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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL
CHRISTINE STIX-HACKL
apresentadas em 16 de Outubro de 2003(1)


Processo C-152/02



Terra Baubedarf-Handel GmbH
contra
Finanzamt Osterholz-Scharmbeck


[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto – Condições do exercício do direito à dedução – Retroactividade»






I – Introdução

1.        O presente processo tem por objecto uma questão, com importância prática, do regime jurídico do imposto sobre o valor acrescentado. Está em causa a questão de saber se a dedução pode ser exercida relativamente ao ano em que o direito é constituído ou apenas no que diz respeito ao ano no qual o empresário recebe a factura.

II – Enquadramento jurídico

A – Direito comunitário

2.        No presente caso, é aplicável a Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme  (2) (a seguir «Sexta Directiva»).

3.        O facto gerador e a exigibilidade do imposto encontram-se regulados no título VII da Sexta Directiva. O artigo 10.°, n.° 2, primeiro parágrafo dispõe o seguinte:

«2. O facto gerador do imposto ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que se efectuam a entrega do bem ou a prestação de serviços. As entregas de bens que não sejam as referidas no n.° 4, alínea b), do artigo 5.° e as prestações de serviços de que resultem sucessivas deduções ou pagamentos consideram-se efectuadas no termo dos prazos a que se referem essas deduções ou pagamentos.»

4.        O artigo 17.° regula a origem e o âmbito do direito à dedução. Os seus n.os 1 e 2, alínea a), têm o seguinte teor:

«1. O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo.»

5.        O artigo 18.° contém as disposições relativas ao exercício do direito à dedução. Os seus n.os 1 e 2 dispõem o seguinte:

«1. Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve:

a) Relativamente à dedução prevista no n.° 2, alínea a), do artigo 17.°, possuir uma factura emitida nos termos do n.° 3 do artigo 22.°;

[...]

2. O sujeito passivo efectuará a dedução subtraindo do montante total do imposto devido num determinado período fiscal o montante do imposto em relação ao qual, durante o mesmo período, o direito à dedução surge e é exercido por força do n.° 1.

Todavia, os Estados-Membros podem obrigar os sujeitos passivos que efectuem operações ocasionais referidas no n.° 3 do artigo 4.° a exercerem o direito à dedução apenas no momento da entrega.»

6.        O artigo 22.° determina, nomeadamente, o seguinte:

«3. a) Os sujeitos passivos devem emitir uma factura ou um documento que a substitua, em relação à entrega de bens e às prestações de serviços que efectuem a outro sujeito passivo, e conservar um duplicado de todos os documentos emitidos.

Do mesmo modo, os sujeitos passivos devem emitir uma factura em relação aos pagamentos por conta que lhes são efectuados por outro sujeito passivo antes de se realizar a entrega dos bens ou a prestação de serviços.

[...]

c) Os Estados-Membros estabelecerão os critérios segundo os quais um documento pode servir de factura.

4. Os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração em prazo a fixar pelos Estados-Membros. Tal prazo não pode exceder em mais de dois meses o termo de cada período fiscal. O período fiscal será fixado pelos Estados-Membros em um, dois ou três meses. Todavia, os Estados-Membros podem fixar períodos diferentes, os quais, porém, não excederão um ano.

Da declaração devem constar todos os dados necessários ao apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efectuar, incluindo, se for o caso, e na medida em que se afigure necessário para a determinação da matéria colectável, o montante global das operações relativas a este imposto e a essas deduções, e bem assim o montante das operações isentas.

5. Os sujeitos passivos devem pagar o montante líquido do imposto sobre o valor acrescentado no momento da apresentação da declaração periódica. Todavia, os Estados-Membros podem fixar outro prazo para o pagamento desse montante ou cobrar adiantamentos provisórios.

