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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 2 de Junho de 2005 1(1)

Processo C-533/03

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Conselho da União Europeia

«Regulamento (CE) n.º 1798/2003 – Directiva 2003/93/CE – Escolha da base jurídica – Conceito de ‘disposições fiscais’»





I –    Introdução

1.     A Comissão intentou o presente recurso de anulação contra o Conselho, com fundamento em que o Regulamento (CE) n.° 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 218/92 (2), e a Directiva 2003/93/CE do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, que altera a Directiva 77/799/CEE do Conselho, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos (3), foram adoptados com base não no artigo 95.° CE, como foi proposto pela Comissão, mas sim nos artigos 93.° CE, ou 93.° CE e 94.° CE, respectivamente.

2.     O regulamento impugnado define as regras e os procedimentos que permitem às autoridades fiscais dos Estados-Membros cooperarem e trocarem informações entre si e com a Comissão para a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado, ao passo que a directiva impugnada estende o âmbito de aplicação da Directiva 77/799/CEE, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos (4), aos impostos sobre prémios de seguros.

3.     No caso vertente, trata-se de saber se estas disposições, que regulam o procedimento de cooperação das autoridades em matéria fiscal, constituem disposições fiscais na acepção do artigo 95.°, n.° 2, CE. Desta questão depende a questão de saber se, nos termos do artigo 95.°, n.° 1, é aplicável o processo de co-decisão em conformidade com o artigo 251.° CE, ou se o Conselho deve deliberar por unanimidade, após consulta do Parlamento Europeu, nos termos dos artigos 93.° CE ou 94.° CE.

II – As regulamentações impugnadas

A –    Origem

4.     A Directiva 77/799 – baseada no artigo 100.° do Tratado CEE (artigo 100.° CE; actual artigo 94.° CE) – fazia assentar a troca de informações entre as autoridades fiscais dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos numa base de direito comunitário. O âmbito de aplicação desta directiva foi estendido posteriormente, com base no artigo 99.° (que passou, após alteração, a artigo 99.° CE; actual artigo 93.° CE) e no artigo 100.° do Tratado CEE, em primeiro lugar, ao imposto sobre o valor acrescentado (5) e, em seguida – com base no artigo 99.° do Tratado CEE –, aos impostos especiais de consumo sobre os óleos minerais, o álcool e as bebidas alcoólicas, e os tabacos manufacturados (6).

5.     Com o Regulamento (CEE) n.° 218/92 (7) estabeleceu-se, com base no artigo 99.° do Tratado CEE, um sistema comum de troca de informações relativas às transacções intracomunitárias entre as autoridades competentes dos Estados-Membros (8). Este sistema comum foi alterado em 2002 a título temporário pelo Regulamento (CE) n.° 792/2002 – baseado no artigo 93.° CE – no que se refere a medidas adicionais relativas ao comércio electrónico (9).

6.     A fim de reconduzir os instrumentos existentes a um enquadramento jurídico único e de definir regras mais claras para a cooperação entre os Estados-Membros, a Comissão apresentou ao Conselho, em 18 de Junho de 2001, uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado (10). Além disso, a Comissão apresentou uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 77/799/CEE do Conselho relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos (11), segundo a qual a cooperação no domínio dos impostos directos e indirectos se devia estender aos prémios de seguro. Nas propostas da Comissão, ambos os instrumentos legais deviam ter por base o artigo 95.° CE.

7.     Tendo em consideração estas propostas, o Conselho adoptou os dois actos impugnados, mudando, no entanto, a base jurídica: baseou o Regulamento n.° 1798/2003 no artigo 93.° CE e a Directiva 2003/93 nos artigos 93.° CE e 94.° CE.

B –    O conteúdo do Regulamento n.° 1798/2003

8.     Os três primeiros considerandos do Regulamento n.° 1798/2003 são do seguinte teor:

«(1)      A prática da fraude e da evasão fiscal para além das fronteiras dos Estados-Membros origina perdas orçamentais e é contrária ao princípio da justiça fiscal, podendo provocar distorções nos movimentos de capitais e nas condições de concorrência e afectando, por conseguinte, o funcionamento do mercado interno.

(2)      A luta contra a fraude ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) exige uma estreita colaboração entre as autoridades administrativas de todos os Estados-Membros encarregadas da execução das disposições aprovadas neste domínio.

(3)      As medidas de harmonização fiscal tomadas para a plena realização do mercado interno devem, por conseguinte, incluir a criação de um sistema comum de intercâmbio de informações entre os Estados-Membros segundo o qual as autoridades administrativas dos Estados-Membros devem prestar-se assistência mútua e colaborar com a Comissão por forma a assegurar a boa aplicação do IVA sobre fornecimentos de bens e prestações de serviços, aquisições intracomunitárias e importações de mercadorias.

[...]»

9.     O capítulo I contém disposições relativas a conceitos e regulamentações sobre a competência.

10.   O artigo 1.°, n.° 1, dispõe o seguinte:

«1. O presente regulamento estabelece as condições em que as autoridades administrativas a quem incumbe, nos Estados-Membros, a aplicação da legislação relativa ao IVA sobre o fornecimento de bens e a prestação de serviços, as aquisições intracomunitárias e as importações de mercadorias cooperarão entre si e com a Comissão no sentido de assegurar o cumprimento dessa legislação.

Para o efeito, o presente regulamento define as regras e os procedimentos que permitem às autoridades competentes dos Estados-Membros cooperarem e trocarem entre si todas as informações que as possam ajudar a realizar uma correcta avaliação do IVA.»

11.   O capítulo II regula o intercâmbio de informação mediante pedido e contém regras sobre a presença nos serviços administrativos das autoridades de outros Estados-Membros.

12.   O artigo 5.°, n.° 1, dispõe:

«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunicará as informações referidas no artigo 1.°, incluindo as que respeitam a um ou mais casos específicos.»

13.   O artigo 11.° dispõe o seguinte:

«1. Mediante acordo entre a autoridade requerente e a autoridade requerida e nos termos das modalidades fixadas por esta última, os funcionários devidamente autorizados pela autoridade requerente podem, tendo em vista o intercâmbio de informações referido no artigo 1.°, estar presentes nos serviços em que as autoridades administrativas do Estado-Membro em que a autoridade requerida tem a sua sede exercem funções. [...]

