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Advertência jurídica importante

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62002C0169

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 10 de Abril de 2003. - Dansk Postordreforening contra Skatteministeriet. - Pedido de decisão prejudicial: Østre Landsret - Dinamarca. - Cancelamento. - Processo C-169/02.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página 00000


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1 No presente processo, o Østre Landsret dinamarquês colocou duas perguntas relativas à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir "Sexta Directiva") (1) .

2 As duas perguntas prendem-se, concretamente, com o disposto no artigo 13.º, A), da Sexta Directiva, que prevê isenções de IVA em beneficio de certas actividades de interesse geral. São isentas, designadamente, as prestações de serviços e as entregas de bens acessórias das referidas prestações efectuadas pelos serviços públicos postais. O Østre Landsret pretende saber se a Sexta Directiva se opõe a que um Estado-Membro cobre IVA sobre os envios a particulares de cartas e encomendas à cobrança efectuados pelos serviços postais.

3 Um elemento importante do presente processo é que a Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (a seguir "Directiva Postal") (2), estabelece regras em matéria da prestação do serviço universal no sector postal e delimita os serviços susceptíveis de serem reservados a determinadas empresas ou serviços. Coloca-se agora a questão de saber em que medida o disposto nesta directiva é importante para a interpretação do artigo 13.º, A), da Sexta Directiva.

II - Enquadramento jurídico

A - Direito comunitário

4 O artigo 13.º, A), da directiva, na parte que releva para o presente processo, sob o título "Isenções em beneficio de certas actividades de interesse geral", estipula o seguinte:

"1. Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

a) As prestações de serviços e as entregas de bens acessórias das referidas prestações efectuadas pelos serviços públicos postais, com excepção dos transportes de passageiros e das telecomunicações [...]."

5 O artigo 3.º da Directiva 97/67/CE tem a seguinte redacção:

"1. Os Estados-Membros devem assegurar que os utilizadores usufruam do direito a um serviço universal que envolva uma oferta permanente de serviços postais com uma qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território, a preços acessíveis a todos os utilizadores.

2. Para tanto, os Estados-Membros devem providenciar para que a densidade dos pontos de contacto e dos pontos de acesso corresponda às necessidades dos utilizadores.

3. Os Estados-Membros devem providenciar para que o prestador ou prestadores do serviço universal garantam em todos os dias úteis e pelo menos cinco dias por semana, salvo circunstâncias ou condições geográficas excepcionais, consideradas como tal pelas autoridades reguladoras nacionais, no mínimo:

- uma recolha,

- uma distribuição ao domicílio de cada pessoa singular ou colectiva ou, por derrogação em condições a determinar pela autoridade reguladora nacional, em instalações apropriadas.

Toda e qualquer excepção ou derrogação concedida por uma autoridade reguladora nacional de acordo com o disposto no presente número deverá ser notificada à Comissão e a todas as autoridades reguladoras nacionais.

4. Cada Estado-Membro adopta as medidas necessárias para que o serviço universal inclua, no mínimo, as seguintes prestações:

- recolha, triagem, transporte e distribuição dos envios postais até 2 kg.

- recolha, triagem, transporte e distribuição das encomendas postais até 10 kg;

- serviços de envios registados e de envios com valor declarado.

[...]

O serviço universal definido no presente artigo inclui tanto os serviços nacionais como os serviços transfronteiriços."

6 O artigo 7.º determina:

"1. Na medida necessária à garantia da manutenção do serviço universal, os serviços que podem ser reservados por cada Estado-Membro ao prestador ou prestadores do serviço universal são a recolha, triagem, transporte e entrega dos envios de correspondência interna, quer sejam ou não efectuados por distribuição acelerada, de preço inferior ao quíntuplo da tarifa pública de um envio de correspondência do primeiro escalão de peso da categoria normalizada mais rápida, se esta existir, desde que pesem menos de 350 g. [...]

2. Na medida necessária para garantir a manutenção do serviço universal, o correio transfronteiriço e a publicidade endereçada podem continuar a ser reservados, nos limites de preço e peso previstos no n.º 1."

7 O artigo 9.º dispõe:

"1. Para os serviços não reservados e não abrangidos pelo conceito de serviço universal definido no artigo 3_, os Estados-Membros podem estabelecer autorizações gerais na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais.

2. Para os serviços não reservados abrangidos pelo conceito de serviço universal definido no artigo 3_, os Estados-Membros podem estabelecer processos de autorização, incluindo licenças individuais, na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais e salvaguardar o serviço universal."

B - Direito nacional

8 O título 2 da lei dinamarquesa sobre os serviços postais (3) estabelece normas relativas à obrigação de transporte e ao direito exclusivo. Nos termos do § 2:

"O Estado fica obrigado a assegurar em todo o país o transporte por correio dos seguintes envios:

- cartas com endereço, [...];

- outros envios com endereço, de conteúdo impresso uniforme, que não estejam embalados, por exemplo catálogos e brochuras;

- jornais e publicações diárias, semanais e mensais;

- encomendas com endereço;

- cecogramas."

9 O § 3 da mesma lei determina:

"1. O Estado tem o direito exclusivo de transporte por correio de cartas com endereço nacional, o qual abrange:

- envios com endereço, independentemente do conteúdo, quando contidos num envelope ou embalagem semelhante;

- comunicações escritas com endereço, incluindo bilhetes postais, com um conteúdo individualizado.

2. O direito exclusivo não abrange, contudo, o transporte por correio de catálogos, brochuras, jornais e outros envios com endereço, de conteúdo impresso uniforme, contidos em embalagens transparentes.

3. O Estado tem também o direito exclusivo de transporte por correio no território dinamarquês de cartas com endereço enviadas por remetentes da Dinamarca para o estrangeiro ou do estrangeiro para destinatários na Dinamarca.

