos princípios fundamentais da integração comunitária, a saber, a liberdade de circulação das mercadorias no mercado comum.

64.      A propósito, recordo que, segundo uma jurisprudência constante, a proibição de direitos aduaneiros e de quaisquer encargos de efeito equivalente abrange qualquer «encargo pecuniário unilateralmente imposto, sejam quais forem a sua denominação e técnica, que onera as mercadorias pelo facto de passarem a fronteira»  (13) .

65.      Para responder à primeira parte da presente questão, é necessário determinar se o NoVA constitui ou não um encargo pecuniário que onera as mercadorias pelo facto de passarem a fronteira.

66.      Da reconstituição do regime fiscal austríaco efectuada neste processo resulta, com toda a evidência, que, à semelhança de imposições análogas existentes noutros Estados-Membros  (14) , o NoVA não é devido quando da passagem da fronteira, mas sim no momento da aquisição, para utilização rodoviária, de um veículo automóvel ainda não matriculado no território nacional, da sua locação comercial ou da primeira matrícula. Portanto, não pode ser classificado nem de direito aduaneiro nem de um encargo de efeito equivalente, ambos proibidos pelos artigos 23.° CE e 25.° CE, mas antes como uma medida que se insere num sistema geral de imposições internas.

67.      Nestes termos, entendo poder concluir que imposições como o NoVA-imposto de base e o NoVA-imposto adicional não constituem direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente, na acepção dos artigos 23.° CE e 25.° CE.

B – O regime austríaco e o artigo 90.° CE

68.      Relativamente a esta questão, os recorrentes recordam, antes de mais, que, segundo a jurisprudência comunitária, «um regime fiscal nacional que tivesse por objectivo eliminar uma vantagem concorrencial dos produtos importados em relação aos produtos nacionais seria manifestamente contrário ao artigo 95.°, que visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos nacionais e produtos importados»  (15) .

69.      Ora, segundo os recorrentes no processo principal, a imposição controvertida tem precisamente esse efeito, pois, ao onerar apenas os veículos automóveis em segunda mão importados de outros Estados-Membros e, consequentemente, aumentar o respectivo preço, o NoVA elimina a vantagem concorrencial de que esses veículos de outro modo gozariam no mercado austríaco. Por conseguinte, um imposto como o NoVA seria manifestamente contrário ao artigo 90.° CE.

70.      Segundo os Governos austríaco e finlandês, ao invés, o NoVA e o imposto adicional são parte de um sistema geral de imposições internas, estruturado de modo a assegurar que qualquer veículo registado na Áustria fique sujeito à mesma imposição. Este regime fiscal não era discriminatório nem no que respeita ao imposto de base nem no que respeita ao adicional.

71.      Com efeito, o primeiro é aplicado a qualquer veículo matriculado pela primeira vez na Áustria, independentemente da sua origem e do lugar onde foi comprado e, portanto, não pode ser considerado discriminatório.

72.      Quanto ao adicional, embora seja verdade que não onera todos os veículos automóveis, porque só é devido quando o imposto de base não for exigível no momento da aquisição, desempenha, todavia, uma função de perequação, porque permite obviar o facto de que, nesse caso, a base de tributação do NoVA é menos elevada, não incluindo o valor do IVA.

73.      Por seu lado, a Comissão, após ter recordado, de um ponto de vista geral, que um imposto é incompatível com o artigo 90.° CE se onerar mais gravemente os produtos importados do que os produtos nacionais similares, analisa separadamente, à luz desse critério, o imposto de base e o imposto adicional. Enquanto, em sua opinião, o imposto geral era em geral compatível com o artigo 90.° CE, o adicional era, pelo contrário, proibido por essa disposição, por ser intrinsecamente discriminatório.

74.      Por minha parte, subscrevo inteiramente esta apreciação, pelas razões que passo a expor.

O NoVA-imposto de base

75.      Para determinar se, para os presentes efeitos, o imposto de base é ou não discriminatório, é necessário confrontar a imposição a que estão sujeitos os veículos automóveis usados importados, como os em causa no processo principal, com a que incide sobre os veículos automóveis usados similares que já se encontram no mercado austríaco.

76.      A este propósito também observo – com a Comissão – que o NoVA é um imposto exigível una tantum, que deve ser pago o mais tardar no momento da primeira matrícula. Portanto, embora seja verdade que quem adquire um veículo automóvel usado já matriculado na Áustria não paga directamente o NoVA, paga, no entanto, por esse veículo, um preço que já inclui uma parte residual do NoVA, que diminui proporcionalmente à desvalorização associada ao uso do veículo.

77.      Por conseguinte, não haverá qualquer discriminação entre veículos usados nacionais e veículos usados importados se o NoVA cobrado sobre estes últimos não exceder o montante do NoVA residual incorporado no valor de um veículo usado similar, no mercado austríaco.