2. Mediante acordo entre a autoridade requerente e a autoridade requerida e segundo as modalidades definidas por esta última, os funcionários designados pela autoridade requerente podem estar presentes durante os inquéritos administrativos, tendo em vista o intercâmbio de informações referido no artigo 1.° [...]»

14.   No capítulo III, o artigo 14.° dispõe que, a pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida procederá à notificação ao destinatário de todos os actos e decisões adoptados pelas autoridades administrativas relativamente à aplicação da legislação em matéria de IVA no território do Estado-Membro em que a autoridade requerente tenha a sua sede.

15.   O capítulo IV regula a troca de informações sem pedido prévio.

16.   O artigo 17.° dispõe:

«Sem prejuízo das disposições dos capítulos V e VI, a autoridade competente de cada Estado-Membro procederá a um intercâmbio automático ou automático estruturado das informações referidas no artigo 1.° com a autoridade competente de qualquer outro Estado-Membro interessado, nas seguintes situações:

1.      Quando a tributação deva ter lugar no Estado-Membro de destino e a eficácia do sistema de controlo dependa necessariamente das informações comunicadas pelo Estado-Membro de origem.

2.      Quando um Estado-Membro tenha motivos para acreditar que foi ou pode ter sido cometida no outro Estado-Membro uma infracção à legislação em matéria de IVA.

3.      Quando exista um risco de fraude ou de evasão fiscal no outro Estado-Membro.»

17.   O artigo 18.° dispõe:

«Em conformidade com o procedimento referido no n.° 2 do artigo 44.°, serão determinadas:

1.      As categorias exactas de informações a intercambiar.

2.      A frequência do intercâmbio de informações.

3.      As modalidades práticas do intercâmbio de informações.

Cada Estado-Membro determinará se toma parte no intercâmbio de uma categoria específica de informações, bem como se o fará de forma automática ou automática estruturada.»

18.   O capítulo V contém disposições sobre armazenamento e troca de informações específicas das transacções comunitárias.

19.   Nos termos do artigo 22.°, as informações que os Estados-Membros recolhem com base na Directiva 77/388/CEE (12) (a seguir «Sexta Directiva») serão armazenadas numa base de dados electrónica.

20.   O artigo 23.° dispõe o seguinte:

«Com base nas informações armazenadas nos termos do artigo 22.°, a autoridade competente de um Estado-Membro tem o direito de obter de qualquer outro Estado-Membro a comunicação automática e imediata de todas as informações a seguir indicadas, às quais pode igualmente ter acesso directo:

1.      Números de identificação IVA emitidos pelo Estado-Membro que recebe as informações.

2.      Valor total de todas as entregas intracomunitárias de bens às pessoas titulares desses números por todos os operadores económicos identificados para efeitos do IVA no Estado-Membro que presta as informações.

[...]»

21.   O artigo 24.° dispõe o seguinte:

«Com base nas informações armazenadas nos termos do artigo 22.° e unicamente com o objectivo de prevenir infracções à legislação do IVA, sempre que o considere necessário para controlar as aquisições intracomunitárias de bens, a autoridade competente de um Estado-Membro deve obter, directamente e sem demora, todas as informações abaixo indicadas, às quais poderá também ter acesso directo por via electrónica:

1.      Números de identificação IVA das pessoas que efectuaram as entregas referidas no ponto 2 do artigo 23.°; e

2.      Valor total das entregas efectuadas por cada uma dessas pessoas a cada uma das pessoas a quem tenha sido atribuído o número de identificação IVA referido no ponto 1 do artigo 23.°

[...]»

22.   O artigo 27.° dispõe o seguinte:

«1. Cada Estado-Membro deve dispor de uma base de dados electrónica contendo um registo das pessoas a quem foi atribuído um número de identificação IVA nesse Estado-Membro.

2. Em qualquer momento, a autoridade competente de um Estado-Membro pode obter directamente, ou solicitar que lhe transmitam, com base nos dados armazenados nos termos do artigo 22.°, a confirmação da validade de um número de identificação IVA ao abrigo do qual uma pessoa efectuou ou recebeu uma entrega intracomunitária de bens ou uma prestação intracomunitária de serviços.

Mediante pedido específico, a autoridade requerida comunicará igualmente a data de emissão e, se for caso disso, a data de termo da validade do número de identificação IVA.

3. Mediante pedido, a autoridade competente comunicará igualmente, sem demora, o nome e o endereço da pessoa à qual o número foi atribuído, desde que essas informações não sejam armazenadas pela autoridade requerente com o objectivo de, eventualmente, as utilizar no futuro.»

23.   O capítulo VI diz respeito ao regime especial previsto no artigo 26.°-C da Sexta Directiva para sujeitos passivos não estabelecidos, que prestam serviços electrónicos a não sujeitos passivos. Entre outros, o Regulamento n.° 1798/2003 reitera nos seus artigos 29.° e 30.° a obrigação já prevista no artigo 26.°-C da Sexta Directiva de entregar a declaração de início de actividade, bem como a declaração de rendimentos, sob forma electrónica, fixa um procedimento relativo aos aspectos técnicos e regula o envio dos dados obtidos às autoridades competentes dos outros Estados-Membros.

24.   O capítulo VII regula as relações com a Comissão a fim de efectuar uma análise estatística e uma avaliação do funcionamento do dispositivo de cooperação administrativa previsto no regulamento. O capítulo VIII diz respeito ao tratamento de dados provenientes de países terceiros.

25.   O capítulo IX prevê as condições que regem o intercâmbio de informações e refere, entre outros, no artigo 40.°, alguns motivos de recusa para a transmissão de informações.

26.   O artigo 40.° dispõe o seguinte:

«[...]

2. O presente regulamento não impõe a obrigação de mandar efectuar investigações ou de transmitir informações quando a legislação ou a prática administrativa do Estado-Membro que deveria comunicar as informações não autorizem os Estados-Membros a efectuar essas investigações, nem a recolher ou a utilizar tais informações para as próprias necessidades desse Estado-Membro.