4. O ministro dos Transportes pode estabelecer disposições sobre a limitação ou cessação do direito exclusivo de transporte por correio no território dinamarquês de cartas com endereço enviadas por remetentes da Dinamarca para o estrangeiro.

5. O direito exclusivo de transporte por correio de cartas com endereço inclui a recolha, o transporte e a distribuição das mesmas.

6. O ministro estabelece regras sobre os limites de peso e de preço e sobre as dimensões dos envios referidos nos n.os 1 e 3.

7. O correio diplomático não está abrangido pelo direito exclusivo."

10 O direito exclusivo e a obrigação de transporte do Estado foram transferidos para a Post Danmark por meio de concessão, nos termos do título 3 da lei.

11 O presente processo diz respeito aos "envios à cobrança". Segundo o despacho de reenvio, entende-se por "envios à cobrança" os envios em que os serviços postais, para além de efectuarem o envio propriamente dito por conta do remetente, cobram a retribuição devida a este pelo conteúdo da carta ou da encomenda, como condição para a entrega da carta ou da encomenda ao destinatário, e procedem à transferência da retribuição para o remetente.

12 Por decisão interlocutória de 1 de Junho de 2001 proferida no presente processo, o Østre Landsret declarou que os envios de cartas e encomendas à cobrança nos termos da legislação dinamarquesa sobre os serviços postais devem ser considerados uma prestação única. Declarou ainda que a Post Danmark não tinha obrigação de transportar tais cartas e encomendas. Nessa decisão foi igualmente declarado que, nos termos da legislação postal dinamarquesa, a Post Danmark não tinha o direito exclusivo em matéria de expedição de cartas e encomendas à cobrança, dado que o direito exclusivo devia considerar-se limitado às prestações de serviços com obrigação de transporte.

13 Chego assim às disposições da legislação dinamarquesa do IVA relativas às prestações efectuadas pelos serviços postais. Pela lei n.º 442 de 10 de Junho de 1997, que alterou nomeadamente a lei do IVA, o § 13, n.º 1, intróito e ponto 13 desta última lei passou a ter a seguinte redacção:

"São isentos de imposto os seguintes bens e serviços: [...]

13) a recolha e distribuição de cartas, encomendas, jornais e publicações diárias, semanais e mensais endereçadas. A isenção abrange também o transporte de cartas e encomendas que forem enviadas registadas ou com valor declarado."

14 O preâmbulo da proposta de lei que altera a legislação sobre o IVA diz o seguinte, a propósito dos envios à cobrança: "Em virtude das alterações introduzidas por via administrativa nos termos da legislação postal, estes envios são tratados desde 1 de Julho de 1996 como um envio único que não está abrangido pela obrigação de transporte. Todavia, o texto da lei do IVA não fornece base suficiente para que o envio de cartas e encomendas à cobrança fique sujeito a IVA na sua totalidade. Com a redacção alterada, estes envios ficarão plenamente abrangidos pela obrigação de imposto e, ao mesmo tempo, atinge-se um paralelismo integral entre a isenção de IVA e a obrigação de transporte da Post Danmark, nos termos da lei n.º 89 de 8 de Fevereiro de 1995 sobre os serviços postais."

15 Desta forma, desde 1 de Julho de 1996 que tem sido cobrado IVA sobre o valor total do serviço consistente no envio pela Post Danmark de cartas e encomendas à cobrança, enquanto o envio de cartas e encomendas semelhantes sem cobrança continua isento de IVA.

16 A partir de 1 de Janeiro de 2002, o envio de encomendas entre empresas - enquanto serviço especial - ficou isento da obrigação de transporte. Consequentemente, optou-se por considerar este serviço sujeito a IVA.

III - Matéria de facto e enquadramento processual

17 Na Dinamarca, os serviços públicos postais estão organizados como uma empresa pública autónoma sob a denominação Post Danmark. A Post Danmark trata, entre outras coisas, do envio de cartas e encomendas à cobrança. A Post Danmark tem cerca de 1 100 estações de correios públicas espalhadas por todo o país, exploradas pela própria empresa ou em conjunto com comerciantes locais (designadamente correspondentes postais). Uma parte significativa dos envios à cobrança a particulares é, na prática, levantada na estação dos correios, por o destinatário não se encontrar em casa quando o envio é distribuído.

18 Apesar de a Post Danmark prestar serviços de encomendas e de expedição de cartas volumosas (acima de 250 gramas) em concorrência com outras empresas postais, desde há muitos anos que tem sido e continua a ser na realidade a única prestadora de serviços de envios à cobrança em grande quantidade para as casas particulares (Business to consumer).

19 A Post Danmark oferece, no sector dos envios de encomendas a particulares, um produto designado por "Privatpakker", que são embalagens oferecidas para o envio a destinatários particulares nos termos dum contrato comercial entre a Post Danmark e empresas, incluindo associados da Dansk Postordreforening. A Post Danmark oferece também o produto "Postpakker", que designa as embalagens normais à venda nas estações de correios e se destina a envios tipicamente particulares.

20 Nos termos da lei dinamarquesa, a Post Danmark tem uma obrigação de transporte relativamente a uma carta, uma Privatpakke ou uma Postpakke enviada sem ser à cobrança. Além disso, estes envios são isentos de IVA. Ao invés, no caso de uma carta, uma Privatpakke ou uma Postpakke serem enviadas à cobrança, não existe obrigação de transporte e a prestação está sujeita a IVA.

21 A recorrente no processo principal é, segundo o despacho de reenvio, uma associação cujos associados são constituídos por um grande número de empresas de venda por correspondência na Dinamarca. A finalidade da associação é, designadamente, proteger os interesses dos seus associados nas suas relações com a Post Danmark, a Tele Danmark, outros parceiros sociais, autoridades públicas, organizações profissionais e público em geral. Os seus associados servem-se, designadamente, dos envios à cobrança para a remessa aos consumidores particulares dos produtos encomendados.

