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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
ANTONIO TIZZANO
apresentadas em 11 de Novembro de 2004(1)


Processo C-25/03



Finanzamt Bergisch Gladbach
contra
HE


[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«IVA – Sexta Directiva 77/388/CEE – Imóvel destinado à habitação – Construção para aquisição em compropriedade pelos dois cônjuges – Utilização parcial por um dos cônjuges como escritório para fins profissionais – Sujeito passivo do imposto – Dedução eventual – Requisitos da factura»






1.        Por despacho de 29 de Agosto de 2002, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de Janeiro de 2003, o Bundesfinanzhof submeteu ao Tribunal quatro questões prejudiciais respeitantes à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva»)  (2) .

2.        O tribunal de reenvio pretende no essencial saber se e em que medida um sujeito passivo, que construiu e adquiriu juntamente com o cônjuge um imóvel destinado a habitação, pode deduzir do IVA de que é devedor o IVA pago pela aquisição ou pela construção da parte do imóvel que utiliza para o exercício da sua actividade profissional.

I – Enquadramento jurídico

A – Regulamentação comunitária

3.        No presente processo são a seguir reproduzidas determinadas disposições da Sexta Directiva que definem o sujeito passivo do IVA (artigo 4.°), o direito à dedução (artigo 17.°), assim como as disposições relativas ao exercício daquele direito (artigos 18.° e 22.°).

4.        O artigo 4.° dispõe:

«1.     Por ‘sujeito passivo’ entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

2.       As actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica.

[…]»

5.        No que se refere ao direito à dedução, o artigo 17.°, n.° 2, prevê:

«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a )O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo  (3) ,

[…]»

6.        Finalmente, no que se refere às disposições relativas ao exercício do direito à dedução, o artigo 18.° dispõe o seguinte:

«1.     Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve:

a )Relativamente à dedução prevista no n.° 2 , alínea a), do artigo 17.°, possuir uma factura emitida nos termos do n.° 3 do artigo 22.°;

[…]»

7.        Por seu turno, o artigo 22.° , n.° 3, precisa que:

«a )Os sujeitos passivos devem emitir uma factura ou um documento que a substitua, em relação à entrega de bens e às prestações de serviços que efectuem a outro sujeito passivo , e conservar um duplicado de todos os documentos emitidos.

[…]

b )A factura deve mencionar claramente o preço líquido de imposto e o imposto correspondente a cada taxa diferente e, se for o caso, a isenção;

c )Os Estados-Membros estabelecerão os critérios segundo os quais um documento pode servir de factura»  (4) .

B – Regulamentação nacional

8.        No que interessa para o presente, reproduzem-se a seguir os §§ 14 e 15 da Umsatzsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios, a seguir «UStG»), na versão aplicável nos anos de 1991 a 1993.

9.        O § 14, sob a epígrafe «Emissão das facturas», dispõe:

«Quando efectua entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis na acepção do § 1, n.° 1, pontos 1 e 3, o sujeito passivo pode e, desde que efectue estas operações a favor de outro sujeito passivo que tenha a qualidade de empresário, deve, a pedido deste último, emitir facturas das quais resulte claramente o montante do imposto. As facturas devem conter as seguintes indicações:

1.O nome e o endereço do sujeito passivo que efectua a entrega de bens ou a prestação de serviços;

2.O nome e o endereço do beneficiário da entrega de bens ou da prestação de serviços;

3.A quantidade e a designação comercial habitual dos bens entregues ou a natureza e extensão da prestação de serviços;

4.A data da entrega dos bens ou da prestação de serviços;

5.O preço da entrega de bens ou da prestação de serviços (§ 10) e

6.O montante do imposto relativo ao preço (ponto 5).

[…]» 5  –Tradução não oficial..

10.      A seguir, o § 15, sob a epígrafe «Dedução do imposto a montante», precisa que:

«O sujeito passivo pode deduzir como importâncias sujeitas a imposto a montante:

1.       O imposto indicado separadamente nas facturas nos termos do § 14, emitidas por outros sujeitos passivos por entregas de bens ou prestações de serviços efectuadas a favor da sua empresa. […]»  (6) .