3. A autoridade competente de um Estado-Membro pode recusar-se a comunicar informações sempre que o Estado-Membro em causa seja incapaz, por razões legais, de comunicar informações equivalentes. A Comissão será informada dos motivos da recusa pelo Estado-Membro requerido.

4. A transmissão de informações pode ser recusada quando conduza à divulgação de um segredo comercial, industrial ou profissional ou de um processo comercial, ou de uma informação cuja divulgação seja contrária à ordem pública.

[...]»

27.   O artigo 41.° refere ainda os aspectos de protecção de dados a ter em conta. Finalmente, o capítulo X contém mais algumas disposições gerais e finais.

C –    O conteúdo da Directiva 2003/93

28.   Os primeiro e terceiro considerandos da directiva são do seguinte teor:

«(1) A luta contra a evasão ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) exige o reforço da colaboração entre administrações fiscais da Comunidade e entre estas últimas e a Comissão, segundo princípios comuns.

[...]

(3) O âmbito de aplicação da assistência mútua fixado pela Directiva 77/799/CEE deve ser alargado aos impostos sobre os prémios de seguro referidos na Directiva 76/308/CEE, por forma a melhor proteger os interesses financeiros dos Estados-Membros e a neutralidade do mercado interno.»

29.   No artigo 1.° da directiva são referidas as alterações aos n.os 1 e 2 da Directiva 77/799, a fim de estender o seu âmbito de aplicação aos prémios de seguro.

30.   Além disso, o n.° 3 prevê uma alteração da redacção das disposições sobre segredo profissional da Directiva 77/799 e acrescenta-lhe um novo subparágrafo.

31.   O artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, dispõe que:

«Além disso, os Estados-Membros podem prever que as informações referidas no primeiro subparágrafo sejam utilizadas para o estabelecimento de outras quotizações, direitos e impostos a que se refere o artigo 2.° da Directiva 76/308/CEE.»

D –    O conteúdo da Directiva 77/799

32.   A Directiva 77/799, completada pela Directiva 2003/93, regula de modo semelhante ao do regulamento impugnado a cooperação dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e de alguns impostos indirectos. As disposições relevantes da Directiva 77/799 são as seguintes:

«Artigo 2.°

Troca de informações mediante pedido

1. A autoridade competente de um Estado-Membro pode solicitar à autoridade competente de um outro Estado-Membro que lhe comunique as informações referidas no n.° 1 do artigo 1.°, no que se refere a um caso especial. [...]

Artigo 3.°

Troca automática de informações

As autoridades competentes dos Estados-Membros trocarão regularmente as informações referidas no n.° 1 do artigo 1.° sem necessidade de pedido prévio em relação às categorias de casos que venham a determinar no âmbito do processo de consulta previsto no artigo 9.°

Artigo 4.°

Troca espontânea de informações

1. A autoridade competente de cada Estado-Membro comunicará, sem necessidade de pedido prévio, as informações referidas no n.° 1 do artigo 1.° de que tenha conhecimento, às autoridades competentes de qualquer outro Estado-Membro interessado, nas seguintes circunstâncias:

[...]

2. As autoridades competentes dos Estados-Membros, no âmbito do processo de consulta previsto no artigo 9.°, podem tornar extensiva a troca de informações referida no n.° 1 a outros casos além dos que aí são previstos.

[...]

Artigo 6.°

Colaboração de agentes do Estado interessado

Para aplicação das disposições anteriores, a autoridade competente do Estado-Membro que fornece as informações e a autoridade competente do Estado ao qual as informações se destinam podem acordar, no âmbito do processo de consulta previsto no artigo 9.°, em autorizar a presença no primeiro Estado-Membro de agentes da administração fiscal do outro Estado-Membro. As modalidades de aplicação desta disposição serão estabelecidas no âmbito do mesmo processo.

[...]

Artigo 8.°

Limites da troca de informações

1. A presente directiva não impõe a obrigação de promover investigações ou de transmitir informações, quando a legislação ou a prática administrativa do Estado-Membro que deve fornecer as informações não autorizem a autoridade competente a efectuar essas investigações, nem a obter ou utilizar tais informações no próprio interesse desse Estado.

2. A transmissão de informações pode ser recusada quando conduza à divulgação de um segredo comercial, industrial ou profissional ou de um processo comercial, ou de uma informação cuja divulgação seja contrária à ordem pública.

3. A autoridade competente de um Estado-Membro pode recusar a transmissão de informações quando o Estado interessado não se encontre em situação de fornecer informações correspondentes, por razões de facto ou de direito.

[...]»

III – Tramitação processual e pedidos das partes

33.   A Comissão intentou, por petição com data de 18 de Dezembro de 2003, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Dezembro de 2003, recurso de anulação do Regulamento n.° 1798/2003 e da Directiva 2003/93. A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

1)      Anular o Regulamento (CE) n.° 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 218/92, bem como a Directiva 2003/93/CE do Conselho, de 7 de Outubro de 2003, que altera a Directiva 77/799/CEE do Conselho relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e indirectos.

2)      Manter os efeitos dessas medidas até à entrada em vigor de legislação adoptada com uma base legal correcta.

3)      Condenar o Conselho da União Europeia nas despesas.

34.   O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

1)      Negar provimento ao recurso.

2)      Condenar a Comissão nas despesas.

3)      A título subsidiário, em caso de anulação dos actos impugnados, manter os efeitos de ambas as medidas até à entrada em vigor de novos actos adoptados com uma base jurídica correcta.

35.   Por despacho de 8 de Junho de 2004, o Tribunal de Justiça admitiu o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Portuguesa e a Irlanda como partes intervenientes no processo em apoio do Conselho.

36.   Todas as partes apresentaram observações escritas. Não houve audiência.

IV – Argumentos das partes

37.   A Comissão sustenta que se trata sobretudo de medidas que têm por objecto o estabelecimento do mercado interno e que devem ser baseadas no artigo 95.°, n.° 1, CE. A Comissão é de opinião de que a inserção no contexto fiscal não converte uma qualquer medida numa disposição fiscal e entende, em especial, que as disposições sobre a cooperação das administrações fiscais não constituem disposições fiscais na acepção do artigo 95.°, n.° 2, CE e que também não devem ser consideradas como sendo disposições relativas a impostos indirectos na acepção do artigo 93.° CE.