22 A acção do processo principal foi proposta em 3 de Maio de 1999 e incide sobre a questão de saber se e, em caso afirmativo, em que medida o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva IVA se opõe a que um Estado-Membro cobre IVA sobre os envios a particulares de cartas e encomendas à cobrança pelos serviços públicos postais.

23 Em seguida, o Østre Landsret, por despacho de 1 de Maio de 2002, que deu entrada na secretaria do Tribunal de Justiça a 6 de Maio de 2002, solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse a título prejudicial sobre as seguintes questões:

"1. O artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva IVA (Directiva 77/388/CEE do Conselho) deve ser interpretado no sentido de que:

i) um Estado-Membro tem o direito de cobrar IVA sobre os envios pelos serviços públicos postais da cartas e encomendas à cobrança a particulares, quando a legislação nacional do Estado-Membro tenha abolido o direito exclusivo e a obrigação de transporte relativamente a esses envios; ou

ii) um Estado-Membro tem a obrigação de se abster de cobrar IVA sobre esses envios?

2. No caso de nem a questão 1.i) nem a questão 1.ii) obterem uma resposta afirmativa unívoca, com base em que critérios deverá então decidir-se se um Estado-Membro, nas circunstâncias descritas na questão 1.i) tem o direito de cobrar IVA sobre os envios a particulares de cartas e encomendas à cobrança ou a obrigação de se abster de cobrar IVA sobre esses envios?"

24 No presente processo, foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pela recorrente e pelo recorrido no processo principal, bem como pela Comissão e pelo Governo italiano. Não houve audiência.

IV - Análise do direito comunitário relevante

A - Conteúdo da Sexta Directiva, em especial do artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a)

25 A regra principal da Sexta Directiva é a de que o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo (artigo 2.º). O título X, a que pertence o artigo 13.º, prevê, nomeadamente, a isenção de IVA de determinadas categorias de actos. Uma isenção prevista na Sexta Directiva constitui uma derrogação à regra principal do artigo 2.º da Sexta Directiva. Só pode ser compatível com o direito comunitário se for expressamente admitida pelas disposições desta directiva.

26 O artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a) prevê a isenção de IVA das prestações de serviços e das entregas de bens acessórias das referidas prestações efectuadas pelos serviços públicos postais, com excepção dos transportes de passageiros e das telecomunicações. O artigo tem uma redacção muito abrangente e a directiva não precisa o que se entende por "serviços públicos postais" nem por "prestações efectuadas" na acepção deste artigo.

27 Por conseguinte, o Tribunal de Justiça tem igualmente de determinar que prestações de serviços efectuadas pelos serviços públicos postais são abrangidas pela isenção de IVA prevista no artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a). A jurisprudência relativa à Sexta Directiva, em particular ao artigo 13.º, A), demonstra, desde logo pela sua abundância, que, não obstante a natureza circunstanciada da directiva, o âmbito de aplicação das excepções não é evidente. A jurisprudência do Tribunal de Justiça oferece um fio condutor para a determinação do conteúdo e do alcance dos conceitos utilizados no artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva.

28 Gostaria de efectuar uma observação preliminar. As isenções previstas no artigo 13.º da Sexta Directiva são aplicáveis a actividades económicas que prosseguem determinados objectivos. Porém, a descrição destas actividades nem sempre é feita com base em conceitos puramente materiais ou funcionais. A maioria das disposições [incluindo a excepção da alínea a)] indicam também quem pode praticar os actos isentos.

29 A terminologia utilizada para indicar as isenções do artigo 13.º deve ser interpretada em sentido estrito. A jurisprudência aponta quatro razões. Em primeiro lugar, o artigo 13.º não isenta de IVA todas as actividades de interesse geral, mas apenas as que enumera taxativamente (4). Em segundo lugar, uma interpretação restritiva é necessária por se tratar de uma excepção à regra geral segundo a qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo (5). Em terceiro lugar, as disposições devem ser interpretadas restritivamente pare promover a igualdade de tratamento fiscal. Assim se evitam distorções da concorrência (6). Em quarto lugar, importa ter presente o princípio da neutralidade fiscal.

30 Com este princípio, o legislador comunitário pretende garantir uma tributação fiscal absolutamente neutral de todas as actividades económicas, independentemente da finalidade ou do resultado das mesmas, desde que essas actividades estejam sujeitas ao IVA. Neste contexto, reveste importância o acórdão Gregg (7). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça faz uma interpretação ampla dos actos praticados por estabelecimentos ou organismos. O Tribunal de Justiça baseia-se, designadamente, no princípio da neutralidade fiscal. Os operadores económicos que efectuem as mesmas operações não podem ser tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA, em razão da sua forma jurídica.

31 Aliás, os dois princípios, igualdade de tratamento fiscal e neutralidade fiscal, apesar de serem equivalentes, utilizam-se em contextos diferentes. O primeiro é utilizado num contexto interestadual e o segundo num contexto nacional.

32 Segundo jurisprudência assente, as isenções são conceitos autónomos de direito comunitário que devem ser inseridos no quadro geral do sistema comum do IVA da Sexta Directiva e que têm como objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro (8).

33 O acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha, oferece uma definição de serviço postal. Resulta deste acórdão que o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva apenas é aplicável aos serviços públicos postais. O Tribunal de Justiça entende por serviço público fiscal um organismo de direito público ou um concessionário particular ao qual um Estado-Membro tenha confiado as actividades dos correios. As outra empresas comerciais estão isentas de IVA, ainda que as actividades que desenvolvem prossigam o mesmo objectivo (9).