78.      Para que esta condição seja respeitada, é necessário que o valor do veículo usado importado, assumido pela administração como base tributável, reflicta fielmente o valor de um veículo usado similar no mercado austríaco.

79.      Ora, os recorrentes no processo principal objectam que a avaliação forfetária praticada pela administração austríaca para determinar o valor dos seus veículos – no caso em apreço, por referência à cotação Eurotax – não respeitou o referido critério, pois deu lugar a uma sobreavaliação do valor de referência e, por conseguinte, a uma imposição excessiva e discriminatória.

80.      No entanto, quanto a este ponto, penso poder concordar com a Comissão quando esta observa que, por si só, o recurso a tabelas forfetárias para determinar o valor de um veículo usado importado não gera uma discriminação desde que essas tabelas reflictam de maneira precisa – como a jurisprudência comunitária já esclareceu – a depreciação real do veículo. Com efeito, só nessas circunstâncias a tributação dos veículos automóveis importados não será «em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional»  (16) e a imposição em questão poderá ser considerada compatível com o artigo 90.° CE.

81.      No entanto, compete ao órgão jurisdicional nacional decidir se o método utilizado pela administração austríaca, baseado na cotação Eurotax, é conforme, na sua aplicação prática, às exigências mencionadas.

82.      Assim, entendo que um imposto como o NoVA-imposto de base, cujo montante é calculado com referência a tabelas forfetárias para determinar o valor de um veículo usado importado, não gera, por si só, uma discriminação proibida pelo artigo 90.° CE desde que essas tabelas reflictam de maneira precisa a depreciação real do veículo e que a base tributável fixada para esse veículo corresponda exactamente ao valor de um veículo usado similar no mercado nacional. No entanto, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se o método forfetário utilizado pela administração austríaca respeita essas condições.

O NoVA-imposto adicional

83.      Relativamente ao imposto adicional previsto no § 6, n.° 6, da NoVAG, observo antes de mais, como a Comissão, que esse imposto se aplica sobretudo no caso da importação, por particulares, de veículos automóveis novos ou usados para a Áustria e apenas a título excepcional a operações puramente internas – por exemplo, no caso da montagem de um veículo automóvel por um particular amador.

84.      Ora, segundo jurisprudência constante, o facto de uma imposição onerar, para além dos produtos importados, uma produção nacional extremamente reduzida, não exclui a aplicação do artigo 90.° CE  (17) .

85.      E não só: como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer, a instituição de um sistema de tributação diferenciado para esses produtos «só [é] compatíve[l] com o direito comunitário se prosseguir objectivos de política económica compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e se as suas modalidades forem de molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das importações provenientes dos outros Estados-Membros, ou de protecção a favor de produções nacionais concorrentes»  (18) , esclarecendo também que «uma tributação diferenciada não é compatível com o [artigo 90.° CE] se os produtos mais fortemente tributados forem, pela sua natureza, produtos importados»  (19) .

86.      Ora, parece-me incontestável que a previsão do adicional referido no § 6, n.° 6, da NoVAG, dá lugar a um sistema de tributação diferenciado dos veículos automóveis usados, na medida em que os produtos mais fortemente tributados são precisamente os importados. Do debate na audiência resultou claramente, de resto, que os casos em que o adicional onera produtos não importados são meramente residuais.

87.      Por conseguinte, julgo poder concluir que um imposto como o NoVA-imposto adicional, que na generalidade dos casos se aplica aos produtos importados e só excepcionalmente a produtos nacionais, é um imposto discriminatório e, enquanto tal, incompatível com o artigo 90.° CE. Recordo, de resto, que a Comissão informou na audiência já ter instaurado um processo por infracção a este respeito.

88.      Por isso, proponho que, quanto à segunda questão, se responda ao órgão jurisdicional a quo que:

Na medida em que não constituem direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente, impostos como o NoVA não são contrários aos artigos 23.° CE e 25.° CE;

Um imposto como o NoVA-imposto de base, cujo montante é calculado com referência a tabelas forfetárias para determinar o valor de um veículo usado importado, não gera, por si só, uma discriminação proibida pelo artigo 90.° CE desde que essas tabelas reflictam de maneira precisa a depreciação real do veículo e que a base tributável fixada para esse veículo corresponda exactamente ao valor de um veículo usado similar no mercado nacional; no entanto, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se o método forfetário utilizado pela administração austríaca respeita essas condições. Em contrapartida, o NoVA-imposto adicional é discriminatório e, portanto, incompatível com o artigo 90.° CE na medida em que na generalidade dos casos se aplica aos produtos importados e só excepcionalmente a produtos nacionais.