38.   Apesar de a Comissão entender que, com a criação do artigo 95.° CE, os Estados-Membros excluíram do âmbito de aplicação da decisão por maioria domínios especialmente sensíveis como o das disposições fiscais, considera que essa disposição excepcional é de interpretação estrita e só é aplicável quando necessário para protecção da soberania fiscal dos Estados-Membros. Por isso, a Comissão considera que a expressão «disposições fiscais» deve ser entendida como incluindo as normas sobre os sujeitos passivos, factos tributáveis, incidência objectiva, taxas e isenções, bem como as normas de execução sobre liquidação e cobrança, ou seja, tudo o que influencia as receitas fiscais. As normas sobre a assistência mútua não tocam este domínio e não atingem a soberania fiscal. Apenas servem para facilitar a realização dos direitos fiscais de cada Estado-Membro e não afectam, por conseguinte, o sistema fiscal dos Estados-Membros.

39.   O Conselho salienta, pelo contrário, que o objectivo das medidas de luta contra a evasão fiscal e a garantia da determinação correcta da matéria colectável são do interesse dos orçamentos nacionais e de um mercado interno funcional. Através da harmonização das normas sobre intercâmbio de informações ambos os actos impugnados têm influência directa nos direitos dos sujeitos passivos e nos deveres da administração fiscal, na determinação da matéria colectável e, deste modo, também nas receitas. Deste modo, as medidas servem objectivos fiscais. Para as regulamentações que prosseguem tanto objectivos fiscais como objectivos relativos ao estabelecimento ou ao funcionamento do mercado interno, a base jurídica correcta são os artigos 93.° CE e 94.° CE.

40.   Em especial, o Conselho salienta que o artigo 93.° CE constitui uma disposição especial em relação ao artigo 95.° CE e que o âmbito de aplicação do artigo 93.° CE não é alterado pelo artigo 95.° CE. Ambas as disposições foram adoptadas com esta redacção no Acto Único Europeu e não oferecem nenhuma indicação de que as disposições relativas a impostos indirectos, que não atingem no essencial a soberania fiscal dos Estados-Membros descrita pela Comissão, não devam estar sujeitas ao artigo 93.° CE. Por isso, a interpretação do artigo 95.°, n.° 2, CE não tem qualquer efeito sobre o âmbito de aplicação do artigo 93.° CE, que é a norma especial no domínio dos impostos indirectos, independentemente dos efeitos sobre a soberania fiscal dos Estados-Membros. Também não tem sentido tratar de modo diferente o conceito de disposições fiscais no domínio dos impostos directos. Mesmo partindo da definição restrita de soberania fiscal defendida pela Comissão, a extensão dos poderes de informação dos Estados-Membros para além das suas fronteiras territoriais tem com certeza efeitos na soberania fiscal.

41.   O Governo do Reino Unido salienta relativamente ao Regulamento n.° 1798/2003 que a luta contra a evasão fiscal através do apoio à liquidação e cobrança do IVA na Comunidade aumenta a eficiência da administração fiscal e, desse modo, tem efeitos práticos reais nas receitas fiscais. As disposições litigiosas constituem, portanto, um aspecto importante do funcionamento do sistema fiscal e influenciam a situação jurídica dos sujeitos passivos. Além disso, o artigo 30.° do regulamento (13) também impõe directamente deveres ao sujeito passivo. O regulamento harmoniza desse modo a legislação nacional no domínio dos impostos indirectos na acepção do artigo 93.° CE.

42.   Quanto à Directiva 2003/93, o Governo do Reino Unido salienta que o objectivo e o conteúdo só podem ser apreciados no contexto da Directiva 77/799, cujo âmbito de aplicação é estendido pela directiva impugnada aos prémios de seguro. Também aqui a eficiência da administração fiscal é um factor importante para os resultados nas receitas fiscais reais e, portanto, não é dissociável da soberania dos Estados-Membros. A directiva harmoniza assim a legislação nacional no que se refere aos impostos directos e indirectos e enquadra-se, portanto, nos artigos 93.° CE e 94.° CE.

43.   O Governo português sustenta que o artigo 41.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1798/2003 possibilita uma limitação dos direitos decorrentes da Directiva 95/46/CE (14), relativa à protecção dos dados, e que o artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2003/93 introduz uma alteração do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 77/799, o que diz directamente respeito aos direitos dos sujeitos passivos. Uma vez que estas disposições regulam os direitos dos sujeitos passivos, constituem disposições fiscais na acepção dos artigos 93.° CE e 95.°, n.° 2, CE.

44.   O Governo irlandês defende a tese segundo a qual o artigo 93.° CE constitui a base jurídica de todos os actos que digam respeito a impostos indirectos. Além disso, sustenta que a redacção do artigo 95.° CE não implica que se interprete em sentido estrito o n.° 2 sobre a expressão «disposições fiscais», porque nesse caso também se deve interpretar em sentido restrito as expressões «disposições relativas à livre circulação das pessoas» e «relativas aos direitos e interesses dos trabalhadores assalariados». Mas não há justificação para tal nessa disposição. Segundo o seu conteúdo, o regulamento estabelece regras detalhadas para a harmonização das disposições relativas ao imposto sobre o valor acrescentado. Do mesmo modo, a directiva é constituída por disposições sobre impostos. Tanto o regulamento como a directiva foram, portanto, adoptados com a base jurídica correcta.

V –    Análise jurídica

45.   No presente processo, a Comissão sustenta que os actos impugnados foram adoptados com uma base jurídica incorrecta e invoca, assim, a violação do Tratado CE no sentido do artigo 230.°, segundo parágrafo, CE.

A –    Critérios para a escolha da base jurídica

46.   Segundo jurisprudência constante, a escolha da base jurídica de um acto comunitário deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (15).

47.   As partes estão de acordo em que o Regulamento n.° 1798/2003 e a Directiva 2003/93 são necessários para o funcionamento do mercado interno.

