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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 16 de Março de 2006 1(1)

Processo C-98/05

De Danske Bilimportører

contra

Skatteministeriet

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Østre Landsret (Dinamarca)]

«Sexta Directiva IVA – Artigo 11.°, A – Matéria colectável – Imposto de registo sobre veículos automóveis»





I –    Introdução

1.     No presente processo o Østre Landsret (Dinamarca) solicita ao Tribunal de Justiça a interpretação do artigo 11.°, A, da Sexta Directiva IVA (2) (a seguir «Sexta Directiva») relativamente à relação entre o IVA e o imposto de registo sobre veículos automóveis.

2.     Este é o segundo pedido de decisão prejudicial a ser apresentado no âmbito do mesmo processo principal. No acórdão De Danske Bilimportører I (3) o Tribunal de Justiça já tinha decidido que o imposto de registo não constitui um encargo de efeito equivalente na acepção do artigo 25.° CE, na medida em que não é cobrado na importação mas aquando da matrícula e que não é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 28.° CE. A proibição de imposições internas de carácter discriminatório sobre produtos importados nos termos do artigo 90.° CE também não é aplicável dado não existir produção dinamarquesa de automóveis concorrente com as importações (4).

3.     No presente caso coloca-se a questão de saber se o imposto de registo cobrado na entrega de um veículo automóvel é incluído na matéria colectável do IVA. Actualmente a administração fiscal dinamarquesa começa por aplicar o IVA ao preço de compra do veículo que deve ser matriculado e cobra depois o imposto de registo sobre o montante total. Segundo a recorrente no processo principal, o imposto de registo deve, pelo contrário, ser incluído na matéria colectável do IVA. Na medida em que o valor do imposto de registo é progressivo, a ordem pela qual os dois impostos são aplicados ao preço influencia o montante total da carga fiscal.

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

4.     A matéria colectável no caso de operações internas é regulada no artigo 11.°, A, da Sexta Directiva que prevê, designadamente, o seguinte:

«1.      A matéria colectável é constituída:

a)      No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações;

[…]

2.      A matéria colectável inclui:

a)      Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;

b)      As despesas acessórias, tais como despesas de comissão, embalagem, transporte e seguro, exigidas pelo fornecedor ao adquirente ou ao destinatário. Os Estados-Membros podem considerar como despesas acessórias as que sejam objecto de convenção separada.

3.      A matéria colectável não inclui:

[…]

c)      As quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias. O sujeito passivo deve justificar o montante efectivo de tais despesas e não pode proceder à dedução do imposto que eventualmente tenha incidido sobre elas.»

B –    Legislação nacional

5.     A base jurídica para a cobrança do imposto de registo é a Lov om registreringspligt af motorkøretøjer m. v. (Lei relativa à obrigação de matricula de veículos automóveis e outros – a seguir «lei do imposto de registo») (5). Nos termos do § 1 desta lei o imposto incide sobre os veículos automóveis sujeitos a matrícula nos termos do código da estrada. O imposto de registo é exigível no momento da apresentação do veículo para matrícula. Sem matrícula (e, consequentemente, sem pagamento do imposto) os veículos automóveis não podem circular nas vias públicas.

6.     Nos termos do § 8, n.° 1, da lei do imposto de registo, a base de tributação de um veículo automóvel novo é o seu preço corrente, que inclui o imposto sobre o valor acrescentado mas não o imposto previsto na presente lei. O preço corrente é determinado com base em listas de preços dos importadores, acrescido do lucro do distribuidor. O valor dos veículos automóveis usados, incluindo os veículos importados em caso de mudança de residência, é calculado nos termos do § 10 da lei do imposto de registo. Neste cálculo é considerado o preço corrente do veículo, incluindo o imposto sobre o valor acrescentado, mas não o imposto de registo.

7.     É ainda devido imposto de registo sobre veículos automóveis que sejam reparados, por exemplo, após um acidente de viação e que nessas condições não são idênticos, do ponto de vista fiscal, ao veículo automóvel sobre o qual foi pago imposto antes da reparação. Neste caso, o imposto também é calculado com base no valor de mercado do veículo automóvel, incluindo o IVA.