6. Os Estados-Membros podem exigir a apresentação pelo sujeito passivo de uma declaração de que constem todos os dados referidos no n.° 4, relativamente à totalidade das operações efectuadas no ano anterior. Esta declaração deve incluir igualmente todos os documentos necessários para efeitos de ajustamentos eventuais.»

B – Direito nacional

7.        A lei nacional aplicável é a Umsatzsteuergesetz 1999 (Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios de 1999, a seguir «UStG»). O § 15, n.° 1, ponto 1, da UStG, intitulado «Deduções», tem a seguinte redacção:

«O empresário pode deduzir os seguintes impostos:

1. O imposto respeitante a entregas de bens ou a outras prestações de serviços efectuadas por outro empresário para utilização na sua empresa, especificamente mencionado nas facturas a que se refere o § 14. Se o montante do imposto especificamente mencionado se referir a um pagamento prévio à execução das referidas operações, é dedutível a partir do momento em que se disponha da factura e se efectue o pagamento.»

8.        Nos termos do § 16, primeiro parágrafo, segundo e terceiro períodos, da UStG:

«O período fiscal corresponde ao ano civil. O imposto é liquidado com base na totalidade das operações previstas no § 1, primeiro parágrafo, n.os 1 a 3 e 5, desde que o imposto se torne exigível no período fiscal em causa e o respectivo titular seja considerado sujeito passivo da obrigação tributária.»

9.        O § 16, segundo parágrafo, primeiro período, da UStG determina:

«Do montante do imposto calculado de acordo com o primeiro parágrafo deduzem-se os valores pagos a montante no período fiscal dedutíveis nos termos do § 15.»

10.      A secção 192, n.° 2, quarto período, da Umsatzsteuer-Richtlinien 2000 (orientações relativas ao imposto sobre o volume de negócios para o ano de 2000, a seguir «UStR 2000») está redigida da seguinte forma:

«[...] Quando a prestação e a recepção da factura ocorrem em períodos distintos, a dedução apenas é autorizada relativamente ao período fiscal em que se verifiquem pela primeira vez ambos os pressupostos [...]»

11.      De acordo com a jurisprudência do Bundesfinanzhof, o direito à dedução do imposto pago a montante nasce no período fiscal em que estejam reunidos todos os pressupostos do direito nos termos do § 15, primeiro parágrafo, n.° 1, da UStG. Entre os referidos pressupostos inclui-se uma factura com indicação específica do imposto sobre o volume de negócios. Nestes termos, a Terra Baubedarf-Handel GmbH (a seguir «demandante») não pode invocar (retroactivamente) a dedução em litígio com referência ao ano de 1999, no qual ainda não dispunha das respectivas facturas.

III – Matéria de facto, acção principal e questão prejudicial

12.      A demandante pretende alterar a liquidação do imposto sobre o volume dos negócios relativa ao ano de 1999 (a seguir «ano controvertido») de forma a que seja admitida a dedução adicional de impostos pagos a montante no valor de 3 248,10 DM. As prestações subjacentes foram realizadas a favor da demandante no ano de 1999. As respectivas facturas foram emitidas em Dezembro de 1999, mas só foram recebidas pela demandante em Janeiro de 2000.

13.      O Finanzamt Osterholz-Scharmbeck não reconheceu a dedução do imposto relativo a estas facturas no ano controvertido. Invocou a redacção do § 15, primeiro parágrafo, n.° 1, da UStG. Segundo este preceito, a dedução pressupõe a entrega de bens ou a recepção de outras prestações, bem como a obtenção da respectiva factura. De acordo com a instrução prevista na secção 192, n.° 2, quarto período, das UStR 2000, quando a prestação e a recepção da factura têm lugar em períodos fiscais diferentes, a dedução apenas é autorizada relativamente ao período fiscal em que se verifiquem ambos os pressupostos. Neste caso, trata-se do ano fiscal de 2000, porque a demandante só recebeu a factura no ano de 2000.