34 Chamo a atenção para o facto de este acórdão ser anterior à Directiva Postal e às repercussões que esta teve no sector postal. Assim, o Tribunal de Justiça não pôde apreciar o conteúdo do conceito "serviço público postal" à luz do disposto nessa directiva. Voltarei a este ponto aquando da apreciação.

35 Existem grandes divergências entre os Estados-Membros quanto ao modo de aplicação do artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva. Na Alemanha, a isenção de IVA aplica-se aos envios até 2000 gramas, incluindo os envios à cobrança. Na Áustria, são isentos de IVA os serviços universais até 2 kg e as encomendas até 20 kg. Estes serviços são prestados pela Österreichische Post Aktiengesellschaft. Nos termos da lei austríaca, os envios à cobrança são considerados serviço universal e isentos de IVA. Na Bélgica e em França, as prestações efectuadas pelo serviço público postal são isentas de IVA; os envios à cobrança também são abrangidos. Na Finlândia e na Suécia, pelo contrário, todos os serviços postais estão sujeitos ao IVA.

B - Conteúdo da Directiva Postal

36 A Directiva Postal contém, entre outras, disposições relativas à dimensão mínima do serviço universal e à dimensão máxima do sector reservado, às condições para a prestação de serviços não reservados e para o acesso à rede postal, aos princípios tarifários, à transparência das contas, à qualidade da prestação de serviços e à harmonização das normas técnicas. Estas disposições, que fixam sobretudo princípios e fronteiras, criaram um quadro comunitário a que os Estados-Membros tiveram de se adaptar.

37 A Directiva Postal tem como principais objectivos a melhoria da qualidade dos serviços postais europeus e a realização do mercado interno dos serviços postais. Os pontos de partida mais importantes são a abertura gradual e controlada do mercado à concorrência e a garantia da prestação de um serviço postal universal em toda a União Europeia que satisfaça exigências mínimas.

38 Resulta dos considerandos décimo primeiro e décimo segundo da Directiva Postal que o serviço postal universal implica um pacote mínimo de serviços de qualidade claramente definida que deve ser oferecido a todos os utilizadores. Mesmo aqueles que residem em áreas remotas devem ter a possibilidade de enviar e de receber correio pelo menos cinco dias por semana.

39 Os Estados-Membros podem reservar determinados serviços ao prestador ou prestadores do serviço universal, na medida em que isso seja necessário à manutenção do serviço universal. Estes serviços reservados podem consistir em direitos exclusivos ou especiais. Direitos exclusivos são direitos que são concedidos por um Estado-Membro com o objectivo de reservar a prestação de serviços postais a uma empresa com o objectivo de reservar a prestação de um serviço postal ou o exercício de uma actividade, por meio de qualquer instrumento legislativo, regulamentar ou administrativo, num determinado espaço geográfico. Os direitos especiais são direitos que são concedidos por um Estado-Membro a um número limitado de empresas, por meio de qualquer instrumento legislativo, regulamentar ou administrativo, num determinado espaço geográfico, e que, nomeadamente, podem limitar a dois ou mais o número de empresas autorizadas a prestar um serviço (10).

40 O artigo 7.º da Directiva Postal fixa alguns limites aos serviços que podem ser reservados pelos Estados-Membros. Só é permitida a reserva dos serviços correspondentes a determinada categoria de preço e de peso. A troca de documentos não pode, naturalmente, ser reservada (11).

41 Para que fique claro, cumpre observar que não tem de haver uma coincidência entre serviços universais e serviços reservados. Só uma pequena categoria dos serviços universais pode ser reservada a um ou vários prestadores através de direitos exclusivos ou especiais. Se um serviço não puder ser reservado mas pertencer ao serviço universal, um Estado-Membro pode conceder licenças individuais a uma empresa. A esta são assim concedidos direitos específicos e as suas actividades ficam subordinadas a obrigações específicas. Mas nem por isso a empresa adquire uma posição no mercado que a distinga das outras empresas; o número de empresas susceptíveis de obterem uma licença não pode ser limitado.

42 No caso de um serviço que não pode ser reservado nem pertence aos serviços universais, o Estado-Membro pode adoptar normas gerais que garantam requisitos essenciais. Requisitos essenciais são as razões de interesse geral e de natureza não económica que podem levar um Estado-Membro a impor condições à prestação de serviços postais. Essas razões são a confidencialidade da correspondência e a segurança da rede no sector do transporte de substâncias perigosas. A directiva prevê uma harmonização parcial, com base nestas normas.

43 Esta harmonização parcial confere aos Estados-Membros uma competência limitada para manterem em vigor medidas susceptíveis de distorcer a concorrência. Os Estados-Membros podem efectuar uma distinção entre os prestadores de serviços postais através da atribuição de direitos exclusivos ou especiais a um ou mais prestadores. O facto de determinados serviços poderem ser reservados cria inevitavelmente entraves à sua prestação por parte de outras empresas estabelecidas no Estado-Membro em causa e de empresas estabelecidas noutros Estados-Membros.

44 Aliás, os Estados-Membros são livres de manter em vigor ou introduzir medidas mais liberais do que as previstas na Directiva Postal. Tais medidas devem ser compatíveis com o Tratado CE.

V - Observações das partes

45 Reproduzem-se, em seguida, as observações das partes com relevo para o presente processo.

46 O Skatteministeriet sustentou, nas suas observações, que para determinar quais os serviços isentos se deve atender ao disposto no intróito do artigo 13.º, A), n.º 1. Assim é legítimo a um Estado-Membro apreciar se as prestações efectuadas pelos serviços postais nacionais são de "interesse geral". Os serviços que resistam a essa apreciação são isentos de IVA nos termos do artigo 13.º, A, n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva. As prestações universais efectuadas pelos serviços postais nacionais são de interesse geral, ao passo que as prestações efectuadas por serviços postais nacionais numa base facultativa e, portanto, em princípio, em livre concorrência com outras empresas actual ou potencialmente existentes não podem, de acordo com o Skatteministeriet, ser abrangidas pela isenção de IVA.