48.   O regulamento impugnado regula a cooperação entre as administrações dos Estados-Membros entre si e com a Comissão no domínio do imposto sobre o valor acrescentado. O objectivo do regulamento é, nos termos dos considerandos, a luta contra a evasão e fraude fiscais, porque a evasão e a fraude fiscais originam perdas orçamentais e são contrárias ao princípio da justiça fiscal, podendo provocar distorções nos movimentos de capitais e nas condições de concorrência e afectando, por conseguinte, o funcionamento do mercado interno (16).

49.   A directiva impugnada estende as disposições sobre a assistência mútua das autoridades dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e de determinados impostos especiais de consumo (17) aos impostos sobre prémios de seguro e contém, além disso, uma alteração relativa à protecção de dados a ter em conta no quadro dessa assistência mútua. O objectivo declarado da directiva é a melhor protecção dos interesses financeiros dos Estados-Membros e a neutralidade do mercado interno (18).

50.   A interdependência cada vez mais acentuada das economias dos Estados-Membros implica a eliminação dos obstáculos burocráticos à livre circulação de mercadorias e serviços no mercado comum. Quando a administração fiscal não dispõe de informações suficientes sobre factos que ultrapassam as suas fronteiras aumenta o perigo de evasão fiscal. A luta contra este perigo serve os interesses dos Estados-Membros e da Comunidade quanto à concorrência leal e à garantia da situação financeira e, portanto, a manutenção do grau de integração atingido. Por isso, os actos jurídicos podem também, através da eliminação dos problemas decorrentes do exercício das liberdades fundamentais, contribuir para o funcionamento do mercado interno (19). Não há quaisquer dúvidas de que ambos os actos impugnados prosseguem este objectivo declarado.

51.   As disposições legislativas que tenham por objecto o estabelecimento do mercado interno, nos termos do artigo 95.° CE, podem ser adoptadas pelo Conselho por maioria qualificada, deliberando de acordo com o processo de co-decisão previsto no artigo 251.° CE, após consulta do Comité Económico e Social. Mas, quando essas disposições legislativas sejam simultaneamente disposições relativas a impostos indirectos, a base adequada é a disposição especial do artigo 93.° CE, de modo que o Conselho delibera por unanimidade após consulta do Parlamento Europeu e do Comité Económico e Social. Isto resulta do facto de que, segundo a redacção do artigo 95.°, n.° 1, CE, esta disposição só é aplicável quando o Tratado CE não disponha em sentido diferente. Uma vez que existe, no Tratado CE, uma disposição mais específica que pode constituir a base jurídica do acto em causa, este deve ser baseado nessa disposição. Assim sucede, nomeadamente, com o artigo 93.° CE, no que respeita à harmonização das legislações relativas aos impostos relativos ao volume de negócios, aos impostos especiais sobre o consumo e aos outros impostos indirectos, como já decidiu o Tribunal de Justiça (20).

52.   Uma vez que o artigo 95.°, n.° 2, CE exclui, além disso, as disposições fiscais do âmbito de aplicação do artigo 95.°, n.° 1, CE, a respectiva aproximação em geral não pode ser efectuada com base nesse artigo. Na medida em que se trate de disposições relativas a impostos directos, deve recorrer-se, portanto, ao artigo 94.° CE para a aproximação das disposições dos Estados-Membros com vista ao estabelecimento do mercado interno, que prevê igualmente que o Conselho delibere por unanimidade após consulta do Parlamento Europeu e do Comité Económico e Social.

53.   Devido a estes diferentes procedimentos, os artigos 93.° CE e 94.° CE, por um lado, e o artigo 95.° CE, por outro, não podem ser cumulados entre si para servir de base jurídica aquando da adopção de um acto (21).

54.   É determinante para a escolha da base jurídica saber se se trata, quanto ao acto em questão, de disposições fiscais no sentido do artigo 93.° CE ou do artigo 95.°, n.° 2, CE.

55.   Não se encontram no Tratado esclarecimentos mais aprofundados sobre o alcance deste conceito. A interpretação destas disposições do Tratado, no entanto, foi recentemente objecto de um processo no Tribunal de Justiça.

56.   Tal como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 29 de Abril de 2004 relativamente ao artigo 95.°, n.° 2, CE, a expressão «disposições fiscais», devido ao seu carácter geral, abrange não apenas todos os domínios da fiscalidade, sem distinguir os tipos de impostos ou taxas em causa mas também todos os aspectos desta matéria, quer se tratem de regras substantivas quer de regras adjectivas (22).

57.   A extensão às questões processuais foi deduzida pelo Tribunal de Justiça do facto de, por um lado, em certos Estados-Membros, as disposições relativas às modalidades de pagamento e de cobrança de impostos directos e indirectos serem consideradas como constituindo «disposições fiscais» e de que, por outro lado, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 90.° CE, para se avaliar o carácter discriminatório ou não de um sistema de tributação, se devem ter em consideração não apenas as taxas de imposição mas também as modalidades de cobrança dos diversos impostos (23). Por isso, as modalidades de cobrança de imposições de qualquer natureza não podem ser dissociadas do sistema de tributação ou de imposição ao qual estejam ligadas. O Tribunal de Justiça afirmou em seguida que o artigo 95.°, n.° 2, CE abrange não apenas as disposições que determinam os sujeitos passivos, as operações tributáveis, a matéria colectável do imposto, as taxas e as isenções dos impostos directos e indirectos mas também as disposições relativas às modalidades de cobrança destes (24).

58.   Não existe jurisprudência do Tribunal de Justiça, até à data, que concretize melhor a questão de saber se as regras adjectivas constituem sempre ou apenas em determinados casos disposições fiscais na acepção do artigo 93.° CE ou do artigo 95.°, n.° 2, CE.

59.   As disposições litigiosas, no caso em apreço, não podem ser qualificadas univocamente com base na jurisprudência existente. Não há dúvidas de que não se trata de disposições que determinam os sujeitos passivos, as operações tributáveis, a matéria colectável do imposto, as taxas e as isenções. O intercâmbio de informações também não diz directamente respeito à cobrança dos impostos. Mas trata-se inquestionavelmente de regras que dizem respeito a procedimentos em matéria fiscal e que afectam a avaliação e a cobrança dos impostos, na medida em que proporcionam os dados necessários para esses fins.