8.     Nos termos do § 14 da lei do imposto de registo, os vendedores profissionais de veículos automóveis sujeitos a matrícula podem efectuar o registo da sua actividade junto das autoridades fiscais e aduaneiras. Contrariamente aos vendedores de diversos produtos sujeitos a impostos sobre o consumo, não são obrigados a proceder ao registo. Consequentemente, os próprios particulares também podem requerer a matrícula. Os distribuidores registados beneficiam apenas da facilidade de não terem que pagar em dinheiro o imposto de registo aquando da apresentação de um veículo, podendo também fazê-lo através de transferência bancária.

III – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

9.     A De Danske Bilimportører, recorrente no processo principal (a seguir «DBI»), é a associação dos importadores de automóveis dinamarqueses. Em 14 de Janeiro de 1999, comprou um veículo automóvel novo para ser utilizado pelo director da associação. Como é usual na compra realizada através de um importador ou do seu distribuidor, o vendedor efectuou a matrícula do veículo em nome do comprador e obteve as chapas de matrícula. Em seguida, entregou o veículo matriculado ao comprador.

10.   O vendedor apresentou à DBI uma factura do veículo com indicação do preço global deste, incluindo o imposto de registo (297 456 DKK) e o imposto sobre o valor acrescentado, no montante de 498 596 DKK, que correspondia ao preço ao consumidor. Em detalhe, a composição do preço era a seguinte:

(1)      Preço final do distribuidor para o veículo, sem IVA e impostos,

(2)      IVA normal sobre 25% do preço (1),

(3)      Imposto de registo sobre a soma das verbas (1) e (2), com determinadas deduções e adaptações.

11.   Segundo a DBI, o preço global deveria, pelo contrário, ter sido calculado da seguinte forma:

(1)      Preço final do distribuidor.

(2)      Imposto de registo

(3)      IVA calculado sobre as verbas (1) e (2).

12.   O método de cálculo defendido pela DBI originaria uma redução da carga fiscal de 14 899 DKK. A diferença resulta do carácter progressivo do imposto de registo.

13.   O Østre Landsret submeteu, a este respeito, ao Tribunal de Justiça, por decisão de 11 de Fevereiro de 2005, as seguintes cinco questões prejudiciais nos termos do artigo 234.° CE.

1.      O artigo 11.°, A, n.° 2, alínea a), conjugado com o artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva IVA, deve ser interpretado no sentido de que um imposto de registo que incide sobre a matrícula de veículos automóveis (automóveis de turismo) deve ser incluído na matéria colectável do IVA quando é celebrado um contrato de venda para entrega de um veículo automóvel novo com vista ao seu uso para transporte de passageiros, no caso de o veículo, em conformidade com o contrato de venda e o uso pretendido pelo comprador, ser entregue pelo distribuidor ao consumidor devidamente matriculado por um preço global que inclui o preço pago ao distribuidor e o imposto?

2.      Um Estado-Membro pode estruturar o seu sistema fiscal de modo a que o imposto de registo seja considerado um adiantamento que o distribuidor efectua por conta do comprador final, pelo que comprador final é que é o sujeito passivo directo?

3.      No que se refere às questões 1 e 2, tem importância o facto de um automóvel de turismo poder ser comprado e entregue sem que seja pago o imposto de registo, o que poderá suceder se o comprador não tiver a intenção de utilizar o automóvel para o transporte de pessoas ou bens num território onde vigora o código da estrada?

4.      É relevante o facto de veículos automóveis usados serem importados ou introduzidos no território, em quantidades significativas, em caso de mudança de residência, pelo consumidor final que paga ele próprio o imposto de registo, sem a intervenção de um distribuidor?

5.      É relevante que o facto gerador e a exigibilidade do imposto de registo tenham ocorrido – eventualmente a título de adiantamento – antes da ocorrência do facto gerador e da exigibilidade do IVA?

IV – Apreciação jurídica

14.   O ponto principal do pedido de decisão prejudicial é constituído pela primeira questão prejudicial relativa à interpretação das disposições sobre a matéria colectável do artigo 11.°, A, da Sexta Directiva relativamente à inclusão ou à exclusão de um imposto como o imposto de registo sobre veículos automóveis. As questões 2 a 5 respeitam a aspectos secundários, subordinados aos abordados na primeira questão, que podem ter relevância na apreciação dos impostos em concreto. Por conseguinte, é oportuno examinar as questões conjuntamente.

