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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

CHRISTINE STIX-HACKL

apresentadas em 1 de Dezembro de 2005 1(1)

Processos C-181/04, C-182/04 e C-183/04

Elmeka NE

contra

Ypourgos Oikonomikon

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia)]

«Imposto sobre o valor acrescentado – Isenções – Isenção do fretamento de barcos – Âmbito de aplicação»





I –    Introdução

1.     No presente processo prejudicial, o Symvoulio tis Epikrateias (Grécia) solicita ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 15.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho (2), relativamente à isenção de operações de exportação, de operações equiparadas e de transportes internacionais no que se refere aos montantes dos fretes relativos ao transporte de combustíveis para abastecimento de barcos afectos à navegação no alto mar. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, caso esta isenção não seja aplicável, em que medida a actuação da Administração Fiscal pode fundamentar, de acordo com o princípio da protecção da confiança legítima, uma confiança legítima do sujeito passivo que impeça a aplicação retroactiva do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»).

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

2.     O artigo 15.° da Sexta Directiva prevê, em resumo, o seguinte:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[…]

4.      As entregas de bens destinados ao abastecimento de barcos:

a)      Afectos à navegação no alto mar, e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca;

b)      De salvamento e de assistência no mar, ou afectos à pesca costeira, com excepção, relativamente a estes últimos, das provisões de bordo;

[…]

5.      A entrega, transformação, reparação, manutenção, fretamento e locação dos barcos referidos nas alíneas a) e b) do n.° 4 e bem assim a entrega, locação, reparação e manutenção dos objectos – incluindo o equipamento de pesca – incorporados nos referidos barcos ou que sejam utilizados na sua exploração.

[…]

8.      As prestações de serviços que não sejam as referidas no n.° 5, destinadas às necessidades directas dos barcos aí referidos e da respectiva carga.

[…]»

B –    Direito nacional

3.     O artigo 22.° da Lei 1642/1986, que transpôs a Sexta Directiva para o direito grego, na versão aplicável à época dos factos do presente litígio, estabelecia, em resumo:

«(1)      São isentos do imposto:

a)      a entrega e a importação de navios afectos à navegação mercante ou de pesca pelos sujeitos passivos de IVA à taxa normal ou destinados a qualquer outra exploração, ao desmantelamento ou ao uso das forças armadas ou dos poderes públicos em geral, a entrega e a importação de embarcações de salvamento e assistência no mar, assim como de objectos e materiais destinados a ser incorporados ou utilizados em navios ou embarcações de salvamento no mar. Exceptuam-se as embarcações destinadas a actividades de recreio ou desporto;

[…]

c)      a entrega e a importação de combustíveis, lubrificantes, provisões e outros bens destinados ao abastecimento de barcos, embarcações e aeronaves isentos nos termos das disposições das alíneas a) e b). No que se refere aos barcos e embarcações de transporte da frota mercante nacional, ou destinados a qualquer outra exploração no país, assim como os navios de pesca que pescam nas águas territoriais gregas, a isenção limita-se aos combustíveis e aos lubrificantes;

d)      o fretamento de barcos e o aluguer de aeronaves destinados à realização de ulteriores operações tributáveis ou de operações isentas com direito de dedução do imposto das operações a montante. Exceptuam-se o fretamento e o aluguer de navios e aeronaves destinados a actividades de recreio ou desporto. […]»

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

4.     A sociedade Elmeka explora um navio-cisterna de sua propriedade, com o qual efectua no interior do país o transporte de produtos petrolíferos por conta de diversos afretadores que comercializam combustíveis líquidos.

5.     No decurso da fiscalização tributária à escrita da sociedade relativa aos anos de 1994, 1995 e 1996, as autoridades fiscais nacionais concluíram que entre os afretadores da sociedade se encontrava a sociedade Oceanic International Bunkering, com sede no Panamá, cujo objecto social é o comércio de produtos petrolíferos e lubrificantes. As autoridades fiscais concluíram ainda que a sociedade Elmeka não cobrou à referida sociedade o IVA sobre o frete bruto relativo ao transporte dos produtos petrolíferos destinados ao abastecimento de barcos no interior do país, com o fundamento de que esses contratos estavam isentos de IVA.