II – Matéria de facto e tramitação processual

11.      O litígio no processo principal nasce da decisão do Finanzamt Bergisch Gladbach (a seguir «Finanzamt») de negar à HE (a seguir também «recorrente») a possibilidade de deduzir do IVA de que era devedor ao fisco o IVA pago pela construção da parte da sua casa, adquirida conjuntamente com a sua mulher, que destinou a escritório para fins profissionais.

12.      Do despacho de reenvio resulta que em finais de 1990 o casal HE adquiriu um terreno, cujas quotas de propriedade estavam repartidas da seguinte forma: um quarto para HE e três quartos para sua mulher.

13.      Posteriormente encarregaram diversas empresas da construção no terreno de um imóvel destinado a habitação. Segundo afirmou HE na audiência, a propriedade do referido imóvel está repartida entre ele e a sua mulher em quotas correspondentes à propriedade do terreno edificado, ou seja ¼ e ¾.

14.      Todas as facturas emitidas pelas empresas vinham em nome dos «cônjuges HE».

15.      Do despacho de reenvio resulta ainda que HE, paralelamente à sua actividade principal de trabalhador por conta de outrem, exerce também, a título acessório, a profissão liberal de escritor e que para o exercício desta última utilizava uma divisão da casa familiar. Dado que essa divisão abrangia 12% da área total da casa, nas declarações de IVA relativas aos anos de 1991 a 1993, HE deduziu do IVA devido uma soma correspondente a 12% do IVA pago para a construção da mesma casa.

16.      Porém, o Finanzamt recusou-se a admitir tais deduções uma vez que, em sua opinião, o comitente e destinatário da prestação de construção não era HE mas sim a comunhão formada pelos dois cônjuges, em nome dos quais as facturas eram emitidas. Segundo o Finanzamt, tal comunhão não desenvolvia por si qualquer actividade empresarial e não tinha portanto direito a qualquer dedução.

17.      HE recorreu desta decisão para o Finanzgericht.

18.      Dando provimento parcial ao recurso, o Finanzgericht, diversamente do Finanzamt, declarou ser irrelevante em nome de quem as facturas vinham passadas e considerou que HE era o verdadeiro destinatário da prestação de construção do escritório; reconheceu portanto ao recorrente o direito de deduzir uma parte do IVA pago em relação a essa prestação. Todavia, segundo o Finanzgericht, HE era proprietário do imóvel e, portanto, também do escritório no mesmo situado, apenas na proporção de um quarto. Assim, o montante da dedução não poderia ser fixado, como fora requerido por HE, em 12% do IVA pago pela construção da casa, mas apenas em um quarto desses 12%.

19.      Foi interposto recurso desta decisão, tanto pelo Finanzamt como por HE, para o Bundesfinanzhof, o qual é chamado e decidir entre estas duas teses diametralmente opostas.

20.      Com efeito, segundo o Finanzamt, na ausência de indicações diferentes na altura da contratação e, posteriormente, da emissão das facturas, só a comunhão constituída pelos cônjuges deve ser considerada, nos termos do § 15 da UStG, destinatária da prestação de construção da casa. Assim, um comproprietário não pode deduzir, nem sequer parcialmente, o IVA pago pela referida construção.

21.      Ao invés, segundo HE, ele tem direito à dedução; diversamente do que foi decidido em primeira instância, esse direito é além disso extensivo a todo o IVA pago pela construção do escritório, correspondente a 12% do IVA total. Com efeito, ele tem a fruição exclusiva daquela parte da casa e, portanto, deve ser considerado o único comitente da mesma.

22.      Por seu turno, o Bundesfinanzhof parece considerar que a lei nacional fornece uma solução para o referido problema. Com efeito, conforme a jurisprudência do mesmo Bundesfinanzhof:

         em caso de encomenda em conjunto de uma tarefa por dois ou mais sujeitos, ligados por uma relação de compropriedade, mas que não assumem a qualidade (fiscal) de sujeito jurídico autónomo (sociedade de pessoas ou de capitais) cada um dos comproprietários é considerado destinatário da prestação na proporção da sua quota, salvo acordo em contrário  (7) ;

         na altura dos factos da causa não existia qualquer limitação expressa à dedução fiscal da construção e do acto de mobilar uma «divisão que, embora pertencente à habitação, está separada do resto da área habitável e é utilizada exclusivamente ou quase para finalidades empresariais e/ou profissionais» (dito um escritório doméstico)  (8) ;

         em caso de aquisição em compropriedade de um bem, que é utilizado por um dos comproprietários para uma sua actividade empresarial própria, compete ao empresário a dedução do imposto pago a montante correspondente à sua quota na compropriedade  (9) .