47 Neste contexto, o Skatteministeriet sublinha que, se existisse isenção de IVA a favor dos serviços postais nacionais relativamente às prestações efectuadas em livre concorrência com outros actuais ou potenciais prestadores de serviços semelhantes, verificar-se-ia uma distorção da concorrência contrária ao princípio consagrado no artigo 4.º, n.º 5, da Sexta Directiva. Nos termos deste artigo, os organismos públicos devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exercem, desde que a não sujeição a imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

48 Acresce que o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado à luz da significativa liberalização que se verificou no sector dos serviços postais desde a aprovação da Sexta Directiva. A finalidade da disposição nunca foi isentar as prestações efectuadas por serviços postais nacionais em livre concorrência com actividades comerciais gerais no âmbito, por exemplo, dos serviços de correio expresso ou de encomendas. Deve considerar-se que a disposição foi introduzida precisamente tendo em vista os serviços postais obrigatórios, de interesse geral para os cidadãos dos Estados-Membros.

49 Resumindo, o Skatteministeriet conclui que só as prestações de serviços universais são abrangidas pela isenção do artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva. As prestações efectuadas em livre concorrência com actividades comerciais gerais, como os envios de cartas e encomendas à cobrança, não são abrangidas pela isenção.

50 A Comissão defende a mesma opinião que o Skatteministeriet. Os envios à cobrança não podem ser isentos de IVA. No entanto, segue outro raciocínio para chegar a esta conclusão.

51 Uma vez que há vários conceitos na Sexta Directiva que esta não define, é necessário recorrer a outras disposições para a interpretação dos mesmos (12). A Comissão interpreta os conceitos à luz da Directiva Postal.

52 Com base no facto de a Directiva Postal prever um pacote mínimo de serviços (universais), que os Estados-Membros são obrigados a oferecer a todos os utilizadores, a Comissão conclui que estes serviços são prestados no interesse geral. A Comissão sublinha que os Estados-Membros têm o direito de reservar determinados serviços. Não se trata de uma obrigação. Se um serviço postal, apesar de não ser reservado a um prestador, beneficiar de isenção de IVA, existe uma discriminação fiscal entre diferentes prestadores de serviços. O princípio da neutralidade fiscal é ameaçado pelo facto de um serviço postal não ser reservado e de, no entanto, determinados prestadores de serviços gozarem de um tratamento fiscal diferente. Por conseguinte, a Comissão também considera que um serviço deve ser isento apenas no caso de ter uma natureza reservada. O princípio da neutralidade fiscal é assim salvaguardado.

53 Uma vez que os Estados-Membros são livres de manter em vigor ou de introduzir medidas mais liberais do que as previstas na Directiva Postal, o âmbito de aplicação da isenção pode variar consoante o Estado-Membro. Porém, a Comissão entende que isto não constitui um problema, já que essa possibilidade se encontra expressamente prevista na directiva.

54 A Comissão conclui que o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado do seguinte modo. Os Estados-Membros são obrigados a isentar de IVA os serviços postais que se encontrem reservados. Na Dinamarca, os envios de cartas e encomendas à cobrança não são reservados pelo Estado-Membro, pelo que não podem ser isentos de IVA.

55 A Dansk Postordreforening não partilha a opinião do Skatteministeriet e da Comissão. Em seu entender, o intróito do artigo 13.º, A): "Isenções em beneficio de certas actividades de interesse geral", é irrelevante para a interpretação do artigo 13.º, A), n.º 1. Com efeito, o título e o corpo da disposição só podem ser interpretados no sentido de que o legislador encara as prestações efectuadas pelo serviço postal como sendo de interesse geral. As prestações oferecidas pelo serviço postal não podem, pois, ser distinguidas consoante sejam ou não de interesse geral. Os conceitos "interesse geral" e "prestações de serviços efectuadas pelos serviços públicos" do artigo 13.º, A), da Sexta Directiva são conceitos de direito comunitário que um Estado-Membro individual não pode arbitrariamente restringir.

56 A Dansk Postordreforening também não concorda com a posição defendida pelo Skatteministeriet de que é legítimo aos Estado-Membro apreciarem se as prestações efectuadas pelos serviços postais nacionais são de "interesse geral". Segundo a Dansk Postordreforening, os Estados-Membros apenas podem tomar medidas destinadas a evitar a fraude, a evasão e o abuso.

57 A Dansk Postordreforening considera ainda que é contrário à letra da Sexta Directiva efectuar uma distinção entre serviços universais e serviços prestados numa base voluntária. Pode argumentar-se que as disposições não têm em vista todos os serviços postais, mas apenas os serviços postais clássicos. Porém, semelhante interpretação ignora a formulação clara da norma, que apenas prevê uma excepção relativamente ao transporte de passageiros e às telecomunicações.

58 A Dansk Postordreforening identifica ainda duas razões especiais para que o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva não possa ser interpretado restritivamente:

- No artigo 13.º, A), n.º 2, são excluídas de isenção determinadas prestações de serviços e entregas de bens. Contudo, o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), não é aí referido. Com base neste facto, a Dansk Postordreforening conclui, a contrario, que não há razões para interpretar restritivamente o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a).

- O artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva tem por finalidade melhorar o funcionamento dos serviços postais e tornar os envios postais mais baratos. A sujeição a IVA das cartas e encomendas à cobrança seria contrária a essa finalidade. Por conseguinte, não há motivos para interpretar restritivamente a disposição no sentido de determinados envios postais poderem ser onerados com IVA.