6.     Por requerimento de 21 de Junho de 1994, a recorrente colocou ao Serviço de Finanças (contribuições navais) do Pireu a questão de saber se ela, relativamente ao abastecimento, com combustíveis provenientes das refinarias do ancoradouro do porto do Pireu, de barcos que navegam no estrangeiro, estava legalmente obrigada a incluir o IVA nos conhecimentos de carga emitidos à sociedade Oceanic International Bunkering (carta-partida) ou se estava dele isento, com base na Lei 1642/1986 – e, nesse caso, segundo que procedimento. Por carta de 24 de Junho de 1994, o referido serviço respondeu que os mencionados conhecimentos de carga estavam isentos de IVA.

7.     Com o fundamento de que, na sequência da revogação da isenção de IVA para os transportadores de produtos petrolíferos, que produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1993, as prestações de serviços da recorrente ficaram sujeitas a IVA, uma vez que tinham lugar no interior do país, as autoridades fiscais competentes emitiram, em 5 de Junho de 1997, decisões relativas aos anos fiscais em litígio, ou seja, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1994 (processo C-183/04), de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1995 (processo C-182/04) e de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1996 (processo C-181/04), com as quais foi exigida à recorrente o pagamento do diferencial de imposto, bem como de um agravamento fiscal relativamente a cada ano, por declarações incorrectas, e ainda o pagamento de uma coima.

8.     A recorrente interpôs recurso destas decisões em primeiro lugar para o Dioikitiko Protodikeio [tribunal administrativo de primeira instância] do Pireu, que lhe negou provimento. Desta decisão a recorrente interpôs recurso para o Dioikitiko Efeteio (tribunal administrativo de segunda instância) do Pireu, o qual anulou parcialmente a decisão do tribunal de primeira instância, por considerar, essencialmente, que se a actuação da Administração, traduzida em declarações expressas, criou no sujeito passivo uma confiança que se protraiu no tempo e que é legítima à luz da experiência geral, de não estar sujeito a IVA, com a consequência de que não tinha de o repercutir nos consumidores finais, a aplicação retroactiva do imposto não é admissível quando com isso se ponha em causa a estabilidade financeira da empresa em causa. Contudo, a recorrente não alegou o perigo de rotura financeira. Além disso, o Dioikitiko Efeteio decidiu que a isenção de IVA apenas se aplicava a entregas de combustíveis feitas directamente pelos fornecedores, e não ao transporte por conta dos fornecedores através de transportadores como a recorrente. Em consequência, o Dioikitiko Efeteio decidiu que a recorrente era devedora do montante do imposto, em singelo, mas não do agravamento fiscal nem da coima, visto que a recorrente se limitou a seguir as indicações da Administração Fiscal.

9.     A recorrente interpôs recurso desta sentença para o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado). No âmbito deste processo, o Symvoulio tis Epikrateias submeteu ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, por decisão de 3 de Março de 2004, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Abril de 2004, as seguintes questões:

1)      O artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (Directiva 77/388/CEE do Conselho), para o qual o artigo 15.°, n.° 5, da directiva remete, diz respeito ao [fretamento] tanto dos barcos afectos à navegação no alto mar e que asseguram o transporte remunerado de passageiros como ao dos barcos afectos ao exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca, ou diz respeito unicamente ao [fretamento] dos barcos afectos à navegação em alto mar, de forma que na segunda hipótese a disposição prevista pelo artigo 22.°, n.° 1, alínea d), da Lei 1642/1986 é mais ampla no que se refere à categoria dos barcos a que o [fretamento] previsto na directiva diz respeito?

2)      Para efeitos da isenção do imposto nos termos do artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva, a prestação de serviços deve ser efectuada [ao] próprio armador ou a isenção é concedida mesmo que a prestação seja efectuada [a] um terceiro, com a única condição de que seja efectuada para as necessidades imediatas dos barcos referidos no n.° 5 do mesmo artigo, ou seja, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 4 deste artigo?

3)      É permitido, e em que condições, segundo as regras e princípios de direito comunitário que regulam o imposto sobre o valor acrescentado, [aplicar retroactivamente] o imposto […] quando a sua não repercussão pelo sujeito passivo, durante esse período, sobre o co-contratante e, por conseguinte, o não pagamento do imposto à Administração, se ficou a dever ao facto de o sujeito passivo se ter convencido, devido [à actuação] da Administração Fiscal, de que não tinha que repercutir este imposto?