         O facto de, como sucede no presente caso, as facturas serem passadas em nome dos cônjuges HE, não obsta à dedução dos impostos pagos a montante  (10) .

23.      Todavia, nutrindo dúvidas quanto à compatibilidade dessa solução com a interpretação da Sexta Directiva, o Bundesfinanzhof submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, as seguintes questões a título prejudicial:

«1.     Uma pessoa que adquire ou constrói uma casa, para habitação própria, está sujeita ao imposto, quando pretenda utilizar uma divisão do prédio como um chamado escritório doméstico para uma actividade independente paralela à sua actividade profissional?

Em caso de resposta afirmativa à questão n.° 1:

2.       A encomenda, em conjunto, de um bem de investimento no âmbito de um regime de comunhão legal ou voluntária que não exerce, per si , uma actividade comercial, pode ser considerada uma aquisição por quem não é sujeito passivo de imposto que não tem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre a aquisição, ou todos os comproprietários são os destinatários da prestação?

Se a questão n.° 2 obtiver uma resposta afirmativa:

3.       O direito à dedução do imposto, no caso de aquisição de um bem de investimento por cônjuges em compropriedade, quando o bem apenas é utilizado por um dos comproprietários para os seus fins empresariais, recai,

a) sobre este comproprietário, apenas pelo valor proporcional do montante do imposto pago a montante correspondente à sua quota, na qualidade de adquirente ou

b) o comproprietário tem direito, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 77/388/CEE, a deduzir o montante do imposto pago a montante correspondente à parte do bem por ele utilizada para fins empresariais (sem prejuízo dos requisitos das facturas referidos na questão n.° 4)?

4.       Para o exercício do direito à dedução, nos termos do artigo 18.° da Directiva 77/388/CEE, é necessário uma factura, na acepção do artigo 22.°, n.° 3, da Directiva 77/388/CEE, emitida apenas em nome daquele cônjuge/comproprietário contendo as partes do preço e do imposto correspondente à quota da compropriedade, ou é suficiente uma factura emitida em nome dos comproprietários/cônjuges, sem uma discriminação daquela natureza?»

24.      No processo instaurado no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas o recorrente, o Finanzamt e a Comissão. O recorrente e a Comissão foram depois ouvidos na audiência do Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2004.

III – Análise jurídica

25.      Como se viu, o tribunal nacional suscita quatro questões respeitantes à aquisição ou construção, por dois cônjuges, de um imóvel destinado a habitação utilizado em parte, por um deles, como escritório para o exercício da sua actividade profissional.

Posições das partes

26.      Em resposta a estas questões, o Finanzamt, remetendo sobretudo para as disposições fiscais nacionais, observa que em caso de aquisição ou de construção dum imóvel por dois ou mais sujeitos ligados por um vínculo de comunhão, mas que não assumem a qualidade de sujeito jurídico autónomo, um comproprietário só pode beneficiar do direito à dedução do IVA pago a montante se: i) na altura da celebração do contrato de compra e venda ou de empreitada tiver definido com precisão a parte do bem que reserva para a sua própria empresa; e se ii) relativamente a essa operação tiver sido emitida uma factura da qual resulte a parte do preço e do imposto a seu cargo. Com efeito, só desse modo se pode verificar se e em que medida um comproprietário é destinatário da operação tributável.

27.      De opinião diferente são, ao invés, o recorrente e a Comissão, os quais, por razões que exporei no decurso da minha análise, concluem, ao invés, no sentido de que:

–uma pessoa que compra e manda construir um imóvel destinado a habitação age na qualidade de sujeito passivo se utilizar uma divisão desse imóvel como escritório para a sua actividade profissional própria e destinar o referido escritório ao património da sua empresa;

–quando dois ou mais sujeitos ligados por vínculos de comunhão, que não dão lugar a um sujeito autónomo que exerça ele próprio uma actividade empresarial, adquirem um bem de investimento, todos os comproprietários devem ser considerados beneficiários da operação;

–em caso de aquisição em compropriedade por dois cônjuges de um bem de investimento utilizado para fins profissionais apenas por um deles, este último tem direito à dedução do IVA pago correspondente à parte do bem que utiliza para a sua empresa.