59 De acordo com a Dansk Postordreforening, o interesse de evitar distorções da concorrência tão-pouco pode tornar legítima, nos termos da Sexta Directiva, a sujeição a IVA das prestações de serviços em causa no que se refere aos envios a particulares. O legislador comunitário fez prevalecer o objectivo da melhoria do funcionamento dos serviços postais sobre o objectivo de evitar distorções da concorrência. Apesar de a concorrência no mercado dos serviços postais ser cada vez maior desde que a Sexta Directiva entrou em vigor, isto não é motivo suficiente para que o Tribunal de Justiça interprete a disposição de outra forma. Cabe ao Conselho e ao Parlamento decidirem se as mudanças verificadas no mercado justificam uma alteração da Sexta Directiva.

60 À semelhança da Dansk Postordreforening, o Governo italiano considera que os envios à cobrança devem ser isentos de IVA. Contudo, essa isenção deve abranger apenas o montante correspondente ao preço de custo do serviço público postal. Se um prestador de direito privado também prestar estes serviços, o IVA só deve incidir sobre o montante que exceder o preço de custo do serviço público postal. Esta interpretação é conforme com o objectivo da Sexta Directiva.

VI - Apreciação A - Introdução

61 O artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva é uma das excepções à regra principal segundo a qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo. O artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a) impõe a todos os Estados-Membros a obrigação de isentarem as prestações de serviços efectuadas pelos serviços públicos postais (13). Se uma operação for abrangida pelo âmbito de aplicação de uma excepção, os Estados-Membros são obrigados a aplicarem a excepção.

62 O n.º 2, do artigo 13.º, A), que confere aos Estados-Membros competência para restringirem determinadas isenções, é irrelevante no presente processo, uma vez que não remete para o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva. A enumeração do n.º 2 tem uma natureza taxativa.

63 Por conseguinte, deve analisar-se apenas a letra do artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), propriamente dito. Na minha opinião, o intróito do artigo 13., A), não tem um significado autónomo. O cabeçalho de um artigo não pertence à parte dispositiva de uma regulamentação. Tal como o título da regulamentação ou de parte desta, o título (cabeçalho) de um artigo descreve o objecto do que se segue. Um título possui uma natureza informativa. Contudo, é possível inferir do título de uma disposição a intenção que animou o legislador. Nesse sentido, o título pode ser importante para a apreciação do Tribunal de Justiça. É assim que interpreto também o conceito "interesse geral" constante do título do artigo 13.º, A). O conceito não encerra qualquer restrição directa, mas determina a interpretação a dar às isenções previstas no artigo 13.º (14). Neste caso, o cabeçalho apenas significa que, tratando-se de uma prestação efectuada por um serviço público postal, está implícito o interesse geral.

64 Uma vez assente que o intróito não possui um significado autónomo, cumpre analisar o conteúdo do artigo propriamente dito. O artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva formula dois critérios, a saber, "prestações de serviços efectuadas" e "serviços públicos postais". O primeiro conceito é muito abrangente e inclui todas as prestações efectuadas pelos serviços públicos postais. A restrição reside pois no segundo critério, "serviços públicos postais".

65 Resulta da jurisprudência relativa à Sexta Directiva que a terminologia utilizada para indicar as isenções do artigo 13.º deve ser interpretada em sentido estrito. Existem quatro razões para que assim seja. Em primeiro lugar, o artigo 13.º não isenta do IVA todas as actividades de interesse geral, mas apenas as aí enumeradas e pormenorizadamente descritas (15). Em segundo lugar, é necessária uma interpretação restritiva uma vez que se trata de uma excepção à regra principal segundo a qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo (16). Em terceiro lugar, as disposições devem ser interpretadas restritivamente a fim de promover a igualdade de tratamento fiscal. Assim se evitam distorções da concorrência (17). Em quarto lugar, importa não esquecer o princípio da neutralidade fiscal (18).

B - Serviços reservados

66 Considero que o acórdão Comissão/Alemanha de 1985, que oferece uma definição do conceito de serviço público postal, é o ponto de partida para chegar ao conteúdo do conceito, mas nem por isso responde às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio (19). Com efeito, o conceito "serviço público postal" também deve ser encarado à luz da Directiva Postal de 1997. Esta directiva entrou em vigor depois da Sexta Directiva e com ela se deu início à abertura do mercado postal e foram impostas aos Estados-Membros normas mínimas harmonizadas em matéria de prestação de serviços universais. A partir desse momento, o sector postal sofreu alterações significativas e foi parcialmente liberalizado.

67 A Directiva Postal impõe aos Estados-Membros a obrigação de assegurarem o serviço universal por forma a que cada utilizador possa beneficiar de uma prestação de serviços de elevada qualidade. Os Estados-Membros têm competência para reservar determinados serviços a um ou mais operadores. Essa competência é-lhes conferida para que estes prestem o serviço universal.

68 Os Estados-Membros dispõem, para o efeito, de uma amplo poder discricionário. Não só podem determinar a dimensão dos serviços reservados - dentro das fronteiras traçadas pela directiva -, como são livres de determinar os beneficiários dessa reserva. Pode tratar-se de um serviço público, mas também de uma empresa comercial. Acresce que os serviços postais podem ser reservados a mais de um serviço ou empresa.

69 O conteúdo do conceito de serviço público ("service public") pode deduzir-se do acórdão França, Itália e Reino Unido/Comissão. Nos termos deste acórdão, um serviço público é qualquer serviço através do qual os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinam (20). No que diz respeito aos correios, estavam em causa as tradicionais empresas postais (públicas) dos Estados-Membros, independentemente de serem de direito público ou de direito privado.

