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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL
CHRISTINE STIX-HACKL
apresentadas em 16 de Dezembro de 2004(1)


Processo C-536/03



António Jorge, L. da
contra
Fazenda Pública



[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)]

«Imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante – Operações imobiliárias – Bens e serviços utilizados para operações sujeitas e não sujeitas a tributação – Método pro rata – Prestações em curso e não pagas»






I – Observações introdutórias

1.        O presente pedido prejudicial tem como objecto a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme  (2) (a seguir «Sexta Directiva»), mais precisamente a questão da dedução do imposto pago a montante. As questões prejudiciais dizem especificamente respeito ao tratamento a dar a obras em curso e ainda não comercializadas que também ainda não tenham sido pagas.

II – Quadro jurídico

A – Direito comunitário

2.        O artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Directiva prevê, quanto à origem e ao âmbito do direito à dedução, o seguinte:

«5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n. os  2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

Todavia, os Estados-Membros podem:

a)Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b)Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c)Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d)Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e)Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.»

3.        O artigo 19.° da Sexta Directiva dispõe:

«Cálculo do pro rata de dedução

1.       O pro rata de dedução, previsto no n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.°, resultará de uma fracção que inclui:

–no numerador, o montante total do volume de negócios anual, liquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n. os  2 e 3 do artigo 17.°;

–no denominador, o montante total do volume de negócios anual, liquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.°

O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.

2.       Em derrogação do disposto no n.° 1, no cálculo de pro rata de dedução, não se toma em consideração o montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na respectiva empresa. Não é igualmente tomado em consideração o montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras ou às operações referidas em B, d), do artigo 13.° quando se trate de operações acessórias. Sempre que os Estados-Membros façam uso da faculdade prevista no n.° 5 do artigo 20.°, de não exigirem o ajustamento em relação aos bens de investimento, podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

3.       O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior . Na falta de tal referência ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob fiscalização administrativa pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões. Todavia, os Estados-Membros podem manter a sua regulamentação actual.

A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica o ajustamento das deduções operadas com base no pro rata aplicado a título provisório.»

B – Direito nacional

4.        Está em causa o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado português  (3) (a seguir «CIVA»), em especial o seu artigo 23.° que regula a dedução do imposto pago a montante. No que se refere aos imóveis, o regime estabelecido nesse código foi completado pelo artigo 5.° de um decreto-lei posterior  (4) . Resulta exclusivamente das peças processuais que outro diploma jurídico  (5) tem repercussões sobre o artigo 23.° do CIVA.

5.        Segundo o direito português, como é aplicado pelas autoridades fiscais desse país, o valor das obras em curso no final do ano deve ser incluído no denominador da fracção a utilizar para determinar o pro rata .

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

6.        A António Jorge, L. da é uma empresa que exerce actividades no sector da construção e cujo objecto social abrange empreitadas de obras públicas e privadas, bem como a compra e venda de prédios e terrenos. A António Jorge, L. da está sujeita ao imposto sobre o valor acrescentado, sendo isenta deste imposto quanto à venda de prédios mas não relativamente a actividades de construção.

7.        De acordo com a decisão de reenvio, a António Jorge, L. da efectuou, nos anos de 1994 a 1997, prestações de serviços (empreitadas) que lhe conferiam direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado suportado em determinadas aquisições e operações (construção para venda) que não permitiam essa dedução. Nesses anos, cerca de 50% do volume de negócios foram empreitadas de construção de imóveis, relativamente às quais foi liquidado o imposto sobre o valor acrescentado a 5% e deduzido a 16% ou 17%. Relativamente a 20% do volume de negócios, o imposto foi liquidado a 16% ou 17%. A parte restante do volume de negócios dizia respeito a operações isentas do imposto sobre o valor acrescentado e sem direito a dedução.

8.        No âmbito de uma fiscalização da empresa, o serviço competente concluiu, designadamente, o seguinte:

–dificuldades para a detecção do imposto deduzido pela António Jorge, L. da em matéria de custos gerais, quando as aquisições se destinavam a um sector isento e a um sector tributável;

–na aquisição de imobilizado, este é considerado afecto ao sector sujeito ao imposto sobre o valor acrescentado (dedutível), sendo que no final dos exercícios parte do valor das amortizações desse imobilizado era distribuído ou afecto a um sector de actividade isento.