IV – Quanto à primeira questão prejudicial

10.   Para determinar se os montantes dos fretes em questão, relativos ao transporte de combustíveis, são abrangidos pela isenção prevista no n.° 5 ou no n.° 8 do artigo 15.° da Sexta Directiva, o órgão jurisdicional de reenvio, com a sua primeira questão, pretende essencialmente saber, em primeiro lugar, se o critério introduzido no artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva – para que remetem os dois números anteriormente citados – de afectação à «navegação no alto mar» apenas se refere aos barcos utilizados para o transporte remunerado de passageiros ou se se refere igualmente aos barcos mencionados nesta disposição que são utilizados em actividades comerciais, industriais ou de pesca.

A –    Principais argumentos das partes

11.   A Comissão é de opinião que as disposições do artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva, abrangem apenas os barcos utilizados no alto mar para o transporte remunerado de passageiros, para o exercício de actividades comerciais ou industriais ou para a pesca. Os critérios devem ser aplicados cumulativamente a todos os barcos em causa.

12.   O Governo grego partilha desta opinião.

13.   O Governo italiano, pelo contrário, é de opinião de que as disposições do artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva, devem ser interpretados no sentido de que a isenção abrange, por um lado, barcos que são utilizados no alto mar para o transporte remunerado de passageiros e, por outro, barcos que são utilizados no exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

B –    Apreciação

14.   Como referiu a Comissão nas suas observações, a maioria das versões linguísticas do artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva, apontam para que, segundo esta disposição, só sejam abrangidos pela isenção os barcos que, simultaneamente, sejam utilizados no alto mar e no transporte remunerado de passageiros, no exercício de uma actividade comercial, para fins industriais ou para a pesca. Algumas versões linguísticas permitem também a interpretação de que apenas os barcos de transporte de passageiros têm de ser utilizados no alto mar para poderem beneficiar desta isenção, de tal forma que a comparação das diversas versões linguísticas e a sua interpretação literal não conduz a nenhum resultado esclarecedor.

15.   O contexto e a finalidade da disposição em causa (3) apontam, contudo, para que o critério da afectação ao alto mar se refere a todos os tipos de embarcações mencionados nesta disposição.

16.   Refira-se, em primeiro lugar, que o artigo 15.°, n.° 4, alínea b), da Sexta Directiva, prevê expressamente uma isenção para embarcações utilizadas na pesca costeira. Como pertinentemente observou o Governo grego, esta disposição seria supérflua se o critério de utilização «no alto mar» apenas se aplicasse a barcos de passageiros e todas as embarcações utilizadas na pesca ficassem, assim, isentas de IVA, com base no artigo 15.°, n.° 4, alínea a).

17.   Em segundo lugar, esta interpretação é corroborada pelo espírito e pela finalidade da isenção em causa. A partir da epígrafe da disposição («Isenções das operações de exportação, das operações equiparadas e dos transportes internacionais») torna-se evidente que as disposições do artigo 15.° da Sexta Directiva visam genericamente isentar de IVA fornecimentos e prestações de serviços a barcos e a aeronaves utilizados no transporte internacional (4).

18.   Se o critério da utilização «no alto mar» se referir apenas aos barcos de passageiros, ficariam abrangidos pela isenção uma quantidade de barcos que nunca deixam as águas territoriais de um Estado, como, por exemplo, barcos que são utilizados no mar, mas apenas para fins de navegação costeira ou de pesca na zona económica do Estado-Membro em questão, como também barcos que são utilizados exclusivamente internamente, em águas interiores ou em rios, para fins industriais ou na pesca.

19.   Na minha opinião, uma interpretação de acordo com a qual o artigo 15.°, n.° 4, alínea a), abrange todos os barcos e não apenas os utilizados no alto mar não corresponderia, aliás, à jurisprudência constante, de acordo com a qual as isenções de IVA devem ser interpretadas de forma estrita, por constituírem derrogações ao princípio geral de que o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo (5).

20.   Tendo em conta o que precede, proponho que se responda à primeira questão prejudicial que o artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva, para o qual o n.° 5 desse mesmo artigo remete, apenas se aplica a barcos utilizados no alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

21.   Observe-se ainda, complementarmente, que cabe ao tribunal nacional determinar, à luz desta resposta, se as disposições do direito grego, no que diz respeito ao tipo de embarcações usadas para afretamento, correspondem às exigências da Sexta Directiva.