70 Contudo, a natureza da prestação de serviços públicos - no sector postal, mas também noutros sectores - sofreu profundas modificações a partir deste acórdão. Já não são organismos do próprio Estado ou em que o Estado participa que garantem a prestação dos serviços públicos. Estes serviços também podem ser prestados por empresas de direito privado, com fins puramente comerciais. A questão de saber se um serviço é público já não depende da influência que o Estado exerce na empresa propriamente dita, mas da influência do Estado nas actividades da empresa. Por outras palavras, embora a prestação de um serviço público seja garantida pelo Estado, o serviço não tem de ser prestado pelo próprio Estado ou por intermédio de uma empresa ligada ao Estado.

71 Importa evocar aqui o artigo 86.º, n.º 1, CE. O conceito de serviço público não se circunscreve a uma empresa pública na acepção desta norma, abrange igualmente as empresas às quais o Estado confere direitos especiais ou exclusivos. Estes direitos são necessários ao cumprimento da missão pública particular que é confiada a essas empresas.

72 Volto assim à Directiva Postal. Conforme afirmei anteriormente, os serviços pertencentes ao serviço universal também podem ser reservados a empresas que prossigam finalidades puramente comerciais. Estas empresas adquirem assim não só o direito de prestarem o serviço, como a obrigação de recolherem e distribuírem o correio nos termos da directiva. O cidadão tem o direito de exigir-lhes a prestação do serviço.

73 A questão que se coloca agora é a de saber se estas empresas comerciais adquirem, concomitantemente, a natureza de serviços públicos postais na acepção da Sexta Directiva. Tendo em conta o exposto, esta pergunta não pode deixar de ser respondida afirmativamente. Com efeito, as empresas em causa são incumbidas de determinada missão com base no direito público. O seu direito exclusivo (eventualmente partilhado) para a prestação desses serviços está directamente relacionado com a missão pública que devem levar a cabo. Por outro lado, é indiferente, para o desempenho da missão, quem está onerado com esse desempenho. A este propósito, cumpre referir o princípio da neutralidade fiscal, por força do qual as empresas que realizam as mesmas operações não podem ser tratadas diferentemente em matéria de cobrança do IVA (21). Como argumento adicional, refiro ainda que os Estados-Membros são livres de confiar a execução - de parte - do serviço universal em simultâneo a um serviço público e a uma empresa comercial. Por conseguinte, não faz sentido falar em desigualdade de tratamento fiscal.

74 Outro entendimento seria, aliás, contrário ao objectivo e ao alcance da Directiva Postal e da isenção do IVA. Com efeito, a prestação do serviço universal e, em especial, do serviço reservado deve ser o menos restringida possível. A isenção perderia todo o sentido se, num Estado-Membro, a obrigação de transporte deixasse de ser assegurada por uma empresa pública na acepção do acórdão França, Itália e Reino Unido/Comissão (22). Um dos objectivos da Directiva Postal é, precisamente, a liberalização do sector postal. Também os serviços reservados deveriam, tanto quanto possível, ser confiados a empresas comerciais. É evidente que um tratamento fiscal mais desfavorável das empresas comerciais face aos serviços público não promove a liberalização.

75 A isenção prevista no artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), visa precisamente dar às referidas actividades, no interesse geral, um tratamento mais favorável. Não seria oportuno cobrar IVA sobre estes serviços. A tributação do IVA teria um efeito restritivo. O serviço postal (estadual) clássico, que existia antes da entrada em vigor da Directiva Postal, é substituído pela empresa que presta serviços reservados. Graças à Directiva Postal e à liberalização do sector postal daí resultante, o conceito "serviço público postal" da Sexta Directiva adquiriu outro significado.

76 Resumindo, uma empresa à qual seja reservado um serviço postal, em conformidade com a Directiva Postal, deve ser qualificada de "serviço público postal" na acepção do artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva, pelo menos no que diz respeito à prestação dos serviços reservados. Nem a forma jurídica nem o objectivo prosseguido assumem aqui qualquer importância.

77 Significa isto que mais prestadores de serviços podem beneficiar da isenção de IVA, designadamente na hipótese de um Estado-Membro conceder direitos especiais a mais prestadores. É certo que isto contraria a linha seguida no acórdão Comissão/Alemanha, nos termos do qual o artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva apenas é aplicável a um organismo de direito público ou a um concessionário particular ao qual o Estado-Membro tenha confiado as actividades postais (23). Porém, conforme referido, este acórdão é anterior à aprovação da Directiva Postal, pelo que a concretização do conceito "serviço postal" efectuada pelo Tribunal de Justiça não pôde ter em conta os desenvolvimentos mais recentes do sector postal.

78 Outra consequência do entendimento de que os serviços reservados são isentos de IVA é o aparecimento de diferenças entre os Estados-Membros no domínio da isenção de IVA. Contudo, estas diferenças são inevitáveis, já que a Directiva Postal confere aos Estados-Membros a possibilidade de reservarem determinados serviços, mas simultaneamente permitir-lhes determinar, dentro dos limites impostos, quais os serviços abrangidos.

C - Serviços não reservados

79 Cumpre agora analisar os serviços que não são reservados mas que pertencem ao serviço universal. O Estado-Membro deve garantir que também estes serviços são disponibilizados a preços acessíveis, conforme decorre do artigo 3.º da Directiva Postal. Porém, ao contrário do que acontece com os serviços reservados, a sua prestação não é garantida mediante a atribuição exclusiva a uma ou mais empresas. A execução desta missão é deixada aos operadores de mercado, em condições normais de concorrência. Uma das consequências da Directiva Postal foi assim a liberalização desta parte do sector postal. Os Estados-Membros só podem conceder licenças individuais que confiram determinados direitos e em que a empresa fique sujeita a obrigações específicas. Uma vez que estes serviços não são reservados mediante a atribuição de direitos, podem entrar neste mercado novas empresas. As novas empresas oferecem serviços complementares, como o transporte mais rápido do correio. Estes serviços não são de natureza pública, mas sim actividades comerciais que concorrem a nível dos preços, da qualidade e da diversidade dos serviços.