A –    Observação preliminar quanto à interpretação do artigo 11.°, A, da Sexta Directiva

15.   Com base na regra geral do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva, a matéria colectável de uma entrega efectuada no território do país é constituída pelo valor da contrapartida, isto é, em geral, o preço pago. Os n.os 2 e 3 concretizam com mais pormenor os montantes que devem ser incluídos na matéria colectável (n.° 2) e os que devem ser excluídos desta (n.° 3). Estas disposições devem ser examinadas em primeiro lugar (6). O princípio básico expresso no n.° 1 permanece certamente relevante em sede de interpretação dos n.os 2 e 3.

16.   Em conformidade com o artigo 11.°, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, a matéria colectável inclui, em particular, os impostos e demais encargos. Esta norma é, à primeira vista, surpreendente. Com efeito, leva a que um encargo ou imposto sejam, por seu turno, sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado, apesar de o pagamento de um imposto não implicar, em si, a criação de valor.

17.   A disposição em causa torna-se compreensível quando interpretada à luz do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva e só se aplica a encargos tão estreitamente relacionados com a entrega de bens que são incluídos no valor desta prestação. A contrapartida, que constitui o critério geral da tributação, deve correspondentemente referir-se à entrega de bens incluindo o encargo ou imposto contido no seu valor. Resulta designadamente da jurisprudência que só é incluída na matéria colectável a contrapartida que tiver um vínculo directo com a prestação (7).

18.   É decisivo para a inclusão de um imposto no valor do bem entregue o facto de a pessoa que realiza a entrega ter pago o imposto actuando em seu nome e por sua própria conta. Neste caso, a contrapartida relevante para a matéria colectável abrange o correspondente montante de imposto. Por conseguinte, os impostos especiais de consumo sobre os óleos minerais, o álcool e as bebidas alcoólicas e os tabacos manufacturados, para os quais a Directiva 92/12 (8) instituiu um regime geral, são incluídos na matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado. Com efeito, estes impostos devem, em geral, ser pagos por quem coloca os bens no mercado.

19.   Em contrapartida, os impostos não fazem parte da matéria colectável quando estão registados na sua contabilidade em contas transitórias, em conformidade com o artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva. O texto da disposição, formulado de forma abrangente, compreende, neste âmbito, qualquer tipo de «despesas», ou seja, também os impostos. Se o sujeito passivo de IVA pagar um imposto em nome e por conta do adquirente e o correspondente montante for registado na contabilidade do sujeito passivo como conta transitória, o imposto não é incluído na prestação deste. Consequentemente, através do adiantamento do imposto, o adquirente não paga uma prestação do sujeito passivo (9). Em termos materiais, nesta situação, ao invés, o adquirente paga ele próprio o imposto; o sujeito passivo só intervém de forma intercalar para realizar o pagamento.

20.   O momento em que o imposto deve ser pago não representa, pelo contrário, um critério de distinção decisivo em si mesmo. Um imposto liquidado posteriormente à entrega já não deve, em geral, ser considerado parte da matéria colectável. No entanto, nem todo o imposto liquidado antes da entrega (10) deve ser incluído na matéria colectável. Se, designadamente, o imposto for de qualificar como valor a registar na conta transitória, na acepção do artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva, não é incluído na matéria colectável, ainda que o fornecedor o tenha pago antes da entrega.

21.   Existe um consenso relativo entre as partes quanto à interpretação abstracta do artigo 11.°, A, da Sexta Directiva. Em contrapartida, não é pacífico como devem ser qualificadas, em concreto, as características do imposto de registo dinamarquês.

B –    Quanto à qualificação do imposto de registo dinamarquês

1.      Posições das partes

22.   Os Governos dinamarquês e neerlandês e a Comissão são de opinião que a matéria colectável do IVA não inclui o imposto de registo na medida em que não está ligado à entrega mas à matrícula (11). Os referidos governos consideram o imposto um montante registado na conta transitória. O distribuidor regista o veículo para o cliente, em nome do qual a matrícula também é efectuada.