V –    Quanto à segunda questão prejudicial

22.   Com a sua segunda questão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se a isenção prevista no artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva, pressupõe que a prestação de serviço seja feita directamente ao armador de um barco, ou se pode também ser feita a um terceiro, desde que essa prestação de serviço se destine às necessidades directas desse barco.

A –    Principais argumentos das partes

23.   A Comissão e os governos grego e italiano são de opinião de que a prestação de serviço tem de ser feita directamente ao armador para poder ficar isenta de IVA, ao abrigo do artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva.

B –    Apreciação

24.   Em primeiro lugar, deve recordar-se a operação relevante no presente processo, ou seja, o transporte de combustível para abastecimento de barcos, através da Elmeka e por conta do afretador-fornecedor Oceanic International Bunkering, que vende o combustível aos armadores dos barcos em causa. Por consequência, a Elmeka faz a sua prestação de serviço não directamente a estes, mas ao afretador-fornecedor, que fornece ao armador uma prestação isenta de IVA, nos termos do artigo 15.°, n.° 4, alínea a), desde que todas as condições da isenção estejam preenchidas.

25.   Como afirmaram as partes neste processo, o Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão Velker, que a isenção prevista no artigo 15.°, n.° 4, para entregas de bens destinados ao abastecimento de barcos deve entender-se como apenas aplicável a entregas de bens ao explorador de barcos que utilize estes bens para o abastecimento do barco, não podendo portanto ser tornada extensiva às entregas desses bens efectuadas num estádio anterior de comercialização (6).

26.   Na fundamentação desse acórdão, o Tribunal de Justiça apontou para a interpretação estrita exigida relativamente a isenções de imposto, que constituem uma excepção à regra da sujeição ao imposto de operações realizadas «no interior do país» (7). Declarou ainda que as operações mencionadas no artigo 15.°, n.° 4, são isentas de imposto devido ao facto de serem equiparadas a operações de exportação, relativamente às quais a isenção prevista no artigo 15.°, n.° 1, apenas se aplica aos fornecimentos finais de bens exportados pelo vendedor ou por sua conta (8).

27.   Finalmente, remete-se para as seguintes considerações do Tribunal de Justiça no mesmo acórdão: «a extensão da isenção aos estádios anteriores à entrega final dos bens ao explorador de navios exigiria dos Estados que eles implementassem mecanismos de controlo e de fiscalização com vista a assegurarem-se do destino último dos bens entregues com isenção do imposto. Longe de implicar uma simplificação administrativa, estes mecanismos traduzir-se-iam, para os Estados e para os operadores em causa, em obrigações que seriam inconciliáveis com a ‘aplicação correcta e simples das isenções’ prescrita pela primeira frase do artigo 15.° da Sexta Directiva» (9).

28.   Na minha opinião, as considerações que estão na base deste acórdão são igualmente aplicáveis às isenções de prestações de serviços do artigo 15.°, n.° 8. Não se vê por que razão, no caso vertente, relativamente à aplicação de isenções de IVA, se deve distinguir entre a entrega de bens e a prestação de serviços, em ambos os casos a barcos utilizados no alto mar.

29.   Assim, tendo em conta o acórdão Velker, sou de opinião de que, analogamente ao caso previsto no artigo 15.°, n.° 4, de entregas de bens destinadas ao abastecimento de barcos de alto mar, também as prestações de serviços destinadas às necessidades directas de um barco utilizado no alto mar têm de ser feitas ao armador deste barco para poderem ser abrangidas pela isenção prevista no artigo 15.°, n.° 8.

30.   Tendo em conta o que precede, proponho que se responda à segunda questão prejudicial que a isenção prevista no artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva pressupõe que a prestação de serviço seja feita ao próprio armador.

VI – Quanto à terceira questão prejudicial

31.   A terceira questão prejudicial diz, no essencial, respeito à questão de saber em que medida as normas e os princípios comunitários referentes ao IVA, especialmente os princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, se opõem à aplicação retroactiva do imposto nas circunstâncias do processo principal.