28.      Sobre este último ponto, as opiniões do recorrente e da Comissão divergem em parte. Com efeito, segundo a Comissão, o direito a deduzir o valor do IVA pago correspondente à parte do bem utilizado para fins profissionais está dependente da condição de o direito nacional permitir que o cônjuge que exerce a actividade sujeita a IVA disponha como proprietário de todo o bem de investimento. Se pelo contrário, continua a Comissão, a legislação interna dispõe diferentemente, o cônjuge em questão tem direito à dedução apenas relativamente a um valor correspondente à sua quota na compropriedade.

29.      Em contrapartida, o recorrente e a Comissão estão de acordo ao considerar que o direito à dedução não pode ser recusado ao cônjuge que exerce a actividade sujeita a imposto com fundamento em que este apenas possui uma factura passada em nome de ambos os cônjuges sem indicação do preço e do imposto correspondente à sua quota na comunhão.

Quanto à determinação em concreto do sujeito destinatário da prestação em caso de construção ou aquisição dum bem em compropriedade (segunda questão)

30.      Para responder ao tribunal de reenvio importa, em minha opinião, partir da segunda questão e, portanto, determinar antes de mais se, quando duas ou mais pessoas reunidas numa comunhão legal ou voluntária, que não exerce por si uma actividade de empresa, encomendam um bem de investimento, o destinatário da prestação pretendida é a própria comunhão ou o comproprietário.

31.      Como se viu, o Bundesfinanzhof esclareceu que, segundo a sua jurisprudência, em tal caso cada um dos comproprietários é considerado, na proporção da sua quota, destinatário da prestação, salvo acordo em contrário (v. supra n.° 22).

32.      Em minha opinião, esta solução não é contrária à Sexta Directiva e ao sistema comum por esta instituído.

33.      Com efeito, como se sabe, este sistema prevê que, em cada operação tributável, o IVA seja devido só após a prévia dedução do valor do imposto que onerou directamente o custo dos vários elementos constitutivos do preço dos bens e dos serviços. Por seu turno, o regime das deduções está concebido de modo a que só os sujeitos passivos sejam autorizados a deduzir, do IVA de que são devedores, o imposto ao qual já foram sujeitos a montante os bens e serviços.

34.      Situa-se neste contexto o artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva que define como sujeito passivo do IVA «qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade».

35.      Além disso, o artigo 17.° da Sexta Directiva determina que «o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível» e, no n.° 2, autoriza o sujeito passivo «desde que os bens e serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis» a deduzir «do imposto de que é devedor […] o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo».

36.      Das referidas características pode inferir-se que «o regime das deduções destina-se a isentar inteiramente o empresário do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas». O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, «a perfeita neutralidade da imposição fiscal relativamente a todas as actividades económicas, independentemente do fim ou do resultado dessas actividades, ainda que estas estejam sujeitas a IVA»  (11) .

37.      Posto isto parece-me que a Comissão tem razão ao retirar do que antecede a conclusão de que a comunhão constituída pelos cônjuges HE não pode ser considerada sujeito passivo de IVA, destinatário da prestação de construção do imóvel.

38.      Com efeito, conforme foi também esclarecido pelo tribunal de reenvio, aquela comunhão é destituída de personalidade jurídica e, não exercendo por si qualquer actividade económica independente, não constitui um sujeito passivo de IVA na acepção do artigo 4.°, n.° 1. Em consequência, do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado, não tem qualquer relevância autónoma e não se interpõe entre o prestador que efectua a obra de construção e os dois cônjuges, que devem portanto ser considerados os reais beneficiários da referida prestação.

39.      Esta solução, como sustentou com razão o recorrente, é além disso coerente com o princípio da neutralidade do IVA acima recordado. Com efeito, se fosse de considerar que o destinatário da prestação era a comunhão, que não tem personalidade jurídica e não é sujeito passivo e, portanto, não pode efectuar qualquer dedução, tal acabaria por privar o comproprietário que exerce uma actividade económica de qualquer possibilidade de efectuar a dedução prevista e onerá-lo-ia assim com o IVA pago no âmbito da sua actividade.