23.   Pelo contrário, segundo a DBI, o imposto de registo é um imposto sobre um bem que deve ser incluído na matéria colectável. Através do imposto de registo não se tributa a utilização do veículo no tráfego, mas sim o próprio veículo. Na prática, não existe possibilidade de utilização de um veículo automóvel sem matrícula.

24.   A DBI entende que o imposto de registo é um elemento do preço. A matrícula e a compra não constituem actos separados: objecto da compra é um veículo já matriculado. O imposto de registo é exigível antes do facto gerador do IVA – a entrega do veículo. Não é possível retirar dos acórdãos Weigel e Lindfors conclusões aplicáveis ao presente problema, dado que nos processos referidos estava em causa a interpretação da Directiva 83/138.

25.   A DBI considera que o distribuidor que apresenta o veículo para matrícula não paga o imposto em nome de outrem, mas é ele próprio o sujeito passivo.

2.      Parecer

26.   A tributação de veículos automóveis não foi – salvo algumas excepções – harmonizada. Os Estados-Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito comunitário (12).

27.   A Sexta Directiva também não impõe aos Estados-Membros requisitos para a regulamentação de outros impostos cobrados no momento da entrega ou da matrícula de veículos automóveis, desde que estes não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios e não dêem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira (artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva) (13). Consoante a regulamentação que deve ser adoptada para os impostos, podem, contudo, resultar da Sexta Directiva diferentes consequências quanto ao tratamento destes impostos nacionais em matéria de IVA.

28.   Não é assim possível fazer uma afirmação de carácter geral para o tratamento dos impostos nacionais sobre veículos automóveis em matéria de IVA. Cada imposto nacional deve, ao invés, ser analisado caso a caso, atendendo às suas características.

29.   No entanto, como salienta correctamente o Governo dinamarquês, não compete neste âmbito ao Tribunal de Justiça interpretar o direito fiscal nacional. O Tribunal de Justiça pode, contudo, na interpretação da Sexta Directiva, ter em conta as características da legislação nacional que lhe foram comunicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

30.   Em primeiro lugar, reveste importância central, nesta sede, o facto de o imposto controvertido ser cobrado no acto de matrícula do veículo automóvel. O Tribunal de Justiça afirmou várias vezes que se trata de um imposto de registo e extraiu desta qualificação diversas consequências jurídicas.

31.   No acórdão De Danske Bilimportører I, concluiu que não se tratava de um imposto sobre a importação mas de uma imposição interna (14). No acórdão Comissão/Dinamarca (C-138/04) (15), transpôs as afirmações feitas nos acórdãos Weigel e Lindfors para o imposto de registo dinamarquês. Segundo estes, o imposto não se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 1.° da Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado-Membro (16). Neste contexto, o Tribunal de Justiça remeteu para o artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 83/183, que exclui expressamente do âmbito de aplicação da directiva os impostos respeitantes à utilização de bens no interior do país (17).

32.   A tese da DBI de que o imposto de registo está efectivamente ligado à entrega de um veículo automóvel e não à sua utilização não é, por conseguinte, defensável. O facto de as afirmações do Tribunal de Justiça terem sido realizadas noutro contexto jurídico não tem qualquer incidência na qualificação efectiva do imposto. Se a tese segundo a qual o imposto de registo é de facto um imposto relativo a um produto fosse correcta, o Tribunal de Justiça deveria, no acórdão De Danske Bilimportører, ter examinado o referido imposto à luz do artigo 25.° CE e não do artigo 90.° CE. Se fosse um imposto sobre a um produto constituiria um entrave às importações.

33.   Com efeito, é pouco frequente, na prática, que a entrega de um veículo novo e a sua matrícula ocorram separadamente, uma vez que os distribuidores poupam aos compradores o incómodo de apresentar o veículo para matrícula. No entanto, em termos jurídicos, a entrega e a matrícula constituem dois processos autónomos (18).