14.      Nem a reclamação nem o posterior recurso obtiveram provimento. O Finanzgericht adoptou a posição do Finanzamt. No recurso de revista, admitido pelo Finanzgericht em razão da importância fundamental do processo, a demandante alega fundamentalmente que, erradamente, a sentença recorrida limita no tempo a pretensão da demandante à dedução dos valores pagos a montante que lhe foram facturados, violando assim a Sexta Directiva. A demandante requer em conformidade que, mediante a anulação da decisão anterior e das decisões impugnadas da liquidação do imposto sobre o volume de negócios de 1999, seja admitida a dedução adicional de impostos pagos a montante no valor de 3 248,10 DM.

15.      O Bundesfinanzhof tem dúvidas sobre se a mencionada legislação nacional estará em consonância com o direito comunitário e com as legislações dos restantes Estados-Membros em matéria de dedução dos impostos pagos a montante.

16.      Por um lado, o Tribunal de Justiça decidiu que o sujeito passivo tem, segundo a Sexta Directiva, o «direito à dedução imediata». Por outro lado, o artigo 17.° respeita apenas à existência do direito à dedução, ao passo que o artigo 18.° regula os pressupostos de exercício do referido direito.

17.      O Bundesfinanzhof não tinha efectivamente dúvidas que, no caso sub judice, o direito da demandante à dedução nos termos do artigo 17.° da Sexta Directiva surgiu no ano de 1999 e, em conformidade com o artigo 18.° da Sexta Directiva, só pôde ser exercido em 2000 após receber a factura. Duvidoso, contudo, é se tal direito à dedução pode ou deve ser invocado já com efeitos para o período fiscal de 1999. O artigo 18.°, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, poderia ser interpretado no sentido de que apenas regula os pressupostos do exercício do direito à dedução, mas nada estabelece sobre o período fiscal relativamente ao qual se pode ou deve invocar a dedução.

18.      Face ao exposto, por decisão de 21 de Março de 2002, o Bundesfinanzhof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão para decisão a título prejudicial:

«O sujeito passivo da obrigação tributária só pode exercer o direito à dedução relativamente ao ano civil em que possui a factura, de acordo com o artigo 18.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 77/388/CEE, ou pode ainda exercer o direito à dedução (mesmo retroactivamente) relativa ao ano civil em que surge o direito à dedução, nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da Directiva 77/388/CEE?»

IV – Quanto à questão prejudicial

A – Principais argumentos dos intervenientes

19.      Todos os intervenientes têm em conta a distinção entre a origem e o exercício do direito à dedução. É ainda pacífico que o exercício do direito tem como pressuposto a posse da factura ou outro documento que a substitua.

20.      A demandante defende que o direito ao exercício da dedução produz efeitos no período fiscal em que surge o direito à dedução. Decorre do princípio da neutralidade fiscal que a dedução deve ser autorizada relativamente ao mesmo período, nomeadamente o da constituição. De outro modo, este crédito a favor do fisco conduziria a uma oneração do contribuinte. Em simultâneo, é prevenida uma violação aleatória da neutralidade fiscal.

21.      A dedução imediata apenas é tecnicamente possível através da retroactividade. Seria desproporcionado recusar esta retroactividade. Acresce que os Estados-Membros não estão autorizados a fazê-lo. Em último lugar, a retroactividade protege os consumidores de prejuízos causados por factores que lhes são alheios, como alterações supervenientes do regime jurídico ou a circunstância de o emitente da factura ter a faculdade de fixar a respectiva data.

22.      As outras versões linguísticas não são muito mais claras e não excluem a retroactividade. Esta é mesmo reconhecida em alguns Estados-Membros, nomeadamente a Dinamarca e a Suécia.

23.      O problema da recusa também se coloca relativamente ao reembolso de outros impostos. Na medida em que seja uma consequência do direito processual nacional, há que questionar a sua compatibilidade com o direito comunitário.