80 As licenças podem, naturalmente, impor determinadas condições acessórias de natureza pública, mas nem por isso estas empresas passam a desempenhar uma missão pública. Não são pois serviço público na acepção da Sexta Directiva.

81 A última categoria de serviços engloba os serviços que não podem ser reservados nem são serviços universais. Estes serviços constituem actividades comerciais exercidas em livre concorrência.

82 A partir do momento em que um serviço público postal também presta serviços não reservados, coloca-se logicamente a questão de saber se estes serviços também podem ser isentos de IVA. De acordo com a Sexta Directiva, as prestações efectuadas pelos serviços públicos postais são isentas. Considero que uma empresa só tem a natureza de serviço público postal relativamente aos serviços que presta no âmbito da sua missão pública. Esta missão pública resulta dos direitos exclusivos ou especiais que lhe foram outorgados. Resumindo, só quando executa os serviços reservados é que a empresa actua na qualidade de serviço público postal. Quanto aos outros serviços que presta, deve ser encarada como um operador económico normal, que concorre com os outros operadores económicos em igualdade de condições. Seria pois injusto isentá-la - e não aos seus concorrentes - de IVA. A fim de ser exaustivo, gostaria ainda de referir que as empresas postais também prestam frequentemente serviços que não se inscrevem no domínio da distribuição e da recolha de correio, por exemplo, a venda de artigos de escritório e de pacotes da Internet. A isenção de IVA em relação a este tipo de serviços está completamente fora de causa.

83 Se estes artigos fossem abrangidos pela isenção, verificar-se-ia concorrência desleal. Isto seria contrário à Directiva Postal e à Sexta Directiva. Com efeito, a Directiva Postal visa precisamente liberalizar a parte não reservada do mercado dos serviços postais. De acordo com a jurisprudência, a Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de evitar que o princípio da neutralidade fiscal seja violado, de modo a garantir uma tributação fiscal absolutamente neutra de todas as actividades económicas. Os operadores económicos que efectuem as mesmas operações não podem ser tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA em razão da sua forma jurídica.

84 Em que medida é que tudo isto se repercute no processo principal? A Post Danmark é um serviço público postal. Por força da lei dinamarquesa, algumas prestações de serviços estão reservadas à Post Danmark, mas isso não inclui os envios de cartas e de encomendas à cobrança. A lei prevê a isenção de IVA dos serviços reservados, o que está em conformidade com o disposto na Directiva Postal e na Sexta Directiva. Porém, os envios à cobrança não são reservados, pelo que não são abrangidos pela isenção de IVA.

VII - Conclusão

85 Com base no exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões colocadas pelo Østre Landsret:

"Um Estado-Membro tem o direito de cobrar IVA sobre os serviços que não estão reservados nos termos do artigo 7.º da Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço. O conceito "serviço público postal" na acepção do artigo 13.º, A), n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de abranger também as empresas que prosseguem finalidades comerciais, na medida em que lhes tenham sido reservados serviços nos termos do artigo 7.º da Directiva 97/67/CE."

(1) - JO L 145, p. 1; EE 9 F1, p. 54.

(2) - JO L 15, p. 14.

(3) - Lei n.º 89 de 8 de Fevereiro de 1995.

(4) - Acórdão de 12 de Novembro de 1998, Institute of the Motor Industry (C-149/97, Colect., p. I-7053, n.os 17 e 18).

(5) - Acórdão de 20 de Junho de 2002, Comissão/Alemanha (C-287/00, Colect., p. I-5811, n.os 30 a 43).

(6) - V. as conclusões que apresentei em 14 de Novembro de 2002 no processo Hoffmann (acórdão de 3 de Abril de 2003, C-144/00, Colect., p. I-0000).

(7) - Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Gregg (C-216/97, Colect., p. I-4947).

(8) - V., designadamente, acórdãos de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties (SUFA) (C-348/87, Colect., p. I-1737, n.º 11); de 25 de Fevereiro de 1999, CPP (C-349/96, Colect., p. I-973, n.º 15); e de 8 de Março de 2001, Skandia (C-240/99, Colect., p. I-1951, n.º 23).

(9) - Acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha (C-107/84, Recueil, p. 2655, n.º 17).

(10) - Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras de concorrência ao sector postal e à apreciação de certas medidas estatais referentes aos serviços postais (JO 1998, C 39, págs. 2 a 18).

(11) - A troca de documentos consiste na disponibilização de meios, incluindo o fornecimento de locais próprios e de transportes por terceiros, que permita a autodistribuição através de uma troca mútua de envios postais entre os utilizadores que subscrevam esse serviço.

(12) - Acórdão CPP, já referido na nota 9, n.º 18. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que nada autoriza uma interpretação diferente do termo «segurado» consoante figure no texto da directiva relativa ao seguro ou no da Sexta Directiva.

(13) - V. acórdão Comissão/Alemanha, já referido na nota 10, n.º 17.

(14) - V. as conclusões que apresentei em 14 de Novembro de 2002, já referidas na nota 7.

(15) - Acórdão de 12 de Novembro de 1998, Institute of the Motor Industry (C-149/97, Colect., p. I-7053, n.os 17 e 18).

(16) - Acórdão Comissão/Alemanha, já referido na nota 6, n.os 30 a 43.

(17) - V. as conclusões que apresentei no processo Hoffman, já referidas na nota 7.

(18) - V. acórdão Gregg, já referido na nota 8.

(19) - Acórdão Comissão/Alemanha, já referido na nota 10, n.º 17.

(20) - Acórdão de 6 de Julho de 1982 (C-188/80 a C-190/80, Recueil, p. I-2524, n.º 25).

(21) - Acórdão Gregg, já referido na nota 8.

(22) - Já referido na nota 20.

(23) - Acórdão Comissão/Alemanha, já referido na nota 10, n.º 17.