A –    Principais argumentos das partes

32.   A Comissão alega, relativamente a esta questão, que a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativamente à revogação de actos administrativos constitutivos de direitos, assim como a jurisprudência relativa à protecção da confiança e da segurança jurídicas no quadro do IVA, conduzem, no presente caso, à aplicação do princípio da protecção da confiança a favor do sujeito passivo. Na audiência, a Comissão alegou, todavia, que o facto, alegado pelo Governo grego apenas nas suas observações escritas sobre o pedido prejudicial, de que a informação sobre a isenção fiscal da Elmeka não foi comunicada pela entidade competente, pode conduzir a outra solução.

33.   O Governo grego parte do princípio de que a aplicabilidade do princípio da protecção da confiança se deve basear numa ponderação entre a existência de uma confiança passível de protecção, por um lado, e o princípio da legalidade, por outro. A regulamentação comunitária do IVA não se opõe à cobrança retroactiva do IVA, neste caso, porque a alegada confiança do contribuinte decorre, nomeadamente, do facto de um órgão fiscal, a requerimento da recorrente, ter emitido, sem para tal ser legalmente competente, a informação aqui em apreço.

34.   O Governo italiano alega que, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial ao acórdão Gemeente Leusden (10), a ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, por um lado, e o dever de cumprir a regulamentação comunitária em matéria de IVA, por outro, conduz necessariamente a que o Estado-Membro deva exigir o pagamento do IVA, mas não o pagamento de coimas ou de juros.

B –    Apreciação

35.   A título introdutório, deve recordar-se que a execução da regulamentação comunitária é feita, basicamente, através das disposições formais e materiais do direito nacional, com observância porém dos limites estabelecidos pelo direito comunitário, incluindo os princípios gerais do direito comunitário (11).

36.   O mesmo vale para a aplicação e cobrança do IVA pelas autoridades nacionais. A Sexta Directiva não regula a aplicação retroactiva do IVA num caso como o do presente processo. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, e em que medida, tal aplicação retroactiva é admissível, especialmente tendo em conta a circunstância de que, através da informação da Administração Fiscal, foi criada a confiança do sujeito passivo na isenção da sua operação.

37.   Quanto a este ponto, deve observar-se, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da protecção da confiança legítima integra a ordem jurídica comunitária e, como tal, deve ser observado quer pelos órgãos comunitários quer pelos Estados-Membros na execução do direito comunitário – e, designadamente, pelos órgãos nacionais encarregados de aplicar o direito comunitário (12).

38.   Daqui concluiu o Tribunal de Justiça, por um lado, que deve considerar-se admissível que o direito nacional proteja a confiança legítima e a segurança jurídica em áreas como, por exemplo, a repetição de auxílios comunitários indevidamente pagos. Mas as normas do direito nacional não devem tornar impossível na prática ou excessivamente difícil a aplicação da regulamentação comunitária, devendo o direito nacional ser aplicado sem diferenças relativamente aos processos em que são decididas questões idênticas de natureza puramente nacional. Além disso, o interesse da Comunidade deve ser integralmente respeitado (13).

39.   Por outro lado, num conjunto de acórdãos, o Tribunal de Justiça apreciou medidas nacionais, especialmente actos normativos nacionais no domínio do IVA, aferindo-as directamente com base nos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica (14).

40.   Assim, decidiu, por exemplo, que a qualidade de sujeito passivo, uma vez reconhecida, já não pode ser retirada com efeito retroactivo, excepto em situações fraudulentas ou abusivas, sem infringir os princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, pois isso privaria o sujeito passivo, com efeito retroactivo, do direito de deduzir o IVA sobre as despesas de investimento que efectuou (15).

41.   Nestes processos, o que estava em causa era saber se as normas de direito nacional, e suas alterações, podem fundamentar uma confiança legítima (16). Porém, no caso vertente, coloca-se a questão de saber se, e em que medida, uma declaração errada da Administração Fiscal pode fundamentar essa confiança.

42.   Na minha opinião, em princípio nada impede que uma actuação da Administração Pública possa fundamentar a confiança legítima no plano do direito comunitário, porque o princípio da protecção da confiança, no sentido que lhe deu a jurisprudência do Tribunal de Justiça, e como já afirmei (17), deve ser observado por todas as entidades encarregadas de aplicar o direito comunitário. O Tribunal de Justiça, como já referi (18), confirmou igualmente, com base na aplicação do princípio comunitário da protecção da confiança a casos de auxílios indevidamente pagos, a admissibilidade de princípio das disposições nacionais relativas à protecção da confiança. No caso dos auxílios, o facto típico gerador da confiança normalmente também é constituído pela actuação da Administração.

