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Advertência jurídica importante

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62002C0078

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 15 de Maio de 2003. - Elliniko Dimosio contra Maria Karageorgou (C-78/02), Katina Petrova (C-79/02) e Loukas Vlachos (C-80/02). - Pedido de decisão prejudicial: Dioikitiko Efeteio Athinon - Grécia. - Sexta Directiva IVA - Artigo 21.º, n.º 1, alínea c) - Devedores do imposto - Pessoa que menciona o imposto numa factura - Imposto pago por erro por alguém que não é sujeito passivo e inscrito na factura que este passa. - Processos apensos C-78/02 a C-80/02.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página 00000


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1 Com a primeira questão prejudicial que colocou nos três processos idênticos em apreço, o Dioikitiko Efeteio Athinon (o tribunal administrativo de recurso de Atenas) pretende saber se o montante que os tradutores ao serviço do Elliniko Dimosio (Estado grego) inscreveram nas respectivas facturas relativas a serviços de tradução prestados ao Estado deve ser considerado IVA na acepção da Sexta Directiva (77/388/CEE) do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (1) (a seguir Sexta Directiva), tendo em conta o facto de que, por um lado, os mesmos não prestaram serviços como profissionais liberais, mas no quadro de uma relação de trabalho subordinado e, por outro lado, o montante em causa não é calculado sobre o total das remunerações legais, mas é considerado já incorporado no montante legal, de modo que a remuneração efectivamente paga é constituída pela remuneração legal menos o IVA aí incluído (método matemático da dedução interna).

2 O Dioikitiko Efeteio Athinon pretende ainda saber se o princípio da formalidade do imposto consagrado no artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Sexta Directiva deve ser afastado quando o Estado, prosseguindo uma actividade de tradução no exercício da sua autoridade pública, não actua como sujeito passivo na acepção do n._ 5 do artigo 4._ da Sexta Directiva para efeitos de aplicação do mecanismo das deduções e o imposto não pode ser repercutido e não é repercutido nos particulares que contratam com o Estado a tradução de documentos e, por outro lado, o prestador do serviço reivindica o direito à restituição do imposto que pagou à autoridade fiscal após eventual dedução do imposto a montante, de modo a excluir o seu enriquecimento sem causa.

II - Enquadramento jurídico

A - Direito comunitário

3 Nos termos do artigo 2._, n._ 1, da Sexta Directiva, estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

4 O artigo 4._ da Sexta Directiva estipula o seguinte:

«1. Por `sujeito passivo' entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n._ 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

2. As actividades económicas referidas no n._ 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica.

[...]

4. A expressão `de modo independente', utilizada no n._ 1, exclui da tributação os assalariados e outras pessoas, na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.

[...]

5. Os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público não serão considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando em conexão com essas mesmas actividades ou operações cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, se exercerem tais actividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente a tais actividades ou operações, desde que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

As entidades acima referidas serão sempre consideradas sujeitos passivos, designadamente no que se refere às operações enumeradas no Anexo D, desde que as mesmas não sejam insignificantes.

[...]»

5 O artigo 17._, n._ 2, alínea a), da Sexta Directiva enuncia o seguinte:

«2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;»

6 O artigo 18._, n._ 1, alínea a), da Sexta Directiva dispõe:

«1. Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve:

a) Relativamente à dedução prevista no n._ 2 , alínea a), do artigo 17._, possuir uma factura emitida nos termos do n._ 3 do artigo 22._»

7 O princípio da formalidade do imposto está consagrado no artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Sexta Directiva:

«O imposto sobre o valor acrescentado é devido:

1. No regime interno:

[...]

c) Por todas as pessoas que mencionem o imposto sobre o valor acrescentado numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua»

B - Direito nacional

8 Nos termos do n._ 1 do artigo 2._ da lei 1642/1986 relativa à aplicação do imposto sobre o valor acrescentado (A.125), na redacção em vigor antes da sua substituição pelo artigo 1._, n._ 1, alínea a), da lei 2093/1992 (A.181), o imposto sobre o valor acrescentado incide, designadamente, sobre «as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

9 Nos termos do n._ 1 do artigo 3._ da lei 1642/1986, na redacção em vigor antes da sua substituição pelo artigo 1._ da lei 2093/1992, «estão sujeitas ao imposto quaisquer pessoas singulares ou colectivas ou quaisquer associações de pessoas, nacionais ou estrangeiras, que exerçam de modo independente uma actividade económica, independentemente do lugar de estabelecimento e do fim ou do resultado dessa actividade. Não são havidos como exercendo uma actividade económica de modo independente os assalariados e outras pessoas singulares vinculadas à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal».