9.        Enquanto a António Jorge, L. da tinha considerado para efeitos de dedução o imposto que incidia sobre a totalidade dos custos gerais, a Administração Fiscal exigiu o pagamento da parte não dedutível, acrescida de juros compensatórios.

10.      A António Jorge, L. da apresentou reclamação dessas liquidações do imposto.

11.      O litígio diz essencialmente respeito à interpretação do conceito de «volume de negócios» na acepção da Sexta Directiva, mais precisamente à questão de saber se a Administração Fiscal também podia ter em conta o valor de obras em curso e ainda não comercializadas.

12.      Para esclarecimento destes problemas jurídicos relacionados com a interpretação da Sexta Directiva, o Supremo Tribunal Administrativo submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)Em que sentido deve ser interpretado o artigo 19.° da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (77/388/CEE)?

2)O artigo 23.°, n.° 4, do CIVA é compatível com o citado normativo, quando interpretado no sentido de que, sendo o sujeito passivo uma empresa que se dedica à actividade imobiliária, efectuando obras em dois sectores de actividade, sendo um a construção de edifícios para venda (isento de IVA) e outro o de empreitadas (sujeito a esse imposto), para calcular a percentagem de dedução de IVA ou pro rata suportado por aquele sujeito passivo na aquisição de bens e serviços afectos a ambas as actividades, deve considerar-se no denominador da fracção para o seu cálculo, para além do volume anual de negócios, o valor de obras em curso no final de cada ano e ainda não comercializadas e cujo valor não foi recebido total ou parcialmente?

3)Ou no sentido de só abranger o volume de negócios?»

IV – Quanto às questões prejudiciais

13.      Atendendo ao teor e à redacção das três questões prejudiciais, considera-se necessário examinar a respectiva admissibilidade.

14.      Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, este pode recusar decidir a questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando é manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas  (6) .

15.      Não obstante a primeira questão prejudicial conter um pedido de interpretação de uma norma de direito comunitário, a sua formulação é de tal modo geral que não é possível responder-lhe por si só.

16.      Pelo contrário, a segunda questão prejudicial suscita um problema frequentemente assinalado pelo Tribunal de Justiça. Assim, esta questão prejudicial tem por objecto a apreciação da compatibilidade do direito nacional, designadamente do artigo 23.°, n.° 4, do CIVA, com uma norma de uma directiva. As questões relativas à compatibilidade do direito nacional com o direito comunitário não são, porém, admissíveis em processos de reenvio prejudicial.

17.      De resto, a decisão de reenvio apenas contém indicações sucintas sobre o direito nacional, em especial no que se refere à redacção do artigo 23.° do CIVA.

18.      Por conseguinte, afigura-se duvidoso se a decisão de reenvio cumpre as exigências fixadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual o quadro legal nacional também deve ser definido com carácter suficiente para permitir ao Tribunal dar uma resposta útil.

19.      De resto, noutro processo relativo ao imposto sobre o valor acrescentado português  (7) , o Tribunal de Justiça julgou um pedido prejudicial inadmissível, designadamente com fundamento na falta de definição suficiente do quadro legal nacional, não obstante as disposições do direito nacional terem sido anexas ao despacho de reenvio. No presente processo, a decisão de reenvio não inclui, porém, nem a redacção da versão original da disposição em causa nem as alterações subsequentes.

20.      Outro critério à luz do qual deve ser apreciada a admissibilidade das questões prejudiciais consiste na exigência de que as indicações constantes das decisões de reenvio não só devem permitir ao Tribunal de Justiça fornecer respostas úteis, como também dar aos Governos dos Estados-Membros e aos restantes interessados a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. Incumbe ao Tribunal de Justiça garantir esta possibilidade, tendo em conta o facto de que, por força dessa disposição, apenas são notificadas aos interessados as decisões de reenvio  (8) .

21.      No entanto, importa referir que, no presente processo, apesar da importância da questão jurídica que lhe está subjacente, só o Estado-Membro em causa se pronunciou. Isto indica que a decisão de reenvio – que foi notificada aos outros Estados-Membros – não contém elementos suficientes.

22.      Relativamente à terceira questão prejudicial, deve dizer-se que esta tem manifestamente como objecto a interpretação do artigo 23.° do CIVA, isto é, do direito nacional. Um pedido dessa natureza é, desde logo, inadmissível segundo a redacção do artigo 234.° CE.