43.   Por outro lado, o Tribunal de Justiça, num conjunto de acórdãos relativos a enganos ou erros de organismos ou entidades nacionais na aplicação do direito comunitário, decidiu que «a prática de um Estado-Membro não conforme com a regulamentação comunitária não pode dar origem à confiança legítima invocável pelo operador económico beneficiário da situação assim criada» (19).

44.   Sou, no entanto, de opinião de que também desta jurisprudência não decorre que, num caso como o do presente processo, não possa existir uma confiança digna de protecção.

45.   O que está na base desta jurisprudência é antes a ideia de que uma prática nacional «contra uma disposição precisa do direito comunitário» (20) não pode conduzir, através do princípio da protecção da confiança legítima, à não aplicação da regulamentação comunitária em causa. Em campos como o dos auxílios, o das restituições à exportação ou o dos recursos próprios da Comunidade, em que por vezes os Estados-Membros não têm qualquer interesse próprio directo na correcta aplicação das pertinentes disposições comunitárias, deve ser tido em conta também o interesse geral. Neste contexto, deve impedir-se, mediante uma aplicação restritiva do princípio da protecção da confiança legítima, que os Estados-Membros, através da sua actuação contrária ao direito comunitário, possam frustrar a plena aplicação do direito comunitário ao operador económico.

46.   Um pouco diferente me parece dever ser julgada a situação relativamente à cobrança do IVA, que é primacialmente do interesse do Estado-Membro. Neste caso, é muito menor o risco de um Estado-Membro, através das suas próprias práticas contrárias ao direito comunitário, prejudicar a plena aplicação do direito comunitário em favor de um operador económico e em prejuízo da Comunidade. Neste contexto, suscita-se antes a questão da protecção do operador económico face à prática administrativa do Estado-Membro na aplicação do direito comunitário e não se vê por que razão um operador económico não poderia invocar o princípio da protecção da confiança legítima contra as autoridades desse Estado-Membro.

47.   Assim, sou de opinião de que a Sexta Directiva, interpretada à luz do princípio da protecção da confiança legítima, pode obstar em larga medida à aplicação retroactiva do imposto, quando, devido a uma informação errada da Administração Fiscal nacional, tenha sido criada uma confiança legítima por parte do sujeito passivo do imposto.

48.   Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao princípio da protecção da confiança legítima, é necessário que o sujeito passivo esteja de boa fé relativamente à aplicação da isenção (21).

49.   Em minha opinião, no caso em apreço, são particularmente importantes dois aspectos, designadamente, por um lado, a cognoscibilidade da incorrecção da informação fiscal e, por outro, a aptidão da actuação da Administração Fiscal para, por si só, fundamentar a boa fé do sujeito passivo relativamente à isenção da sua operação.

50.   Quanto à questão da cognoscibilidade da incorrecção da informação fiscal, deve observar-se que o Tribunal de Justiça, em processos referentes ao direito dos auxílios de Estado e no que diz respeito ao princípio da protecção da confiança, estabeleceu requisitos exigentes relativamente ao operador económico, uma vez que apenas admite que este pode confiar na legalidade do auxílio que lhe foi concedido se o mesmo o tiver sido com observância do processo previsto no artigo 88.° CE. O Tribunal de Justiça fala aqui de um «operador económico diligente», que «deve normalmente estar em condições de se assegurar de que esse processo foi respeitado» (22). Neste caso, o Tribunal de Justiça referia-se, porém, a um aspecto do processo de concessão de auxílios que ainda é relativamente fácil de conhecer, ao passo que no presente processo se trata da legalidade de uma isenção fiscal, ou seja, de um aspecto material de cuja correcção a empresa em causa dificilmente se pode «assegurar» (23).

51.   Neste contexto, tem também de se reconhecer que a isenção fiscal em litígio, como resulta claro das respostas às duas primeiras questões prejudiciais, permite várias interpretações e que as disposições pertinentes da Sexta Directiva, em minha opinião, não são tão «claras» que o sujeito passivo não pudesse, neste caso, confiar de boa fé na correcção material da informação da Administração Fiscal.

52.   No que concretamente diz respeito à aptidão da actuação da Administração Fiscal para fundamentar a boa fé do sujeito passivo relativamente à aplicação da isenção fiscal à sua operação, cabe ao tribunal nacional avaliar se, nas circunstâncias concretas deste processo, a boa fé do sujeito passivo pode ser afirmada (24).