24.      Contra a retroactividade também não é possível invocar eventuais dificuldades de ordem prática. Não é igualmente necessária a sua previsão expressa, mas sim a sua exclusão.

25.      A demandante conclui assim que o exercício do direito à dedução é sempre válido com referência ao período no qual o direito foi constituído.

26.      Ao invés, os restantes intervenientes sustentam que o período relativamente ao qual a dedução deve ser exercida coincide com o período em que é declarada e não com o período em que surge o direito à dedução.

27.      O Governo alemão e a Comissão fundamentam esta tese na letra do artigo 18.°, n.° 2, da Sexta Directiva. A ambiguidade da redacção alemã leva-os a recorrer a outras versões linguísticas.

28.      O Governo alemão fundamenta ainda a coincidência de ambos os períodos com argumentos de carácter sistemático. Como o Governo francês também observa, uma dedução retroactiva seria contrária ao princípio da neutralidade fiscal. Com efeito, a retroactividade conduziria em determinados casos à recusa da dedução do imposto pago a montante.

29.      Por seu turno, a Comissão opõe-se à tese da demandante, segundo a qual os princípios da neutralidade e da proporcionalidade exigem a retroactividade. Uma alteração do regime jurídico ocorrida no período entre a constituição e o exercício do direito também não constitui qualquer problema, uma vez que aquela não tem como consequência a perda do direito à dedução anteriormente constituído.

30.      Os Governos alemão e francês, bem como a Comissão fazem ainda referência às repercussões negativas da retroactividade sobre a possibilidade de fiscalização do sistema do imposto sobre o valor acrescentado. O Governo francês também se pronuncia em sentido contrário à existência de um direito de opção do declarante.

31.      Na opinião da Comissão, a retroactividade deve estar expressamente prevista.

B – Apreciação

32.      Em primeiro lugar, importa referir a distinção, também claramente adoptada na jurisprudência do Tribunal de Justiça  (3) , entre a existência do direito à dedução, disciplinada no artigo 17.° da Sexta Directiva, e o exercício deste direito, cujas condições se encontram reguladas no seu artigo 18.°

33.      Como o Bundesfinanzhof afirma de forma pertinente, esta distinção só foi introduzida pela Sexta Directiva. O § 15, n.° 1, da UStG ainda remonta, no entanto, a uma directiva anterior, nomeadamente a Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado  (4) , e não foi igualmente adaptado aos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva.

34.      Segundo o artigo 17.°, n.° 1, da Sexta Directiva, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Em conformidade com o artigo 10.°, n.° 2, da Sexta Directiva, é este o caso desde que a entrega de bens ou a prestação de serviços seja efectuada ao sujeito passivo que tem direito à dedução  (5) .

35.      Assim, enquanto o direito à dedução do imposto surge com a realização da prestação, apenas pode ser exercido, segundo o artigo 18.°, n.° 1, da Sexta Directiva, quando o contribuinte possua uma factura ou um documento que a possa substituir  (6) .

36.      Para determinar o período decisivo para o presente pedido de decisão prejudicial, nomeadamente o período relativamente ao qual o direito à dedução pode ou deve ser exercido, importa atender à redacção do artigo 18.° da Sexta Directiva.

37.      A respeito desta questão, vários intervenientes aludiram com razão à ambiguidade da versão alemã do artigo 18.°, n.° 2. Segundo uma interpretação, a remissão para o n.° 1 pode ser entendida no sentido de que embora o sujeito passivo deva esperar pela factura para exercer o direito à dedução do imposto, pode fazê-la valer retroactivamente. De acordo com uma outra interpretação, a dedução deve ser exercida relativamente ao período em que é declarada, ou seja, em relação ao período no qual o sujeito passivo obtém a posse da factura.

38.      As normas de transposição adoptadas pelos Estados-Membros não têm qualquer relevância jurídica para a interpretação da directiva. Uma posição diferente seria contrária às exigências do princípio da interpretação conforme às directivas.