60.   Portanto, tem de ser encontrado um critério para decidir quando essas regras adjectivas devem ser consideradas disposições fiscais no sentido do Tratado.

61.   O Conselho e o Governo do Reino Unido argumentam, relativamente aos actos impugnados, que uma administração fiscal mais eficiente pode aplicar o direito fiscal de forma mais coerente e, em resultado, obter receitas mais elevadas. Por isso, as regras sobre troca de informações entre as autoridades também dizem respeito aos resultados fiscais. Este argumento não pode, todavia, com tal generalidade, ser decisivo para a qualificação de uma medida como disposição fiscal. É concebível um aumento da eficiência da administração fiscal mediante regulamentações como, por exemplo, a organização dos horários de trabalho, que nem por isso são simultaneamente disposições fiscais.

62.   Deve existir uma relação específica das regras adjectivas com o núcleo substantivo do direito fiscal para que essas regras adjectivas possam ser consideradas disposições fiscais. Por exemplo, existe uma relação específica entre as regras substantivas sobre impostos e as regras sobre a execução de decisões fiscais, porque a possibilidade da cobrança coerciva constitui um factor decisivo para o pagamento efectivo dos impostos e, portanto, para as receitas do fisco. Assim, o Tribunal de Justiça declarou, para fundamentar a interpretação exposta da disposição, que as modalidades de cobrança de imposições de qualquer natureza que seja não podem ser dissociadas do sistema de tributação ou de imposição ao qual estejam ligadas (25).

63.   Dois aspectos são determinantes para a apreciação deste contexto, relativamente aos actos impugnados: a abertura das administrações fiscais, tratadas com especial sensibilidade a nível comunitário, e a disponibilização dos próprios dados em benefício das autoridades fiscais dos outros Estados-Membros atingem, por um lado, na óptica do Estado-Membro que concede as informações, o cerne da soberania fiscal a nível do direito processual. A concessão das informações sobre os sujeitos passivos e as operações tributáveis possibilita, por outro lado, ao Estado-Membro que recebe as informações uma avaliação correcta dos impostos e, portanto, constitui directamente uma condição para a cobrança de impostos nesse Estado. É isso que passamos a expor com base em cada disposição.

B –    Quanto às disposições do Regulamento n.° 1798/2003

64.   O Regulamento n.° 1798/2003 contém alguns elementos que abrem novos caminhos no domínio da cooperação entre Estados-Membros em matéria fiscal que ultrapassam em parte o estado actual da cooperação.

65.   Segundo o artigo 5.° do regulamento, as autoridades fiscais dos Estados-Membros têm obrigação de, a pedido das autoridades de outros Estados-Membros, lhes dar informações sobre matérias fiscais. Essas informações só podem ser recusadas pelos motivos previstos no artigo 40.°, designadamente, quando as disposições do Estado-Membro requerido são contrárias à recolha ou utilização dessas informações igualmente em caso de assuntos internos (artigo 40.°, n.° 2), quando a reciprocidade da troca de informações correspondentes não é assegurada (artigo 40.°, n.° 3) e quando a transmissão da informação conduza à divulgação de determinados segredos ou a divulgação seja contrária à ordem pública (artigo 40.°, n.° 4).

66.   Com base nesta obrigação, os Estados-Membros têm, por conseguinte, de transmitir diversas informações a autoridades noutros Estados-Membros que dão esclarecimentos sobre operações e procedimentos fiscais relevantes. Estes dados destinam-se a servir de ponto de partida para a tributação no Estado-Membro requerente.

67.   Outro aspecto já referido na introdução é que se trata aqui de dados que são objecto de protecção especial nalguns Estados-Membros, que estão sujeitos a regras especiais de sigilo relativas a dados fiscais. É certo que as informações fornecidas também estão sujeitas a segredo e às regras aplicáveis à protecção de dados desse tipo no Estado-Membro requerente. Não obstante, o regulamento alarga o círculo de pessoas que têm acesso às informações e, portanto, atinge claramente as regulamentações nacionais relativas ao tratamento de dados fiscais.

68.   Para além do intercâmbio de informações a pedido, o artigo 17.° do regulamento prevê a possibilidade de um intercâmbio automático de informações ou de um intercâmbio automático estruturado das informações. Com efeito, os Estados-Membros decidem nos termos do artigo 18.° do próprio regulamento de que forma participam nesse intercâmbio. Mas o facto de serem concedidas possibilidades de escolha aos Estados-Membros não altera nada no objecto da regulamentação, que é a troca de informações fiscais. Na medida em que um Estado-Membro adere ao sistema, proporciona informações à administração fiscal que são necessárias para a tributação noutro Estado-Membro. A diferença em relação ao procedimento de informações previsto no artigo 5.° consiste apenas em que as informações no quadro da associação de dados nos termos do artigo 17.° são fornecidas igualmente sem um pedido concreto e de forma automática.

69.   O artigo 22.° do regulamento obriga os Estados-Membros a elaborar e manter uma base de dados central com informações de âmbito alargado, que sejam relevantes para a cobrança do IVA. A existência da base de dados é, por um lado, a condição para o intercâmbio de informações por via electrónica nos termos do artigo 23.° do regulamento. Por outro lado, o artigo 22.° prevê um avanço estrutural para as administrações fiscais nacionais que pelo seu alcance ultrapassa a mera cooperação administrativa.

70.   Além disso, o acesso directo a dados a partir da base de dados electrónica previsto no artigo 23.° possibilita igualmente a transferência de informações que podem constituir um ponto de partida muito significativo para a tributação. Assim, os números de identificação IVA emitidos pelo Estado-Membro que recebe as informações e o valor total de todas as entregas intracomunitárias de bens efectuadas à pessoa em questão são de acesso directo ou pelo menos podem ser comunicados automática e imediatamente. Além disso, nos termos e nas condições previstas no artigo 24.° do regulamento, algumas outras informações são de acesso directo ou podem ser comunicadas automática e imediatamente por via electrónica. Isto é completado pelo artigo 27.° do regulamento, que enumera mais dados a armazenar e a transmitir a outras autoridades, designadamente o nome e o endereço da pessoa a quem foi concedido o número.