40.      Pelas razões acima expostas considero que quando duas ou mais pessoas reunidas numa comunhão legal ou voluntária, que não tem personalidade jurídica e não exerce por si uma actividade económica independente, encomendam um bem, os destinatários da prestação, nos termos da Sexta Directiva, são os comproprietários e não a comunhão.

Quanto à qualidade de sujeito passivo de um particular que constrói ou adquire um imóvel destinado a habitação, utilizando-o em parte para fins profissionais (primeira questão)

41.      Na primeira questão o tribunal de reenvio pergunta se um particular que constrói ou adquire um imóvel destinado a habitação age na qualidade de sujeito passivo no caso de pretender utilizar uma parte do imóvel como escritório para uma actividade profissional independente acessória.

42.      A este propósito recordo novamente que, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva, por sujeito passivo entende-se «qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar uma […] actividade[s] económica[s] […] independentemente do fim ou do resultado dessa actividade» e que o regime de deduções do IVA está concebido de modo a que só os sujeitos que revestem aquela qualidade «estão autorizados a deduzir do IVA de que são devedores o imposto sobre bens e serviços que já foram tributados a montante»  (12) .

43.      Recordo também, tal como a Comissão, que no processo Lennartz o Tribunal de Justiça esclareceu que «um particular que adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.°, actua na qualidade de sujeito passivo» e que para determinar se, num caso concreto, os bens foram adquiridos para os referidos fins se deve ter em conta «o conjunto dos dados do caso concreto, entre os quais a natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a sua aquisição e a respectiva utilização ao serviço das actividades económicas do sujeito passivo»  (13) .

44.      Ora, resulta do despacho de reenvio que no período controvertido (1991-1993) o recorrente desenvolveu, a título acessório, a actividade de escritor e que para o exercício desta, que é indubitavelmente uma actividade económica independente, utilizou, de modo exclusivo, desde a sua entrega, uma parte do imóvel adquirido conjuntamente com o seu cônjuge  (14) . Com base na jurisprudência acima citada e à luz da matéria de facto dada como provada pelo tribunal de reenvio, parece-me portanto que HE, quando adquiriu o imóvel, agiu na qualidade de sujeito passivo, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva.

45.      Por outro lado, nem se pode objectar que aquela qualidade não se verifica pelo facto de o recorrente ter utilizado o imóvel apenas em parte para a referida actividade.

46.      Com efeito, a Comissão e o recorrente recordaram que, segundo o Tribunal de Justiça, um sujeito passivo «que adquire um bem de investimento para o utilizar simultaneamente para fins profissionais e privados» pode optar por: i) tratar esse bem «como bens de empresa sobre os quais o IVA é, em princípio, integralmente dedutível»; ii) «mantê-lo inteiramente no seu património privado e, assim, exclui-lo completamente do sistema do IVA»; iii) ou ainda (como fez HE no caso presente) integrá-lo na sua empresa apenas no que se refere à parte que está afecta ao seu uso profissional  (15) .

47.      A opção que consiste em utilizar um bem apenas parcialmente para a sua actividade profissional não constitui portanto um elemento susceptível de retirar à pessoa que o adquire a qualidade de sujeito passivo. Pelo contrário, trata-se de uma possibilidade, reconhecida pelo sistema da Sexta Directiva aos sujeitos passivos precisamente para fazer com que estes, em conformidade com o princípio da neutralidade, só devam suportar «o encargo do imposto sobre o valor acrescentado quando este se referir a bens ou serviços que utiliza[m] para o seu consumo privado e não para as suas actividades profissionais tributáveis»  (16) .

48.      Pelas razões acima expostas, considero portanto que um sujeito, que exerce a título acessório uma actividade económica independente, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva, age na qualidade de sujeito passivo, quando constrói ou adquire um imóvel destinado a habitação, se destinar e utilizar uma parte do referido imóvel para o exercício da sua actividade.