34.   Por um lado, é possível adquirir a um distribuidor dinamarquês um veículo automóvel não matriculado. Não existe efectivamente uma obrigação legal que incumba ao distribuidor de vender apenas veículos automóveis matriculados que já tenham pago imposto. Por esta razão, os distribuidores automóveis também não são obrigados a registar-se junto das autoridades fiscais.

35.   Por exemplo, um distribuidor fornece um veículo automóvel não matriculado nos raros casos em que o cliente pretende efectuar ele próprio a matrícula ou em que não é exigida matrícula por o veículo não se destinar à circulação na via pública. Assim, não é necessária matrícula quando o veículo só é utilizado no terreno de uma empresa ou é exposto num museu. A matrícula não é ainda requerida na Dinamarca quando o cliente pretende exportar o veículo da Dinamarca para o utilizar no seu local de residência noutro Estado-Membro.

36.   Por outro lado, em determinados casos são matriculados veículos automóveis que não foram directamente fornecidos por um distribuidor na Dinamarca, designadamente quando um veículo é importado de outro Estado-Membro pelo seu possuidor – por exemplo como bem transportado numa mudança de residência – ou quando um veículo reparado é novamente colocado em circulação. O pagamento do imposto de registo na Dinamarca pode ainda ser necessário quando um veículo, já matriculado noutro Estado-Membro, é utilizado por um período de tempo prolongado na Dinamarca por uma pessoa aí residente (19).

37.   A DBI refere que o imposto só está ligado à matrícula porque isso possibilita uma cobrança efectiva do mesmo. No entanto, os motivos que levaram o legislador nacional a regular em concreto um facto gerador de imposto não são relevantes para o tratamento do imposto para efeitos de IVA.

38.   Ainda que a matrícula não esteja indissociavelmente ligada à entrega, não se exclui, contudo, que seja parte da prestação do vendedor. Apontam neste sentido, à primeira vista, algumas circunstâncias referidas pela DBI. Assim, as indicações relativas ao preço de veículos automóveis na publicidade incluem, em regra, o imposto de registo. Além disso, no contrato é, em geral, acordada a entrega de um veículo matriculado.

39.   Estas circunstâncias não esclarecem, porém, a questão decisiva para a qualificação da operação, ou seja, saber se o vendedor pagou o imposto de registo em nome próprio ou em nome e por conta do cliente.

40.   O critério jurídico para responder a esta questão consta do artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva, constituindo, assim, um conceito comunitário da acção em nome e por conta de outrem e não uma regulamentação de direito civil sobre a representação e o mandato variável em função da ordem jurídica.

41.   Além disso, a apreciação do processo deve orientar-se por critérios objectivos e não pode depender apenas do acordo contratual entre o distribuidor e o comprador. Caso contrário, os elementos a incluir na matéria colectável estariam subordinados à estipulação das partes.

42.   Segundo as indicações fornecidas pelo Governo dinamarquês, a lei do imposto de registo prevê que a matrícula é requerida pelo distribuidor, mas efectuada em nome do cliente. Este entendimento é corroborado pelo facto de o distribuidor só apresentar um veículo para matrícula quando tiver celebrado um contrato de compra e venda com um comprador sobre um veículo concreto. Além disso, a matrícula é um pressuposto para a utilização do veículo na via pública, na qual só o próprio cliente tem interesse. Por último, o imposto de registo é facturado ao cliente na totalidade e como verba separada. Se a matrícula for efectuada em nome do cliente deve assumir-se que o imposto também será pago em seu nome e registado na contabilidade do distribuidor como conta transitória.

43.   Esta configuração da legislação fiscal está em perfeita conformidade com a Sexta Directiva, cujo artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), também contém uma norma expressa aplicável aos impostos sobre os montantes registados nas contas transitórias.

44.   Contudo, há outros tipos de impostos sobre os veículos automóveis que também devem ser incluídos na matéria colectável do IVA e que são lícitos. Assim, no acórdão Wisselink (20), o imposto neerlandês controvertido onerava, como imposto sobre o consumo, a entrega e a importação de veículos, o que o Tribunal de Justiça considerou admissível. Consequentemente, foi incluído na matéria colectável do IVA (21). Daqui não se podem extrair conclusões relativas ao tratamento em matéria de IVA do imposto dinamarquês, que está ligado à matrícula.