71.   Para além deste intercâmbio de dados, que podem constituir a base da tributação, e dos efeitos que com ele estão ligados ao sigilo fiscal nos Estados-Membros, o regulamento traz ainda outra agravante para a autonomia das administrações fiscais nacionais.

72.   Segundo o artigo 11.° do regulamento, os funcionários da autoridade requerente podem, mediante acordo entre a autoridade requerente e a autoridade requerida, estar presentes nos serviços em que as autoridades administrativas do Estado-Membro em que a autoridade requerida tem a sua sede exercem funções (artigo 11.°, n.° 1). Além disso, podem estar presentes durante os inquéritos administrativos (artigo 11.°, n.° 2).

73.   Esta abertura das autoridades fiscais representa uma alteração considerável da cooperação em matéria fiscal. É certo que a Directiva 77/799 já criava a possibilidade de os Estados-Membros celebrarem acordos sobre a autorização da presença de funcionários do Estado-Membro interessado no Estado-Membro que presta as informações. Como a Comissão expôs na sua proposta de regulamento relativo à cooperação administrativa no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, a maioria dos Estados-Membros não previram esta possibilidade na respectiva legislação nacional e, na prática, a grande maioria dos Estados-Membros só autoriza a presença de funcionários estrangeiros, durante os controlos, com o consentimento do sujeito passivo (26). Além disso, um número reduzido de Estados-Membros proíbe mesmo formalmente a participação de um funcionário de um outro Estado-Membro num inquérito no seu território, invocando problemas jurídicos (27). Deste modo, é nítido que a possibilidade de acesso às autoridades fiscais de outros Estados-Membros atinge profundamente a organização das administrações fiscais nacionais.

74.   Isto também deve ser tido em conta no enquadramento do regulamento impugnado no âmbito do conceito de «disposições fiscais». O Tribunal de Justiça no processo C-338/01 referiu expressamente que, em certos Estados-Membros, as disposições relativas às modalidades de pagamento e de cobrança de impostos directos e indirectos são consideradas como constituindo «disposições fiscais» (28). Essa consideração prática tem em conta a soberania dos Estados-Membros. Quando os Estados-Membros prevêem um processo especial em matéria fiscal e disposições específicas sobre sigilo que são considerados como disposições fiscais, isso significa que as regras adjectivas comunitárias que alteram fundamentalmente este domínio também são disposições fiscais na acepção do Tratado CE.

75.   O fornecimento de dados e a abertura das autoridades fiscais constitui apenas um aspecto que atinge o Estado-Membro que presta as informações. Outro aspecto mais significativo do objectivo da regulamentação consiste em que os dados obtidos por meio da cooperação nos Estados-Membros respectivos que recebem as informações podem constituir o ponto de partida para a tributação. O regulamento deve possibilitar precisamente a determinação correcta dos impostos e proporcionar os conhecimentos necessários para esse efeito às administrações fiscais.

76.   Torna-se claro que as questões processuais reguladas pelo Regulamento n.° 1798/2003 não se dirigem apenas à cooperação administrativa transfronteiras em geral, mas referem-se especificamente às disposições fiscais substantivas e são indissociáveis do sistema fiscal.

77.   A título complementar, salienta-se que os artigos 29.° e 30.° do regulamento reiteram a obrigação já imposta no artigo 26.°-C, parte B, da Sexta Directiva, aos sujeitos passivos não estabelecidos que prestam serviços electrónicos a sujeitos não passivos, de comunicar determinadas informações, em especial a declaração fiscal trimestral, por via electrónica. Nesse contexto, são regulados os procedimentos de regulamentação dos pormenores técnicos bem como a comunicação aos outros Estados-Membros. Deste modo, o regulamento tem por objecto próprio actos directamente determinantes para a tributação. É irrelevante que a matéria já esteja contida em parte na Sexta Directiva, porque a base jurídica de um acto normativo deve determinar-se independentemente de disposições existentes paralelamente. Além disso, o regulamento eleva as disposições a uma nova qualidade jurídica relativamente à directiva, porque é directamente aplicável e, deste modo, impõe obrigações às pessoas independentemente dos actos de transposição nacionais.

78.   Portanto, o Regulamento n.° 1798/2003 contém disposições relativas a impostos indirectos na acepção do artigo 93.° CE.

C –    Quanto às disposições da Directiva 2003/93

79.   A Directiva 2003/93 introduz, além de uma extensão do âmbito de aplicação da Directiva 77/799 aos impostos sobre prémios de seguro, uma alteração menor da disposição relativa ao sigilo nessa directiva: o artigo 1.°, n.° 3, da directiva impugnada contém uma nova versão do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 77/799. Nos termos dessa disposição, as informações obtidas pelos Estados-Membros podem ser utilizadas igualmente para a determinação de impostos, taxas e emolumentos nos termos do artigo 2.° da directiva relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos resultantes de operações que fazem parte do sistema de financiamento do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, bem como de direitos niveladores agrícolas e de direitos aduaneiros (29).

80.   Uma vez que o conteúdo da directiva impugnada consiste sobretudo em declarar as disposições da Directiva 77/799 igualmente aplicáveis aos impostos sobre prémios de seguro, há que ter em conta as disposições da Directiva 77/799 para a determinação da base jurídica correcta.

81.   É certo que a Directiva 77/799 não foi impugnada judicialmente a seu tempo. Os prazos para esse fim também já expiraram há muito. Na medida em que a Directiva 2003/93 estende o âmbito de aplicação da Directiva 77/799, ela representa, por seu lado, um acto impugnável separadamente, cuja legalidade depende do conteúdo de diversas disposições, cujo âmbito de aplicação foi estendido.

82.   Nos termos do artigo 1.° da Directiva 77/799, os Estados-Membros trocarão todas as informações que lhes permitam o estabelecimento correcto dos impostos que entram no âmbito de aplicação da directiva. O artigo 2.° da Directiva 77/799 descreve o procedimento de troca de informações mediante pedido. O artigo 3.° prevê um procedimento de troca automática das informações referidas no artigo 1.°, n.° 1, e o artigo 4.° regula o procedimento de troca espontânea de informações nos casos nele previstos.