Quanto ao alcance do direito à dedução (terceira questão)

49.      Com a terceira questão o tribunal de reenvio pretende saber se, em caso de aquisição de um bem em compropriedade por dois cônjuges, que em parte é utilizado por um dos comproprietários para o exercício da sua actividade independente, este último tem direito a uma dedução correspondente: i) ao imposto pago pela construção daquela parte do bem que utiliza [hipótese b) da terceira questão]; ii) ou a uma fracção, correspondente à sua quota na compropriedade, do imposto pago pela construção da parte do bem utilizado [hipótese a) da terceira questão].

50.      Julgo compreender que, se tivesse de aplicar a sua jurisprudência, o Bundesfinanzhof optaria por esta última solução e reconheceria, portanto, ao comproprietário uma dedução do imposto pago a montante correspondente à sua quota na comunhão. Isto implicaria evidentemente uma confirmação da decisão da primeira instância, na qual o Finanzgericht fixou o valor da dedução não em 12% do IVA pago pela construção da casa (ou seja, todo o IVA pago pela construção do escritório), mas apenas em um quarto daqueles 12%.

51.      A este propósito recordo novamente que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «um sujeito passivo que adquire um bem de investimento para o utilizar simultaneamente para fins profissionais e privados» tem três opções: i) «tratar [o referido bem] como bens da empresa sobre os quais o IVA é, em princípio integralmente dedutível»; ii) «mantê-lo inteiramente no seu património privado» caso em que «nenhuma parte do IVA (…) pago a montante sobre a aquisição do bem é (…) dedutível)»; iii) destiná-lo, como fez no caso presente o recorrente, à empresa apenas em parte, caso em que parece apropriado considerar que o direito à dedução previsto no artigo 17.°, n.° 2, alínea a), se aplica apenas à parte do bem destinada à empresa com base nas proporções de utilização profissional e de utilização privada do mesmo bem  (17) .

52.      Embora esta última solução, indicada no caso de um bem para utilização mista ser propriedade exclusiva do sujeito passivo, seja correcta, no caso diferente aqui em discussão, em que aquele é apenas comproprietário, parece-me razoável considerar que o sujeito passivo terá direito, como foi indicado pelo Bundesfinanzhof, a uma dedução correspondente à quota na compropriedade da parte do bem utilizado parcialmente pela empresa.

53.      Isto por duas razões. Em primeiro lugar, esta solução parece-me coerente com o princípio, já várias vezes citado, da neutralidade. Presume-se que o comproprietário paga o IVA apenas pro quota pela construção ou aquisição da parte do bem utilizado para fins profissionais. Assim, à luz do referido princípio, deve ser desonerado apenas pro quota do IVA pago por aquela parte do bem.

54.      No presente caso, HE declarou ser comproprietário do imóvel e, portanto, também da parte do mesmo utilizada (o escritório), apenas na proporção de ¼. Pode assim presumir-se que apenas pagou pro quota , ou seja, na proporção de ¼, o IVA liquidado relativamente à construção do escritório, e que os restantes ¾, foram pagos pelo seu cônjuge. Paralelamente, deveria ter pago pro quota (sempre ¼) o IVA liquidado relativamente à restante parte da casa utilizada para habitação.

55.      Assim sendo, considero então que, em conformidade com o princípio da neutralidade, o recorrente não pode deduzir todo o IVA pago ( por ele e pelo cônjuge ) relativamente ao escritório, mas apenas ¼ do mesmo. Caso contrário, com efeito, HE deduziria mais IVA do que o que efectivamente pagou pelo escritório e desta forma ficaria de facto isento de uma parte do IVA que tinha pago ao fisco, não na qualidade de pessoa exercendo uma actividade económica independente, mas como consumidor privado, relativamente à restante parte do imóvel destinado a habitação.

56.      Em segundo lugar, a solução em perspectiva parece-me coerente com o princípio da igualdade. Com efeito, se, de acordo com a jurisprudência, um sujeito que detém a propriedade exclusiva de um bem para uso misto, e que destina parcialmente o referido bem à sua empresa, pode deduzir o IVA pago pela sua aquisição (ou a sua construção) proporcionalmente à utilização profissional que dele faz, seria discriminatório acolher a mesma solução na situação diferente em que, como no presente caso, o sujeito é, ao invés, proprietário apenas na proporção da sua quota.