10 Além disso, o artigo 23._, n._ 1, da mesma lei, na redacção em vigor antes da sua alteração pelos artigos 1._, n._ 34, e 2._, n._ 18, da lei 2093/1992, dispõe: «O sujeito passivo pode deduzir ao imposto por ele devido a título de entrega de bens e de prestação de serviços o imposto que incidiu sobre as entregas de bens e as prestações de serviços de que foi destinatário e sobre as importações de bens por ele efectuadas [...]».

11 O artigo 25._, n._ 1, ainda da mesma lei, na redacção em vigor antes da sua substituição pelo artigo 1._, n._ 38, da já referida lei 2093/1992, prevê que: «O direito à dedução do imposto pode ser exercido desde que o sujeito passivo apresente: a) a factura ou qualquer outro documento que a substitua, correspondente à entrega de bens ou à prestação de serviços que lhe foi efectuada, b) [...]».

12 Por último, o n._ 1 do artigo 28._ da mesma lei, na redacção em vigor antes da sua substituição pelo n._ 42 do artigo 1._ da já referida lei 2093/1992, estabelece que: «Pelas entregas de bens e pelas prestações de serviços estão sujeitos a imposto: a) o sujeito passivo estabelecido no território do país, pelas operações por ele efectuadas, b) [...] c) [...] d) qualquer outra pessoa que mencione o imposto na factura que emite ou em qualquer outro documento que a substitua [...] e) [...]».

III - Os factos no processo principal e as questões prejudiciais

13 Os três processos apensos são idênticos no que se refere às circunstâncias de facto e à tramitação processual, salvo algumas diferenças de natureza secundária que não afectam a apreciação material. Limito-me, assim, a uma apresentação genérica dos factos e do processo seguido.

14 Maria Karageorgou (processo C-78/02), Katina Petrova (processo C-79/02) e Loukas Vlachos (processo C-80/02) (a seguir «tradutores») foram recrutados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, no quadro de um contrato com contornos de empreitada, como tradutores, respectivamente, de grego para inglês e de grego para alemão no serviço de tradução desse ministério.

15 Os tradutores, depois de terem apresentado ao director competente da Dimosia Oikonomiki Ypiresia (repartição de finanças; a seguir «DOY») de Cholargos declarações provisórias e uma declaração definitiva de liquidação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo a essa actividade para os exercícios de 1992 e de 1993, respectivamente, revogaram estas declarações e solicitaram a restituição do IVA por si indevidamente pago.

16 Em apoio destes pedidos de restituição, todos os tradutores alegaram que tinham apresentado as referidas declarações por erro quanto ao direito aplicável, uma vez que não estavam sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado em relação a remunerações auferidas enquanto tradutores. Chamaram a atenção, em especial, para o facto de em 1992 e 1993, respectivamente, terem um vínculo de subordinação relativamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em matéria de condições de trabalho e de remuneração, uma vez que, por um lado, não fixavam eles próprios a respectiva remuneração e que, por outro lado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros era responsável em relação a terceiros pelos seus actos e omissões na qualidade de tradutores. Alegaram ainda que não repercutiram o imposto sobre o valor acrescentado que pagaram com base nas suas declarações de 1992 e 1993, respectivamente, sobre as suas remunerações ilíquidas, dado que as pessoas singulares e colectivas destinatárias dos serviços da divisão de tradução do Ministério dos Negócios Estrangeiros não incluem e, portanto, não pagam IVA sobre o montante global que pagam ao Ministério dos Negócios Estrangeiros pela tradução oficial dos documentos.

17 O director da DOY de Cholargos indeferiu os pedidos de restituição, por um lado, porque as condições de trabalho aplicáveis aos tradutores eram diferentes das dos outros assalariados e, por outro lado, porque eles tinham inscrito esse imposto nos recibos de prestação de serviços passados ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não tinham, portanto, direito à restituição do imposto pago.