45.   A DBI contesta que o distribuidor, em conformidade com a legislação fiscal dinamarquesa, pague o imposto de registo em nome do seu cliente. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar o direito nacional de forma definitiva, a fim de dar uma resposta a esta questão.

46.   Os Governos dinamarquês e holandês e a Comissão entendem que a inclusão do imposto de registo na matéria colectável de IVA, pretendida pela recorrente, viola o princípio da neutralidade do IVA. A entrega de um veículo cuja matrícula foi previamente efectuada pelo distribuidor seria tratada de modo diferente da entrega de um veículo matriculado pelo próprio cliente após a entrega.

47.   O princípio da neutralidade implica, no essencial, que operações comparáveis sejam tributadas da mesma forma (22). Caso se concorde com da DBI, as prestações não são comparáveis, na medida em que, nuns casos é entregue um veículo não matriculado e noutros um veículo matriculado, sendo a matrícula então considerada um elemento da entrega. No entanto, como já se verificou, a matrícula não é um elemento da prestação do distribuidor. A sua prestação é, em qualquer caso, a entrega de um veículo automóvel. Por conseguinte, não seria compatível com o princípio da neutralidade do IVA tributar de forma diferente estas operações semelhantes consoante o veículo fosse matriculado pelo distribuidor antes da entrega ou pelo cliente posteriormente a esta.

48.   O Governo dinamarquês refere, por último, o risco de discriminação de veículos automóveis usados importados caso o imposto de registo fosse aplicado antes do IVA.

49.   Na falta de uma harmonização do imposto de registo sobre os veículos automóveis, os Estados-Membros podem escolher livremente o valor de referência a utilizar como matéria colectável do imposto. Como o Tribunal de Justiça afirmou, em particular no acórdão Comissão/Dinamarca (C-47/88), o artigo 90.° CE proíbe a utilização como base de tributação para os veículos usados importados de um valor menos vantajoso do que para os veículos adquiridos em território nacional (23). Por conseguinte, não seria permitido, relativamente aos veículos usados importados, calcular o imposto de registo com base no valor actual, incluindo o IVA, correspondente a esse valor, e relativamente aos veículos adquiridos em território nacional aplicar um imposto de registo com base no preço sem IVA.

50.   Esta discriminação pode ser evitada se, relativamente aos veículos usados importados, o imposto de registo for cobrado sobre o valor actual com dedução do IVA. De resto, o legislador nacional não está impedido de cobrar o imposto de registo sobre o preço líquido (sem IVA). A utilização do preço líquido como matéria colectável do imposto de registo pode ser feita independentemente de o imposto de registo ser incluído ou não na matéria colectável do IVA. A proibição de impostos nacionais discriminatórios sobre bens importados não permite retirar conclusões para a interpretação das regras relativas à matéria colectável do IVA.

V –    Conclusão

51.   Em resumo, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Østre Landsret do seguinte modo:

Um imposto de registo que incide sobre a matrícula de veículos automóveis (automóveis de turismo) que o distribuidor pagou em nome do seu cliente antes da entrega, registou na sua contabilidade como conta transitória e facturou ao cliente juntamente com o preço do veículo, não constitui um imposto que, em conformidade com o artigo 11.°, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, faz parte da matéria colectável de IVA, mas um montante que, nos termos do artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva, deve ser excluído da matéria colectável.


1 – Língua original: alemão.


2 – Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1).


3 – Acórdão de 17 de Junho de 2003, De Danske Bilimportører I (C-383/01, Colect., p. I-6065, n.os 32, 34, 35 e 42). A legislação dinamarquesa relativa ao imposto de registo sobre veículos automóveis já tinha, além disso, sido objecto dos acórdãos de 11 de Dezembro de 1990, Comissão/Dinamarca (C-47/88, Colect., p. I-4509), de 16 de Junho de 2005, Comissão/Dinamarca [C-138/04, ainda não publicado na Colectânea, passível, no entanto, de consulta em dinamarquês e francês na página Internet do Tribunal de Justiça (www.curia.eu.int)], e de 15 de Setembro de 2005, Comissão/Dinamarca (C-464/02, ainda não publicado na Colectânea).