57.      Poderia também sustentar-se, como faz a Comissão, que o alcance da dedução pode depender da regulamentação interna da compropriedade ou do regime patrimonial dos cônjuges e que, portanto, a solução preconizada não deva ser acolhida quando, com base naquela regulamentação, o comproprietário possa dispor livremente de todo o bem utilizado. Receio todavia que, se assim fosse, haveria o risco de frustrar a finalidade da directiva, que visa precisamente instituir um «sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado». Com efeito, dessa forma, o alcance da dedução acabaria por variar de um Estado para outro conforme as pertinentes disposições nacionais de direito civil.

58.     À luz das considerações acima expostas proponho que se responda à terceira questão no sentido de que um sujeito passivo que adquire com o cônjuge um bem em compropriedade e o utiliza em parte para o exercício da sua actividade profissional independente, tem direito a deduzir, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, do IVA de que é devedor, uma fracção do IVA pago pela parte do bem utilizado para fins profissionais correspondente à sua quota na propriedade.

Quanto aos requisitos da factura (quarta questão)

59.      Na quarta questão, o tribunal de reenvio pergunta se os artigos 18.° e 22.° da Sexta Directiva exigem que o sujeito passivo que constrói ou adquire em compropriedade com o cônjuge um bem de investimento, utilizando-o em parte para a sua actividade profissional independente, só possa exercer o direito à dedução se estiver na posse de uma factura passada em seu nome contendo a indicação da fracção do preço e do imposto correspondente à sua quota na propriedade ou se, em vez disso, as referidas disposições consideram suficiente uma factura passada em nome dos cônjuges/comproprietários e sem aquelas indicações.

60.      Na realidade, o Bundesfinanzhof considera que, segundo a sua jurisprudência, uma factura como a que foi passada ao recorrente e à sua mulher, em nome dos «cônjuges HE», não obsta à dedução do IVA pago pelo mesmo recorrente  (18) . Pergunta contudo se das disposições pertinentes da Sexta Directiva pode resultar um obstáculo à referida dedução.

61.      A tal propósito recordo que, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, «para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve (…) possuir uma factura emitida nos termos do artigo 22.°, n.° 3». Por seu turno, esta última disposição prevê que «a factura deve mencionar claramente o preço líquido de imposto e o imposto correspondente a cada taxa diferente e, se for o caso, a isenção» (alínea b) e que «os Estados-Membros estabelecerão os critérios segundo os quais um documento pode servir de factura»  (19) .

62.      Estas disposições limitam-se portanto a fixar, como observou com razão a Comissão, três requisitos mínimos (a indicação do preço líquido de imposto, do imposto correspondente a cada quota diferente e, se for o caso, a isenção) que a factura deve sempre possuir para dar direito à dedução. Em contrapartida, não prevêem qualquer requisito adicional para a hipótese de aquisição dum bem em compropriedade nem, em particular, a indicação na factura da fracção do preço e do imposto correspondente à quota dos adquirentes na propriedade.

63.      Em consequência, se num caso destes, como considera o tribunal de reenvio, as normas nacionais não impõem uma indicação deste tipo, não existe em minha opinião qualquer razão para julgar inadequada uma factura que preenche os requisitos acima indicados e para, desta forma, recusar a um sujeito passivo que utiliza parcialmente para fins profissionais o bem comprado o direito à dedução que lhe é reconhecido pelo artigo 17.°, n.° 2, alínea a).

64.      Pelas razões acima expostas, proponho assim que se responda à quarta questão que os artigos 18.°, n.° 1, e 22.°, n.° 3, da Sexta Directiva não exigem que, para poder exercer o direito à dedução previsto no artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da mesma directiva, o sujeito passivo que constrói ou adquire um bem em compropriedade, utilizando-o em parte para o exercício da sua actividade profissional independente, possua uma factura passada em seu nome com indicação da fracção do preço e do imposto correspondente à sua quota na propriedade.

IV – Conclusões

65.     À luz das considerações que antecedem proponho ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos às questões formuladas pelo Bundesfinanzhof:

«1.     Um sujeito que exerce a título acessório uma actividade económica independente, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, age na qualidade de sujeito passivo, quando constrói ou adquire um imóvel destinado a habitação, se destinar e utilizar uma parte do referido imóvel para o exercício da sua actividade.