18 Em sucessivas decisões, a presidente do Dioikitiko Protodikeio Athinon (Tribunal administrativo de primeira instância de Atenas) julgou procedentes os recursos dos tradutores e os pedidos de revogação das declarações de IVA que os mesmos apresentaram para os exercícios de 1992 e 1993, respectivamente, anulou as decisões de indeferimento do director da DOY de Cholargos de 9 de Fevereiro de 1995 e ordenou a restituição aos tradutores do imposto indevidamente pago com esse fundamento. Estas decisões também se basearam na conclusão de que os tradutores trabalham como órgãos do Estado, único responsável pelas suas acções e omissões, uma vez que as traduções elaboradas pelos tradutores são documentos públicos. A presidente do tribunal decidiu ainda que os tradutores exerciam a sua actividade numa relação de subordinação relativamente ao Estado no que respeita às condições de trabalho e de remuneração. Os rendimentos desta actividade não podem, por conseguinte, estar sujeitos a IVA.

19 O Estado helénico recorreu destas decisões da primeira instância para o presidente do Dioikitiko Efeteio Athinon. Estes recursos basearam-se, designadamente, no argumento já aduzido em primeira instância em todos os processos, isto é, que os tradutores estavam obrigados, independentemente da natureza do seu trabalho, ao pagamento do imposto em causa, por aplicação do disposto na alínea d) do n._ 1 do artigo 28._ da lei 1642/1986, porque tinham mencionado o imposto nos recibos passados pela prestação de serviços durante o período em causa (1992 e 1993).

20 O presidente do Dioikitiko Efeteio Athinon julgou improcedentes estes recursos do Estado helénico e confirmou as decisões proferidas em primeira instância, bem como a respectiva fundamentação. Contudo, não examinou, nos três processos, o fundamento de recurso invocado pelo Estado helénico, relacionado com o facto de os tradutores estarem obrigados ao pagamento do imposto em causa por terem inscrito o imposto nas facturas relativas aos serviços prestados nesse período.

21 O Estado helénico recorreu destes despachos da segunda instância para o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado) (Grécia) e pediu a sua anulação, invocando a omissão acima referida.

22 O Conselho de Estado grego estabeleceu definitivamente que os tradutores não estavam sujeitos a IVA pela actividade que exerciam numa relação de subordinação relativamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Anulou, contudo, os acórdãos do Dioikitiko Efeteio Athinon, na medida em que este tribunal se tinha abstido, nos diferentes processos, de examinar o fundamento relacionado com a indicação do IVA na factura. No seu entender, este fundamento de recurso era essencial e o tribunal de segunda instância tinha-se ilegalmente abstido de o examinar. Os processos foram, assim, devolvidos ao Dioikitiko Efeteio Athinon com vista à sua reapreciação parcial.

23 O Dioikitiko Efeteio Athinon constata que no Conselho de Estado grego existe uma divergência de opiniões quanto à interpretação do artigo 28._, n._ 1, alínea d), da lei 1642/1986, uma vez que outra secção do Conselho de Estado grego, noutro processo que era semelhante aos três processos em apreço, proferiu uma decisão diferente da que foi proferida pela secção do Conselho de Estado grego que apreciou os presentes processos. Uma vez que a interpretação deste artigo está relacionada com o significado de algumas disposições da Sexta Directiva, o Dioikitiko Efeteio Athinon julga necessário, nos três processos em apreço, abster-se provisoriamente de decidir em definitivo sobre a questão controvertida e submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as seguintes questões prejudiciais:

1) Tem a natureza de IVA, na acepção da Sexta Directiva IVA (77/388/CEE), o montante indicado na factura por aquele que presta serviços ao Estado no quadro de um contrato com contornos de empreitada quando, por um lado, esse prestador considera erradamente que presta os serviços na qualidade de profissional liberal, mas na realidade se encontra numa relação de trabalho subordinado, e a pedido do seu empregador debita o IVA nos recibos que passa, calculando-o não sobre o total das remunerações legais que recebe do Estado, que constituem a base tributável legal do IVA, cobrado a seguir com as remunerações legais, mas a partir das suas remunerações com base no método matemático da dedução interna, considerando que nestas se inclui também o IVA devido, e, por outro, o Estado paga as remunerações legais diminuídas do IVA que considera incluído nestas?