4 – Acórdão De Danske Bilimportører I (referido na nota 3, n.os 38 e 39) e acórdão Comissão/Dinamarca (C-47/88, já referido nota 3, n.° 17).


5 – V. em geral, para conhecer mais em detalhe a estrutura dos impostos de registo na Dinamarca e noutros Estados-Membros, as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs de 27 de Fevereiro de 2003, De Danske Bilimportører (C-383/01, Colect., p. I-6065, n.os 10 e segs.).


6 – Acórdãos de 27 de Março de 1990, Boots Company (C-126/88, Colect., p. I-1235, n.os 15 e 16) e de 3 de Julho de 2001, Bertelsmann (C-380/99, Colect., p. I-5163, n.° 15).


7 – Acórdão de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics (230/87, Colect., p. 6365, n.° 11) e de 2 de Junho de 1994, Empire Stores (C-33/93, Colect., p. I-2329, n.° 12) e Bertelsmann (já referido na nota 6, n.° 17).


8 – Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1). Últimas alterações introduzidas pela Directiva 2004/106/CE do Conselho, de 16 de Novembro de 2004 (JO L 359, p. 30).


9 – V. conclusões do advogado-geral Gulmann de 3 de Março de 1993, Bally (C-18/92 Colect., p. I-2871, n.° 15).


10 – Neste âmbito, deve considerar-se como momento da entrega a transferência efectiva do veículo e não a celebração do contrato de compra e venda, na medida em que o conceito de entrega em direito comunitário pressupõe a transferência do poder de disposição de facto [v. acórdãos de 8 de Fevereiro de 1990, Shipping and Forwarding Enterprise Safe (C-320/88, Colect., p. I-285, n.os 7 e 8) e de 6 de Fevereiro de 2003, Auto Lease Holland (C-185/01, Colect., p. I-1317, n.° 32)].


11 – As partes remetem, neste contexto, para os acórdãos de 29 de Abril de 2004, Weigel (C-387/01, Colect., p. I-4981, n.° 47) e de 15 de Julho de 2004, Lindfors (C-365/02, Colect., p. I-7183, n.° 26).


12 – Acórdãos de 21 de Março de 2002, Cura Anlagen (C-451/99, Colect., p. I-3193, n.° 40) e Comissão/Dinamarca (C-464/02, já referido na nota 3, n.° 74).


13 – Acórdão de 13 de Julho de 1989, Wisselink (93/88 e 94/88, Colect., p. 2671, n.° 13).


14 – Já referido na nota 3, n.° 34.


15 – Já referido na nota 3, n.os 13 e 14.


16 – JO L 105, p.°64; EE 09 F1 p. 161.


17 – Acórdão Comissão/Dinamarca (C-138/04, já referido na nota 3, n.° 15).


18 – As afirmações do Tribunal de Justiça no acórdão de 4 de Fevereiro de 1988, Comissão/Bélgica (391/85, Colect., p. 579, n.os 25 e 26) não podem servir de base para demonstrar que o IVA e o imposto de registo devem ser considerados uma unidade, embora formalmente tenham origem em diferentes factos geradores. As referidas afirmações referem-se à situação particular do caso em discussão, que se distingue do presente caso pelo facto de os dois impostos estarem ligados por um mecanismo de imputação. O imposto complementar de registo belga destinava-se, em definitivo, a compensar uma redução do IVA resultante da correcção da matéria colectável, em conformidade com o direito comunitário.


19 – V., relativamente a esta situação: acórdão Comissão/Dinamarca (C-464/02, já referido na nota 3).


20 – Acórdão Wisselink (já referido na nota 13).


21 – Acórdão Wisselink (já referido na nota 13, n.° 22).


22 – Acórdãos de 7 de Setembro de 1999, Gregg (C-216/97, Colect., p. I-4947, n.° 20), de 10 de Setembro de 2002, Kügler (C-141/00, Colect., p. I-6833, n.° 30) e de 17 de Fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis (C-453/02 e C-462/02, Colect., p. I-1131, n.° 24).


23 – Processo C-47/88 (Comissão/Dinamarca, já referido na nota 3, n.os 21 e 22).