53.   A circunstância, alegada pelo Governo grego na audiência, de que a informação foi prestada por um órgão da Administração Fiscal que não tinha competência para a prestar, apenas pode jogar contra a boa fé do sujeito passivo se essa incompetência devesse ser conhecida de um operador económico normalmente diligente, o que deve ser apreciado pelo tribunal nacional. Em minha opinião, um erro de um órgão da Administração Pública relativo às suas competências internas não pode, sem mais, prejudicar o operador económico.

54.   Além disso, uma rápida correcção do erro, ou esclarecimento da incompetência do órgão prestador da informação, seria uma circunstância contra a boa fé do sujeito passivo.

55.   Por todo o exposto, proponho que se responda à terceira questão prejudicial que a Sexta Directiva, interpretada à luz do princípio da protecção da confiança, obsta à aplicação retroactiva do imposto, se, através de uma informação de um órgão fiscal nacional, tiver sido criada a confiança legítima na isenção de uma operação como a do processo principal. Cabe ao tribunal nacional decidir, com base nas circunstâncias concretas do processo principal, se essa confiança legítima se verifica, o que pressupõe que o sujeito passivo tenha agido de boa fé. A incompetência do órgão da Administração Fiscal que prestou a informação incorrecta em causa só pode infirmar a boa fé do sujeito passivo se, na opinião do tribunal nacional, um operador económico médio diligente tivesse a obrigação de a conhecer. Além disso, a boa fé do sujeito passivo pode ainda ser infirmada com base na rápida correcção do erro ou no esclarecimento da incompetência do prestador da informação.

VII – Quanto às despesas

56.   As despesas dos Governos italiano e grego, bem como da Comissão, não são reembolsáveis. Quanto às partes no processo principal, este processo é um incidente do processo principal pendente no tribunal nacional, pelo que a questão do pagamento das despesas é da competência desse tribunal.

VIII – Conclusão

57.   Por todo o exposto, proponho que se responda ao tribunal de reenvio:

1)         O artigo 15.°, n.° 4, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, para o qual o n.° 5 desse mesmo artigo remete, apenas se aplica a barcos utilizados no alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca.

2)         A isenção prevista no artigo 15.°, n.° 8, da Sexta Directiva pressupõe que a prestação de serviço seja feita ao próprio armador.

3)         A Sexta Directiva, interpretada à luz do princípio da protecção da confiança, obsta à aplicação retroactiva do imposto, se, através de uma informação de um órgão fiscal nacional, tiver sido criada a confiança legítima na isenção de uma operação como a do processo principal. Cabe ao tribunal nacional decidir, com base nas circunstâncias concretas do processo principal, se essa confiança legítima se verifica, o que pressupõe que o sujeito passivo tenha agido de boa fé. A incompetência do órgão da Administração Fiscal que prestou a informação incorrecta em causa só pode infirmar a boa fé do sujeito passivo se, na opinião do tribunal nacional, um operador económico médio diligente tivesse a obrigação de a conhecer. Além disso, a boa fé do sujeito passivo pode ainda ser infirmada com base na rápida correcção do erro ou no esclarecimento da incompetência do prestador da informação.


1 – Língua original: alemão.


2 – De 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).


3 – V. acórdãos de 24 de Fevereiro de 2000, Comissão/França (C-434/97, Colect., p. I-1129, n.° 22), e de 27 de Março de 1990, Cricket St. Thomas (C-372/88, Colect., p. I-1345, n.° 19).


4 – A Comissão confirmou esta interpretação numa proposta posterior de regulamentação mais detalhada do IVA relativo ao abastecimento dos navios, aeronaves e comboios utilizados no comércio internacional: v. proposta de 23 de Janeiro de 1980 de uma Directiva do Conselho relativa ao regime comunitário em matéria de imposto sobre o valor acrescentado e de impostos sobre o consumo relativo ao aprovisionamento dos navios, aeronaves e comboios utilizados no comércio internacional (JO C 31, p. 10). Na fundamentação da proposta lê-se que a Sexta Directiva «no artigo 15.° contém disposições que, sob determinadas condições, isentam de IVA os fornecimentos de bens destinados ao abastecimento de navios e aeronaves utilizados no comércio internacional».