39.      Face a esta ambiguidade do artigo 18.°, n.° 2, da Sexta Directiva na versão linguística da acção principal, e por conseguinte também do presente processo de reenvio prejudicial, é necessário recorrer às demais versões. Nestes casos, o Tribunal de Justiça adopta como referência as versões linguísticas das disposições a interpretar que faziam fé aquando da adopção da Sexta Directiva  (7) .

40.      No que diz respeito ao artigo 18.° da Sexta Directiva, estas versões são, além da versão alemã, a dinamarquesa, a inglesa, a francesa, a italiana e a neerlandesa. As referidas versões dão a entender que o exercício está dependente do preenchimento de ambos os pressupostos: a existência do direito e a posse da factura. Por conseguinte, existe uma concordância ou coincidência temporal entre o período em que a dedução é declarada e o período relativamente ao qual é exigida.

41.      A favor da retroactividade e contra a tese de que o sujeito passivo apenas pode exercer o direito à dedução relativamente ao período no qual obtém a posse da factura, ou seja, para o período da declaração, poderia, porém, ser invocada a jurisprudência do Tribunal de Justiça  (8) , nos termos da qual o direito à dedução pode ser exercido imediatamente.

42.      A favor da tese de que esta imediatividade não se aplica apenas à constituição do direito, mas igualmente ao seu exercício, é possível invocar os acórdãos que compõem esta jurisprudência. Com efeito, nestes acórdãos o Tribunal de Justiça aludiu expressamente aos artigos 17.° e segs., ou seja, não apenas às disposições relativas à constituição do direito à dedução, como também às respeitantes ao seu exercício.

43.      Por conseguinte, a retroactividade pode ser considerada um aspecto parcial não despiciendo do princípio do exercício imediato. Com efeito, existe uma maior conformidade ao critério «imediatamente» caso se considere que os efeitos da dedução respeitam ao período da constituição e não a um período posterior, nomeadamente o da declaração.

44.      Por outro lado, a questão da retroactividade deve ser apreciada à luz do princípio da neutralidade fiscal, o qual, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça  (9) , tem igualmente relevância na matéria da dedução. O princípio da neutralidade seria violado na sua vertente ora em apreciação, nomeadamente a relativa à tributação do volume dos negócios, caso a dedução fosse excluída ou reduzida. A desoneração é, assim, imperativa. Este princípio também pode, em princípio, ser satisfeito através de uma dedução sem retroactividade, ou seja, com efeitos no período da declaração. No entanto, o princípio da neutralidade deve ser interpretado no sentido de que não exige uma qualquer desoneração, mas uma desoneração integral. Por conseguinte, o princípio da neutralidade seria violado caso o sujeito passivo não fosse isento de todos os encargos indevidos com o imposto sobre o valor acrescentado.

45.      Caso não se admita a retroactividade, verifica-se a concessão de um crédito através do sujeito passivo. No entanto, a exclusão da retroactividade não exoneraria o sujeito passivo deste encargo. Na medida em que o contribuinte não seria, porém, desonerado, existiria uma violação do princípio da neutralidade que exige justamente a desoneração integral do sujeito passivo.

46.      No que diz respeito à recusa da dedução em certos casos de retroactividade, que foi mencionada pelo Governo alemão, cumpre referir que, tal como a demandante observa de forma pertinente, aquela se trata de uma consequência do direito processual nacional que não decorre do direito comunitário. No entanto, caso o direito processual nacional conduza à recusa da dedução em casos que não estão expressamente previstos no direito comunitário nem abrangidos pela autonomia processual dos Estados-Membros, estas regras processuais devem ser ajustadas em conformidade.

47.      Relativamente à questão de saber se a retroactividade ou a sua exclusão devem estar expressamente previstas na directiva, importa observar que se pretende saber se os Estados-Membros necessitam de uma autorização para imporem a retroactividade. Contudo, esta questão apenas se coloca no caso de a retroactividade não resultar desde logo da interpretação de regras expressas do direito comunitário.