2.       Quando duas ou mais pessoas reunidas numa comunhão legal ou voluntária, que não tem personalidade jurídica e não exerce por si uma actividade económica independente, encomendam um bem, os destinatários da prestação, nos termos da Sexta Directiva, são os comproprietários e não a comunhão.

3.       Um sujeito passivo que adquire um bem em compropriedade com o cônjuge e o utiliza em parte para o exercício da sua actividade profissional independente, tem direito a deduzir, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, do IVA de que é devedor, uma fracção do IVA pago pela aquisição da parte do bem utilizado para fins profissionais correspondente à sua quota na propriedade.

4.       Os artigos 18.°, n.° 1, e 22.°, n.° 3, da Sexta Directiva não exigem que, para poder exercer o direito à dedução previsto no artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da mesma directiva, o sujeito passivo que constrói ou adquire um bem em compropriedade com o cônjuge, utilizando-o em parte para o exercício da sua actividade profissional independente, possua uma factura passada em seu nome com indicação da fracção do preço e do imposto correspondente à sua quota na propriedade.»


1 – Língua original: italiano.


2 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


3 – No decurso dos factos da causa, o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva foi alterado pela Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera, tendo em vista a abolição das fronteiras fiscais, a Directiva 77/388/CEE (JO L 376, p. 1). Na sequência desta alteração, que não tem influência para a resolução do presente processo, mas que para obter uma visão formalmente completa convém aqui recordar, a citada disposição tem a seguinte redacção: «Desde que os bens e serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor: a) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe são ou serão entregues e em relação a serviços que lhe são ou serão prestados por outro sujeito passivo devedor do imposto no território do país […]»


4 – Sempre para ter uma visão formalmente completa, recorda-se que a Directiva 91/680, já referida, também alterou o artigo 22.°, n.° 3, da Sexta Directiva nos seguintes termos:

          «a) Todos os sujeitos passivos devem emitir uma factura, ou um documento que a substitua para as entregas de bens e as prestações de serviços que efectuem a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo […]. Os sujeitos passivos devem conservar um duplicado de todos os documentos emitidos.

          […]

          b) A factura deve mencionar claramente o preço líquido de imposto e o imposto correspondente para cada taxa diferente e, se for caso disso, a isenção.

          […]

          c) Os Estados-Membros fixarão os critérios segundo os quais um documento pode ser considerado como equivalente a uma factura.

          […].»


5 – Tradução não oficial.


6 – Tradução não oficial.


7 – V. acórdãos do BFH, de 1 de Fevereiro de 2001, V R 79/99, BFHE 194, 488, BFH/NV 2001, 989 e, de 7 de Novembro de 2000, V R 49/99, BFHE 194, 270, BFH/NV 2001, 402; por último, acórdão de 16 de Maio de 2002, V R 15/00, BFH/NV 2002, 1346.


8 – Para a definição de escritório doméstico, v. carta do Ministério Federal das Finanças, de 16 de Junho de 1998, IV B 2-S 2145- 59/98, Rn 7, BStBl I 1998, 863.


9 – V. acórdão do BFH, de 1 de Outubro de 1998, V R 31/98, BFHE 187, 78, BFH/NV 1999, 575.


10 – V. acórdãos do BFH in BFH/NV 2002, 1346 e in BFHE 194, 270, BFH/NV 2001, 402.


11 – Acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655, n.° 19).


12 – Acórdão Rompelman, já referido, n.° 16.


13 – Acórdão de 11 de Julho de 1991, Lennartz (C-97/90, Colect., p. 3795, n. os  14 e 21).


14 – V. despacho de reenvio, parte I e parte II, n.° 2, alínea a).


15 – V. acórdão de 8 de Março de 2001, Bakcsi (C-415/98, Colect., p. I-1831, n. os  25 e 26). V. também acórdãos Lennartz, já referido, n.° 26, e de 4 de Outubro de 1995, Ambrecht (C-291/92, Colect., p. I-2775, n.° 20).


16 – Acórdão Armbrecht, já referido, n.° 20.


17 – V. acórdão Bakcsi, já referido, n. os  25 e 26 e acórdãos Lennartz, já referido, n.° 26 e Armbrecht, já referido, n. os  20 e 21.


18 – V. despacho de reenvio, parte II, n.° 3.


19 – V. nota 3.