Quanto à terceira questão prejudicial

89.      Com a terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em síntese, se o adicional previsto no § 6, n.° 6, da NoVAG, é compatível com o regime harmonizado do imposto sobre o valor acrescentado, instituído pela Sexta Directiva IVA.

90.      Só os recorrentes é que propõem que se dê uma resposta negativa a esta questão. Com efeito, consideram que o adicional em questão é, em última análise, um imposto oculto sobre o volume de negócios; assim, era incompatível com a Sexta Directiva IVA, em especial com o seu artigo 33.°, que proíbe a manutenção de impostos nacionais diferentes do IVA que possuam as características dos impostos sobre o volume de negócios.

91.      A Comissão e os governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça entendem, pelo contrário, que o adicional não é um imposto sobre o volume de negócios e, por conseguinte, propõem que se dê uma resposta afirmativa à questão.

92.      Por minha parte, podia até não tomar posição sobre a questão, visto que propus qualificar o adicional como uma imposição proibida pelo artigo 90.° CE.

93.      Em todo o caso, entendo não poder subscrever a interpretação proposta pelos recorrentes, porque também me parece que o imposto adicional não possui as características de um imposto sobre o volume de negócios.

94.      Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o objectivo do artigo 33.° da Sexta Directiva, «é evitar a criação de impostos, direitos e taxas que, pelo facto de onerarem a situação dos bens e dos serviços de modo comparável ao do IVA, comprometam o funcionamento do sistema comum deste último. Em todo o caso, deve considerar-se que oneram a situação dos bens e dos serviços de modo comparável aos do IVA os impostos, direitos e taxas que apresentem as características essenciais do IVA»  (20) .

95.      Para definir essas características, o Tribunal de Justiça já várias vezes esclareceu que o «IVA [...] aplica-se, em geral, às transacções que têm por objecto bens ou serviços; é proporcional ao preço desses bens e desses serviços; é cobrado em cada fase do processo de produção e de distribuição; finalmente, aplica-se ao valor acrescentado dos bens e dos serviços, sendo o imposto devido por ocasião de uma transacção calculado após dedução do imposto pago no momento da transacção anterior»  (21) .

96.      Não me parece que seja possível detectar essas características no adicional em questão.

97.      Antes de mais, este não se aplica em geral às operações que têm por objecto bens ou serviços, nem em todas as fases da produção e comercialização, pois apenas deve ser pago por certas operações que tenham por objecto um determinado tipo de produtos, os veículos automóveis, e, entre estes, apenas os que ainda não estejam matriculados no país.

98.      Além disso, o adicional não dá lugar a qualquer possibilidade de dedução (aliás, logicamente, porque se trata, como se viu, de um imposto cobrado una tantum) e a sua base de tributação não é o valor das mercadorias mas o montante de um encargo que incide sobre as próprias mercadorias, pelo que é de excluir que incida no valor acrescentado.

99.      Todos estes elementos me levam a concluir que o NoVA-imposto adicional não preenche os requisitos dos impostos sobre o volume de negócios a que se refere a Sexta Directiva IVA e, por conseguinte, não pode ser considerado um imposto paralelo, proibido pelo artigo 33.°

IV – Conclusões

100.   À luz das considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões apresentadas pelo Verwaltungsgerichtshof:

«1)Uma medida nacional que consiste na aplicação de uma imposição como o NoVA-imposto de base – devida em virtude da primeira matrícula no território nacional de um veículo automóvel e calculada em função do valor deste e do seu consumo de combustível – a um trabalhador migrante que se estabelece na Áustria proveniente de outro Estado-Membro e que importa o seu veículo, matriculando-o, não é contrária ao artigo 39.° CE;

Essa medida também não é contrária ao regime das isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado-Membro, previsto na Directiva 83/183/CEE, designadamente no seu artigo 1.°

2)Na medida em que não constituam direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente, impostos como o NoVA não são contrários aos artigos 23.° CE e 25.° CE;

Um imposto como o NoVA-imposto de base, cujo montante é calculado com referência a tabelas forfetárias para determinar o valor de um veículo usado importado, não gera, por si só, uma discriminação proibida pelo artigo 90.° CE desde que essas tabelas reflictam de maneira precisa a depreciação real do veículo e que a base tributável fixada para um veículo usado importado corresponda exactamente ao valor de um veículo usado similar no mercado nacional; no entanto, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se o método forfetário utilizado pela administração austríaca respeita essas condições. Em contrapartida, o NoVA-imposto adicional é discriminatório e, portanto, incompatível com o artigo 90.° CE na medida em que na generalidade dos casos se aplica aos produtos importados e só excepcionalmente a produtos nacionais.