48.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça, citada a este respeito, sobre os limites dos Estados-Membros na fixação de determinados pressupostos para o exercício do direito à dedução não é, porém, transponível para o presente caso.

49.      O acórdão Gabalfrisa e o. dizia efectivamente respeito a uma regulamentação nacional que subordina o exercício do direito à dedução à apresentação de um pedido e ao acatamento de um determinado prazo e, em caso de desrespeito destas condições, priva o sujeito passivo deste direito ou difere o seu exercício até ao início efectivo da realização habitual das operações tributáveis  (10) . No referido processo estavam assim em causa pressupostos que um Estado-Membro impusera adicionalmente aos fixados na Sexta Directiva.

50.      No presente processo está, ao invés, em causa a aplicação de pressupostos fixados pela própria Sexta Directiva. Um Estado-Membro não necessita de uma autorização adicional no que diz respeito aos pressupostos estipulados na directiva. Pelo contrário, assiste-lhe mesmo a obrigação de transpor todos os pressupostos para o direito nacional, bem como de os aplicar.

51.      Admitir o exercício do direito à dedução relativamente ao período em que a obrigação é prestada seria, como já se observou, equivalente a autorizar a retroactividade. Esta manifestar-se-ia no ajustamento do aviso de pagamento do imposto emitido no período fiscal em causa.

52.      As dificuldades práticas referidas ou receadas neste contexto são iguais às que se colocam noutros casos de ajustamento. Os ajustamentos constituem, porém, um instrumento comum no direito fiscal. O facto de darem origem a encargos para a administração fiscal e para os sujeitos passivos interessados não constitui nenhuma particularidade da dedução.

53.      No seu conjunto, nem o argumento respeitante a eventuais dificuldades práticas nem o argumento de que a retroactividade deve estar expressamente prevista são convincentes.

54.      Face à ambiguidade da redacção do artigo 18.° da Sexta Directiva no ponto controvertido, afigura-se necessário recorrer ao princípio da neutralidade fiscal e à exigência de desoneração integral que lhe está associada. Em consequência, o direito à dedução deve ser exercido relativamente ao período no qual o direito à dedução surgiu, uma vez que só assim se pode garantir a desoneração integral.

V – Conclusão

55.      Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão prejudicial:

«O artigo 18.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que o direito à dedução deve ser exercido relativamente ao ano civil em que surge o direito à dedução, nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da Sexta Directiva.»


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 145, p. 1, alterada diversas vezes.


3 – Acórdão de 8 de Novembro de 2001, Comissão/Países Baixos (C-338/98, Colect., p. I-8265, p. 71).


4 – JO 1967, 71, p. 1303.


5 – Acórdão de 8 de Junho de 2000, Breitsohl (C-400/98, Colect., p. I-4321, n.° 36).


6 – Acórdãos de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e o. (123/87 e 330/87, Colect., p. 4517, n.° 14), e de 5 de Dezembro de 1996, Reisdorf (C-85/95, Colect., p. I-6257, n.° 22).


7 – Acórdão no processo C-85/95 (já referido na nota 6, n.° 22).


8 – Acórdãos de 11 de Julho de 1991, Lennartz (C-97/90, Colect., p. I-3795, n.° 27); de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz (C-62/93, Colect., p. I-1883, n.° 18); de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o. (C-110/98 a 147/98, Colect., p. I-1577, n.° 47); e o acórdão no processo C-400/98 (já referido na nota 5, n.° 34).


9 – V., a este respeito, os acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655, n.° 23); de 29 de Fevereiro de 1996, INZO (C-110/94, Colect., p. I-857, n.° 16); Gabalfrisa e o. (já referido na nota 8, n.° 45); e Breitsohl (já referido na nota 5, n.° 37).


10 – Acórdão já referido na nota 8, n.os 53 e segs.