5 – Acórdãos de 20 de Novembro de 2003, Unterpertinger (C-212/01, Colect., p. I-13859, n.° 34), de 10 de Setembro de 2002, Kügler (C-141/00, Colect., p. I-6833, n.° 28), de 5 de Junho de 1997, SDC (C-2/95, Colect., p. I-3017, n.° 20), e de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties/Staatssecretaris van Financiën (348/87, Colect., p. 1737, n.° 13).


6 – Acórdão de 26 de Junho de 1990, Velker International Oil Company (C-185/89, Colect., p. I-2561, n.os 22 e 30).


7 – V. n.os 19 e 20 do acórdão.


8 – V. n.os 21 e 22 do acórdão.


9 – V. n.° 24 do acórdão.


10 – Acórdão de 29 de Abril de 2004, Gemeente Leusden e Holin Groep (C-487/01 e C-7/02, Colect., p. I-5337).


11 – Acórdãos de 9 de Outubro de 2001, Flemmer e o. (C-80/99, C-81/99 e C-82/99, Colect., p. I-7211, n.° 55), e de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor/Alemanha (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.° 17).


12 – Neste sentido, v., entre outros, acórdãos de 26 de Abril de 1988, Hauptzollamt Hamburg-Jonas/Krücken (316/86, Colect., p. 2213, n.° 22); de 1 de Abril de 1993, Lageder e o. (C-31/91 a C-44/91, Colect., p. I-1761, n.° 33); de 3 de Dezembro de 1998, Belgocodex (C-381/97, Colect., p. I-8153, n.° 26), e de 8 de Junho de 2000, Schloßstraße (C-396/98, Colect., p.I-4279, n.° 44).


13 – V., entre outros, acórdão de 20 de Março de 1997, Alcan Deutschland (C-24/95, Colect., p. I-1591, n.os 24 e 25), e acórdão Deutsche Milchkontor (já referido na nota 11, n.os  30 a 32).


14 – V., entre outros, acórdão de 26 de Abril de 2005, Stichting «Goed Wonen» (C-376/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 34), e os acórdãos Gemeente Leusden e Holin Groep (já referido na nota 10, n.° 69), Schloßstraße (já referido na nota 12, n.° 44), e Belgocodex (já referido na nota 12, n.° 26).


15 – Acórdão de 8 de Junho de 2000, Breitsohl (C-400/98, Colect., p. I-4321, n.os 34 a 38).


16 – V. acórdão Schloßstraße, já referido na nota 12, n.° 45.


17 – V. n.° 37, supra.


18 – V. n.° 38, supra.


19 – V. acórdão Lageder e o. (já referido na nota 12, n.° 34), e acórdãos de 16 de Novembro de 1983, Thyssen/Comissão (188/82, Recueil, p. 3721), e de 15 de Dezembro de 1982, Hauptzollamt Krefeld/Maizena (5/82, Recueil, p. 4601, n.° 22).


20 – V. referência expressa no acórdão Lageder e o. (já referido na nota 12, n.° 35), e Krücker (já referido na nota 12, n.° 24).


21 – V., entre outros, acórdãos de 16 de Julho de 1998, Olmühle e Schmidt Söhne (C-298/96, Colect., p. I-4767, n.° 29), e de 19 de Setembro de 2002, Huber (C-336/00, Colect., p. I-7699, n.° 59).


22 – V., entre outros, acórdãos de 11 de Novembro de 2004, Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão (C-183/02 P e C-187/02 P, Colect., p. I-10609, n.° 44); de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha (C-5/89, Colect., p. I-3437, n.° 14), e Alcan (já referido na nota 13, n.° 25).


23 – O Tribunal de Justiça não parece aplicar um critério único e preciso de diligência, dando antes atenção ao tipo concreto de empresa, como o «agricultor normalmente diligente»: v., por exemplo, o acórdão Huber, já referido na nota 21, n.° 58, último travessão; v. também as conclusões do advogado-geral S. Alber, de 14 de Março de 2002, apresentadas neste processo, n.° 119, de acordo com o qual «não se pode[m] impor a um agricultor as […] exigências [de obter informação autonomamente] que são […] impostas às grandes empresas […] no âmbito do direito da concorrência».


24 – V., por exemplo, acórdão Belgocodex, já referido na nota 12, n.° 26.