23.      Coloca-se agora a questão da possibilidade de reformulação dessa questão prejudicial para que a mesma seja admissível. É concebível reformulá-la no sentido de que se pede a interpretação do artigo 19.° da Sexta Directiva, em particular do conceito de «volume de negócios».

24.      A este respeito, coloca-se depois certamente a questão de saber se não se trataria de um pedido de parecer geral. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, um pedido dessa natureza não constitui, porém, um objecto admissível de um processo de reenvio prejudicial nos termos do artigo 234.° CE  (9) .

25.      Caso a questão prejudicial se destine, ao invés, a resolver um litígio concreto pendente no tribunal nacional, esse pedido seria igualmente inadmissível, um vez que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo nos termos do artigo 234.° CE, baseado numa nítida separação das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, toda e qualquer apreciação dos factos da causa se inscreve na competência do juiz nacional  (10) .

26.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não é competente para decidir da matéria de facto no processo principal ou para aplicar a medidas ou situações nacionais as regras comunitárias cuja interpretação fornece, sendo estas questões da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional. A apreciação de operações concretas da António Jorge, L. da ao abrigo do regime do imposto sobre o valor acrescentado exige, portanto, uma apreciação da matéria de facto que é da competência do juiz nacional  (11) .

27.     À luz da aplicação – certamente – rigorosa das condições de admissibilidade das questões prejudiciais por parte do Tribunal de Justiça, conclui-se no presente processo – à semelhança do que já foi declarado em relação a um pedido de decisão prejudicial anterior do mesmo tribunal nacional  (12) – que nenhuma das questões prejudiciais é admissível.

V – Conclusão

28.      Face ao exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que declare o pedido prejudicial inadmissível.


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; várias vezes alterada.


3 – Decreto-Lei n.° 394-B/84, de 26 de Dezembro de 1984 (DR, I Série, n.° 297).


4 – Decreto-Lei n.° 241/86, de 20 de Agosto de 1986 (DR, I Série, n.° 190).


5 – Decreto-Lei n.° 195/89, de 20 de Julho de 1989.


6 – V., a este respeito, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra (C-379/98, Colect., p. I-2099, n.° 39); de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital (C-390/99, Colect., p. I-607, n.° 19); de 27 de Fevereiro de 2003, Adolf Truley (C-373/00, Colect., p. I-1931, n. os  22 e segs.), e de 5 de Fevereiro de 2004, Schneider (C-380/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 22).


7 – Despacho de 11 de Julho de 2001, Caves Costa Verde (C-154/01, JO C 289, p. 8).


8 – Acórdão de 1 de Abril de 1982, Holdijk e o. (141/81 a 143/81, Recueil, p. 1299, n.° 6), e despachos de 23 de Março de 1995, Saddik (C-458/93, Colect., p. I-511, n.° 13), e de 28 de Junho de 2000, Laguillaumie (C-116/00, Colect., p. I-4979, n.° 24).


9 – Acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C-415/93, Colect., p. I-4921, n.° 60); de 10 de Dezembro de 2002, Der Weduwe (C-153/00, Colect., p. I-11319, n.° 32); de 21 de Janeiro de 2003, Bacardi-Martini e Cellier des Dauphins (C-318/00, Colect., p. I-905, n.° 42), e de 12 de Junho de 2003, Schmidberger (C-112/00, Colect., p. I-5659, n.° 32).


10 – Acórdãos de 15 de Novembro de 1979, Denkavit (36/79, Recueil, p. 3439, n.° 12); de 5 de Outubro de 1999, Lirussi e Bizzaro (C-175/98 e C-177/98, Colect., p. I-6881, n.° 37); de 22 de Junho de 2000, Fornasar e o. (C-318/98, Colect., p. I-4785, n.° 31), e de 16 de Outubro de 2003, Traunfellner (C-421/01, ainda não publicado na Colectânea, n. os  21 e segs.).


11 – Acórdão de 4 de Dezembro de 2003, EVN (C-448/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 59).


12 – Quanto à inadmissibilidade, ver, igualmente, despacho de 22 de Novembro de 2001, DAFSE/Partex (C-223/00, JO 2002, C 84, p. 32).