83.   Tal como no regulamento, na directiva estabelece-se uma obrigação de trocar informações. Só pelos motivos referidos no artigo 8.° da Directiva 77/799 é que a informação pode ser recusada, designadamente quando a legislação ou a prática administrativa do Estado-Membro que deve fornecer as informações não autorizem a autoridade competente a obter ou utilizar tais informações no próprio interesse desse Estado (artigo 8.°, n.° 1), quando conduza à divulgação de um determinado segredo ou de uma informação cuja divulgação seja contrária à ordem pública (artigo 8.°, n.° 2) ou quando o Estado interessado não se encontre em situação de fornecer informações correspondentes, por razões de facto ou de direito (artigo 8.°, n.° 3).

84.   A directiva tem, portanto, um conteúdo paralelo ao do Regulamento n.° 1798/2003. A directiva impõe uma obrigação de intercâmbio de dados que pode servir de ponto de partida para a tributação.

85.   As disposições da Directiva 77/799, em certos aspectos, não vão tão longe como o regulamento referido, designadamente no que respeita à participação de agentes da administração fiscal do Estado-Membro requerente, que fica ao critério dos Estados-Membros (artigo 6.°).

86.   A Directiva 2003/93 impugnada transpõe este regime para os impostos sobre prémios de seguro. Tal como no caso do Regulamento n.° 1798/2003, a matéria regulada pela directiva impugnada está de tal modo estreitamente ligada ao estabelecimento dos impostos que mostra uma relação específica com o direito fiscal substantivo e, por conseguinte, contém igualmente disposições relativas a impostos indirectos.

D –    Conclusão

87.   Em conclusão, ambos os actos impugnados contêm disposições fiscais. Uma vez que o Regulamento n.° 1798/2003 diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, foi correctamente baseado no artigo 93.° CE. A Directiva 2003/93 diz respeito, por um lado, a impostos sobre prémios de seguro e, portanto, deve ser baseada no artigo 93.° CE. Além disso, porque altera globalmente a Directiva 77/799 no seu conjunto, igualmente no que diz respeito aos impostos directos nesta referidos, também pôde ser invocado simultaneamente o artigo 94.° CE. Portanto, os actos foram adoptados com a base jurídica correcta.

88.   A acção da Comissão é, portanto, improcedente.

VI – Despesas

89.   Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão foi vencida e o Conselho requereu a condenação da Comissão nas despesas, esta deve suportá-las. Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, os Estados-Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas.

VII – Conclusão

90.   À luz das considerações precedentes, propõe-se que o Tribunal de Justiça declare que:

«1)      A acção é improcedente.

2)      A Comissão das Comunidades Europeias suporta as despesas do processo.

3)      O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Portuguesa e a Irlanda suportam as suas despesas.»


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 264, p. 1.


3 – JO L 264, p. 23.


4 – Directiva do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94).


5 – Directiva 79/1070/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979, que altera a Directiva 77/799/CEE relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 331, p. 8; EE 09 F1 p. 114).


6 – Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1).


7 – Regulamento do Conselho, de 27 de Janeiro de 1992, relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos indirectos (IVA) (JO L 24, p. 1).


8 – A Comissão baseou a sua proposta de regulamento igualmente no artigo 100.°-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE), mas não contestou a mudança de base jurídica efectuada pelo Conselho.


9 – Regulamento do Conselho, de 7 de Maio de 2002, que altera, a título temporário, o Regulamento (CEE) n.° 218/92 do Conselho, de 27 de Janeiro de 1992, relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos indirectos (IVA) no que se refere a medidas adicionais relativas ao comércio electrónico (JO L 128, p. 1). A Comissão e o Parlamento Europeu intentaram acções de anulação desse regulamento, com fundamento em que a respectiva base jurídica era incorrecta [processos C-272/02 (Comissão/Conselho) e C-273/02 (Parlamento Europeu/Conselho)]. Após o regulamento ter sido substituído pelo Regulamento n.° 1798/2003, que está em causa neste processo, houve desistência nesses processos.


10 – COM/2001/0294 final – COD 2001/0133, JO C 270 E, p. 87.


11 – COM/2001/0294 final – COD 2001/0134, JO C 270 E, p. 96.


12 – Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).


13 – Esta disposição prevê que a declaração de imposto sobre o valor acrescentado com os dados relativos a serviços electrónicos deve ser apresentada por via electrónica. É de conteúdo idêntico ao do artigo 26.°-C, ponto B, n.° 5, segundo parágrafo, da Directiva 77/388/CEE (Sexta Directiva), v., supra, n.° 23.


14 – Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31).


15 – V., entre outros, acórdãos de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho (C-300/89, Colect., p. I-2867, n.° 10); de 4 de Abril de 2000, Comissão/Conselho (C-269/97, Colect., p. I-2257, n.° 43); e de 11 de Setembro de 2003, Comissão/Conselho (C-211/01, Colect., p. I-8913, n.° 38).


16 – V. primeiro a terceiro considerandos, já referidos, supra, no n.° 8.


17 – Regulada pela Directiva 77/799.


18 – V. terceiro considerando, já referido, supra, no n.° 28.


19 – V. conclusões do advogado-geral S. Alber de 9 de Setembro de 2003 no processo C-338/01 (Comissão/Conselho, ainda não publicado na Colectânea, n.° 46 e segs.).


20 – Acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/Conselho (C-338/01, Colect., p. I-4829, n.° 60).


21 – Acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 20, n.° 58.


22 – Acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 20, n.° 63.


23 – Acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 20, n.os 64 e 65.


24 – Acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 20, n.° 67.


25 – Acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 20, n.° 66.


26 – COM/2001/0294 final – COD 2001/0133; COD 2001/0134; p. 9, n.° 4.2.5.


27 – Ibidem.


28 – Acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 20, n.° 64.


29 – Directiva 76/308/CEE do Conselho, de 15 de Março de 1976 (JO L 73, p. 18; EE 02 F3 p. 46).