3)Um imposto como o NoVA-imposto adicional não preenche os requisitos dos impostos sobre o volume de negócios a que se refere a Sexta Directiva IVA e, por conseguinte, não pode ser considerado um imposto paralelo, proibido pelo artigo 33.°»


1 – Língua original: italiano.


2 – Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na versão da Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera, tendo em vista a abolição das fronteiras fiscais, a Directiva 77/388/CEE (JO L 376, p. 1).


3 – JO L 105, p. 64; EE 09 F1 p. 161.


4 – BGBl. n.° 695/1991.


5 – Circular do Ministério das Finanças de 1 de Setembro de 1995.


6 – Acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Graf (C-190/98, Colect., p. I-493, n.° 23).


7 – Neste sentido, são referidos os acórdãos de 1 de Fevereiro de 1996, Perfili (C-177/94, Colect., p. I-161, n.° 17), e de 14 de Julho de 1994, Peralta (C-379/92, Colect., p. I-3453, n.° 52), e as conclusões apresentadas pelo advogado-geral F. G. Jacobs no processo Cura Anlagen (C-451/99, Colect., p. I-3193, n.os 37 a 47).


8 – V., no que respeita ao artigo 48.° do Tratado CE (actual artigo 39.° CE), acórdãos de 28 de Junho de 1978, Kenny (1/78, Colect., p. 505, n.° 18), e de 19 de Março de 2002, Inasti (C-393/99 e C-394/99, Colect., p. I-2829, n.os 50 e 51). Quanto a outros aspectos da liberdade de circulação das pessoas v. acórdãos citados pela Comissão, supra, nota 7.


9 – V. acórdãos de 18 de Março de 1993, Viessmann (C-280/91, Colect., p. I-971, n.° 17), e de 11 de Dezembro de 1997, SIF (C-42/96, Colect., p. I-7089, n.° 28).


10 – Proposta de directiva do Conselho que estabelece o regime fiscal aplicável aos veículos automóveis de particulares transferidos a título definitivo para outro Estado-Membro no âmbito de uma mudança de residência ou utilizados temporariamente num Estado-Membro distinto do Estado-Membro de matrícula, COM (1998) 30 final (JO C 108, p. 75), na versão alterada por COM (1999) 165 final (JO C 145, p. 6).


11 – Acórdão de 21 de Março de 2002, Cura Anlagen (C-451/99, Colect., p. I-3193, n.° 40).


12 – Regulamento n.° 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (a seguir «Regulamento n.° 918/83») (JO L 105, p. 1; EE 02 F9 p. 276).


13 – V., entre outros, acórdão de 23 de Abril de 2002, Nygård (C-234/99, Colect., p. I-3657, n.° 19).


14 – V., por exemplo, em relação à imposição dinamarquesa sobre a matrícula dos veículos automóveis, as conclusões apresentadas pelo advogado-geral F. G. Jacobs no processo Danske Bilimportører (C-383/01, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 36).


15 – V. acórdãos de 11 de Dezembro de 1990, Comissão/Dinamarca (C-47/88, Colect., p. I-4509, n.° 9), e de 9 de Março de 1995, Nunes Tadeu (C-345/93, Colect., p. I-479, n.° 18).


16 – Acórdão de 22 de Fevereiro de 2001, Gomes Valente (C-393/98, Colect., p. I-1327, n.° 28).


17 – Acórdãos de 7 de Maio de 1987, Cooperativa Co-Frutta (193/85, Colect., p. 2085, n.os 11 a 13), e de 16 de Julho de 1992, Lourenço Dias (C-343/90, Colect., p. I-4673, n.° 53).


18 – Acórdão de 17 de Julho de 1997, Haahr Petroleum (C-90/94, Colect., p. I-4085, n.° 29).


19 – Acórdãos de 4 de Março de 1986, Comissão/Dinamarca (106/84, Colect., p. 833, n.° 21), e de 17 de Julho de 1997, Haahr Petroleum (já referido, n.° 30).


20 – V. acórdão de 7 de Maio de 1992, Bozzi (C-347/90, Colect., p. I-2947, n.° 9).


21 – V., em especial, acórdãos de 3 de Março de 1988, Bergandi (252/86, Colect., p. 1343, n.° 15); de 13 de Julho de 1989, Wisselink (93/88 e 94/88, Colect., p. 2671, n.° 18); de 19 de Março de 1991, Giant (C-109/90, Colect., p. I-1385, n.os 11 e 12); de 31 de Março de 1992, Dansk Denkavit (C-200/90, Colect., p. I-2217, n.° 11); de 7 de Maio de 1992, Bozzi (C-347/90, Colect., p. I-2947, n.° 12), e de 16 de Dezembro de 1992, Beaulande (C-208/91, Colect., p. I-6709, n.° 14).