b) Pode afastar-se o princípio da formalidade do imposto consagrado pela alínea c) do n._ 1 do artigo 21._ da Sexta Directiva IVA (77/388/CEE) (segundo o qual, se o IVA for mencionada na factura ou em qualquer outro documento que a substitua, esse imposto tem que ser pago ao Estado) quando o Estado, prosseguindo a actividade no exercício da sua autoridade pública, não actua como sujeito passivo na acepção do n._ 5 do artigo 4._ da mesma directiva para efeitos de aplicação do mecanismo das deduções e o imposto não pode ser repercutido e não é repercutido no consumidor final (que é o particular que contrata com o Estado a tradução de documentos) e, por outro lado, o prestador do serviço reivindica o direito à restituição do imposto que pagou à autoridade fiscal após eventual dedução do imposto a montante, de modo a excluir o seu enriquecimento sem causa.

24 Os tradutores, o Governo grego e a Comissão apresentaram observações escritas. Maria Karageorgou (processo C-78/02), o Governo grego e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência do Tribunal de Justiça de 20 Março de 2003.

IV - Apreciação

25 A primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio tem por objectivo determinar se o montante que foi abusivamente inscrito na factura a título de IVA deve, efectivamente, ser considerado como tal numa situação em que o prestador de serviços em causa considera erradamente que presta os serviços ao Estado helénico na qualidade de profissional liberal, quando, na realidade, esses serviços são prestados numa relação de subordinação. O referido montante é calculado segundo o método matemático da dedução interna. Isto implica que se parte do princípio de que a remuneração legal já inclui o IVA devido, pelo que o montante efectivamente auferido é constituído pela remuneração legal menos o montante correspondente ao IVA.

26 A fim de se determinar se o montante em causa deve ser considerado IVA, deve, em primeiro lugar, apurar-se se os tradutores estão sujeitos às normas relativas ao IVA pelos serviços prestados ao Estado helénico.

27 De acordo com o artigo 2._ da Sexta Directiva, estão sujeitas a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

28 O artigo 4._ da Sexta Directiva define, a seguir, quais as pessoas que devem ser consideradas «sujeito passivo» na acepção desta directiva. O n._ 1 desse artigo refere como característica básica que se deve tratar de pessoas que exerçam, de modo independente, uma actividade económica. O n._ 4 desse artigo precisa que o conceito «de modo independente» implica que estejam excluídos da tributação não só os assalariados, mas também as pessoas que se encontrem vinculadas à entidade patronal «por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.»

29 O Governo grego chamou a atenção para o facto de que, na jurisprudência grega, não há manifestamente um entendimento unívoco sobre a natureza do vínculo que liga os tradutores ao Ministério dos Negócios Estrangeiros grego. Em contrapartida, os tradutores e a Comissão referem que nos processos quanto ao mérito já foi apurado, de facto, que os tradutores exercem a sua actividade numa relação de subordinação.

30 É jurisprudência assente que o Tribunal de Justiça, no quadro dos processos de decisão a título prejudicial previstos no artigo 234._ do Tratado CE, apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um diploma comunitário, com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional. Por outras palavras, não compete ao Tribunal de Justiça, mas ao órgão jurisdicional nacional, estabelecer os factos que deram origem ao litígio e extrair deles as consequências para a decisão que tem de proferir (2).

31 Conforme alegado pela Comissão e pelos tradutores, transitou definitivamente em julgado na ordem jurídica nacional que os tradutores exercem a sua actividade com um vínculo de subordinação relativamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Esta subordinação está patente, designadamente, no facto de não poderem determinar livremente a sua remuneração e as suas condições de trabalho, de o ministério ser responsável em relação a terceiros pela qualidade das traduções e de os tradutores estarem sujeitos a um regime interno de sanções relativamente ao cumprimento das respectivas obrigações.

32 Nestas circunstâncias, é evidente que os tradutores não exercem, de modo independente, uma actividade económica e que não são, portanto, «sujeito[s] passivo[s]» na acepção do artigo 4._, n._ 1, da Sexta Directiva. As respectivas prestações de serviços também não são, assim, abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva.

33 Decorre deste facto que o montante que foi abusivamente inscrito na factura elaborada pelos tradutores não pode ser considerado IVA, pelo que a primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio deve ser respondida negativamente.

34 A conclusão de que a situação descrita na primeira questão prejudicial está fora do âmbito de aplicação da Sexta Directiva leva a que a segunda questão fique sem objecto. Em bom rigor, a resposta a esta questão também não é necessária para a resolução do litígio quanto ao mérito. Contudo, a fim de ser exaustivo, refira-se - ainda que tal seja redundante - o seguinte.

35 Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o princípio da formalidade do imposto, consagrado no artigo 21._, n._ 1, alínea c), da Sexta Directiva, deve deixar de se aplicar quando o Estado não actua como sujeito passivo na acepção de artigo 4._, n._ 5, da Sexta Directiva, não tenha havido repercussão do imposto no consumidor final e o prestador de serviços peça a restituição do que foi indevidamente pago como IVA. Inversamente, quando o Estado intervém como prestador de serviços não sujeito a imposto, os montantes formalmente inscritos na factura como IVA (ainda que abusivamente), na acepção de artigo 21._, n._ 1, alínea c) da Sexta Directiva, não são, apesar disso, devidos como IVA?

36 A Sexta Directiva não prevê expressamente a situação em que o IVA é abusivamente incluído numa factura, mas não é devido. Isto implica que, enquanto esta lacuna não for preenchida pelo órgão jurisdicional comunitário, cabe aos Estados-Membros encontrar a solução (3). No acórdão Genius Holding, relativo ao direito à dedução do IVA mencionado na factura sem ser devido, o Tribunal de Justiça também referiu que - como corolário da necessidade de garantir a neutralidade do IVA - os Estados-Membros podem prever no respectivo direito nacional que quando o emitente da factura estiver de boa fé todo o imposto indevidamente facturado pode ser regularizado (4).

37 No acórdão Schmeink & Cofreth, o Tribunal de Justiça acrescentou ainda que o imposto indevidamente facturado pode ser regularizado, sem que esta regularização possa ser subordinada à boa fé do emitente da factura, quando o emitente da factura tiver eliminado, completamente e em tempo útil, o risco de perda de receitas fiscais (5).

38 Estas observações não conduzem, contudo, a uma resposta concreta e autónoma à segunda questão prejudicial. Uma vez que já concluí acima que a situação subjacente às questões prejudiciais não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva, não está em causa a perda de receitas fiscais e a questão da boa fé do emitente da factura não é relevante. Nestas circunstâncias, também não é importante saber se o princípio consagrado no artigo 21._, n._ 1, alínea c) deve ou não deixar de ser aplicado.

V - Conclusão

39 Tendo em conta o que acima se disse, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma à primeira questão prejudicial submetida pelo Dioikitiko Efeteio Athinon:

O montante indicado na factura por aquele que presta serviços ao Estado no quadro de um contrato com contornos de empreitada não tem natureza de IVA na acepção da Sexta Directiva (77/388/CEE) do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, quando, por um lado, esse prestador considera erradamente que presta os serviços na qualidade de profissional liberal, mas na realidade se encontra numa relação de trabalho subordinado, e a pedido do seu empregador debita o IVA nos recibos que passa, calculando-o não sobre o total das remunerações legais que recebe do Estado, que constituem a base tributável legal do IVA, cobrado a seguir com as remunerações legais, mas a partir das suas remunerações com base no método matemático da dedução interna, considerando que nestas se inclui também o IVA devido, e, por outro, o Estado paga as remunerações legais diminuídas do IVA que considera incluído nestas.

(1) - JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(2) - V., designadamente, acórdãos de 2 de Junho de 1994, AC-ATEL Electronics (C-30/93, Colect., p. I-2305, n.os 16 e 17); de 1 de Dezembro de 1998, Levez (C-326/96, Colect., p. I-7835, n.os 25 e 26); e de 16 de Setembro de 1999, WWF e o. (C-435/97, Colect., p. I-5613, n.os 31 e 32).

(3) - Acórdão de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth (C-454/98, Colect., p. I-6973, n.os 48 e 49).

(4) - Acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Genius Holding (C-342/87, Colect., p. I-4227, n._ 18).

(5) - Acórdão Schmeink & Cofreth (referido na nota 4, n.os 60 a 63).